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Processo n.º 505/2018 Data do acórdão: 2018-10-29
(Recurso penal)
  Assuntos:
– art.o 224.o do Código Civil
– art.o 1079.o do Código Civil
– relação de trabalho
– falta de convenção sobre o montante da remuneração e o horário do trabalho
– crime consumado de emprego
– art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004

S U M Á R I O
Para efeitos de verificação do crime consumado de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, é de atender a que à luz do art.o 224.o do Código Civil, a falta de convenção ainda sobre o montante concreto da remuneração do trabalho e o horário de trabalho não obsta necessariamente ao estabelecimento logo da relação do trabalho de que se fala no art.o 1079.o do mesmo Código.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 505/2018
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 90 a 93v do subjacente Processo Comum Singular n.o CR2-17-0584-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou o arguido A condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, sob condição de prestar, dentro de 30 dias, vinte mil patacas de contribuição pecuniária a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado (no seu essencial) e peticionado o seguinte na sua motivação de fls. 105 a 119 dos presentes autos correspondentes:
– à data dos factos, ainda não foi constituída a relação de trabalho com a 1.a testemunha (chamada B), visto que a quantia da remuneração do trabalho e o horário de trabalho, como elementos respeitantes à remuneração e à subordinação, caracterizadores indispensáveis do contrato de trabalho definido no art.o 1079.o do Código Cvil, ainda não foram acordados;
– e mesmo que por mera hipótese o próprio arguido tenha dito àquela testemunha que o iria contratar para trabalhar em tempo parcial como servente da mesa no seu restaurante, isto não significa que a relação de trabalho entre ambos já se encontra constituída, enquanto sem acordo sobre o salário nem sobre o horário de trabalho;
– embora a 2.a testemunha (o cozinheiro do restaurante) tenha declarado que o arguido o tinha informado de que naquele dia iria haver uma pessoa a vir trabalhar no restaurante, essa testemunha não conseguiu dizer, na audiência de julgamento, com muita clareza que o trabalhador em causa era aquela 1.a testemunha, pois só teve conhecimento de que a 1.a testemunha estava no restaurante à procura do seu patrão;
– mais, segundo as regras da experiência, ninguém irá aceitar um emprego, sem ter previamente convencionado o seu vencimento;
– de facto, o arguido tinha combinado com a 1.a testemunha para se deslocar ao seu restaurante, para poder convencionar com esta testemunha o seu futuro vencimento e o horário de trabalho, uma vez que sendo um emprego nocturno, de tempo parcial, o vencimento não poderia ser idêntico à quantia que anteriormente auferia, mas tudo sob a condição de o arguido conseguir obter quotas de trabalhadores não-residentes, junto das Autoridades competentes;
– pelo que a tese do arguido tem muita credibilidade, razão por que não concorda ele com a convicção formada pelo Tribunal recorrido;
– padece, pois, a decisão condenatória penal recorrida do vício aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP);
– deve ser o arguido absolvido do crime de emprego ilegal em causa.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido a fls. 122 a 123v no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 132 a 133, pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontrou proferida a fls. 90 a 93v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
Embora o arguido tenha apontado à decisão condenatória penal recorrida o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, da argumentação concretamente tecida por ele na motivação do recurso resulta que: (1) discorda ele materialmente da “subsunção dos factos ao direito” feita pela M.ma Juíza a quo (pois para ele sem convenção sobre o vencimento nem sobre o horário de trabalho não há constituição ainda da relação do trabalho, pelo que é incorrecta a decisão condenatória dele pela acusada prática do crime de emprego), (2) para além de discordar da livre convicção formada pelo mesmo Tribunal sentenciador, ao considerar não credível a tese fáctica dele.
Assim, é de decidir primeiro se há erro por parte do Tribunal recorrido na apreciação da prova.
Pois bem, para o presente Tribunal de recurso, vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença condenatória recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos. Aliás, o Tribunal recorrido já explicou, concreta e congruentemente, nas páginas 4 e 5 do texto da sentença, ora concretamente a fls. 91v a 92, o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos sob aval do art.o 114.o do CPP, depois de relatar aí, em súmula, o teor das declarações do arguido e das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, sendo certo que a tese fáctica defendida pelo arguido na motivação do recurso corresponde à versão fáctica já por ele dita na audiência de julgamento, a qual já foi rebatida, com razoabilidade, pelo Tribunal recorrido, no penúltimo parágrafo da fundamentação probatória da sentença (a fl. 92).
Daí que não pode ter havido qualquer erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido.
Sendo de respeitar assim o resultado do julgamento da matéria de facto já empreendido criteriosamente pelo Tribunal recorrido, cabe ver agora se a subsunção dos factos provados ao direito feita por esse Tribunal é legalmente correcta.
Dispõe o art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004 que: Quem constituir relação de trabalho com qualquer indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador, independentemente da natureza e forma do contrato, ou do tipo de remuneração ou contrapartida, é punido com pena de prisão até 2 anos e, em caso de reincidência, com pena de prisão de 2 a 8 anos.
O contrato de trabalho é definido no art.o 1079.o, n.o 1, do Código Civil como sendo “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
Segundo a matéria de facto já dada por assente na sentença recorrida:
– no dia dos factos (i.e., 26 de Setembro de 2017), B foi descoberto pela polícia no restaurante do arguido como estando a arrumar objectos de restauração e a fazer limpeza, mas sem ter qualquer documento legal que o habilitasse a trabalhar em Macau;
– na manhã deste dia, o arguido telefonou para o cozinheiro desse restaurante que nesse dia ia arranjar um trabalhador para ir trabalhar no restaurante;
– o arguido empregou aquele indivíduo para trabalhar no seu restaurante como servente de mesa, com salário e horário de trabalho a serem convencionados.
Pois bem, dessa matéria de facto não resulta que esse indivíduo estaria a trabalhar por borla, mas sim com remuneração, embora sem convenção logo sobre o montante da remuneração.
Quanto à questão da subordinação caracterizadora do contrato de trabalho, a mesma também já existe no caso concreto dos autos, pois ficou provado que o arguido telefonou ao cozinheiro do seu restaurante que ia arranjar um trabalhador para ir trabalhar no restaurante, e que aquele indivíduo compareceu efectivamente no restaurante a iniciar o trabalho, apesar de não estar previamente convencionado o horário de trabalho.
E tudo isto explica-se pela norma do art.o 224.o do Código Civil: a falta de convenção ainda sobre o montante concreto da remuneração e o horário de trabalho o foi porque o arguido e o indivíduo chamado B não acharam estes dois pontos como necessários ao estabelecimento logo da relação do trabalho.
Assim, andou bem esse Tribunal recorrido ao condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime consumado de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004.
Improcede, pois, o recurso, sem mais abordagem por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 29 de Outubro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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