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Processo nº 511/2018
(Autos de recurso laboral)

Data : 8 de Novembro de 2018

Recorrente: A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada (Ré)

Recorrida : B (Autor)

*
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
    B, intentou, em 22/05/2017, junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, acção declarativa de processo comum do trabalho (LB1-17-0142-LAC), pedindo condenar a Recorrente/Ré - A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada a pagar a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$67,678.00.
    Realizado o julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte teor na parte decisiva:
     Condena-se (MOP$65,240.40) :
     * MOP$23.648,00 a título de diferenças salariais;
     * MOP$ MOP$6.195,52 a título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado;
     * MOP$23.597,92 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
     * MOP$11.798,96 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
      *
A A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, Recorrente nos autos, notificada do recurso interposto pelo Autor, em cujas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. O despacho consagra ...................
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir

* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
     2) Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
     3) Entre 01/06/2002 e 30/07/2005, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (C)
     4) Trabalhando sob ordem, direcção, instrução e fiscalização da Ré (D).
     5) Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades (E).
     6) O Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1:(F)
     * Aprovado pelo Despacho n.º 03010/IMO/SEF/2001, de 16/10/2001, com efeitos a partir de 18/01/2002 e válido até 18/01/2003 (Cfr. Doc. 2);
     * Foi substituído pelo Despacho n.º 03487/IMO/SEF/2002, de 11/11/2002, com efeitos a partir de 06/01/2003 a 15/01/2004 (Cfr. Doc. 3);
     * Foi substituído pelo Despacho n.º 00113/IMO/SEF/2004, de 14/1/2004, com efeitos a partir de 11/02/2004 a 31/01/2005 (Cfr. Doc. 4);
     * Foi substituído pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, com efeitos a partir de 18/03/2005 a 31/01/2006 (Cfr. Doc. 5);
     7) Os referidos contractos de prestação de serviço foram objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública Competente (G).
     8) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, válido até 15/03/2006 (e não 2005) foi acordado que seria “(…) sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$3.500,00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II”. (H)
     9) Entre 3/2005 e 3/2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de MOP$2.100,00. (I)
     10) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007 (mas que se manteve em vigor até Maio de 2007), foi acordado que seria “(…) sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II”. (J)
     11) Entre 4/2006 e 7/2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de MOP$2,288.00 (K).
     12) Durante 18/3/2005 a 15/3/2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor á razão de MOP$11,00 por hora (L).
     13) Durante 16/3/2006 a 30/7/2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor á razão de MOP$11,00 por hora (M).
     14) Resulta do Contrato de Prestação de Serviço n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, com entrada em vigor em 18/03/2005 e válido até 15/03/2006, que o valor mínimo de cada hora de trabalho prestado era de MOP$16,27? (1.º)
     15) Entre 18/3/2005 e 15/3/2006, o Autor trabalhou, em média, 12 horas de trabalho por dia? (2.º)
     16) O que corresponde à prestação, em média de 4 horas de trabalho extraordinário, por cada dia de trabalho prestado? (3.º)
     17) Resulta do Contrato de Prestação de Serviço n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, com entrada em vigor em 16/03/2006 e válido até 31/03/2007, que o valor mínimo de cada hora de trabalho prestado era de MOP$12,82? (4.º)
     18) Entre 16/3/2006 e 30/7/2006, o Autor trabalhou, em média, 12 horas de trabalho por dia? (5.º)
     19) O que corresponde à prestação, em média de 4 horas de trabalho extraordinário, por cada dia de trabalho prestado? (6.º)
     20) Durante o período da relação de trabalho, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de 7 dias, um período de descanso de 24 horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição? (7.º)
     21) Durante o período da relação de trabalho, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal? (8.º)
     22) Durante o período da relação de trabalho, a Ré nunca fixou ao Autor um dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal? (9.º)

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IV - FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     B, de nacionalidade nepalesa, titular do passaporte da República Democrática federal do Nepal n.º …, emitido pela autoridade competente do Nepal, em 13 de Dezembro de 2000, com residência em Kathmandu, Nepal, instaurou contra A (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$67.678,00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
     * MOP$23.648,00 a título de diferença no vencimento base;
     * MOP$8.633,00 a título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado;
     * MOP$23.598,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
     * MOP$11.799,00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
     Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 01/06/2002 e 30/07/2005 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
     Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário, a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
     Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado; a prestação de trabalho em dia de descanso semanal, e não lhe atribuiu também o correspondente dia de descanso compensatório durante todo o período da relação laboral.
     A Ré contestou defendendo, no essencial, que os contratos de prestação de serviço que servem de causa de pedir à pretensão do Autor não são aptos a criarem quaisquer direitos na sua esfera jurídica.
     Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
     A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
*
     Fundamentação jurídica:
     Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
     A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
     Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação, pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica, que nenhuma das partes põe em causa e, aliás, resulta da matéria de facto provada.
     Relativamente à questão jurídica relativa ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esfera jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o ora Autor, citando-se como exemplo, o Acórdão datado de 25.07.20131, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
     3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
     4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
      5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão-somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
      6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
     7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
     8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
     9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
     10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
     11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
     Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária de um dos contratos de prestação de serviços dados como assentes o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
*
   1) A título de diferenças salariais
     Do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 referido em 6) a 11) dos factos provados e resulta provado o seguinte:
     a) Do despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, válido entre 18/03/2005 e 15/03/2006. Segundo os factos provados o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP$3.500,00 e entre 02/2005 e 03/2006 a Ré pagou-lhe a título de salário a quantia mensal de MOP$2.100,00.
     b) Do despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, válido até 31/03/2007. Segundo os factos provados o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP$4.000,00 e entre 04/2006 e 12/2006, a Ré pagou-lhe a título de salário a quantia de MOP$2.288,00.
     A fâmula do cálculo da diferença salarial é de (salário contratual – salário pago pela Ré) x período do trabalho.
Despacho n.º
Salário contratual
Período do trabalho
Meses
Salário pago
O valor da diferença
1
00830/IMO/SEF/2005
3.500,00
03/2005
03/2006
13
2.100,00
18.200,00
2
00751/IMO/DSAL/2006
4.000,00
04/2006
7/2006
4
2.288,00
6.848,00







25.048,00
     Assim, a título de diferenças salariais deveria a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP$25.048,00, mas o Autor pede somente MOP$23.648,00, o que lhe será assim atribuído.
*
   2) A título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado
     Relativamente ao trabalho extraordinário prestado pelo Autor à Ré também se verificam diferenças entre aquilo que era devido e o efectivamente pago, tendo em mente o que dispõem os artigos 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M e a correspondente matéria assente.
      Assim, constatamos que:
     * Entre 18/03/2005 e 15/03/2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$14,58 (MOP$3.500,00/30dias/8horas, o valor mínimo da hora de trabalho assumida pela Ré), havendo uma diferença de MOP$3,58.
     * Entre 16/3/2006 e 30/07/2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$16,66 (MOP$4.000,00/30dias/8horas, o valor mínimo da hora de trabalho assumida pela Ré), mas, como o Autor pediu somente de MOP$12,82, o que lhe será assim atribuído, havendo uma diferença de MOP$1,82.
     A fâmula do cálculo da diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado é: (remuneração do trabalho extraordinário do contrato – remuneração do trabalho extraordinário pago pela Ré) x dias que prestou o trabalho extraordinário x quantidade de horas extras.
Período
Dias
Horas
Diferença
valor
18/3/2005
15/3/2006
363
4
3.58
5.198,16
16/3/2006
30/7/2006
137
4
1.82
997,36





6.195,52
     Assim, a Ré teria que pagar ao Autor a quantia global de MOP$6.195,52.
*
   3) Indemnização pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal
     O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, no período decorrido entre 01/06/2002 e 30/070/2005.
     Resulta provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor não foi remunerado com qualquer acréscimo salarial, portanto foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo.
     O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
     O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
     Segundo o acórdão do processo n.º 404/2017 do TSI, “no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, para cálculo de quantia pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descano semanal, fora das situações prevista no número 3 do art. 17.º, nem para tal constrangido pela entidade patronal.”
     Vejamos também o acórdão do processo n.º 407/2017-S do TSI: “No âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, se a recorrida não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto não art. 17.º daquele diploma legal, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.”
     Segundo ainda o acórdão do processo n.º 496/2017 do TSI, … “quanto à fórmula de compensação do descanso semanal considerando que se trata de matéria mais do que analisa e decidida por este TSI (os acórdãos n.º 396/2014; 338/2014 e 654/2014), vamo-nos remeter para Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal no sentido de que o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração corresponde, para além do salário-base já recebido, ou seja, o quantum compensatório é calculado pela fórmula seguinte: n.ºs de dias não gozados X salário diário X2.
     …
     Para o dia de descanso compensatório, a fórmula é: n.ºs de dias não gozados X salário diário X1.”
     Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2, com a redacção que resulta da acta da audiência de discussão e julgamento e que assim tem de ser devidamente compaginada com a matéria de facto provada.
Ano
Salário annual
Diário
N.º de dias devidos
e não gozados
Quantia
indemnizatória
2002
2.000,00x12M
66.66
24
3,199.68
2003
2.000,00x12M
66.66
52
6,932.64
2004
2.000,00x12M
66.66
52
6,932.64
2005
3.500,00x12M
116.66
28
6,532.96




23,597.92
     Assim, a título de indemnização dos dias de descanso semanal deveria a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP$23.597,92.
*
   4) A compensação económica pelo não gozo do dia de descanso
     Na presente acção o Autor reclama ainda a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório o que, em face das disposições legais supra citadas, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP$11.798,96.
*
     Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
***
     Decisão:
     Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP$65.240,40 (setenta e cinco mil duzentas e quarente patacas e quarenta avos), acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório pelas seguintes parcelas:
     * MOP$23.648,00 a título de diferenças salariais;
     * MOP$ MOP$6.195,52 a título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado;
     * MOP$23.597,92 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
     * MOP$11.798,96 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
*
     As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento.
     Registe e notifique.

* * *
Quid Juris?
Lidas e relidas as “conclusões” do recurso formuladas pela Recorrente/Ré, constantes de fls. 218 a 222 (sob alíneas a) a mm), no total 39 parágrafos), salvo o merecido respeito, não se percebe muito bem qual ou quais pontos da sentença que a Recorrente quer atacar através deste recurso e com fundamentos persuasivos, tirando a parte respeitante à interpretação do artigo 17º do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, que constitui foco de abordagem em vários parágrafos da conclusão do recurso.
Então vamos ver as coisas parte por parte.
    
I) Natureza do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro:
A Recorrente/Ré utilizou 2 páginas a atacar o entendimento do Tribunal a quo relativo ao Despacho em causa, defendendo que tal Despacho não fixa condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente, e como tal não é imperativo, concluindo que “o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus artigos 3º e 9º” (Sic!).
Ora, em lado nenhum o Tribunal a quo afirma que tal Despacho fixa as condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente, o entendimento do Tribunal a quo apoia-se essencialmente na doutrina exposta num acórdão do TSI, datado de 25/07/20132, em que se proclamou neste ponto:
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão-somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
Por isso, não se percebe muito bem que a Recorrente veio a recorrer o quê?
Sendo certo que o Despacho em análise não fixa directamente as condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente, não é menos certo que tal Despacho fixa um quadro legal e impõe deveres a vários serviços públicos o dever de fiscalizar o conteúdo concreto inserido nos contratos concretos de recrutamento de trabalhadores não residentes, principalmente o nº9/-c) que impõe ao então Gabinete para os Assuntos de Trabalho o dever de verificar se estão satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, ex. garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores, pagamento do salário acordado com a empresa empregadora…etc.
O que nos permite afirmar com toda a segurança que tal Despacho não fixou directamente o conteúdo mínimo de contratação de trabalhadores não residentes, mas indirectamente consagra um quadro de garantias mínimas, as quais devem ser inseridas nos respectivos contratos, verificadas e certificadas pelos serviços competentes.
É afirmação gratuita dizer que tal Despacho não tem força vinculativa!
Sobre esta questão em causa, este Tribunal já se pronunciou de forma reiterada e unânime em vários processos do mesmo género (a título exemplificativo: cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, 396/2012 e 322/2013, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011, 16/06/2011, 13/09/2012 e 25/07/2013, respectivamente), tendo concluído pela improcedência dos referidos argumentos do recurso.
Com a devida vénia e a propósito de situações iguais às que ora nos ocupam, consideramos aqui por reproduzidos os fundamentos já exarados nos arestos acima referidos, dispensando-se da respectiva transcrição, por ser uma jurisprudência bem conhecida e de algum modo sedimentada.
Julga-se, por isso, improcedente o recurso nesta parte.
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    II) Qualificação do contrato como contrato a favor de terceiro:
    A segunda questão que a Recorrente levanta neste recurso tem a ver com a natureza do contrato celebrado entre o Autor e a Ré.
    Esta defende que está mal qualificado o contrato em causa, uma vez que o Tribunal a quo entende que se trata de um contrato a favor de terceiro.
    A Ré defende que não estão verificados os requisitos do contrato a favor de terceiro.
    Salvo o melhor respeito, não é de acolher a tese da Recorrente. Aliás, ela também não chegou carrear novos elementos persuasivos para que o Tribunal altere a qualificação em causa.
    Também já é entendimento quase uniforme quer no Tribunal de 1ª Instância, quer no Tribunal de 2ª Instância que o contrato em causa é um contrato a favor de terceiro, subscrevendo nós inteiramente a argumentação tecida pelo Tribunal a quo neste ponto, a qual se dá por reproduzida aqui para todos os efeitos legais.
    Julga-se igualmente infundado o recurso nesta parte.
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III) – Diferenças salariais e Trabalho extraordinário:
Transcrevemos de propósito o que a Recorrente veio a dizer na sua douta peça de recurso:
“Diferenças salariais
Em razão de tudo o que vem de ser dito a respeito do que se considera ser o correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, é forçoso concluir que nenhum direito assiste ab initio ao A., para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes dos mesmos, razão por que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais – visto que os contratos de prestação de serviços não apontam qualquer referente de cariz imperativo que deva aproveitar ao A..
Assim, por via da qualificação jurídica que ora se preconiza, deverá a decisão recorrida ser revogada na parte respeitante às diferenças salariais e, em consequência, ser a R. absolvida do respectivo pedido.

Trabalho extraordinário
Dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto se disse a respeito da natureza e efeitos jurídicos do Despacho e dos Contratos, dos quais, como se viu, não podem emergir direitos de crédito em benefício do A..
Do que deverá também decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário.”
Pergunta-se, verdadeiramente a Recorrente veio a recorrer da decisão? Ou está a declarar mais uma vez a sua posição discordante da do Tribunal a quo?
Ela trouxe alguma “substância” para que o Tribunal ad quem analisar e decidir?
Na falta de elementos que nos compete analisar, e, face aos argumentos produzidos pela Recorrente acima transcritos, subscrevemos os doutos fundamentos constantes da sentença recorrida, os quais se dão por reproduzidos aqui para todos os efeitos legais, julgando-se, deste modo, improcedente o recurso nesta parte.
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IV – Trabalho em dia de descanso semanal:
É certo que existe entendimento diferente no que toca à compensação de dia de descanso semanal, deve pagar-se o dobro ou triplo.
É entendimento deste Tribunal:
“(…) Sobre o tema transcrevemos até, com a devida vénia, o que exarado ficou no acórdão deste TSI, n.º 780/2007:
    “O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido".
    
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
    N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
    N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
    Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
    Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
    Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
    - Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
    - O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
    Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.”
De onde se conclui que, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, se a Ré não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, (…).
O trabalhador deve assim ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo, havendo ainda que ser pago do dia compensatório em que trabalhou, tal como também consignado na douta sentença proferida.”
Mutatis mutandis, o raciocínio acima exposto vale perfeitamente para o caso sub judice, pelo que, a decisão recorrida nesta parte não merece censura.
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Em síntese conclusiva:
I - É de aplicar a uma dada relação laboral, para além do estipulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador, não residente, foi contratado e autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
II - O referido Despacho 12/GM/88 cuida do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e fixa um quadro geral de garantias mínimas para esta categoria de trabalhadores, a controlar por então entidade competente, não obstante não encerrar um conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
III – É de qualificar como um contrato a favor de terceiro um acordo em que é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
IV - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
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Pelo exposto, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
Tudo visto, resta decidir
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    V) - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente nesta instância.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 8 de Novembro de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho

(1) http://www.court.gov.mo/p/pdefault.htm .
(2) http://www.court.gov.mo/p/pdefault.htm .
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A - 2018-511 21