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Reclamação nº 3/2018/R

Ambrósio A, cabeça-de-casal nos autos de inventário nº FM1-10-0002-CDL-B, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho, proferido na conferência de interessados, que determinou a venda judicial de um imóvel integrante dos bens a partilhar.

Por douto despacho da Mmª Juiz a quo, foi admitido o recurso com o efeito meramente devolutivo, a subir nos próprios autos quando concluída a venda judicial.

E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:

A, cabeça-de-casal nos autos à margem referenciados, notificada da decisão tomada na conferência de interessados realizada em 31/01/2018 (acta de fls. 1134v) que reteve o recurso por si interposto da decisão que ordenou a venda judicial da verba 22a da relação de bens, dela vêm reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 595/1 do Código de Processo Civil (CPC), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
O recurso foi admitido nos seguintes termos:
“此時,待分割財產管理人之訴訟代理人DR. B表示就上述將財產目錄中第二十二項之不動產以司法變賣形式處理之決定不服,故要求對該決定向中級法院提起平常上訴,有關上訴須立即及連同卷宗上呈,並具有中止效力。
其後,法官作出如下批示:
基於所提上訴之合法性及適時性、上訴人具正當性,本法庭決定受理待分割財產管理人A提出的上訴,並根據澳門《民事訴訟法典》第817條1款c項之規定,訂定該上訴為平常上訴,須於變賣財產之程序終結後一同上呈,以及僅具移審效力。”
Mas, salvo melhor opinião, devia o recurso interposto da decisão proferida na conferência de interessados ter sido admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo por a execução imediata dessa decisão poder causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação e, nessa medida, tornar a eventual procedência do recurso absolutamente inútil (art.° 601.°, n.º 2, 603.° e 607, n.º 1 e 3 do CPC).
Primeiro, porque o objecto do presente recurso é uma decisão relativa à venda judicial da verba 22ª da relação de bens proferida na conferência de interessados sem o assentimento e contra a vontade da ora Reclamante.
O regime aplicável ao recurso interposto da decisão recorrida é, pois, o regime do processo comum de declaração e não o regime do processo comum de execução.
Porém, o Tribunal a quo admitiu o recurso ao abrigo do regime especial privativo do processo executivo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 817.° do CPC, fazendo assim uma errada aplicação da lei processual.
Segundo, porque a Recorrente, tendo a cabeça de casal, interposto o recurso com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo, devia o M.mo Juiz a quo ter reconhecido que a retenção do recurso podia causar à Recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação nos termos do artigo 607/3 do CPC.
Isto porque a verba 22ª consiste no imóvel onde funciona a farmácia explorada pela sociedade comercial “C LIMITADA” (C有限公司) descrita na verba 25ª da relação de bens.
Se for vendida em venda judicial a verba 22ª terá que ser entregue ao novo proprietário livre de pessoas e bens (art.º 796.° do CPC), o que forçará à interrupção da actividade comercial da farmácia, com a consequente perda irrecuperável ou dificilmente recuperável) da clientela.1
Terceiro, porque o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso pelo M.mo Juiz a quo torna-o absolutamente inútil, dado que entre a adjudicação dos bens ao proponente/adquirente e o transito em julgado da decisão que conhecer do recurso interposto da decisão que ordenou a venda judicial da verba 22ª da relação de bens mediará necessariamente um período de tempo mais ou menos longo (meses ou anos) durante o qual sociedade comercial “C LIMITADA”(C有限公司) não poderá prosseguir a exploração da sua única farmácia, com a consequente perda (irrecuperável) da clientela daí necessariamente resultante.
Logo, a perda irrecuperável da clientela resultante da interrupção sine die da actividade da farmácia entre a data da conclusão da venda judicial do imóvel no qual ela funciona e a data do trânsito em julgado do aresto que conhecer da decisão recorrida fará com que a retenção do recurso o torne absolutamente inútil.
Dito por outras palavras, mesmo que o recurso seja procedente ele será absolutamente inútil por o prejuízo resultante da perda da clientela da farmácia ser irrecuperável.
Isto na esteira do entendimento também sufragado no aresto do Tribunal de Segunda Instância proferido em 20/10/2011 nos autos de suspensão de eficácia 569/2011-A, no qual, sobre este tipo de casos de paralisação de uma actividade comercial, se diz o seguinte:
Importa que se diga que há casos em que a paralisação de uma actividade pode provocar uma irremediável e sem retorno situação de facto. Porquê? Porque pode acontecer que a complexidade da actividade não tenha que ver apenas com um só aspecto envolvente, mas com uma série de factores endógenos e exógenos. Por exemplo, o encerramento de um café ou de um restaurante pode, efectivamente, produzir uma situação económica sem retrocesso, porque estamos perante um comércio complexo de coisas móveis e imóveis, de coisas fungíveis e de valores infungiveis, de coisas materiais e imateriais. E nisso entram aspectos como as coisas do espaço interior da loja, a forma como elas estão arrumadas e dispostas, a localização especial do estabelecimento (frente ao rio, ao mar, ao lago), a sua ventilação e/ou exposição ao sol, a proximidade com outras actividades ou serviços que trazem clientes, a natureza da clientela, etc. É o chamado “avviamento”, tão conhecido no direito italiano.
Por isso, tem havido a tendência para caracterizar o impedimento destas actividades como sinal de prejuízos que não têm reparação ou que dificilmente a têm2 (os clientes são "daquele" restaurante, não necessariamente do "dono" do restaurante ou do restaurante que o dono vier a abrir noutro local). [carregado e sublinhados nossos]
A procedência do recurso será nesta medida inútil, por à data da prolação da decisão que dele conhecer os lucros cessantes resultantes da interrupção da actividade da farmácia e a clientela perdida já não serem recuperáveis, como mediante juízo sumário e indiciário de causalidade adequada e de prognose se pode desde já antever com relativa segurança.
NESTES TERMOS e com o mais que V. Exa., muito doutamente, não deixará de suprir, deve o recurso interposto da decisão tomada na conferencia de interessados realizada em 31/01/2018 ser admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (art.º 601.º, n.º 2,603.º e 607, n.º 1 e 3 do CPC) por a execução imediata dessa decisão causar à recorrente prejuízo irreparável e, nessa medida, tornar a eventual procedência do recurso dela interposto absolutamente inútil.
Mais se indica a relação de bens de fls. 769 e fls. 769v e a acta de fls. 1134 e 1134v nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 596/2 do CPC.
Respeitosamente, pede deferimento.

Passemos então a apreciar a reclamação.

O primeiro fundamento da reclamação é o alegado erro na aplicação de direito.

Conforme se vê no despacho de admissão de recurso, ditado na acta da conferência de interessados, a fundamentação de direito invocada para a fixação do regime de subida deferida é o artº 817º/1-c) do CPC.

Os normativos estabelecidos no artº 817º do CPC estão inseridos no conjunto das normas específicas sobre os recursos em processo de execução, incluindo recursos da decisão sobre a venda judicial dos bens penhorados.

In casu, estamos perante uma acção especial de inventário.

A reclamante não questiona o sentido em que foi interpretado o normativo do artº 817º/1-c) do CPC pelo Tribunal a quo, e só põe em causa a sua aplicabilidade no caso sub judice.

Na óptica da reclamante, a Exmª Juíza a quo fez errada aplicação da lei processual, uma vez que o regime aplicável ao recurso interposto da decisão recorrida é o regime do processo comum de declaração e não o regime do processo comum de execução.

Não tem razão a reclamante.

Como se sabe, pode haver lugar à venda judicial quer no processo executivo e em alguns processos especiais.

Quando ordenada no âmbito dos autos de execução, a venda judicial tem em vista dar satisfação coerciva, com o produto de venda dos bens penhorados, ao direito do exequente e aos direitos de garantia dos credores reclamantes, conforme a graduação dos seus créditos.

Nas acções especiais da divisão de coisa comum e de inventário, quando não houver lugar à adjudicação da coisa por falta do acordo entre os interessados e a coisa só é divisível em valor, a coisa será vendida judicialmente e os interessados compartilham o preço da venda da coisa.

Todavia, ao contrário do que sucede no processo de execução, a venda judicial ordenada no âmbito do inventário não se encontra especificamente regulamentada nos próprios títulos dedicados às acções especiais de divisão de coisa comum e de inventário.

A propósito das disposições reguladoras do processo sumário e dos processos especiais, o CPC estabelece no seu artº 372º que:
1. O processo sumário e os processos especiais regem-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo ordinário.
2. Nos processos especiais observa-se ainda o seguinte:
a) O registo dos depoimentos segue o disposto no artigo 447.º e, quando a decisão final admita recurso ordinário, no artigo 448.º;
b) Sempre que haja lugar a venda de bens, é esta feita pelas formas prescritas para o processo de execução e precedida das citações ordenadas no n.º 1 do artigo 755.º, observando-se quanto à verificação dos créditos o disposto nos artigos 758.º e seguintes, com as necessárias adaptações.
Face ao disposto no número um e na alínea b), primeira parte, do número dois, não temos dúvidas de que as normas reguladoras da venda judicial nas execuções se aplica subsidiariamente, em bloco, à matéria de venda judicial ordenada no âmbito do inventário.

Assim sendo, bem andou o Tribuna a quo ao aplicar o artº 817º/1-c) do CPC.

Improcede logo a reclamação nesta parte.

Subsidiariamente, a reclamante diz que “…… tendo a cabeça de casal, interposto o recurso com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo, devia o Mmº Juiz a quo ter reconhecido que a retenção do recurso podia causar à Recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação nos termos do artigo 607/3 do CPC”.

Antes de mais, cabe realçar que, face ao disposto no artº 595º do CPC, a presente reclamação não é a sede própria para reagir contra a não fixação do efeito suspensivo ao recurso.

Pois, o artº 595º do CPC, em que está prevista a reclamação, menciona como objecto, apenas o despacho de não admissão de recurso ou o despacho de retenção de recurso, proferido pelo juiz autor da decisão recorrida ou seu substituto legal do tribunal a quo.

No fundo, a decisão que a reclamante pretende impugnar é uma decisão que indeferiu a requerida atribuição do efeito suspensivo ao recurso, e não uma decisão que reteve o recurso.

Pois, os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação a causar pela execução imediata da decisão recorrida constituem fundamentos para pedir, no requerimento de recurso, a atribuição do efeito suspensivo, não podendo todavia ser tidos em conta pelo tribunal a quo para a determinação do momento da subida do recurso.

Na verdade, fora das situações em que a lei atribua expressamente o efeito suspensivo, o recorrente pode ainda pedir ao juiz do tribunal a quo, a fixação do efeito suspensivo ao recurso, no requerimento de interposição do recurso com fundamento de que a execução imediata da decisão poderá causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação – artº 607º/3 do CPC.

Se, nesta última hipótese, o juiz indeferir o pedido de atribuição do efeito suspensivo ao recurso, o meio de reacção idóneo será o recurso ordinário, que é o meio comum para a impugnação das decisões judiciais.

Portanto, se estivermos realmente perante uma decisão que indeferiu o pedido da atribuição do efeito suspensivo, não obstante a inidoneidade da presente reclamação para reagir contra tal indeferimento, temos o poder/dever de pensar na hipótese de converter a presente reclamação, nesta parte, em recurso ordinário, nos termos permitidos no artº 146º do CPC.

Portanto, a fim de decidirmos se é de converter em recurso esta parte da reclamação, ou antes rejeitá-la simplesmente, importa averiguar se estamos realmente perante uma decisão judicial que indeferiu o pedido expressamente formulado nos termos permitidos no artº 607º/3 do CPC.

A reclamante alegou que, face ao requerimento de interposição de recurso, a Exmª Juíza a quo devia ter reconhecido que a retenção do recurso podia causar à recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação nos termos do artº 607º/3 do CPC.

Segundo o ensinamento de Amâncio Ferreira, nesta hipótese, o juiz não pode oficiosamente atribuir o efeito suspensivo ao recurso, e só o poderá fazer se o recorrente lho solicitar no requerimento de interposição do recurso e ele, o juiz, reconhecer, depois de ouvido o recorrido, que a execução imediata do despacho é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação - in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., p. 315 e 316.

Ou seja, no requerimento de interposição, cabe ao recorrente o ónus de formular o pedido expresso de atribuição do efeito suspensivo com fundamento na susceptibilidade de a execução imediata do despacho recorrido de lhe causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, assim como o ónus de alegar e demonstrar a verificação desse fundamento.

In casu, o recurso de cuja retenção ora se reclama foi interposto mediante o requerimento verbalmente formulado e documentado na acta da conferência dos interessados realizada em 31JAN2018., ora constante das fls. 19 a 21v dos autos da presente reclamação.

Consta dessa acta que: 此時,待分割財產管理人之訴訟代理人DR. B表示就上述將財產目錄中等二十二項之不動產以司法變賣形式處理之決定不服,故要求對該決定向中級法院提起平常上訴,有關上訴須立即及連同卷宗上呈,並具有中止效力。

Ou seja, simplesmente um requerimento de interposição de recurso, com a menção do efeito e do regime de subida subjectivamente pretendidos, sem que todavia tenha sido formulado expressamente o pedido de atribuição do efeito suspensivo com fundamento na susceptibilidade de a execução imediata do despacho recorrido de lhe causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação.

O recurso foi admitido nos termos seguintes: 基於所提上訴之合法性及適時性、上訴人具正當性,本法庭決定受理待分割財產管理人A提出的上訴,並根據澳門《民事訴訟法典》第817條1款c項之規定,訂定該上訴為平常上訴,須於變賣財產之程序終結後一同上呈,以及僅具移審效力。”

Não se tratando in casu de uma decisão judicial autónoma sobre o tal pedido da atribuição do efeito suspensivo, inserida no despacho que admitiu o recurso ordinário, é de afastar a possibilidade de conversão desta parte de reclamação em recurso.

Assim, se não tiver sido formulado o pedido de atribuição do efeito suspensivo, já inexiste meio específico ao dispor do recorrente para provocar autonomamente a reapreciação do despacho de admissão do recurso na parte que fixou o efeito atribuído ao recurso, antes da subida de recurso para o Tribunal ad quem.

Todavia, o que não quer dizer que a nossa lei não coloca ao dispor dos sujeitos processuais interessados nenhum mecanismo para reagir contra eventual erro na atribuição do efeito ao recurso.

Pois, tanto o recorrente como o recorrido, podem pedir ao tribunal ad quem, respectivamente nas alegações e nas contra-alegações de recurso, a alteração do efeito já atribuído pelo juiz do tribunal a quo.

Por outro lado, a alteração do efeito do recurso pode ainda tem lugar oficiosamente.

Como se sabe, o despacho de admissão do recurso, nele se incluindo a fixação do regime de subida e atribuição do efeito, proferido pelo Tribunal a quo, nunca constitui caso julgado formal nem vincula o Tribunal ad quem.

Pois o Juiz Relator do Tribunal ad quem, uma vez a ele concluso o recurso, pode e deve corrigir o efeito entretanto atribuído pelo Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artº 619º/1 do CPC, se assim o entender.

Efectivamente, face ao disposto no artº 619º/1 do CPC, ao relator compete a preparação e direcção do processo e a emissão dos despachos necessários à movimentação do recurso – cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 140.

Caso o Relator entenda que deve alterar-se o efeito do recurso, ordenará a alteração nos termos do disposto no artº 623º do CPC.

E da decisão do Relator cabe reclamação para a conferência do Colectivo, ao abrigo do disposto no artº 620º do CPC.

Assim, a nossa lei prevê exaustivamente um mecanismo próprio para fazer face ao eventual erro na atribuição do efeito do recurso, que todavia não é a reclamação para o presidente do Tribuna ad quem.

Portanto, não sendo a presente reclamação, nesta parte, convertível em recurso, nem o meio idóneo para a reapreciação do efeito já atribuído ao recurso, não podemos senão desatender esta parte da reclamação, sem prejuízo da eventual reapreciação ex oficio da questão quanto ao efeito já atribuído pelo Tribunal a quo ao recurso, em sede do exame preliminar pelo Relator do Tribunal de Segunda Instância quando o recurso lho for concluso.

Finalmente, invoca a reclamante que o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso o torna absolutamente inútil, dado que entre a adjudicação dos bens ao proponente/adquirente e o trânsito em julgado da decisão que conhecer do recurso interposto da decisão que ordenou a venda judicial da loja mediará necessariamente um período de tempo mais ou menos longo (meses ou anos) durante o qual sociedade comercial “C LIMITADA”(C有限公司) não poderá prosseguir a exploração da sua única farmácia, com a consequente perda (irrecuperável) da clientela daí necessariamente resultante. Logo, a perda irrecuperável da clientela resultante da interrupção sine die da actividade da farmácia entre a data da conclusão da venda judicial do imóvel no qual ela funciona e a data do trânsito em julgado do aresto que conhecer da decisão recorrida fará com que a retenção do recurso o torne absolutamente inútil. E mesmo que o recurso seja procedente ele será absolutamente inútil por o prejuízo

A regra geral sobre o momento de subida de recursos encontra-se estabelecida no artº 601º do CPC, que dispõe:

1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.

Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado.

A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.

Ou seja, a inutilidade absoluta do recurso só se verifica, quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.

In casu, o Tribunal a quo ordenou a realização da venda judicial da coisa.

Dessa decisão interpôs recurso pedindo ao Tribunal de recurso que revogasse a decisão recorrida que ordenou a venda.

Assim, se vier a ser julgado a final procedente o recurso de cuja retenção ora se reclama, serão determinada a revogação do despacho recorrido, e em consequência disso, a anulação da venda e da adjudicação entretanto efectuadas.

Eis a utilidade do recurso, consistente no reflexo efectivo da eventual procedência do recurso no processo.

Na verdade, a subida imediata do recurso não foi concebida pelo legislador para a sustação da execução imediata da decisão recorrida e evitar a produção dos prejuízos irreparáveis dela advenientes ao recorrente.

Para impedir a produção desses prejuízos, o meio idóneo será indubitavelmente o requerimento da atribuição do efeito suspensivo da execução da decisão recorrida, nos termos prescritos no artº 607º/3 do CPC.

Só que, no caso sub judice, a recorrente, ora reclamante, não exerceu oportunamente este direito e só vem agora tentar obter o pretendido efeito suspensivo do recurso através da subida imediata do recurso que não tem a virtualidade de o dar.

Naturalmente é de naufragar a sua pretensão.

Pelo que vimos supra, sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado.

Custas pela reclamante.

Fixo a taxa de justiça em 1/8.

Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC.

R.A.E.M., 31OUT2018

O presidente do TSI

_________________________
Lai Kin Hong


1 A perda de clientela origina lucros cessantes indetermináveis com rigor [cfr., v.g., entre outros, os Acs. do TCA Norte de 14.02.2007 - Proc. n.º 01820/06.8BEPRT, de 22.02.2007 - Proc. n.º 01822/06.4BEPRT, de 01.03.2007 - Proc. n.º 01818/06.6BEPRT, de 08.03.2007 - Proc. n.º 01844/06.5BEPRT, de 08.03.2007 - Proc. n.º 01862/06.3BEPRT, de 08.03.2007 - Proc. n.º 01845/06.3BEPRT, de 15.03.2007 - Proc. n.º 01863/06.1BEPRT, de 23.10.2008 - Proc. n.º 02591/06.3BEPRT, de 13.01.2011 - Proc. n.º 00827/10.5BEPRT-A, de 11.10.2013 - Proc. n.º 00265/13.8BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»]
2 MARCELLO CAETANO, “Manual... “ I, 10.ª ed., p. 565) que os prejuízos resultantes da inibição do exercício de comércio, indústria ou profissão liberal ou da perda de clientela são, em regra, de difícil reparação e tem sido orientação constante deste Tribunal suspender os atos que os impliquem (vide, por todos, os acórdãos de 1997.04.22 – rec. n.º 42087, de 1999.06.22 – rec. n.º 45063 e de 2002.04.17 – rec. n.º 537/02) ...”.
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Recl.3/2018-14