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Proc. nº 584/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 06 de Dezembro de 2018
Descritores:
     - Processo de Jurisdição voluntária
     - Caso Julgado
     - Renúncia ao direito
     - Prescrição

SUMÁRIO:

I - O caso julgado deriva dos precisos limites objectivos e subjectivos em que a sentença julga (art. 576º, nº1, do CPC). Isto significa que não se pode deixar de atender ao tipo de processo em que a sentença é proferida, ao objecto julgado, à causa de pedir e ao pedido, enfim, ao alcance da respectiva decisão.

II - Para se dar por verificado o caso julgado, enquanto excepção, é necessário que se verifiquem os requisitos previstos do art. 416º e 417º, do CPC.

III - No julgamento dos processos de jurisdição voluntária o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, em vez disso, adoptar em cada caso a solução mais conveniente e oportuna (art. 1208º, do CPC). Razão pela qual as sentenças proferidas nesses processos não assumem, pela sua própria natureza, a força de caso julgado, podendo até ser alteradas pelo juiz que a proferiu sempre que as circunstâncias supervenientes o justifiquem.

IV - O facto de o réu no processo de jurisdição voluntária não ter deduzido oposição não significa silêncio abdicativo com valor renunciativo ao direito de invocar a prescrição.

V - O prazo da prescrição começa a contagem apenas quando o direito puder ser exercido (art. 299º, nº1, 1ª parte, do CC). E, para este efeito, é exigível o conhecimento por parte do titular do direito (parte antagónica ao beneficiário da prescrição) de todos os pressupostos de que depende o seu exercício.

Proc. nº 584/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, e sua mulher B, Casados no regime de comunhão de adquiridos, com residência habitual em Macau, XXXXXX, instauraram no TJB (Proc. nº CV2-14-0008-CAO) contra:
C, casado com D no regime da separação de bens, com residência habitual nos Estados Unidos da América, XXXXXX, New York, NY 10010,
acção declarativa com processo comum na forma ordinária, com fundamento em contrato-promessa de compra e venda incumprido,
Pedindo a título principal:
- Sentença substitutiva da escritura de compra e venda (execução específica) e a condenação da ré no pagamento de indemnização pelo incumprimento do contrato;
E a título subsidiário:
- A resolução do contrato e condenação da ré em indemnização pelos prejuízos sofridos pelo incumprimento;
- O reconhecimento do direito de retenção.
*
Através do despacho saneador-sentença, foi decidido:
a) - Julgar a ré parte ilegítima quanto à resolução contratual e absolvê-la da instância:
b) - Absolver a ré da instância quanto à excepção inominada impeditiva do conhecimento da indemnização pelo incumprimento definitivo da promessa de venda;
c) - Declarar prescritos os direitos de execução específica da promessa e de indemnização correspondente, absolvendo a ré do pedido;
d) - Absolver a ré da instância relativamente ao pedido de reconhecimento do direito de retenção.
*
Os autores requereram, após aquela decisão, a intervenção principal provocada dos herdeiros da mãe da ré, o que foi deferido.
*
Entretanto, os mesmos autores recorreram do saneador-sentença quanto à decisão tomada nas alíneas c) e d) acima aludidas.
Na respectiva alegação, formulou as seguintes conclusões:
«1. Os recorrentes interpõem o presente recurso da decisão constante das alíneas c) e d) da sentença de fls. 585 a 594 dos autos.
2. Na decisão acima referida, o tribunal recorrido julgou prescritos os direitos de execução específica parcial da promessa de compra e venda e de indemnização em consequência de incumprimento parcial da mesma promessa e, em consequência, absolver a ré desta parte do pedido. Além disso, com base em que foram julgados prescritos os direitos de indemnização em consequência de incumprimento parcial da promessa, o tribunal recorrido julgou não reconhecido o direito de detenção para garantia da indemnização, pois, absolveu a ré do pedido de reconhecimento do direito de retenção formulado pelos autores.
3. Os recorrentes não se conformam com a decisão de que se encontram prescritos os direitos de execução específica parcial da promessa de compra e venda e de indemnização em consequência de incumprimento parcial da mesma promessa e, em consequência, absolver a ré desta parte do pedido.
4. Em primeiro, os recorrentes consideram que a decisão ora recorrida violou uma decisão com trânsito em julgado.
5. Em 2014, os recorrentes intentaram uma acção contra da ré junto do tribunal, com o processo de jurisdição voluntária para fixação de prazo n. º CV3-14-0007-CPE, no qual os recorrentes requereram ao tribunal a fixação de um prazo de três meses para a ré, como herdeira da E, de cumprir a obrigação da venda de três quintos (3/5) da propriedade indivisa do prédio em questão para com o 1.º recorrente. (vide o documento constante de fls. 84 dos autos).
6. Em 25 de Julho de 2016, o tribunal proferiu a decisão no processo de jurisdição voluntária n.º CV3-14-0007-CPE que julgou procedente o pedido formulado pelos requerentes nos autos, ora recorrentes, e fixou um prazo de três meses para celebrar entre a requerida (ou seja, a ré nos autos) e os requerentes (ou seja, os autores nos autos, ora recorrentes) o contrato prometido de compra e venda relativo a três quintos (3/5) do prédio em questão. A decisão acima referida já transitou em julgado em 12 de Setembro de 2016. (vide certidão de sentença no anexo 1 do articulado superveniente dos autores)
7. Não há dúvida que a decisão acima indicada já transitou em julgado e produziu efeitos relativos à relação jurídica entre os recorrentes e a entidade ré: a ré deveria celebrar o contrato prometido de compra e venda com os recorrentes no prazo de três meses. Por isso, a decisão ora recorrida violou a supra decisão com trânsito em julgado.
8. Além disso, a ré tinha sido adequadamente citada naquele processo, mas nunca deduziu qualquer oposição, nem alegou oportunamente a excepção de prescrição. Por isso, pese embora o Mm.º Juiz considere que se encontram prescritos os direitos invocados pelos recorrentes, nos termos do disposto no art.º 295.º, n.º 2 do Código Civil, o acto da ré acima referido deve ser considerado como a renúncia da prescrição feita pela ré da forma tácita, por isso, a ré não podia alegar a prescrição na presente instância.
9. Para mais, de acordo com os seguintes fundamentos, ainda não se encontram prescritos os direitos invocados pelos recorrentes.
10. Através da causa de pedir alegada na petição inicial, pode-se saber que os recorrentes exigiram o cumprimento parcial da prestação do que for possível, por motivo da impossibilidade parcial do cumprimento imputável ao devedor e com base em que a ré ainda poderia celebrar uma escritura de compra e venda relativamente a 3/5 da propriedade indivisa do prédio em questão, ou seja, a devedora ainda tem possibilidade de cumprir parcialmente a prestação do contrato prometido.
11. Segundo as disposições gerais, na falta de estipulação de prazo, o credor tem o direito de exigir do devedor a todo o tempo o cumprimento do dever da prestação. No entanto, a própria natureza de tal prestação é para celebrar uma escritura de compra e venda, bem como no contrato-promessa em questão não foi acordado prazo para o cumprimento parcial de tal prestação, por isso, nos termos do disposto no art.º 777.º n.º 2 do Código Civil do ano 1966 e no art.º 766.º, n.º 2 do Código Civil em vigor, para que o credor possa exercer o direito de exigir do devedor o cumprimento parcial da prestação, o credor deve requerer ao tribunal a fixação de um prazo para o devedor a cumprir a prestação e, consequentemente, pode exigir do devedor o cumprimento de tal prestação no prazo fixado pelo tribunal. Por isso, antes do prazo fixado pelo tribunal, os recorrentes como credor ainda não podiam exigir da devedora o cumprimento de tal prestação, ou seja, o direito de crédito dos recorrentes ainda não foi exercido.
12. Para tal, tanto no art.º 306.º, n.º 1 do Código Civil de 1966 como no art.º 299.º, n.º 1 do Código Civil em vigor, antes do prazo fixado pelo tribunal, uma vez que o direito de crédito dos recorrentes ainda não foi exercido, pois, ainda não começou a correr o prazo da prescrição de tal direito.
13. Segundo as disposições legais acima referidas, o prazo de prescrição do direito dos recorrentes deveria começar a correr a partir da data em que o tribunal fixou o prazo de três meses para a prestação, ou seja, começou a correr a partir de 12 de Setembro de 2016, razão por que o seu direito só podia ser exercido a partir daquela data. Por isso, é obviamente que os direitos invocados pelos recorrentes ainda não se encontram prescritos.
14. Finalmente, mesmo que o Mm.º Juiz não se entenda assim, os recorrentes consideram que não decorreu ainda tal prazo de prescrição, pela razão de que a prescrição invocada pela ré configura um abuso de direito.
15. Quanto ao abuso do direito, o art.º 334.º do Código Civil de 1966 e o art.º 326.º do Código Civil em vigor dispõem o seguinte: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
16. Dispõe-se no art.º 762.º, n.º 2 do Código Civil de 1966 e no art.º 752.º, n.º 2 do Código Civil em vigor, que “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.”
17. Como os seguintes factos alegados pelos recorrentes nos pontos 2 a 6 da réplica dos autores, a devedora dessa promessa não procedeu de boa fé no cumprimento da sua obrigação.
18. No contrato-promessa em questão, E declarou que, quando lhe tinha sido conferida pelo tribunal a aquisição das partes restantes do direito de propriedade, iria celebrar o contrato prometido no prazo de 30 dias contados a partir da data da conclusão do procedimento de sucessão hereditária.
19. Assim, no contrato-promessa acima indicado, E prometeu que iria intentar uma acção do processo de inventário, ao invés da acção declarativa de usucapião sob a forma de processo comum.
20. E e a ré nunca informaram os recorrentes se já intentou a respectiva acção junto do tribunal, nem comunicaram os recorrentes do resultado do processo.
21. Até que o advogado constituído pelos recorrentes procedeu, em 14 e 17 de Janeiro de 2014, a uma consulta junto do tribunal sobre os eventuais processos em que E intervém na qualidade da parte, após disso, os recorrentes só tiveram conhecimento que E intentou junto do tribunal, em 6 de Dezembro de 1976, uma acção com processo comum de declaração (n.º 122/1976), mas foi julgada improcedente (vide os anexos 1, 2 e 3 da réplica dos autores).
22. Então, a supra acção intentada pela E não é a acção prometida a ser intentada no contrato-promessa, bem como esta foi julgada improcedente pelo tribunal.
23. Como todos sabem e, é um facto manifesto que não há necessidade de ser alegado e provado, que antes da reunificação de 1999, especialmente no momento em que a devedora intentou a acção acima indicada e esta foi julgada improcedente, a consulta da acção que foi eventualmente intentada pela devedora nos tribunal e do respectivo resultado, não se mostra tão conveniente como o que agora é feita através do nome de parte.
24. Além disso, o professor, Vaz Serra, já indicou alguns exemplos do abuso de direito e as suas consequências em relação ao invocar a prescrição, “quando o devedor obsta, com a sua conduta, ao exercício tempestivo do direito do credor e invoca depois a prescrição desse direito. (...) A ilegitimidade do abuso do direito tem as consequências de todo o acto ilegítimo: (...) ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade ...”.
25. Os recorrentes consideram que as circunstâncias da causa em questão correspondem às situações acima indicadas pelo professor: por um lado, a devedora não cumpriu o seu dever de intentar a acção sob a forma de processo já prometido; por outro lado, a devedora não forneceu, da forma dolosa, as informações que tinha intentado ou não a acção, e do resultado (o dever de fornecer estas informações trata-se de uma obrigação assessória e é responsável pela devedora), do que resulta que, na falta destas informações, impediu os credores de exercerem oportunamente o seu direito, e depois, a devedora invocou a prescrição.
26. Dado que a prescrição invocada pela devedora trata-se do abuso de direito, devendo ser geradas as consequências do abuso de direito, ou seja, o prazo da prescrição deve ser contado a partir da data em que os recorrentes tiveram conhecimento do exercício do seu direito imprescindível e em que as informações foram devidamente apresentadas pela devedora, em concreto, é contado a partir do dia 14 de Janeiro de 2014. Por isso, ora ainda não se encontram prescritos os direitos.
27. Sendo que os recorrentes exigiram da ré o cumprimento parcial da prestação, e o direito da indemnização resultante do não cumprimento parcial da promessa ainda não se encontra prescrito, pelo que se perdeu o fundamento para a decisão do tribunal recorrido que julgou não reconhecido o direito de retenção para garantia do direito de indemnização.

28. Por tudo o acima exposto, deve ser revogada a decisão recorrida, ou seja, a decisão constante das alíneas c) e d) da sentença de fls. 585 a 594 dos autos e, em consequentemente, julgada improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré.
Pelo exposto, deve ser revogada a decisão recorrida (ou seja, a decisão constante das alíneas c) e d) da sentença de fls. 585 a 594 dos autos) e, em consequentemente, julgada improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré.
Fazendo-se assim a habitual Justiça!»
*
A ré respondeu ao recurso, pugnando pelo seu improvimento.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
Face aos documentos existentes nos autos, alinha-se a seguinte factualidade relevante:
1. Por contrato promessa de 13 de Novembro de 1972, que se romaniza E, prometeu vender ao 1º A o prédio sito em Macau, n.º 34 do Beco das Caixas, descrito sob o n.º XXXX, a fls. 24v do Livro 8-14 na Conservatória do Registo Predial de Macau, pelo preço total de MOP$10,000.00 (dez mil patacas) (Doc. n.º 1 e Doc. n.º 3, fls. 10).
2. O referido contrato apesar de expressar que ambas as partes entraram em acordo para os termos e condições aí expressas só foi assinado pela promitente vendedora.
3. Assim, na data da assinatura do contrato o 1.° A. já tinha pago a E a quantia total de MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), a título de sinal e antecipação do preço (Docs. Nºs 1 e 2).
4. Na altura de celebração da promessa acima mencionada, E era titular de uma quota indivisa de três quintos (3/5) do direito de propriedade do referido prédio (Doc. n.º 3, fls. 12)
5. Os restantes dois quintos (2/5) do direito de propriedade pertenciam a F, G e H, cabendo a cada um deles, a quota indivisa de dois quinze avos (2/15) respectivamente (v. Doc. n.º 3, a fls. 11).
6. Nos termos da declaração de promessa, E, mandatou o advogado que testemunhou a mencionada declaração, Dr. I, para intentar acção no tribunal, a fim de adquirir a totalidade do direito de propriedade do prédio (v. Doc. n.º 1)
7. E declarou aí que o contrato definitivo de venda seria celebrado 30 dias após o tribunal haver proferido decisão declarando-a titular dá restante parte do direito de propriedade sobre o prédio (v. Doc. n.º 1)
8. Em 6 de Dezembro de 1976, E, representada pelo seu mandatário judicial, Dr. I, intentou no Tribunal da Comarca de Macau acção declarativa com processo ordinário, distribuída sob o n.º 122/1976 ao 1º cartório, a fim de ser declarado que havia adquirido por usucapião a totalidade do direito de propriedade do prédio (Doc. n.º 4, fotocópias extraídas dos autos de Acção Declarativa Ordinária n.º 122/1976 do 1º cartório do Tribunal da Comarca de Macau),
9. No entanto, a acção foi julgada improcedente, havendo a decisão transitado em julgado no dia 4 de Outubro de 1977 (v. Doc. n.º 4, fls. 56 e 71 v dos autos).
10. E faleceu em 10 de Dezembro de 1981 em Hong Kong (Doc. n.º 5, fotocópias extraídas dos autos de Inventário Facultativo n.º 251/1996 da 4.a Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Macau.
11. Até à data do seu óbito, a mesma não adquiriu os restantes 2/5 do direito de propriedade do prédio, que ainda continuam registados a favor de F, G e H (Doc. n.º 3, fls. 11).
12. Em 2014 os AA instauraram no TJB (Proc. nº CV3-14-007-CPE) processo de jurisdição voluntária contra a ré, pedindo a fixação de um prazo de 3 meses para o cumprimento por parte desta, enquanto sucessora da promitente vendedora E, da obrigação de celebração do contrato de compra e venda de 3/5 da propriedade prometida vender.
13. A ré não deduziu oposição a este pedido e o tribunal, em 25/07/2016, proferiu sentença fixando à ré um prazo de 3 meses para a outorga do contrato prometido, decisão transitada em 12/09/2016.
***
III – O Direito
1 – O despacho saneador-sentença, objecto do presente recurso jurisdicional, na parte que ora interessa, apresenta o seguinte teor:
  “Da prescrição.
  Já é possível conhecer do mérito da causa no que diz respeito à excepção peremptória de prescrição dos direitos de execução específica parcial e de indemnização por incumprimento parcial da promessa de venda, porquanto a respectiva decisão não depende de matéria de facto ainda controvertida.
  E conhecendo.
  Os autores pretendem a execução específica de parte de um contrato-promessa (quota indivisa de 3/5) e a indemnização por incumprimento da outra parte do mesmo contrato (quota indivisa de 2/5).
  A ré invocou a prescrição dos direitos que os autores pretendem fazer valer nestes autos.
  Com relevo para a decisão desta questão está assente que:
a) Por escrito, em 13 de Novembro de 1972 a mãe da ré prometeu vender um imóvel ao autor;
b) Nessa altura a mãe da ré tinha inscrita a seu favor no registo predial apenas a quota indivisa de 3/5 do direito de propriedade do referido imóvel;
c) A mãe da ré declarou, também por escrito, que a venda definitiva seria celebrada trinta dias após o tribunal proferir decisão que a declarasse titular da totalidade do direito de propriedade sobre o prédio;
d) A mãe da ré intentou acção judicial com vista a ser reconhecida como proprietária plena do prédio prometido vender, por ter adquirido 2/5 do mesmo por usucapião.
e) Tal acção foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado em 4 de Outubro de 1977;
f) A mãe da ré faleceu em 10 de Dezembro de 1981;
g) Em processo de inventário por morte da mãe da ré, a ré adquiriu a referida quota indivisa de 3/5 do imóvel prometido vender;
h) Os autores intentaram contra a ré uma acção com processo especial para fixação de prazo onde pediram que o tribunal fixasse à ré prazo para celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel prometido vender pela sua mãe.
i) Nessa acção, a ré foi citada para deduzir oposição e nada disse nos autos.
  Quer o direito à execução específica, quer o direito à indemnização por incumprimento contratual prescrevem no prazo ordinário de prescrição (art. 302º do actual CC e art. 309º do anterior CC). Tal prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (art. 299º, nº 1 do CC actual e art. 306º, nº 1 do anterior) e não quando o seu titular tem conhecimento que esse direito lhe assiste ou de quem são os titulares passivos, como é o caso do direito à indemnização por danos causados por acto ilícito de terceiro (art. 491º, nº 1 do CC). Não procede, pois, a afirmação dos autores quando dizem que o prazo de prescrição só iniciou a sua contagem em 2014 quando souberam que foi julgada improcedente a acção que a mãe da ré intentou com vista a obter a propriedade plena do prédio prometido vender. Na verdade, tal prazo iniciou a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão que negou reconhecer à mãe da ré a propriedade de 2/5 indivisos do direito de propriedade do prédio prometido vender. Com efeito, é nessa sentença que os autores ancoram o incumprimento definitivo parcial que invocam. Não dizem que a mãe da ré ainda tinha outro meio de ser reconhecida como proprietária daquela quota indivisa. Nem é acertado dizer que, como o tribunal ainda não declarou a mãe da ré proprietária plena, ainda não começou a contar o prazo para a celebração do contrato definitivo nem os autores poderiam recorrer à execução específica. É que tal afirmação respeita à execução específica integral e não à execução específica meramente parcial que aqui está em análise. De facto os autores só poderão recorrer à execução específica integral da promessa depois de ser adquirida a propriedade plena do imóvel prometido vender. Porém, relativamente à execução específica relativa a 3/5 indivisos que agora vêm exercer, já o poderiam ter feito em 1977 depois do trânsito em julgado da decisão que julgou improcedente a pretensão da mãe da autora. O direito à aquisição dos 3/5 e o direito à indemnização por incumprimento parcial que os autores pretendem aqui fazer valer já era exigível em 1977.
   O prazo de prescrição em causa é de 20 anos e já decorreu, tendo-se completado em 1997 (art. 309º do anterior CC).
   Porém, a ré veio dizer que os autores renunciaram de forma tácita à prescrição. Segundo os autores, a ré renunciou tacitamente à prescrição ao não invocar a prescrição como defesa na acção em que os autores pediram que o tribunal fixasse prazo para a ré outorgar a escritura pública de compra e venda do imóvel prometido vender.
   A declaração tácita é aquela que “se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam” (art. 209º, in fine do CC). O facto de a ré não ter invocado a prescrição na acção em que se pretendia a fixação de prazo para outorga do contrato definitivo prometido revela com toda a probabilidade que quiseram renunciar à prescrição? A resposta tem de ser negativa. Com efeito, muitas outras hipóteses se podem colocar com igual ou superior probabilidade. Nem naquela acção poderia ser declarada a prescrição, embora pudesse ser conhecida enquanto obstáculo à fixação do pretendido prazo.
   Conclui-se, pois, que prescreveu o direito à execução específica parcial invocado pelos autores, assim como prescreveu o direito a serem indemnizados por incumprimento definitivo da parte restante da promessa.
   Do direito de Retenção.
   Estando prescrito o direito que justificaria o direito de retenção, este último não sobrevive, enquanto acessório daquele (297º, nº 2 do CC). Porém, o direito que está prescrito é o direito à indemnização por incumprimento parcial da promessa de venda. Já atrás se concluiu que, não podendo conhecer-se da resolução contratual por ilegitimidade da ré, também não se poderia conhecer da indemnização que pressupõe tal resolução do contrato. Cabe agora concluir pela mesma razão que, não se podendo conhecer do direito à indemnização por incumprimento integral da promessa, não poderá conhecer-se do direito de retenção que servirá de garantia àquele direito à indemnização.
   Assim, também quanto ao direito de retenção terá a ré de ser absolvida da instância por ocorrer excepção dilatória inominada que impede o conhecimento do mérito.
*
Pelo que ficou exposto decide-se:
a) …….
b) …….
c) Julgar prescritos os direitos de execução específica parcial da promessa de compra e venda e de indemnização em consequência de incumprimento parcial da mesma promessa e, em consequência, absolver a ré desta parte do pedido.
d) Absolver a ré da instância relativamente ao pedido de reconhecimento do direito de retenção.
e) Condenar os autores nas custas do processo.”.
*
2 – Como se alcança, a sentença julgou prescritos o direito de execução específica (parcial, porque a promitente vendedora apenas era titular de 3/5 da fracção) e o direito de indemnização pela impossibilidade de cumprimento relativamente aos restantes 2/5.
Os AA/recorrentes, contudo, defendem que:
- A sentença ora impugnada violou o caso julgado verificado no aludido processo de jurisdição voluntária;
- A circunstância de a ré, citada no âmbito daquele processo de jurisdição voluntária, não ter deduzido oposição corresponde a uma renúncia tácita à prescrição.
- O prazo de prescrição deveria começar a correr a partir da data em que o tribunal do processo de jurisdição voluntária fixou o prazo de 3 meses para a prestação, ou seja, a partir de 12/09/2016.
Vejamos.
*
3 – Sobre o caso julgado
A ideia-força dos recorrentes é a seguinte: Se a sentença proferida no processo de jurisdição voluntária fixou prazo para a celebração da escritura, é porque entendeu que não tinha ocorrido a prescrição, que nos presentes autos o tribunal “a quo” afirmou existir.
Em nossa opinião, porém, a sentença em crise não ofendeu o caso julgado.
Em primeiro lugar, o caso julgado deriva dos precisos limites objectivos e subjectivos (por todos, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 708 e sgs.) em que a sentença julga (art. 576º, nº1, do CPC). Isto significa que não se pode deixar de atender ao tipo de processo em que a sentença é proferida, ao objecto julgado, à causa de pedir e ao pedido, enfim, ao alcance da respectiva decisão.
Ora, na situação dos autos, para se dar por verificado o caso julgado, enquanto excepção, seria necessário que se verificassem os requisitos previstos do art. 416º e 417º, do CPC. E esses não ocorrem, bastando pensar que o pedido não coincide em ambas as pretensões: no processo de jurisdição voluntária em apreço apenas se pretendia, o que foi conseguido (cfr. fls. 462-464 ou 474-477 dos autos) a fixação de um prazo (cfr. art. 1232º, do CPC), ao passo que na presente o que se alcança é uma sentença que tenha a virtude de se substituir ao contraente faltoso, o que implica o estudo da relação jurídica substantiva.
Quando muito poder-se-ia falar aqui na função positiva de caso julgado, tomado este como autoridade (“autoridade de caso julgado”; sobre o assunto, entre outros, Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., pág. 377, 551 e sgs.).
Só que, a este propósito, não é despiciendo lembrar que no julgamento dos processos de jurisdição voluntária o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, em vez disso, adoptar em cada caso a solução mais conveniente e oportuna (art. 1208º, do CPC). Então, se isto é assim, cremos que, em caso nenhum, se podia afirmar que a decisão - que fixa o prazo para a celebração da escritura nesse processo, em que se não entrou na análise do fundo ou da substância da relação material controvertida, em que não se penetrou no conflito de interesses como é próprio de um processo de jurisdição contenciosa (Antunes Varela e outros, ob. cit., pág. 69), enfim em que se não apreciou a existência do direito - se pode impor com a força e autoridade de caso julgado.
É, aliás, por tal motivo que as sentenças proferidas nos processos de jurisdição voluntária não assumem, pela sua própria natureza, a força de caso julgado, podendo até ser alteradas pelo juiz que a proferiu sempre que as circunstâncias supervenientes o justifiquem (Antunes Varela e outros, ob. cit., pág. 72).
Não cremos que seja necessário dizer mais nada sobre a inexistência do caso julgado.
*
4 – Sobre a renúncia
Os recorrentes, neste passo, asseveram que não podia ser decretada a prescrição pelo facto de a ela a ré ter renunciado tacitamente ao não ter deduzido oposição no referido processo de jurisdição voluntária para fixação de prazo. Ou seja, pretendem que ao silêncio da recorrida se atribua esse efeito abdicativo.
Verdade é que a renúncia pode ser tácita e não necessita de ser aceite pelo beneficiário (art. 295º, nº2, do CPC). Contudo, se certo é que a declaração tácita é aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (art. 209º, nº1, “fine”, do C.C.), logo o preceito seguinte afasta esse efeito proveniente do silêncio ao afirmar que ele só vale como declaração “negocial” quando esse alor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (art. 210º, do CC).
Ora, neste caso, em lado nenhum (lei, uso ou convenção) se encontra alguma atribuição legal, usada e estipulada no sentido de se conferir ao silêncio aquele valor renunciativo. Pelo contrário, pode ver-se no art. 1207º, nº3, do CPC que “Nem a falta de oposição, nem a falta de impugnação dos factos alegados envolvem o reconhecimento destes”.
Parece ser de concluir, pois, que não se está perante uma renúncia à prescrição.
*
5 – Sobre o prazo de prescrição
A questão é: Quando começou efectivamente a correr o prazo de prescrição?
Desde 4/10/1977, altura em que transitou em julgado a sentença proferida no âmbito da acção (julgada improcedente) movida pela mãe da ré com vista à aquisição pela via da usucapião dos restantes 2/5 (tese da sentença impugnada)?
Desde 2014, altura em que os recorrentes tiveram conhecimento de que aquela acção fora julgada improcedente?
Ou, então, desde 12/09/2016, data em que o tribunal do processo de jurisdição voluntária fixou um prazo para a celebração da escritura? (tese dos recorrentes)
Verdade é que nos parece estarmos perante uma promessa sob condição suspensiva (a condição seria a de que a mãe da ré interpusesse com êxito a acção tendente à aquisição dos 2/05 que lhe faltavam para a propriedade plena sobre o imóvel). E certo é que nos termos do art. 299º, nº2 “a prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer”.
Contudo, esta disposição não pode ser vista isoladamente, como se ela valesse por si mesma e independentemente de quaisquer outras.
Antes de tudo, é bom que se saiba que o prazo da prescrição começa a contagem apenas quando o direito puder ser exercido (art. 299º, nº1, 1ª parte, do CC). Ora, para este efeito, e como é sabido, é exigível o conhecimento por parte do titular do direito (parte antagónica ao beneficiário da prescrição) de todos os pressupostos de que depende o seu exercício (Vaz Serra, RLJ, 107, pág. 300; Gil Oliveira e Cândido de Pinho, Código Civil Anotado e Comentado, CJJJ, 2018, Livro I, VOL. IV, pág. 479).
Ou seja, regressando ao caso, nunca seria suficiente o facto objectivo da improcedência da acção movida pela mãe da ré, sendo ainda necessário que os autores tivessem tido conhecimento dessa improcedência; somente após esse conhecimento poderia equacionar-se o início da contagem. Só então se pode dizer estarem reunidos os requisitos para que o direito pudesse ser exercido!
Portanto, somos levados a admitir que nunca a pura ocorrência do trânsito em julgado da aludida sentença (4/10/1977) serviria para desencadear o início da contagem do prazo para a prescrição.
Significa, portanto, que o recurso merece provimento nesta parte.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida na parte impugnada.
Em consequência, mais acordam em determinar o prosseguimento dos autos, relativamente à execução específica peticionada, salvo se outra causa a tal obstar.
Custas pela recorrida.
T.S.I., 06 de Dezembro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


584/2018 22