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Processo n.º 88/2018. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Polymar Internacional – Fibras Ópticas, Limitada.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Contrato de concessão por arrendamento. Falta de aproveitamento dos terrenos concedidos. Não renovação das concessões provisórias na Lei de terras de 1980. Artigo 166.º das Leis de terras antiga e nova. Alteração anormal das circunstâncias. Acto vinculado. Culpa do concessionário. Alínea 3) do artigo 215.º da Lei de Terras de 2013. Conceito indeterminado.
Data da Sessão: 5 de Dezembro de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Resulta do artigo 120.º da Lei Básica que os direitos dos concessionários de terras previstos nos contratos são reconhecidos e protegidos. Nas matérias não previstas nos contratos, a lei nova poderia afastar-se do regime previsto na lei antiga, então vigente.
II – O n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras nova (Lei n.º 10/2013), que estabelece como regra que as concessões provisórias não podem ser renovadas, não é inovador. Embora a Lei antiga, n.º 6/80/M, não contivesse um preceito expresso como o n.º 1 do artigo 48.º, era também esse o regime vigente nesta Lei antiga. Dos artigos 49.º, 54.º e 55.º desta Lei já resultava que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
III – O artigo 166.º das Leis de terras antiga e nova, no que se refere à caducidade das concessões provisórias de arrendamentos de terrenos urbanos, só se afastam no segmento final da alínea 1) do n.º 1 da nova Lei (“independentemente de ter sido aplicada ou não a multa”).
IV - Cabe ao concessionário de terreno a prova de que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal e que a exigência das obrigações por ele assumidas afecta gravemente os princípios da boa-fé, não estando coberta pelos riscos próprios do contrato, de modo a impedi-lo de concluir o aproveitamento do terreno no prazo contratual.
V - Do n.º 5 do artigo 105.º da Lei de Terras de 1980 pode retirar-se que o concessionário podia apresentar justificação para o não cumprimento dos prazos.
VI - O acto do Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão por falta de aproveitamento, nos termos do artigo 166.º da Lei de Terras de 2013, é um acto vinculado.
VII - A culpa do concessionário, prevista na norma transitória da alínea 3) do artigo 215.º da Lei de Terras de 2013, constitui um conceito indeterminado, que integra actividade vinculada, de mera interpretação da lei, sindicável pelos tribunais.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Polymar Internacional – Fibras Ópticas, Limitada, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 26 de Abril de 2016, do Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão provisória por arrendamento de um terreno sito na Taipa, na zona de aterros de Pac On, designado por Lote O4b, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 538, com a área de 2 170 m2, por falta de aproveitamento, por incumprimento, no prazo fixado no contrato.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 31de Maio de 2018, negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe Polymar Internacional – Fibras Ópticas, Limitada, recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), imputando as seguintes violações ao acórdão recorrido:
- Do disposto no artigo 120.º da Lei Básica, visto os artigos 48.º, 166.º e 215.º da nova Lei de Terras violarem aquela norma, na medida em que não reconheceram nem protegeram os direitos adquiridos decorrentes dos contratos celebrados antes de 1999, por não garantirem um prazo peremptório e único para o aproveitamento dos terrenos ainda não realizados; ou seja, o Tribunal deveria proteger os direitos decorrentes dos contratos de concessão celebrados em conformidade com a Lei antes de 1999, independentemente de os terrenos estarem ou não aproveitados; a recorrente não entende nem compreende porque é que o Tribunal lhe nega a expectativa de aproveitar o terreno fora do prazo contratual;
- Do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado sobre a existência de culpa por parte da recorrente e sobre cada uma das alegadas violações dos princípios da igualdade, da boa-fé, da justiça e imparcialidade, alegadas nos artigos 5.º a 50.º e 163.º a 207.º da petição de recurso contencioso;
- Do disposto na alínea 1) do artigo 166.º, quando conjugada com as alíneas 2) e 3) do artigo 215.º da nova Lei de Terras;
- Do princípio da decisão, previsto no artigo 11.º do Código do Procedimento Administrativo, por a Administração não ter decidido o seu requerimento de 7 de Maio de 2009;
- Dos princípios da igualdade, da boa-fé, da justiça e imparcialidade, já que estes princípios são aplicáveis também aos actos vinculados, sendo que não há actos totalmente vinculados nem discricionários e que a apreciação da culpa do concessionário pelo não aproveitamento do terreno dentro do prazo tem de ser considerado um acto discricionário.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- Em 03/08/1994, foi publicado o Despacho 104/SATOP/94 (B.O. 31, II Série) através do qual foi concedido, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, o terreno com a área de 2,170m2, situado na Ilha da Taipa, na zona de aterros do Pac On, no cruzamento da Avenida Son On com a Rua do Rosário, designado por lote "O4b", a favor da Sociedade Polymar Internacional - Fibras Ópticas, Limitada.
- O terreno destinava-se à construção de um edifício industrial de um piso, para a instalação de uma unidade fabril destinado à produção de cabos de fibra óptica, a explorar directamente pela concessionária, sendo afectos às finalidades industrial e área livre.
- O prazo de aproveitamento era de 24 meses, que terminou em 02/08/1996.
- Em 28/03/1995, a concessionária apresentou a alteração do Anteprojecto de Arquitectura (T-1781).
- Em 29/06/1995, a DSSOPT enviou à concessionária o ofício 4086/DEUDEP/95 notificando-a que foi aprovado o projecto submetido pelo T-1781.
- Macau atravessou uma crise económica e financeira sem precedentes, entre 1994 e 2004, que teve o seu início com a chamada crise da economia asiática a que veio juntar-se a recessão mundial provocada pelos acontecimentos do 11/09 nos EUA, em 2001, e ainda a designada gripe asiática ou síndrome respiratória aguda que ocorreu durante 2003 e 2004 e que também deixou reflexos na economia macaense.
- Em 17/12/2007, a concessionária apresentou à DSSOPT uma alteração ao projecto de arquitectura (T-7711).
- Em 02/01/2008, a DSSOPT mandou à concessionária o ofício 00003/DURDEP/2007 solicitando a entrega de mais dois exemplares do projecto de alteração de arquitectura.
- Em resposta ao ofício 00003/DURDEP/2007, a concessionária, em 20/02/2008, apresentou à DSSOPT mais 2 plantas do projecto de alteração de arquitectura.
- Em 30/05/2008, a DSSOPT mandou à concessionária o ofício 5604/DURDEP/2008 no qual exigiu as alterações do projecto conforme aos vários pareceres que, entretanto, foram emitidos.
- Em 08/07/2008, a DSSOPT mandou à concessionária o ofício 7106/DURDEP/2008, juntando um parecer da CEM, em completamento do ofício 5604/DURDEP/2008 anteriormente enviado.
- Em 07/05/2009, a concessionária, em resposta ao ofício 5604/DURDEP/2008, apresentou à DSSOPT os projectos de alteração de arquitectura, de estrutura, de água, de electricidade e de incêndio (T- 3278).
- Em 10/07/2009, a DURDLC elaborou a Informação 4158/DURDEP/2009, na qual toma a conclusão no ponto 12:
“Perante a situação supra referida, sugiro: o projecto de alteração de arquitectura ainda deve cumprir as notas do ponto 6, 8 e 10 desta informação, do parecer que vai ser emitido pelo arquitecto deste Departamento, bem como os parecer do IACM, CB, SAAM, SEM e o parecer que vai emitido pela DSAT. Além disso, segundo o artigo 4.º do Despacho n.º 104/SATOP/94, o prazo de aproveitamento deste terreno já tinha sido caducado em 03/08/1996”.
- Em 28/08/2009, o Chefe do DURDLC Subiste emitiu e enviou ao Chefe do DPU o seguinte Parecer:
“Considerando que o projecto de alteração de arquitectura ainda não junta a planta cadastral e a PAO válidas segundo o ponto 2 do ofício 5604/DURDEP/2008, a PAO antiga foi emitida em 23/10/2007 (f.137...vol.1), bem como caducou em 03/08/1996 o prazo de aproveitamento do terreno estabelecido no artigo 4 do Despacho 104/SATOP/94. Portanto, quanto ao projecto de alteração de arquitectura apresentado pelo T-3278 de 07/05/2009, sugiro que ainda deve fazer as alterações conforme ao ponto 12 da parte da conclusão da informação”.
- Em 04/09/2009, o Chefe do DPU emitiu à Subdirectora o parecer seguinte:
“Considerando as questões do prazo de aproveitamento do terreno e da PAO colocadas pelo Chefe do Departamento, sugiro que o T-3278 deve fazer as alterações conforme aos pareceres seguintes: (1) O ponto 12 da presente informação do arquitecto; (2) O ponto 2 a 5 da informação do engenheiro 4251/DURDEP/09”.
- Em 24/09/2009, a Subdirectora da DSSOPT tomou, na Informação 4158/DURDEP/2009, o despacho seguinte:
“1. Ao DPU: Dar parecer sobre se foi alterado o planeamento urbanístico do presente terreno, incluindo a finalidade, c/c DSO
2. Ao DSO: Depois do despacho em 1995 (fls. 82) até a apresentação das plantas em 2008 (T-7711). (ofício 2604/DURDEP/08, a fls.138), dar parecer sobre a situação do cumprimento do contrato da Concessionária. c/c DPU”.
- Em 23/03/2010, a DSSOPT enviou à concessionária o ofício 196/6269.02/DSODEP/2010, no qual refere que a concessionária “se encontra em situação de incumprimento quanto ao aproveitamento”.
- Em 13/06/2014, a DSSOPT mandou à concessionária o ofício 450/6269.02/DSODEP/2014, notificando-a da intenção de declarar a caducidade e para, em 10 dias, apresentar a sua resposta no âmbito de audiência escrita.
- Em 30/06/2014, a concessionária apresentou a sua resposta.
- Em 16/10/2015, o DJUDEP emitiu a informação 141/DJUDEP/2015, concluindo que "deve a Administração manter o sentido da sua decisão de declarar a caducidade da concessão provisória".
- Em 17/11/2015, o DSODEP elaborou a proposta 343/DSODEP/2015 no sentido de propor superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de emissão de parecer e prosseguimento das tramitações ulteriores.
- Em 07/01/2016, a Comissão de Terras emitiu o Parecer 5/2016 no qual
“esta Comissão concorda com a proposta da DSSOPT e nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 2,170 m2, situado na ilha da Taipa, na zona de aterros do Pac On, no cruzamento da Avenida Son On com a Rua do Rosário, designado por lote "O4b", a favor da Sociedade Polymar Internacional - Fibras Ópticas, Limitada, titulada pelo Despacho n.º 104/SATOP/94, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato que rege a concessão do terreno, bem como o disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei 10/2013 (Lei de terras) (...)”.
- Em 12/01/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seu parecer de concordância e solicitou ao Chefe do Executivo que declarasse a caducidade da concessão do referido terreno.
- Em 26/04/2016, o Chefe do Executivo lavrou o despacho de concordância e declarou a caducidade da concessão.
- Em 25/05/2016, foi publicado no B.O. da RAEM n.º 21, II Série o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas 26/2016 que mandava publicar o despacho da caducidade do Chefe do Executivo.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.

2. Artigo 120.º da Lei Básica
Na tese da recorrente o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 120.º da Lei Básica, visto os artigos 48.º, 166.º e 215.º da nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013) violarem aquela norma, na medida em que não reconheceram nem protegeram os direitos adquiridos decorrentes dos contratos celebrados antes de 1999, por não garantirem um prazo peremptório e único para o aproveitamento dos terrenos ainda não realizados.
Ainda na tese da recorrente, o Tribunal deveria proteger os direitos decorrentes dos contratos de concessão celebrados em conformidade com a Lei que vigorava antes de 1999 (Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho), independentemente de os terrenos estarem ou não aproveitados; a recorrente, acrescenta, não entende nem compreende porque é que o Tribunal lhe nega a expectativa de aproveitar o terreno fora do prazo contratual.
Pois bem, esta tese da recorrente assenta num equívoco, de que a nova Lei de Terras, ao contrário da que vigorava ao tempo da celebração do contrato de concessão, não permite a renovação dos prazos das concessões provisórias. É certo que tal não é permitido pela actual de Lei de Terras, mas a antiga Lei também não a permitia, como veremos. Outra deficiente interpretação da recorrente é a que supõe que a antiga Lei permitia o aproveitamento dos terrenos fora do prazo contratual. Não é assim.
O artigo 120.º da Lei Básica estatui que:
Artigo 120.º
 A Região Administrativa Especial de Macau reconhece e protege, em conformidade com a lei, os contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau que se prolonguem para além de 19 de Dezembro de 1999 e os direitos deles decorrentes.
 As concessões de terras feitas ou renovadas após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau são tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da Região Administrativa Especial de Macau.
Significa este preceito que os contratos de concessão de terras celebrados antes de 20 de Dezembro de 1999 são reconhecidos pela RAEM, bem como os direitos deles emergentes. Não obstante, já às renovações das concessões que ocorressem após aquela data se aplicavam as leis que, entretanto, vigorassem.
Quer isto dizer que às concessões provisórias se teria de aplicar sempre a lei antiga, imunes às alterações eventualmente efectuadas?
Afigura-se-nos que não é este o sentido da norma. Os direitos dos concessionários de terras previstos nos contratos são reconhecidos e protegidos. Nas matérias não prevista nos contratos, a lei nova lei poderia afastar-se do regime prevista na lei antiga, então vigente.
Ponderemos, então, se a interpretação feita pelo acórdão recorrido aos artigos 48.º, 166.º e 215.º da nova Lei de Terras, violou o artigo 120.º da Lei Básica.
Dispõem estes artigos:
Artigo 48.º
Renovação de concessões provisórias
 1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as concessões provisórias não podem ser renovadas.
 2. A concessão provisória pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto.
 3. O requerimento referido no número anterior deve ser apresentado em conjunto com o requerimento de renovação da concessão definitiva do terreno, devendo os prazos de renovação de ambas as concessões ser idênticos.
Artigo 166.º
Caducidade das concessões
 1. Para além das situações previstas nos Capítulos VII e XI, as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:
 1) Não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa;
 2) Suspensão, consecutiva ou intercalada, do aproveitamento ou reaproveitamento pelo período fixado no contrato ou, no silêncio deste, por prazo superior a metade do previsto para a sua conclusão.
 2. Para além das situações previstas nos Capítulos VII e XI, as concessões provisórias de terrenos rústicos caducam quando:
 1) O aproveitamento não seja iniciado dentro de seis meses após a concessão ou no prazo contratual fixado;
 2) O aproveitamento seja suspenso, consecutiva ou intercaladamente, por um período superior a 12 meses.
Artigo 215.º
Nas concessões provisórias
 A presente lei aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas:
 1) Quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo;
 2) Os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela presente lei, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos;
 3) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º
 
 
 Comecemos pelo n.º 1 do artigo 48.º da Lei nova, que estabelece como regra que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Ao contrário do que defende a recorrente este regime não é inovador. Embora a Lei n.º 6/80/M não contivesse um preceito expresso como o n.º 1 do artigo 48.º, era também esse o regime nesta Lei antiga. Dos artigos 49.º, 54.º e 55.º desta Lei já resultava que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Na verdade, de acordo com o artigo 49.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão e só se converterá em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. E estatuía o n.º 1 do artigo 55.º que as concessões por arrendamento onerosas, quando definitivas, são renováveis por períodos de dez anos. Os n.os 1 e 2 do artigo 54.º confirmavam que o prazo de concessão por arrendamento deve ser fixado no respectivo despacho de concessão, não podendo exceder vinte e cinco anos. E que o prazo das renovações sucessivas não deve exceder, para cada uma, dez anos. Estas renovações referiam-se à concessão definitiva, como não podia deixar de ser.
Quanto ao artigo 166.º da Lei nova ele tinha como correspondente o mesmo preceito da Lei antiga e apenas diferem num ponto substancial, que não está em causa nos autos. Como dissemos no acórdão de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018, no que respeita às concessões provisórias, as alíneas 1) e 2) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei nova prevalecem sobre as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei antiga. Em ambas as Leis as concessões provisórias caducam por falta de aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais. Sendo o contrato omisso quanto aos prazos é que as condições da caducidade difeririam. No caso dos autos foi fixado no contrato um prazo de aproveitamento, pelo que o novo artigo 166.º no que à recorrente respeita, em nada inova.
No que respeita à alínea 2) do artigo 215.º da Lei nova quanto ao regime aplicável aos direitos e deveres dos concessionários das concessões provisórias de pretérito, dispõe-se que prevalece sempre o estipulado nos respectivos contratos, o que acautela totalmente os direitos adquiridos de todos os concessionários cujas concessões provisórias são anteriores à entrada em vigor da Lei, ou seja, 1 de Março de 2014. Quanto ao não convencionado, faz-se prevalecer a lei nova, que se passa a aplicar àqueles direitos e deveres dos concessionários.
Ora, no contrato dos autos não se previa a possibilidade de renovação das concessões provisórias, que, aliás, não seria legal.
Por outro lado, no caso dos autos não está em causa nenhuma ablação de direitos pela Lei nova, na medida em que – e é este o único aspecto suscitado pela recorrente - dos artigos 49.º, 54.º e 55.º da Lei 6/80/M já resultava que as concessões provisórias não podem ser renovadas. Neste aspecto, a Lei nova não retirou nenhum direito aos concessionários provisórios de pretérito.
Não há, portanto, nenhuma violação do disposto no artigo 120.º da Lei Básica.
Acresce que tanto à luz da Lei antiga (artigo 166.º) como da Lei nova (artigo 166.º), a falta de aproveitamento do terreno no prazo contratual conduz à caducidade da concessão. Nem o Chefe do Executivo nem os Tribunais podem autorizar o aproveitamento do terreno fora do prazo contratual, como pretende a recorrente.

3. Omissão de pronúncia
Alega o recorrente ter o acórdão recorrido violado o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado sobre a existência de culpa por parte da recorrente e sobre cada uma das alegadas violações dos princípios da igualdade, da boa-fé, da justiça e imparcialidade, alegadas nos artigos 5.º a 50.º e 163.º a 207.º da petição de recurso contencioso.
Nos artigos 5.º a 20.º da petição de recurso contencioso a recorrente alegou factos quanto ao ocorrido entre 1994 até 2004, no que toca à aprovação da concessão e apresentação de projecto de arquitectura, bem como a crise económica que Macau teria atravessado. Nos artigos 20.º a 50.º da petição de recurso contencioso a recorrente alegou factos quanto ao ocorrido entre 2004 e o presente sobre a tramitação do procedimento de aprovação do projecto de construção para o terreno concessionado.
Não se imputa nenhuma violação à Administração. Nada havia a apreciar pelo acórdão recorrido.
Nos artigos 163.º a 207.º da petição de recurso contencioso a recorrente alegou alteração das circunstâncias em que o contrato foi celebrado, falta de culpa sua no não aproveitamento do terreno e violação de princípios jurídicos, da boa-fé e da decisão por a Administração não ter decidido o seu requerimento de 7 de Maio de 2009.
O acórdão recorrido referiu-se à alteração das circunstâncias face à crise económica, concluindo que a recorrente nunca pediu a modificação do contrato. Pronunciou-se igualmente sobre a culpa da recorrente no não aproveitamento do terreno e na violação de princípios jurídicos, da boa-fé, dizendo quanto a estes princípios apenas são operantes na actividade discricionária da Administração, concluindo que uma vez verificado que o incumprimento do prazo de aproveitamento é imputável ao concessionário, a lei impõe, sem alternativa, declaração da caducidade da concessão, invocando para tal o acórdão do TUI de 11 de Abril de 2018, no Processo n.º 38/2017.
Quanto à alegada violação do princípio da decisão por a Administração não ter decidido o seu requerimento de 7 de Maio de 2009, o acórdão recorrido perguntou-se como é que a recorrente pode invocar um acontecimento ocorrido em 2009 para justificar a sua falta de aproveitamento do terreno verificada em 2 de Agosto de 1996, acrescentando que “o instituto do indeferimento tácito (cfr. artº 102º do CPA) é justamente previsto para as situações de inércia por parte da Administração, permitindo o particular interessado poder reagir contra esta inércia por via administrativa e/ou judicial”.
Em suma, não houve omissão de pronúncia.
  
4. Culpa do concessionário no não aproveitamento do terreno
A recorrente invoca violação do disposto na alínea 1) do artigo 166.º, quando conjugada com as alíneas 2) e 3) do artigo 215.º da nova Lei de Terras, por não ter sido apreciada a culpa atribuída à recorrente.
O acórdão recorrido pronunciou-se sobre a culpa da recorrente no não aproveitamento do terreno, concluindo pela sua culpa.
Vejamos.
No nosso acórdão de 11 de Abril de 2018, no Processo n.º 38/2017, concluímos que:
X - Do n.º 5 do artigo 105.º da Lei de Terras de 1980 pode retirar-se que o concessionário podia apresentar justificação para o não cumprimento dos prazos.
XI - O acto do Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão por falta de aproveitamento, nos termos do artigo 166.º da Lei de Terras de 2013, é um acto vinculado.
XII - A culpa do concessionário, prevista na norma transitória da alínea 3) do artigo 215.º da Lei de Terras de 2013, constitui um conceito indeterminado, que integra actividade vinculada, de mera interpretação da lei, sindicável pelos tribunais.
Mantemos este entendimento e remetemos para a fundamentação aí expendida.
  No mesmo acórdão, também nos referimos à alegada crise que Macau sofreu e sua influência no incumprimento das concessões, dizendo que cabe ao concessionário de terreno a prova de que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal e que a exigência das obrigações por ele assumidas afecta gravemente os princípios da boa-fé, não estando coberta pelos riscos próprios do contrato, de modo a impedi-lo de concluir o aproveitamento do terreno no prazo contratual.
Nesse acórdão dissemos o seguinte:
«Afigura-se-nos que o acórdão recorrido julgou bem ao não reconhecer ter havido uma situação de força maior impeditiva do aproveitamento do terreno no prazo contratual.
O contrato de concessão é de 1998 e o terreno deveria ter sido aproveitado em 48 meses. Ou seja até 21 de Julho de 2002.
Em 1998 já se verificava a crise financeira asiática, que começou em 1997, na Tailândia, o que não impediu a recorrente de ter aceitado a concessão em 1998.
Por outro lado, é do conhecimento geral que a crise financeira de 1997 teve efeitos mais intensos em alguns países e regiões que noutros. Designadamente, em Macau, teve efeitos na área do imobiliário, mas a concessão dos autos visava a construção de edifícios industriais e armazéns, afectos a uso próprio, pelo que não se vislumbra nenhuma relação de causa e efeito entre a crise e a impossibilidade de a recorrente aproveitar o terreno.
A SARS eclodiu em Hong Kong em Novembro de 2002 – quando o terreno já deveria estar aproveitado - e os seus efeitos só se fizeram sentir a partir de 2003.
De resto, é princípio geral que os contratos devem ser pontualmente cumpridos. Quase todos os contratos envolvem um risco, que corre por conta dos contraentes. Só em circunstâncias excepcionais se deve admitir que a parte afectada possa resolver ou ter direito à modificação do contrato.
Como se dispõe no n.º 1 do artigo 431.º do Código Civil (idêntico ao n.º 1 do artigo 437.º do Código Civil de 1966), “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
Ora, a recorrente não demonstrou que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal que a impossibilitasse de cumprir o contrato ou que tal cumprimento fosse excessivamente oneroso. Designadamente que o preço da mão-de-obra tenha aumentado de tal maneira que a impossibilitasse de construir.
Acresce que, em 2006, já a recorrente tinha deixado para trás o interesse na construção de edifícios industriais e armazéns, afectos a uso próprio, e pretendia alteração de finalidade do terreno concedido».
No caso dos autos:
- Em 03/08/1994, foi publicado o Despacho 104/SATOP/94 (B.O. 31, II Série) através do qual foi concedido, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, o terreno dos autos.
- O terreno destinava-se à construção de um edifício industrial de um piso, para a instalação de uma unidade fabril destinado à produção de cabos de fibra óptica, a explorar directamente pela concessionária, sendo afectos às finalidades industrial e área livre.
- O prazo de aproveitamento era de 24 meses, que terminou em 02/08/1996.
- Em 29/06/1995, a DSSOPT enviou à concessionária o ofício 4086/DEUDEP/95 notificando-a que foi aprovado o projecto submetido pelo T-1781.
- Em 17/12/2007, a concessionária apresentou à DSSOPT uma alteração ao projecto de arquitectura (T-7711).
Com estes dados é evidente a culpa da recorrente no não aproveitamento do terreno.
Em 1994 e até 1997 não houve nenhuma crise económica profunda em Macau. O que houve foi uma baixa dos valores do imobiliário, que não foi mais do que uma baixa no ciclo especulativo deste. Como se sabe, “tudo o que sobe, tem de descer um dia”.
Em termos internacionais não houve nenhuma crise profunda. A crise económica asiática teve início na Tailândia em 1997, mas nesta ocasião já tinha expirado o prazo para aproveitamento do terreno.
Mesmo que se considerasse que tivesse havido uma crise do imobiliário, o que é que isso tem que ver com a concessão do terreno, que era para unidade fabril destinado à produção de cabos de fibra óptica, a explorar directamente pela concessionária?

5. Princípio da decisão
A recorrente alega ter havido violação do princípio da decisão, previsto no artigo 11.º do Código do Procedimento Administrativo, por a Administração não ter decidido o seu requerimento de 7 de Maio de 2009.
Mas a esses projectos de alteração do projecto de arquitectura e especialidades, houve resposta: dizendo que estava em incumprimento quanto ao aproveitamento do terreno (Ofício de 23 de Março de 2010).

6. Violação dos princípios da igualdade, da boa-fé, da justiça e imparcialidade,
Invoca a recorrente que houve violação dos princípios da igualdade, da boa-fé, da justiça e imparcialidade, já que estes princípios são aplicáveis também aos actos vinculados.
É pacífico que os princípios mencionados são considerados os limites internos dos actos discricionários ou dos momentos discricionários dos actos administrativos, pelo que não são operantes enquanto violações dos actos vinculados ou dos momentos vinculados dos actos administrativos. É abundante neste sentido a jurisprudência deste TUI.
No mencionado acórdão de 11 de Abril de 2018, como dissemos atrás, decidimos que a decisão do Chefe do Executivo no que se refere à culpa do concessionário no não aproveitamento do terreno é sindicável perante os tribunais, por ser daqueles conceitos indeterminados em que não houve intenção de conceder uma margem de apreciação à Administração.
Ora, este nosso entendimento permite uma muito mais profunda impugnação dos actos de declaração de caducidade por parte dos concessionários, do que a mera imputação de violações de princípios jurídicos a um acto discricionário, o que aliás, a recorrente fez, tentando demonstrar não ter tido culpa no não aproveitamento do terreno, como vimos, sem sucesso. É que os actos discricionários, ou mais precisamente, os momentos discricionários dos actos administrativos, só permitem a imputação do vício de desvio de poder e dos mencionados princípios jurídicos, enquanto os actos vinculados permitem ser impugnados por quaisquer violações de lei.
Improcede o recurso jurisdicional.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.
Macau, 5 de Dezembro de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa





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Processo n.º 88/2018

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Processo n.º 88/2018