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Processo nº 174/2018
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data : 8/Novembro/2018
Requerentes : - A
- B (menor, representada pela sua mãe A)
- C (menor, representada pela sua mãe A)
- D

Requeridos : Os mesmos
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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I – RELATÓRIO
A, por si e em representação de suas filhas menores: B, C e D, Requerentes identificados nos autos, vêm, em 26/02/2018, intentar a presente CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU, viúva, residente em XXXXXX, Singapura, com os seguintes fundamentos:
     1. Em 04/02/2016, Em 27/02/2017, em Singapura, faleceu E (adiante o "Falecido"), no estado de casado com a 1ª Requerente1.
     2. O Falecido deixou testamento, datado de 26.01.20172 (adiante o "Testamento"),
     3. Através do qual instituiu como suas herdeiras universais a 1ª Requerente e as filhas de ambos, ora 2ª e 3ª Requerentes3.
     4. Também por meio do Testamento, o Falecido nomeou a 1ª Requerente como executora ou testamenteira da sua herança4,
     5. O Falecido nomeou também, para as mesmas funções, a sua empregada doméstica Sra. XXX, de nacionalidade Indonésia.
     6. Em 09.05.2017, os Family Justice Courts de Singapura proferiram a decisão n.º HCF/PRG 283/2017 (Grant of Probate) (adiante a "Decisão Revidenda"), a qual se traduz na homologação sucessória do Testamento, que assim foi julgado válido e registado no referido tribunal5.
     7. A Decisão Revidenda concedeu poderes de administração de todos os bens que integram o acervo hereditário do Falecido à 1ª Requerente, na qualidade de executora ou testamenteira da herança, nos termos consignados no Testamentos.
     8. Também por meio da Decisão Revidenda, foi nomeado co-executor ou co-testamenteiro da herança o 4º Requerente, na sequência da renúncia a tais funções por parte da Sra. XXX6.
     9. Do acervo hereditário fazem parte os seguintes bens localizados em Macau7 :
- Fracção autónoma designada por "I7" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXX, a folhas 103 do Livro B16K;
- Saldo da conta bancária nº 20-11-10-XXXXXX, aberta sobre o Banco da China (Macau); e
- Saldo da conta bancária nº 05-11-10-XXXXXX, aberta sobre o Banco da China (Macau).
     10. Os bens acima descritos não podem ser administrados pelos 1ª e 4º Requerentes, conforme a última vontade do Falecido consignada no Testamento, enquanto a Decisão Revidenda não tiver eficácia em Macau,
     11. Impondo-se pois que a mesma aqui seja revista e confirmada, com vista à produção da plenitude dos seus efeitos relevantes na ordem jurídica local.
     12. Não se levantam dúvidas sobre a autenticidade nem sobre a inteligibilidade da Decisão Revidenda.
     13. A Decisão Revidenda transitou em julgado de acordo com as leis de Singapura,
     14. E foi proferida pelo tribunal competente para o efeito, não tendo tal competência sido provocada em fraude à lei.
     15. Do mesmo modo, a Decisão Revidenda não versa sobre matéria para a qual os Tribunais de Macau tivessem competência exclusiva.
     16. A matéria objecto da Decisão Revidenda não foi em momento algum sujeita ao conhecimento ou decisão dos Tribunais de Macau, não se verificando, pois, excepção de litispendência ou caso julgado que contra aquela possa ser invocada.
     17. Não se colocam, in casu, questões relativas à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, pois que a Decisão Revidenda foi proferida após cumprimento dos trâmites previstos na Probate and Administration Ordinance de Singapura8, a qual não impõe a citação de interessados previamente à emissão do Grant of Probate.
     18. Concomitantemente, não existem partes contrárias que devam ser citadas para os termos do presente requerimento, pois que, para além dos ora Requerentes, não existem quaisquer outros interessados na herança9.
     19. Finalmente, o conteúdo da Decisão Revidenda não conduz a resultado que seja incompatível com a ordem pública de Macau.
     20. Face ao que vem de ser exposto, a Decisão Revidenda preenche todos os requisitos necessários à sua revisão e confirmação, conforme disposto no artigo 1200º do Código de Processo Civil,
     21. Sendo certo que, de acordo com a jurisprudência pacífica deste Douto Tribunal, deve presumir-se a verificação dos requisitos de confirmação consignados no nº 1, alíneas b), c), d) e e) do referido artigo10.
    
Concluindo, pede que seja julgada precedente a presente acção, confirmando-se a decisão revidenda a fim de esta poder produzir efeitos no ordenamento jurídico em Macau.
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Por despacho do relator, foi mandado citar editalmente os interessados incertos (fls. 83 a 89).
Ninguém contestou a presente acção.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto deste TSI emitiu o parecer constante de fls. 67 - cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais -, opinando pela confirmação da decisão revidenda.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III - FACTOS
Em face dos documentos juntos aos autos, considera-se assente a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
1. Em 04/02/2016, Em 27/02/2017, em Singapura, faleceu E (adiante o "Falecido"), no estado de casado com a 1ª Requerente .
2. O Falecido deixou testamento, datado de 26.01.2017 (adiante o "Testamento"),
3. Através do qual instituiu como suas herdeiras universais a 1ª Requerente e as filhas de ambos, ora 2ª e 3ª Requerentes .
4. Também por meio do Testamento, o Falecido nomeou a 1ª Requerente como executora ou testamenteira da sua herança ,
5. O Falecido nomeou também, para as mesmas funções, a sua empregada doméstica Sra. XXX, de nacionalidade Indonésia.
6. Em 09.05.2017, os Family Justice Courts de Singapura proferiram a decisão n.º HCF/PRG 283/2017 (Grant of Probate) (adiante a "Decisão Revidenda"), a qual se traduz na homologação sucessória do Testamento, que assim foi julgado válido e registado no referido tribunal .
7. A Decisão Revidenda concedeu poderes de administração de todos os bens que integram o acervo hereditário do Falecido à 1ª Requerente, na qualidade de executora ou testamenteira da herança, nos termos consignados no Testamentos.
8. Também por meio da Decisão Revidenda, foi nomeado co-executor ou co-testamenteiro da herança o 4º Requerente, na sequência da renúncia a tais funções por parte da Sra. XXX.
9. Do acervo hereditário fazem parte os seguintes bens localizados em Macau :
- Fracção autónoma designada por "I7" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXXXolhas 103 do Livro B16K;
- Saldo da conta bancária nº 20-11-10-XXXXXX, aberta sobre o Banco da China (Macau); e
- Saldo da conta bancária nº 05-11-10-XXXXXX, aberta sobre o Banco da China (Macau).
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IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção reside no pedido de revisão e confirmação da decisão do “The Family Justice Courts of the Republic of Singapore”, datada de 9/5/2017, que homologou o testamento do falecido, tendo sido julgado válido e registado nesse mesmo Tribunal o respectivo testamento, de forma a produzir aqui eficácia.
A decisão passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Ausência do contraditório;
- Compatibilidade com a ordem pública.
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Tendo em conta a natureza do bens em causa, vamos analisar parte por parte, começando pela 2ª verba e 3ª verba dos bens acima citados f (quantias depositadas nas respectivas contas bancárias).

Como não há qualquer contestação ao pedido de revisão, porque são todos os próprios interessados que formulam o pedido de revisão, importará analisar as questões acima referidas. Na ausência de qualquer obstáculo à revisão da decisão do “The Family Justice Courts of the Republic of Singapore” em causa, esta só terá eficácia no ordenamento da RAEM, depois de aqui confirmada, tal como resulta do artigo 1199º/ 1 do CPC.
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2. Nesta matéria, prevê o artigo 1200º do Código de Processo Civil (CPC):
     “1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
     a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
     b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
     c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
     d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
     e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
     f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
     2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à RAEM, facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades exteriores, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão do exterior satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade11, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
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3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Não parecendo haver dúvidas de que a sentença objecto de revisão - a existir - encontrar-se-ia corporizada por um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se um procedimento que correu seus termos pelo“The Family Justice Courts of the Republic of Singapore” .
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4. Sobre o alcance do conteúdo da decisão e inteligibilidade da disposição do testador
O referido testamento não oferece dúvidas, sendo claros os seus termos, nomeadamente o destino das quantias das contas bancárias referidas deixadas numa instituição bancária da RAEM e que aparecem descritas na documentação junta aos autos.
Ora, o artigo 59º do Código Civil dispõe:
     “A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário”.
     Importa ter presente que a interpretação das disposições por morte são reguladas pela lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração, sendo de relevar aqui a lei de Singapura aplicável - cfr. artigo 61º/-a) do CC - e o certo é que nenhuma dificuldade foi ali levantada quanto à inclusão desses bens pelo “The Family Justice Courts of the Republic of Singapore”.
     As disposições por morte são válidas se corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto foi celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração, quer no momento da morte ou ainda às prescrições da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local, estando-se aqui perante uma regra de conflitos com uma conexão alternativa com a finalidade de promover o favor testamenti.
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5. Requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório.
Dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior12, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria à Requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam13.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.14
De todo o modo, sobre a questão de saber se essa decisão dita final é efectivamente uma decisão definitiva e transitada ou se a sua validade foi de algum modo posta em crise, sempre se refere que não há elementos que permitam duvidar de que a sentença revidenda esteja, importando atentar que estamos perante uma decisão proferida no âmbito da Common Law, onde não é usual tal certificação, não obstante a existência de um regime da res judicata condition.
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Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CPC:
     “A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
     a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau;
     b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”

Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice no que diz respeito à 2ª e 3ª verbas dos bens deixados em Macau (quantias depositadas numa instituição bancária de Macau).
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6. Também não se colocam questões relativas à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumprida que foi a lei em vigor em Singapura.
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7. Da ordem pública

Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o artigo 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”15
E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
Como referia Ferrer Correia16, o que importa é saber se o reconhecimento da pretensão, alicerçada na lei estrangeira competente, traduz em si um resultado imoral ou atentatório da ordem pública. Pode essa lei mostrar-se inspirada em ideias manifestamente contrárias à ordem pública da lex fori - e todavia não ser inadmissível o resultado a que leva a sua aplicação ao caso concreto. E dava até o exemplo de não repugnar o reconhecimento de certos efeitos jurídicos (por exemplo patrimoniais) a um matrimónio celebrado na América (Estado de Nova Iorque) entre dois americanos, padrasto e enteada, ao abrigo da respectiva lei nacional (que não reconhece o impedimento da afinidade em linha recta.
Mota Pinto entende por ordem pública “o conjunto dos princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas.” - TGDC, 3ª ed., 55117, numa abordagem semelhante à de Galvão Telles para quem ordem pública “é representada pelos superiores interesses da comunidade” – Dto das Obrigações, 5ª ed., 44.18
No caso em apreço, em que se pretende confirmar uma sentença homologatória de um testamento, em que a única conexão com a RAEM é o destino do dinheiro depositado em conta bancária que existe na RAEM, esse desiderato em nada interfere com as normas ou aqueles princípios imperativos.

Tirando isso, nada se conexiona com a nossa ordem interna, não se invocando qualquer conexão de ordem pessoal, cujos interesses houvesse que defender à luz de justas e legítimas expectativas face ao direito interno.
A decisão proferida mostra-se transitada e os seus efeitos ainda não foram destruídos por nenhuma outra decisão que tenha sido proferida até ao presente momento.
Pelo que, é de conceder a revisão e confirmação da decisão proferida pelo “The Family Justice Courts of the Republic of Singapore”, já acima citada, por estarem preenchidos todos os requisitos exigidos pelo artigo 1200º do CPC, sobre as quantias reclamadas (2ª e 3ª verbas dos bens).
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Em relação à 1ª verba do bem deixado pelo falecido, cuja disposição a favor da sua cônjuge sobreviva por testamento, que entretanto foi homologado pela decisão do “The Family Justice Courts of the Republic of Singapore”, à primeira vista, parece que se trata de uma situação prevista no artigo 20º do CPC, como tal o nosso ordenamento jurídico reclamaria a jurisdição exclusiva, pois, está em causa um bem imóvel sito em Macau,
Porém, bem analisada a situação em causa, não é uma situação que o legislador verdadeiramente quer prever através do artigo 20º do CPC, que estipula:
     “A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
     a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau;
     b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Este artigo fala de “acções” e não qualquer decisão. Por acções se entendem:
- “Consiste no pedido feito a um órgão jurisdicional, de uma primeira definição de certeza acerca da existência e do conteúdo da relação jurídica controvertida (Marcelo Caetano, Manual, 8ª ed., pág. 1163).”
     - “São 3 as principais posições sobre o conceito de acção defendidas sobre o conceito de acção defendidas na doutrina:
     a) É o direito à sentença favorável;
     b) É o direito abstracto à obtenção de um pronunciamento judicial, qualquer que seja o seu conteúdo, ainda que só de carácter processual;
     c) Outros identificam a acção, a meio de termo entre as duas posições anteriores, com o direito processual à obtenção de uma decisão de mérito (A. Varela, Man. Proc. Civil, ed. 1984, pág. 280).”

Ora, no caso, o que está em causa não é uma acção em que se discutem direitos reais, mas sim, uma disposição (unilateral) mortis causa, a favor da sua cônjuge sobreviva, feita por um não residente de Macau (falecido), que se casou em Singapura, sem regime de bens, e onde tinha a sua residência habitual (fls. 8). Portanto, não se verifica no caso qualquer conexão relevante de carácter permanente com o ordenamento jurídico de Macau, à excepção do elemento do lugar onde o bem se encontra situado. E, tal disposição consta de um testamento, lavrado à luz da legislação de Singapura, que foi objecto de homologação por parte do “The Family Justice Courts of the Republic of Singapore”.
Nestes termos, entendemos que conceder a revisão e confirmação à decisão judicial em causa não viola os preceitos legais acima citados, nem ofende a ordem pública do ordenamento jurídico de Macau.
Importa destacar, por último, que a ratio da competência exclusiva, para as acções relativas aos direitos reais sobre bens imóveis situados em Macau, dos tribunais de Macau (da localização dos bens) radica na circunstância de o tribunal da situação do imóvel ser o que se encontra melhor apetrechado, atendendo à proximidade, para conhecer os elementos de facto, bem como as regras e os usos de Macau da situação normalmente aplicáveis, e de os litígios concernentes a direitos reais sobre imóveis envolverem frequentemente controvérsias que devem ser dirimidas mediante inspecções, averiguações e perícias a realizar no local.
Nesta teleologia, o conceito de acções relativas a direitos reais sobre imóveis não deve ser interpretado no sentido se englobar toda e qualquer acção que se relacione como quer que seja indirectamente, ou se prenda a título secundário ou acessório com um direito real sobre imóvel, alheada do escopo garantístico de faculdades compreendidas na titularidade do direito, mas tão-somente aquelas que tendem a determinar a extensão, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel, ou a existência de outros direitos reais sobre estes bens, e a garantir aos respectivos titulares a protecção das prerrogativas emergentes dessa titularidade, tendo no direito real o seu objecto ou fundamento nuclear como causa petendi.
Pelo que, é de conceder também a revisão e confirmação à decisão citada no que toca também ao imóvel situado em Macau.
Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em conceder a revisão e confirmação à decisão n.º HCF/PRG 283/2017 (Grant of Probate) do “The Family Justice Courts of the Republic of Singapore”, de 9 de Maio de 2017, que homologou o testamento do falecido E, de forma a produzir na RAEM todos os efeitos legais.
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Custas pelos Requerentes.
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Registe e Notifique.
     Macau, 8 de Novembro de 2018.
    Fong Man Chong
    Ho Wai Neng
    José Cândido de Pinho
1 Cf. Docs. 1 e 2 juntos com o primitivo requerimento inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
2 Cf. Doc. 3 (anexo) junto com o primitivo requerimento inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
3 Cf Doc. nº 3 (anexo, parágrafos 3, 4 e 5) e Docs. Nºs 4 e 5 juntos com o primitivo requerimento inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
4 Cf Doc. nº 3 (anexo, parágrafo 1)
5 Cf. Doc. nº 3 (folha de rosto)
6 Cf Doc. nº 3 (folha de rosto)
7 Cf Doc. 3 (lista de bens) e Doc. 6 junto com o primitivo requerimento inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

8 Disponível em sso.agc.gov.sg/Act/PAA1934
9 Para uma situação análoga, v. o proc. nº 933/2015, que correu termos neste Tribunal, cujo douto acórdão, concedendo a requerida confirmação, se encontra disponível em www.court.gov.mo
10 Cf. Ac. TSJ de 25.02.1998, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27.07.2000, CJ 2000, II, 82, de 15.02.2000, CJ 2001, I, 170, de 24.05.2001, CJ 2001, I, 263, de 11.04.2002, Proc. 134/2002 de 24.04.2002, entre outros
11 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002

12 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
13 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
14 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
15 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
16 - BMJ 24º, 66.
17 - TGDC, 3ª ed., 551
18 - Dto das Obrigações, 5ª ed., 44.
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