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Processo n.º 98/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Companhia de Desenvolvimento Imobiliário Hou Lei, Lda.
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 5 de Dezembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Declaração da caducidade do contrato de concessão
- Audiência prévia de interessados

SUMÁRIO:
Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Companhia de Desenvolvimento Imobiliário Hou Lei, Limitada, melhor identificada nos autos, interpôs o recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 27 de Março de 2017, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 3.375 m2, situado na Ilha da Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, designado por lote «SE», descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 22048, a fl. 179v do livro B106A.
Por acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 5 de Julho de 2018, foi julgado improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto impugnado.
Inconformada com a decisão, recorre a Companhia de Desenvolvimento Imobiliário Hou Lei, Limitada para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
I. O despacho do Chefe do Executivo, de 27 de Março de 2017, tornado público pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 25/2017, publicado no Boletim Oficial n.º 14, II Série, de 5 de Abril de 2017, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 3.375m2, designado por lote «SE», situado na Ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, exarado no Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 2 de Março de 2016.
II. A ora Recorrente impugnou contenciosamente contra este tal despacho de declaração de caducidade.
III. O Acórdão recorrido apreciou 3 vícios imputados ao acto, nomeadamente, 1) vício de forma por falta de audiência prévia de interessados, 2) violação do dever de averiguação, 3) erro no pressuposto de facto e de direito, e 4) violação dos princípios da justiça, da boa-fé, da tutela de confiança e da igualdade.
IV. Em matéria de vício de forma por falta de audiência prévia de interessados, entende o tribunal a quo que o despacho de caducidade não é necessário ouvir o interessado para se pronunciar sobre uma solução que automaticamente emerge da determinação administrativa primária e prévia e “a lei impõe-se, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem que esta se encontra convertida em definitiva”.
V. A falta de audiência prévia da interessada não permitiu a mesma exercer o seu direito ao contraditório, não teve a oportunidade de se pronunciar sobre se o acto está preenchido os requisitos para a sua declaração.
VI. Ora, se se apreciar a necessidade ou não de cumprir uma exigência legal prevista no artigo 93.º do Código de Procedimento Administrativo, isto é uma matéria do poder discricionário que devia ter algum suporte legal que determina tal faculdade e os seus limites.
VII. O artigo 93.º do Código de Procedimento Administrativo, em si não prevê qualquer faculdade para tal, nem em nenhuma norma legal assim o permite.
VIII. O citado preceito legal apenas prevê excepções à esta regra de audiência prévia de interessados, nomeadamente, nos artigos 96.º e 97.º do mesmo diploma.
IX. O Código de Procedimento Administrativo não dá à Administração a faculdade de decidir sobre a oportunidade da audiência prévia. É a lei que determina quando tem lugar a audiência, por isso ao tribunal a quo apenas compete verificar se existam os requisitos que podem determinar a sua omissão.
X. O douto Acórdão interpretou o artigo 93.º do CPA, no sentido de que existe tal margem de apreciação sobre a necessidade ou não ao cumprimento deste preceito legal.
XI. Ao vulgarizar-se a não audiência dos interessados é adoptada uma alteração dos princípios do direito administrativo, o que consubstancia uma intolerável violação do direito da audiência prévia.
XII. O que o Tribunal a quo devia apreciar é legalidade do acto se ferme de vício ou não sobre tal omissão, ou seja, devia apreciar se verifica pressupostos para a excepção à regra, mas não devia apreciar a necessidade para justificar a omissão.
XIII. O Acórdão recorrido viola e aplica erradamente lei substantiva, em especial n.º 1, do artigo 93.º do CPA, tudo justificativo da sua revogação.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Através de escritura pública de 25 de Janeiro de 1991, exarada a fls. 110 e seguintes do livro 281 da Direcção dos Serviços de Finanças, em conformidade com o Despacho n.º 170/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 3,375 m2, designado por lote «SE», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, a favor da «Companhia de Desenvolvimento Imobiliário Hou Lei, Limitada», com sede na Rua de Viseu, n.º 245, Edifício Leng Fong, 3.º andar, em Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º 4093 (SO) a fls. 140 do livro C.
2. A concessão foi registada na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP; ficando o terreno descrito sob o n.º 22048 a fls. 179v do livro B106A e o direito resultante da concessão inscrito a favor daquela sociedade sob o n.º 533 a fls. 86V do livro F2.
3. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento do terreno é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública.
4. Segundo o estabelecido na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício de 10 pisos, em regime de propriedade horizontal, destinado a indústria e a estacionamento.
5. O prazo de arrendamento do aludido terreno expirou em 24 de Janeiro de 2016.
Resulta ainda dos elementos constantes dos autos que:
- Por despacho proferido em 27 de Março de 2017, o Chefe do Executivo declarou a caducidade da concessão do terreno em causa, por decurso do prazo de arrendamento.
- O terreno concedido não se mostrava aproveitado dentro do prazo de arredamento.

3. O Direito
Suscita a recorrente a única questão, que se prende com a audição de interessados antes da decisão final sobre a caducidade da concessão do terreno, imputando o vício de violação e aplicação errada de lei, em especial o art.º 93.º, n.º 1, do CPA.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Nos termos do n.º 1 do art.º 93.º do CPA, “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
Ora, este Tribunal de Última Instância já teve várias ocasiões para se pronunciar sobre a questão colocada, tendo entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo1, entendimento este que se deve manter.
Ao contrário dum acto praticado no exercício do poder discricionário, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.2
No caso vertente, o acto administrativo impugnado foi praticado pelo Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa pelo decurso do prazo de arrendamento (de 25 anos) estipulado na cláusula segunda do contrato de concessão, que expirou em 24 de Janeiro de 2016.
Tal como já referimos em vários acórdãos anteriores3, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas (art.º 44.º n.º 1 da Lei de Terras).
O prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos (art.º 47.º n.º 1 da Lei de Terras).
A lei estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas, salvo a excepção prevista na lei (art.º 48.º n.ºs 1 e 2 da Lei de Terras).
Decorrido o prazo da concessão provisória, sem que a concessão se tenha tornado em definitiva, o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação do prazo de concessão provisória.
A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º da Lei de Terras). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º da mesma Lei).
Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo (25 anos, se outro não for o fixado no contrato) se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo4.
Face à falta de aproveitamento por parte da recorrente no prazo de 25 anos, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.
É de reafirmar que, ao praticar o acto impugnado, o Chefe do Executivo está a actuar no exercício dos poderes vinculados, sendo vinculado o acto praticado, pelo que não há de proceder à audiência prévia da recorrente.
De facto, não se vislumbra qual a utilidade e necessidade da audiência prévia à decisão de declaração da caducidade, que não ficaria em nada afectada pela audiência do concessionário.
E não há necessidade de falar nas excepções à regra de audiência prévia de interessados, previstas nos art.ºs 96.º e 97.º do CPA.
Improcede o recurso interposto pela recorrente.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.

Macau, 5 de Dezembro de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Cfr. Acórdãos do TUI, de 25 de Julho de 2012, Proc. n.o 48/2012; de 25 de Abril de 2012, Proc. n.o 11/2012; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
2 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
3 Cfr. Acórdãos do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.o 28/2017; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
4 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
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