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Processo nº 748/2016
(Autos de recurso cível)

Data: 6/Dezembro/2018

Assuntos:
Junção de prova pericial produzida em outro processo
Impugnação da matéria de facto

SUMÁRIO
Não sendo a autora parte em outra acção, a perícia realizada no âmbito daquela não pode servir nos autos em discussão como prova contra aquela, por que antes não houve lugar ao exercício do contraditório.
Entretanto, tendo em conta que o Tribunal recorrido não recorreu ao resultado daquele relatório pericial apresentado pela ré para dar como provado determinado facto, ou seja, independentemente de aquele ter sido junto ou não aos autos, a decisão do Tribunal seria a mesma, pelo que o recurso interposto pela autora contra a junção do referido relatório pericial não poderá deixar de improceder, por força do disposto do n.º 3 do artigo 628.º do Código de Processo Civil.
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, competindo-lhe atribuir o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se confira, salvo raras excepções, maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras.
Estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração da resposta dada pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong
       

Processo nº 748/2016
(Autos de recurso cível)

Data: 6/Dezembro/2018

Recorrente:
- A Company (Autora)

Recorridas:
- B Limitada, C Limitada (Rés) e D Limitada (Interveniente)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformada com o despacho que admitiu a junção dos documentos apresentados pela 2ª Ré C Limitada, recorreu a Autora A Company jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Mal andou o douto tribunal a quo ao admitir a junção aos presentes autos dos referidos documentos (i) Certidão do despacho saneador proferido no âmbito do processo CV3-09-0040-CAO; (ii) Certidão do Acórdão do julgamento da matéria de facto proferido no processo CV3-09-0040-CAO; (iii) Acta de inquirição de testemunha e decisão proferida no âmbito do processo CV3-07-0077-CAO-A; (iv) Acta de audiência de julgamento realizada no processo CV3-07-0077-CAO-A; (v) Certidão do relatório pericial realizado no âmbito da acção que corre termos sob o número de processo n.º CV3-09-0040-CAO.
II. Nos termos e para os efeitos do disposto no número 1) do artigo 446º do CPCM os depoimentos e provas periciais produzidas num certo processo, só podem ser usados noutro processo em que as partes sejam as mesmas, e que a parte contra a qual estejam a ser usadas tenha tido a oportunidade de, nesse outro processo, as contradizer.
III. Conforme consta das certidões judiciais juntas pela 2ª Ré, a ora Recorrente não foi parte nos processos CV3-09-0040-CAO e CV3-07-0077-CAO-A.
IV. Ora, a junção de tais documentos – depoimentos, perícias e actas de discussão e julgamento – ao contrariar o disposto no artigo 446º do CPCM, nunca deveriam ter sido admitidos, por impertinentes, uma vez que nunca seriam aptos a demonstrar os factos que alegadamente se destinam a provar.
V. Por igual ordem de razão, a junção de uma decisão final e de uma decisão acerca da matéria de facto proferida no âmbito de um processo do qual a ora Recorrente não foi parte e que, ademais, nem sequer se sabe se terá transitado em julgado, também não pode ser admitida, uma vez que a ora Recorrente não foi parte e, como tal, tomados com base em provas que a ora Recorrente não teve oportunidade de contradizer.
VI. Assim, nunca a junção de tais documentos deveria ter sido admitida, porquanto os mesmos contêm decisões judiciais (relativas aos factos ou ao direito) e reprodução de diligências probatórias, tomadas com base em provas produzidas em processos em que a ora Recorrente não foi parte e em que, como tal, não exerceu o direito ao contraditório e nem o direito de impugnar.
VII. Ao admitir a junção de tais documentos o douto tribunal a quo violou o disposto nos artigos 446º e 468º do CPCM.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por uma outra que não admitia os documentos supra melhor identificados e que ordene o seu desentranhamento e restituição à 2ª Ré.
Termos em que farão V. Exas. JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a 2ª Ré, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“1.O Tribunal a quo ao proferir o Despacho recorrido, mais não fez que aderir às regras gerais de prova por documentos.
2. Constitui uma excepção a norma contida no número 1 do artigo 446º do CPC, porém o Despacho recorrido não se socorreu à norma nela consagrada.
3. O douto Despacho em impugnação foi elaborado de acordo com as regras gerais de prova por documentos prescritas no Código de Processo Civil, pelo que não é de entender como válida a afirmação da Recorrente no sentido de que a admissão dos referidos documentos viola a norma contida no número 1 do artigo 446º do mesmo diploma legal.
4. Não pode a Recorrida deixar de discordar da tese defendida pela Recorrente, pois, o Tribunal a quo, ao admitir a junção dos demais documentos nos Autos, mais não fez que aderir às regras de prova por documentos consagrados nos artigos 450º e seguintes do CPC e para todos os devidos efeitos fez notificar oportunamente a ora Recorrente e os contra-interessados para o exercício cabal dos seus direitos de defesa, contraditório e impugnação.”
*
Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido, foram julgados improcedentes os pedidos formulados contra as Rés e a interveniente.
Inconformada, interpôs a Autora recurso jurisdicional para este TSI, formulando as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente Recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo e que decidiu nos termos seguintes: “Absolvem-se as Rés B Limitada e C Limitada, a Interveniente D Lda. de todos os pedidos formulados pela Autora A Company e Interveniente E.”
II. Mal andou o douto Tribunal a quo na resposta que deu aos seguintes pontos 2º, 10º, 19º, 46º e 47º da base instrutória.
III. Porém, no que respeita à resposta dada aos quesitos 2º, 19º, 46º e 47º, com recurso à prova documental e testemunhal existente nos presentes autos, o douto Tribunal a quo estava em condições de responder PROVADO aos quesitos 2, 46 e 47, e de ter também considerado provado o quesito 19, porém com uma redacção diferente da que lhe foi dada.
IV. O contrato a que se refere este quesito 2º é o documento junto aos autos de fls. 104 a 106, ou seja, o contrato-promessa de compra e venda de 10 de Dezembro de 1992, e consta de tal contrato que ao mesmo se encontra anexada uma Procuração, procuração que a testemunha da Autora confirmou tratar-se da procuração emitida pela 1ª Ré a favor da D Lda. nas passagens gravadas do seu depoimento no cd registado na primeira sessão de julgamento entre os minutos (43:43) a (53:59) e (01:00:29) a (01:02:52) e (01:06:50) a (01:10:00) e (01:16:00) a (01:26:26).
V. A testemunha do Autor mostrou ter conhecimento das circunstâncias em que o contrato-promessa de compra e venda em causa nos presentes autos foi celebrado, teve contacto com os documentos em causa – nomeadamente o contrato-promessa, a procuração e o contrato de cessão da posição contratual, e demonstrou segurança nas respostas que deu, sempre afirmando com veemência que a D Lda. agira em representação da 1ª Ré, e que foi essa qualidade que foi apreendida pela ora Autora e todos os compradores de imóveis a construir no terreno em causa nos presentes que a D, Lda. andou a vender no uso da procuração que lhe foi conferida pela então proprietária, ou seja, a 1ª Ré.
VI. Também a testemunha da 1ª Ré, cujo depoimento se encontra registado no suporte digital gravado na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 15 de Outubro de 2015, refere a instâncias do Mandatário da ora Recorrente a existência da Procuração outorgada da 1ª Ré para a D Lda. nas passagens do seu depoimento gravadas aos minutos (01:50:16) a (01:52:23).
VII. A Procuração a que se refere o contrato-promessa de fls. 104 a 106 e que a Testemunha da Autora veementemente afirma ter visto junto deste contrato-promessa e de outros idênticos celebrados por outros promitentes-compradores é a Procuração constante de fls. 113 a 118 dos autos.
VIII. Por seu turno, o imóvel objecto do contrato-promessa de fls. 104 a 106 e da Procuração de fls. 113 a 118 é o imóvel a que se refere a alínea A) dos factos assentes, imóvel este que, à data da celebração do referido contrato-promessa e Procuração, se encontrava registado em nome da 1ª Ré – cfr. certidão predial de fls. 50 a 92 dos autos.
IX. A corroborar também que a D Lda. agiu sempre na qualidade de representante da 1ª Ré ao abrigo da Procuração que em 28 de Junho de 1992, temos a certidão judicial de fls. 1323 a 1328, junta aos autos pela 2ª Ré e que se refere ao julgamento da matéria de facto no processo que correu termos pelo 3º Juízo Cível sob o numero de processo CV3-10-0005-CAO, no âmbito do qual se discutia também o incumprimento contratual de um contrato-promessa de compra e venda semelhante ao celebrado pelo ora Autor, e no âmbito de tal acção, se julgou provado que a D Lda. agia como procuradora da 1ª Ré na celebração do contrato-promessa, não obstante tal não constar expresso do contrato-promessa de compra e venda.
X. Assim, o facto de se mencionar no contrato-promessa de fls. 104 a 106 que ao mesmo se anexa uma Procuração, o facto de existir efectivamente uma Procuração irrevogável (fls. 113 a 118 dos autos) da 1ª Ré para a D Lda. com plenos poderes para vender, prometer-vender o imóvel objecto daquele contrato-promessa de fls. 104 a 106, o facto de quer a testemunha do Autor, quer a testemunha da 1ª Ré, demonstrarem conhecimento da existência de tal procuração e de a testemunha do Autor ter afirmado que viu tal procuração junta ao contrato-promessa de compra e venda em causa nos presentes autos, e o facto de haver já uma decisão (fls. 1323 a 1328) em processo em que se discutia uma situação em tudo semelhante à dos presentes autos – só mudando o promitente-comprador, o número dos prédios a adquirir, mas a construir no mesmo terreno então propriedade da 1ª Ré, e o preço – constituem, salvo devido respeito por melhor opinião, prova mais do que bastante para se dar como Provados os aludidos quesitos 2, 46 e 47, e de ter também considerado provado o quesito 19, porém na sua redacção original.
XI. Esperava-se ainda que o douto Tribunal a quo no auto da sua experiência e conhecimento da realidade e de como as coisas de processam, não achasse credível que alguém aceitasse celebrar um contrato promessa de compra e venda com quem não era a proprietária do imóvel, ainda por cima, sujeitando o contrato a um preço consideravelmente elevado.
XII. Assim, deveria com base em todos estes elementos, deveria ter sido dada a seguinte resposta aos quesitos 2, 19, 46 e 47:
PROVADO que (a D Lda.) interveio no contrato-promessa supra mencionado, ao abrigo dos poderes que lhe foram conferidos pela Primeira Ré através da procuração que lhe outorgou em 28 de Junho de 1992. (Quesito 2)
PROVADO que a partir da celebração do contrato de cessão da posição contratual, a Autora, não obstante os vários contactos que encetou nesse sentido com a procuradora da 1ª Ré a D Lda., nunca logrou que a escritura de compra e venda fosse celebrada. (Quesito 19)
PROVADO que a Autora estava ciente da qualidade em que a referida procuradora agia, ou seja em representação da Primeira Ré, porquanto para além de tal lhe ter sido transmitido oralmente, foi-lhe exibida a referida Procuração. (Quesito 46)
PROVADO que a Procuração da Primeira Ré para a D encontrava-se anexada e faz parte integrante do contrato-promessa de compra e venda que foi entregue à ora Autora na data da assinatura do contrato de cessão da posição contratual. (Quesito 47)
XIII. Ao decidir de forma diferente, a decisão recorrida, salvo devido respeito, incorreu em erro de julgamento decorrente de erro notório na apreciação da prova.
XIV. Também mal andou o douto Tribunal a quo na resposta que deu ao quesito 10, pois que a resposta negativa a tal quesito está em manifesta contradição com a resposta dada aos quesitos 5º, 11º e 14º a 18º.
XV. Na resposta ao quesito 5º o douto Tribunal a quo considerou provado que o preço estabelecido no contrato-promessa de compra e venda de 10 de Dezembro de 1992 foi de HKD$140.254.750,00 e na resposta dada ao quesito 11º, o douto Tribunal a quo deu como provado que o remanescente do preço estabelecido em tal contrato, ou seja, HKD$75.254.750,00, seria pago pelas promitentes-compradoras na data da celebração da escritura pública.
XVI. Ora, se está provado o preço inicialmente estabelecido e o preço que ainda faltava pagar, e se entre estes dois valores existe uma diferença, resulta necessariamente da conjugação destes dois factos que tal diferença já foi paga.
XVII. Assim, se o preço inicial era de HKD$140.254.750,00 e se o que faltava pagar eram HKD$75.254.750,00, temos que, necessariamente, HKD$65.000.000,00 já foram pagos.
XVIII. Posto isto, e apenas com recurso a estes dois factos dados como provados – o quesito 5º e o quesito 11º, forçoso seria dar-se também como provado o facto quesitado no artigo 10º da base instrutória.
XIX. Mas mais, deu-se também como provado nos quesitos 14º a 18º o teor das cláusulas 2º, 4º e 5º do contrato de cessão da posição contratual de fls. 119 dos autos, e de tais cláusulas, consta expressamente que, as promitentes-compradoras do contrato celebrado em 10 de Dezembro de 1992, pagaram já o valor de HKD$65.000.000,00, e que a parte que cedeu a sua posição contratual à ora Autora assumiu o pagamento de 30% desse valor, ou seja, HKD$19.500.000,00, e ainda que a D Lda. que interveio no contrato-promessa de compra e venda na qualidade de representante da promitente-vendedora e também no contrato de cessão de posição contratual, reconheceu o pagamento por parte das promitentes compradoras de HKD$65.000.000,00 e em específico que a “F”, havia suportado o pagamento de HKD$19.500.000,00.
XX. Assim, também por força da resposta dada aos referidos quesitos 14º a 18º forçoso seria também dar-se como provado o facto constante do quesito 10º.
XXI. Também a testemunha da Autora mencionou no seu depoimento registado no suporte digital gravado na sessão de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 15 de Setembro de 2016 que a cessionária havia pago por conta da contrato-promessa de compra e venda o valor de HKD$19.500.000,00 – vide passagens (47:19) a (47:33) e (52:10) a (55:31).
XXII. Ora, recorrendo ao documento de fls. 119 dos autos, bem assim como ao depoimento da testemunha da Autora (vide passagens (47:19) a (47:33) e (52:10) a (55:31) e ainda tendo em conta a resposta dada aos quesitos 5º, 11º e 14º a 18º, forçoso seria o douto Tribunal a quo considerar provado do facto constante do quesito 10º, nos termos seguintes: PROVADO que as promitentes-compradoras pagaram à promitente-vendedora, o título de sinal, a quantia global de HKD$65.000.000,00 (sessenta e cinco milhões de dólares de Hong Kong) a que correspondem MOP$67.047.500,00 (sessenta e sete milhões, quarenta e sete mil e quinhentas patacas).
XXIII. Porém, por ter decidido de forma diversa, salvo devido respeito por melhor opinião, o douto Tribunal a quo incorreu uma vez mais num erro de julgamento decorrente de uma errónea apreciação da prova.
XXIV. Salvo devido respeito por melhor opinião, está este douto Tribunal de Recurso munido de todos os elementos necessários para proceder à alteração da decisão da matéria de facto nos termos supra solicitados nos termos preceituados no artigo 629º, n.º 1 alínea a).
XXV. Com efeito, V. Exas. poderão, salvo devido respeito por melhor opinião, alterar a resposta dada quesitos 2º, 19º, 46º e 47º nos termos supra solicitados, recorrendo aos depoimentos supra transcritos da testemunha da Autora – cd registado na primeira sessão de julgamento entre os minutos (43:43) a (53:59) e (01:00:29) a (01:02:52) e (01:06:50) a (01:10:00) e (01:16:00) a (01:26:26) – e da 1ª Ré - (01:50:16) a (01:52:23) do cd registado na segunda sessão de julgamento, bem assim como aos documentos de fls. 104 a 106, 113 a 118 e 1323 a 1328.
XXVI. Quanto à alteração da decisão relativa à matéria constante do quesito 10º, estão V. Exas. também em condições de proceder à mesma recorrendo, designadamente, ao documento de fls. 119 dos autos, bem assim como ao depoimento da testemunha da Autora supra transcrito – passagens (47:19) a (47:33) e (52:10) a (55:31) do cd registado na primeira sessão de julgamento – e ainda à resposta dada aos quesitos 5º, 11º e 14º a 18º.
XXVII. Com recurso a tais elementos probatórios requer-se a V. Exas. ao abrigo da prorrogativa constante do já invocado artigo 629º, n.º 1 do CPC, altere a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
Quesito 2º – PROVADO que (a D Lda.) interveio no contrato-promessa supra mencionado, ao abrigo dos poderes que lhe foram conferidos pela Primeira Ré através da procuração que lhe outorgou em 28 de Junho de 1992.
Quesito 10º – PROVADO que as promitentes-compradoras pagaram à promitente-vendedora, a título de sinal, a quantia global de HKD$65.000.000,00 (sessenta e cinco milhões de dólares de Hong Kong) a que correspondem MOP$67.047.500,00 (sessenta e sete milhões, quarenta e sete mil e quinhentas patacas).
Quesito 19º - PROVADO que a partir da celebração do contrato de cessão da posição contratual, a Autora, não obstante os vários contactos que encetou nesse sentido com a procuradora da 1ª Ré a D Lda., nunca logrou que a escritura de compra e venda fosse celebrada.
Quesito 46º - PROVADO que a Autora estava ciente da qualidade em que a referida procuradora agia, ou seja em representação da Primeira Ré, porquanto para além de tal lhe ter sido transmitido oralmente, foi-lhe exibida a referida Procuração.
Quesito 47º - PROVADO que a Procuração da Primeira Ré para a D encontrava-se anexada e faz parte integrante do contrato-promessa de compra e venda que foi entregue à ora Autora na data da assinatura do contrato de cessão da posição contratual.
XXVIII. Caso V. Exas. entendam que deverá ser alterado o julgamento da matéria de facto nos termos supra requeridos, estão também V. Exas., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 630º do CPC em condições de conhecer dos pedidos que o douto Tribunal a quo não conheceu por entender prejudicados em face da solução dada ao litígio. Assim,
XXIX. Alterado o julgamento da matéria de facto nos termos supra requeridos, necessário será também revogar-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedentes os seguintes pedidos deduzidos pela ora Recorrente:
4) Ser declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado com o Autor e com E, comerciante em nome individual que usa a denominação “G Foment Investment Co.” ou “G Chi Ip Tau Chi Kong Si” em 12 de Outubro de 1992, por força do não cumprimento definitivo e culposo, por parte da Primeira Ré e, consequentemente, ser reconhecido à Autora o direito a reaver, em dobro, o montante pago a título de sinal, acrescido de juros de mora até integral pagamento e que, na presente data, ascende ao montante global de MOP$44.548.583,42 (quarenta e quatro milhões, quinhentas e quarenta e oito mil, quinhentas e oitenta e três patacas e quarenta e dois avos), cumulativamente,
7) (…) serem ambas as Rés – a Primeira como devedora principal e a Segunda por ter assumido singular e cumulativamente a dívida daquela para com a Autora – solidariamente condenadas a pagar ao Autor o montante global de MOP$44.548.583,42 (quarenta e quatro milhões, quinhentas e quarenta e oito mil, quinhentas e oitenta e três patacas e quarenta e dois avos), respeitante à devolução do sinal em dobro e respectivos juros de mora calculados até à data da entrada da presente acção, acrescido do valor dos juros de mora que entretanto se vencerem até integral pagamento.
XXX. Face aos factos apurados, é de qualificar como de contrato-promessa de compra e venda do acordo celebrado no dia 10 de Dezembro de 1992, G置業投資公司 representado pelo E e F實業發展公司 representado pelo H, na qualidade de promitentes-compradores e a D Lda., na qualidade de promitente-vendedora.
XXXI. Mais se apurou que a D Lda. agia, por força da Procuração que em 28 de Junho de 1992 lhe havia sido outorgada pela 1ª Ré, na qualidade de representante desta última.
XXXII. Resultou também provado que, por contrato de cessão da posição contratual o H cedeu à ora Autora, Recorrente, a sua posição de promitente comprador no referido contrato-promessa de compra e venda, resultando também de tal contrato de cessão da posição contratual, tendo em conta que os promitentes-compradores eram dois, o H assumia uma participação de 30% nessa parceria estabelecida com E.
XXXIII. Mais se apurou que os promitentes-compradores pagaram à promitente-vendedora o valor global de HKD$65.000.000,00, dos quais, atenta as participações assumidas pelos E e H, HKD$19.500.000,00 haviam sido assumidos por este último.
XXXIV. Tendo a D Lda. intervindo no contrato-promessa de compra e venda na qualidade de procuradora da 1ª Ré, e ao abrigo dos poderes que lhe foram conferidos por força da procuração de fls. 113 a 118, os efeitos jurídicos de tal contrato, por força do disposto no artigo 251º do Código Civil, produzem-se na esfera jurídica do representado, neste caso, a 1ª Ré.
XXXV. E nem se pense em fazer uso do facto dada como provado no quesito 45º da base instrutória, pois que a 2ª Ré, através da sua procuradora, ratificou o contrato celebrado em 7 de Agosto de 2002 afastando assim a possibilidade de vir arguir a violação da cláusula 5ª do contrato-promessa de 10.12.1992, sob pena de incorrer em abuso de direito.
XXXVI. O contrato de cessão da posição contratual tem a virtude de transferir para o cessionário o conjunto dos direitos e obrigações que ao cedente cabem no âmbito do contrato objecto da cedência (artigo 418º do Código Civil). Sendo que, conforme também resultou provado e consta do documento de fls. 119, a promitente-vendedora – neste caso a D Lda. – interveio no instrumento da cessão, consentindo-a, tornando-a assim válida e eficaz.
XXXVII. Nem se diga que a referida cessão da posição contratual não produz efeitos em relação à 1ª Ré por força daquilo que ficou provado na resposta ao quesito 44º da base instrutória, pois que não obstante se ter provado que a Procuração de 28 de Junho de 1992 foi revogada em data anterior á celebração do contrato de cessão da posição contratual, não se provou que tal revogação tenha sido levada ao conhecimento da procuradora.
XXXVIII. Conforme resulta do teor da referida Procuração de fls. 113 a 118, esta foi conferida também no interesse do procurador, e assim sendo, só poderia ter sido revogada com fundamento em justa causa, e não obstante a justa causa ter sido invocada no instrumento de revogação, o certo é que, não ficou provado que a mandatária foi devidamente notificada de tal revogação e, nem que a referida revogação foi levada ao conhecimento de terceiros pelos meios idóneos para o efeito.
XXXIX. E a somar a isto, resulta ainda provado que: A Autora estava ciente da qualidade em que a referida procuradora agia, ou seja em representação da Primeira Ré, porquanto para além de tal lhe ter sido transmitido oralmente, foi-lhe exibida a referida Procuração (resposta ao quesito 46º da base instrutória), e que a Procuração da Primeira Ré para a D encontrava-se anexada e faz parte integrante do contrato-promessa de compra e venda que foi entregue à ora Autora na data da assinatura do contrato de cessão da posição contratual (resposta ao quesito 47º da base instrutória).
XL. Donde, atento o disposto nos artigos 258º, n.º 3 e 259º, ambos do Código Civil, a referida Revogação, por se tratar de uma declaração receptícia, não se tornou eficaz, não produzindo assim os devidos efeitos, tendo-se por válida a ratificação da cessão da posição contratual e produzindo esta efeitos na esfera jurídica da 1ª Ré.
XLI. A 1ª Ré ficou assim investida no conjunto de direitos e obrigações decorrentes do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 10 de Dezembro de 1992.
XLII. Contrato esse que, não obstante as diversas interpelações da Autora junto da D procuradora da 1ª Ré, nunca foi cumprido.
XLIII. Tal como resulta da matéria de facto assente, a 1ª Ré já transmitiu o imóvel objecto de tal contrato para a 2ª Ré – cfr. alínea E) dos factos assentes, o que, consubstancia um incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa de compra e venda de 10 de Dezembro de 1992, cujos efeitos, como já se disse, se produziram na esfera jurídica da 1ª Ré.
XLIV. Pelo que, deverá ser declarada a resolução judicial do contrato-promessa de 10 de Dezembro de 1992, resultante do incumprimento definitivo por parte da Primeira Ré, uma vez que, voluntária e culposamente, tornou impossível a sua celebração.
XLV. Em consequência, deverá ser reconhecido ao Recorrente o direito a receber o valor global de MOP$44.548.583,42 (quarenta e quatro milhões, quinhentas e quarenta e oito mil, quinhentas e oitenta e três patacas e quarenta e dois avos), correspondente ao dobro daquilo que pagou a título de sinal, nos termos e para os efeitos do disposto na cláusula 4 do contrato-promessa celebrado e do artigo 436º, n.º 2 do Código Civil.
XLVI. Por outro lado, nos termos e para os efeitos do disposto na cláusula 4ª do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as Rés em 16 de Março de 2007, e cujo teor foi dado como provado no quesito 36º - a segunda Ré assumiu a responsabilidade por todas as obrigações, presentes e futuras, decorrentes de acções judiciais relacionadas com o terreno objecto do contrato.
XLVII. Ora, uma vez que o contrato de compra e venda celebrado entre as Rés em 10 de Janeiro de 2009 se trata do contrato prometido pelo contrato-promessa de 26 de Março de 2007, a Segunda Ré terá que assumir todas as obrigações para si decorrentes do mencionado contrato-promessa, devendo, de acordo com o teor da aludida cláusula 4ª, responsabilizar-se pelo pagamento de quaisquer obrigações decorrentes de acções judiciais intentadas relativamente ao imóvel transaccionado, onde se inclui a presente acção.
XLVIII. Em sede de petição inicial o ora Recorrente já ratificou tal transmissão de dívidas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 590º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, e por força de tal ratificação e tendo em conta que as Rés não afastarem expressamente o regime da solidariedade previsto no artigo 590º, n.º 2 do Código Civil, ambas as Rés respondem solidariamente pelo pagamento da indemnização a que o ora Recorrente tem direito por força do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda que celebrou com a primeira Ré e que recai sobre parte do mesmo imóvel transaccionado entre as Rés.
XLIX. Assim, devem ambas as Rés ser condenadas no pagamento ao Autor do valor de MOP$44.548.583,42 (quarenta e quatro milhões, quinhentas e quarenta e oito mil, quinhentas e oitenta e três patacas e quarenta e dois avos), e ainda dos juros de mora que se vierem a vencer desde a data da decisão que determine tal pagamento.
L. Decisão esta que, por terem V. Exas. ao dispor todos os elementos necessários para dela conhecer, deve ser proferida na presente sede, revogando-se a decisão recorrida.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigos 629º, n.º 1 alínea a) do CPC, ser revogada a decisão recorrida e substituída por uma outra que altere a decisão sobre os quesitos 2º, 10º, 19º, 46º e 47º da base instrutória nos termos supra melhor explanados e
Consequentemente, nos termos do disposto no artigo 630º, n.º 2 do CPC, seja declarada a resolução judicial do contrato-promessa de 10 de Dezembro de 1992, resultante do incumprimento definitivo por parte da Primeira Ré, uma vez que, voluntária e culposamente, tornou impossível a sua celebração e condene as 1ª e 2ª Rés no pagamento à Recorrente do valor de MOP$44.548.583,42 (quarenta e quatro milhões, quinhentas e quarenta e oito mil, quinhentas e oitenta e três patacas e quarenta e dois avos), e ainda dos juros de mora que se vierem a vencer desde a data da decisão que determine tal pagamento.
Termos em que farão V. Exas, a costuma JUSTIÇA!”
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Ao recurso respondeu a 1ª Ré B Limitada, pugnando pela negação de provimento ao recurso.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
O prédio urbano referido nos presentes autos, sito na Estrada Marginal da Ilha Verde, n.ºs 14-17, Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXX, do livro XXX, fls. XXX, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 071027, encontrava-se registado a favor da Primeira Ré com a inscrição n.º XXX, resultante da Apresentação 67, de 13/09/1991. (alínea A) dos factos assentes)
A Primeira Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil e investimento no sector imobiliário. (alínea B) dos factos assentes)
D Lda. é uma sociedade que se dedica ao investimento imobiliário. (alínea C) dos factos assentes)
Na data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, ou seja, 18 de Janeiro de 2007, e com base no mesmo, foi efectuado o registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré na Conservatória do Registo Predial, titulado pela Apresentação n.º 77 de 16 de Março de 2007. (alínea D) dos factos assentes)
Em 10 de Janeiro de 2009, em cumprimento do contrato-promessa entre ambas celebrado, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado XXX, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio melhor identificado nos presentes autos, declarando que o fazia pelo preço de HK$188.300.000,00, equivalentes a MOP$194.234.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas). (alínea E) dos factos assentes)
Em 16 de Fevereiro de 2009, com base na mencionada escritura de compra e venda celebrada entre as Rés, foi requerida e obtida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição a favor da Segunda Ré, conforme Apresentação n.º 31 de 16 de Fevereiro de 2009. (alínea F) dos factos assentes)
O prédio em apreço, em regime de propriedade privada, apto para construção, tem uma área de 56,166 m² (alínea G) dos factos assentes)
No dia 10 de Dezembro de 1992, G置業投資公司 representado peloE E eF實業發展公司 representado peloH, na qualidade de promitentes-compradoras e a D Lda, na qualidade de promitente-vendedora, celebraram um acordo denominado por contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre os terrenos destinados à construção dos prédios urbanos a que seriam atribuídos os n° 2, 3 e 4, e sobre estes mesmos prédios integrados no prédio sito na Estrada Marginal da Ilha Verde, n° 14 a 17, tudo conforme o teor de fls. 105 a 106 que aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Os imóveis objecto do contrato-promessa de compra e venda estavam ainda em fase de projecto. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
As partes, de acordo com a área prevista de construção, ou seja 561.019 pés quadrados, e tendo por base o preço de HK$250,00 (duzentos e cinquenta dólares de Hong Kong) por pé quadrado. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
Estabeleceram no acordo o preço inicial de HK$140.254.750,00 a que correspondiam MOP$144.462.392,50. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
As partes outorgantes do mencionado contrato acordaram que o preço seria pago em sete prestações. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
A primeira prestação, no valor de HK$16.000.000,00 (dezasseis milhões de dólares de Hong Kong), seria paga a título de sinal no dia da celebração do contrato-promessa de compra e venda. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
As seguintes quatro prestações, todas no valor de HK$10.000.000,00 (dez milhões de dólares de Hong Kong), seriam pagas a título de sinal nos dias 11, 12, 13 e 14 de Dezembro de 1992, respectivamente. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
Sendo que a sexta prestação, também com carácter de sinal, no valor de HK$9.000.000,00 (nove milhões de dólares de Hong Kong), seria pago no dia 15 de Dezembro de 1992. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
O remanescente do preço, ou seja HK$75.254.750,00 a que correspondem MOP$77.512.392,50, seria pago pelas promitentes-compradoras à promitente-vendedora, na data da celebração da escritura pública de compra e venda, que deveria ter lugar nos 20 dias seguintes à aprovação do projecto por parte do governo. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
No dia 07 de Agosto de 2002, a Autora e H, na representação de “F實業發展公司”, celebraram um contrato de cessão da posição contratual. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
Por força deste contrato de cessão da posição contratual, a “F” transmitiu à Autora a posição que detinha no acordo que havia celebrado com a D Lda referido na resposta dada ao quesito 1°. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
Provado o que consta do teor da cláusula 2ª do documento de fls. 119. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
Provado o que consta da cláusula 4ª do documento de fls. 119. (respostas aos quesitos 15º, 16º e 17º da base instrutória)
Provado o que consta da cláusula 5ª do documento de fls. 119. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
A partir da celebração do contrato de cessão da posição contratual, a Autora, não obstante vários contactos que encetou nesse sentido com a D Lda, nunca logrou que a escritura definitiva de compra e venda fosse celebrada. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
Não obstante as partes haverem acordado que a escritura pública de compra e venda iria ser celebrada após a aprovação do projecto de construção por parte do Governo, a qual se previa vir a ser concedida até 25 de Junho de 1993. (resposta ao quesito 19-Aº da base instrutória)
Acordaram ainda que, caso essa data chegasse e a autorização não tivesse ainda sido concedida, as promitentes-compradoras poderiam ou resolver o contrato, ou aguardar pela aludida aprovação. (resposta ao quesito 19-Bº da base instrutória)
Em 16 de Março de 2007, a 1ª Ré, celebrou com a 2ª Ré um acordo nos termos do qual aquela prometeu vender a esta e esta prometeu comprar o prédio atrás identificado, pelo preço de HK188.300.000,00. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
Interveio, no acordo celebrado em 10 de Dezembro de 1992, G置業投資公司, representado por E. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
Provado a resposta dada ao quesito 35º. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
Provado o que consta dos contratos-promessa celebrados entre as Rés de 18/01/2007 e 16/03/2007 que a 2ª Ré já pagou o montante de HKD$50.000.000,00, a título do sinal, e a 1ª Ré emitiu o recibo do pagamento do preço de HKD$138.000.000,00 pela 2ª Ré. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
Provado o que consta das cláusulas 3ª e 4ª e 5ª do documento de fls. 386 a 387 e 595 a 598. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
No âmbito dos acordos de transmissão de quotas sociais da I Limitada celebrados em 14 de Dezembro de 2005 (cfr. fls. 323 a 333) e de 12 de Janeiro de 2006 (cfr. fls. 335) e no acordo de transmissão da posição contratual em 17 de Novembro de 2006 (fls. 351), o J pagou HKD$90.000.000,00 à 1ª Ré. (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
A Companhia “C” depositou, junto do TJB de Macau, as quantias de MOP$581.000.000,00 e MOP$2.515.704,35, à ordem do processo n° CV3-05-0042-CEO, para liquidação das dívidas da hipoteca recaída sobre o prédio a favor do Banco Seng Heng para garantia do crédito de MOP$493.000.000,00 e das custas do respectivo processo. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
Não obstante o preço declarado nos contratos-promessa e na escritura pública referida na alínea E) dos Factos Assentes, a 2ª Ré adquiriu o terreno referido pelo preço de MOP$891.212.154,35. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
根據澳門財政局印花稅複評委員會針對上述土地於2008年12月12日作出之決議,於2007年該土地之價值為MOP$310,154,400元(澳門幣叁億壹仟零壹拾伍萬肆仟肆佰圓正)。(resposta ao quesito 40º da base instrutória)
根據K有限公司針對上述土地作出之物業評估報告獲悉,於2006年5月31日有關土地之市場價值為HK$551,000,000元(港幣伍億伍仟壹佰萬圓正)。(resposta ao quesito 41º da base instrutória)
O teor da cláusula 5ª do acordo de 16/03/2007 e 18/01/2007, constante do documento de fls. 386 a 387 e 595 a 598. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
A procuração constante de documento de fls. 113 a 118 foi revogada pela 1ª Ré em 13 de Março de 1998, data anterior à celebração do contrato de 7 de Agosto de 2002. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
A cláusula 5ª do acordo de 10/12/1992 consta que “乙方在草則未批出之前不能將此合約的權益轉讓給第三者,如有發現當悔約論,草則批出後,乙方有權出售給第三者。”. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
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Comecemos pelo recurso interlocutório.
Entende a Autora que não devia ser admitida a junção dos documentos n.º 1, 2, 3, 4 e 6 apresentados pela 2ª Ré em 27.1.2014, por serem impertinentes e por contrariar a lei de processo.
Vejamos.
Salvo o devido respeito, entendemos que não há qualquer impedimento para a junção dos documentos n.º 1, 3, 4 e 6, por serem documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa, nos termos consentidos pelo artigo 450.º do Código de Processo Civil.
Já em relação ao documento n.º 2, afigura-se-nos não dever ser admitida a sua junção aos autos.
Trata-se de um relatório pericial realizado no âmbito do processo CV3-09-0040-CAO.
Dispõe-se no artigo 446.º do Código de Processo Civil que “os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte...”
Como observa o Professor Alberto dos Reis1, “O art. 526.º (que corresponde ao artº 446.º do CPC de Macau) só exige que a prova se invoque contra quem foi parte no processo anterior e que a esta haja sido assegurada a audiência contraditória”.
Ora bem, não sendo a Autora parte no processo CV3-09-0040-CAO, a perícia realizada no âmbito daquele processo não pode servir nos presentes autos como prova contra aquela, por que antes não houve lugar ao exercício do contraditório.
Posto isto, somos a entender que andou mal o Tribunal a quo ao admitir a junção daquela prova pericial aos presentes autos, devendo, assim, o tal relatório ser desentranhado e restituído à 2ª Ré, e ser a mesma condenada na multa de 1 U.C.
Não obstante, o recurso interposto pela recorrente não poderá deixar de improceder, por força do disposto do n.º 3 do artigo 628.º do Código de Processo Civil.
Conforme preceitua o n.º 3 do artigo, “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente”.
Ora bem, é bom de ver que o relatório pericial cuja junção se requereu tinha por objectivo fazer prova do valor de mercado do prédio em litígio.
Entretanto, o Tribunal a quo deu por provada aquela matéria com base nos documentos constantes de fls. 1367 a 1382 e de fls. 1349, ou seja, o Tribunal não recorreu ao resultado do relatório pericial constante do documento n.º 2 apresentado pela 2ª Ré para dar como provado o valor de mercado do prédio. Assim sendo, independentemente de aquele documento (relatório pericial) ter sido junto ou não aos autos, a decisão do Tribunal seria a mesma, pelo que improcede o recurso quanto a esta parte, ao abrigo dos termos previstos no n.º 3 do artigo 628.º do CPC.
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A Autora vem impugnar ainda a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal recorrido, alegando que os quesitos 2º, 10º, 19º, 46º e 47º da base instrutória foram incorrectamente julgados.
O Tribunal recorrido respondeu aos referidos quesitos da seguinte forma:
Quesito 2º - “Interveio no contrato-promessa de compra e venda supra mencionado, ao abrigo dos poderes que lhe foram conferidos pela Primeira Ré através da procuração que lhe outorgou em 28 de Junho de 1992?”, e a resposta foi: “Não provado”;
Quesito 10º - “As promitentes-compradoras pagaram à promitente-vendedora, a título de sinal, a quantia global de HKD65.000.000,00 (sessenta e cinco milhões dólares de Hong Kong) a que equivalem MOP67.047.500,00 (sessenta e sete milhões, quarenta e sete mil e quinhentas patacas)?”, e a resposta foi: “Não provado”;
Quesito 19º - “A partir da celebração deste contrato de cessão da posição contratual, a Autora, não obstante os vários contactos que encetou nesse sentido com a Primeira Ré e, com a sua procuradora D Lda., nunca logrou que a escritura definitiva de compra e venda fosse celebrada?”, e a resposta foi: “Provado que a partir da celebração do contrato de cessão da posição contratual, a Autora, não obstante vários contactos que encetou nesse sentido com a D Lda., nunca logrou que a escritura definitiva de compra e venda fosse celebrada”;
Quesito 46º - “A ora Autora estava ciente da qualidade em que a referida procuradora agia, ou seja em representação da Primeira Ré, porquanto para além de tal lhe ter sido transmitido oralmente, foi-lhe exibida a referida Procuração?”, e a resposta foi: “Não provado”;
Quesito 47º - “A Procuração da Primeira Ré para a D encontrava-se anexada e faz parte integrante do contrato-promessa de compra e venda que foi entregue à ora Autora na data da assinatura do contrato de cessão da posição contratual?”, e a resposta foi: “Não provado”.
Entende a recorrente que com recurso à prova documental e testemunhal existente nos autos, o Tribunal estava em condições de responder “Provado” aos quesitos 2º, 10º, 46º, 47º e dar uma nova redacção à resposta ao quesito 19º.
Vejamos.
Dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Na mesma senda, salienta-se ainda no Acórdão deste TSI, de 16.2.2017, no Processo n.º 670/2016 que: “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
O Tribunal a quo fundamentou a decisão da matéria de facto, em relação às respostas dadas aos quesitos da base instrutória objecto de impugnação, nos seguintes termos:
“A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, no relatório pericial de fls. 1367 a 1382, dos documentos de fls. 50 a 145, 119 a 124, 306 a 452, 562 a 618, 629 a 639, 895 a 1205, 1239 a 1263, 1308 a 1311, 1323 a 1328 juntos aos autos, cujo teor se dá reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
Relativamente aos factos do acordo entre interveniente e E e H, assim como o acordo da cessão da posição contratual do H à Autora, esses fatos são considerados de acordo com o teor dos acordos constantes dos documentos de fls. 105 a 106 e 116.
Em particular, sobre o facto se a D interveio no referido acordo na qualidade de procuradora da 1ª Ré, conforme o teor do próprio acordo escrito, somente consta que são as partes do acordo, a D, na qualidade de promitente-vendedor, e E e H, como promitente-compradores; Do documento não consta, em lugar algum, a menção de que a D assinou o acordo na qualidade da procuradora da 1ª Ré nem sequer qualquer referência da procuração emitida pela 1ª Ré à D. Segundo o depoimento da testemunha da Autora, ela apenas viu a procuração anexada ao acordo celebrado entre D, E e H e não assistiu à própria celebração do acordo, mas, segundo a testemunha da 1ª Ré, disse que esta não teve conhecimento do acordo. Perante as declarações contrárias das partes e na falta de qualquer prova escrita, que a prática habitual nos casos semelhantes, a qualidade da procuradora é mencionada expressamente do documento, não permite dar como provado os factos constantes do quesitos 2º, 46º a 47º.
Não se considera provado o pagamento do preço feito pela promitente-compradora à promitente-vendedora no acordo de 1992, por não haver qualquer prova documental que demonstra o efectivo pagamento nem prova testemunhal com o conhecimento directo dos factos.”

Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente atendendo aos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento e à prova documental junta aos autos, entendemos que não somos capazes de dar razão à recorrente, por não se vislumbrar qualquer erro grosseiro e visível por parte do Tribunal recorrido na análise da prova.
Sempre que uma versão de facto seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ora bem, uma das questões que se discutia nos presentes autos era saber se a D Lda. agia na qualidade de procuradora da 1ª Ré.
     Do acordo de 10.12.1992 assinado pelos primitivos promitentes-compradores e pela D Lda. apenas constava que era anexado ao referido acordo uma procuração, mas que procuração?
É bom de ver que, como não constava do referido acordo indicação expressa de que a D Lda. agia na qualidade de procuradora da 1ª Ré, não sabemos que procuração era essa, quem eram seus mandantes e mandatários, qual eram o seu objecto e poderes conferidos, etc.
Sendo certo que, pelo facto de o tal acordo mencionar que existia uma procuração, não significa forçosamente que se trata da procuração emitida pela 1ª Ré a favor da D Lda.
Também não se descortina que a única testemunha da Autora tinha pleno conhecimento das circunstâncias em que foi celebrado o tal acordo, considerando que nunca trabalhou nem para a Autora nem para as Rés e interveniente, mas apenas para uma companhia chamada L.

Outra questão tem a ver com o pagamento da quantia de HKD65.000.000,00.
O Tribunal recorrido não deu por provado que as primitivas promitentes-compradores pagaram à promitente-vendedora, a título de sinal, a quantia de HKD65.000.000,00 (resposta ao quesito 10º).
E a razão foi por se entender não haver qualquer prova documental que permitia demonstrar o pagamento efectivo daquela quantia, nem haver testemunha que tinha conhecimento directo daquele assunto. A nosso ver, não nos parece que houve erro manifestado na apreciação da prova.
Ademais, ao contrário do que entende a recorrente, não existe qualquer contradição entre os factos provados nos quesitos 5º, 11º, 14º a 18º da base instrutória e a resposta negativa ao quesito 10º.
Em boa verdade, aqueles dizem respeito ao conteúdo do acordo, enquanto este tem a ver com o efectivo pagamento do sinal. São duas realidades distintas, não podendo, portanto, dizer que houve contradição.
Nesta conformidade, por não se vislumbrar qualquer erro manifesto na apreciação da matéria de facto, há-de negar provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos interpostos pela recorrente A Company, confirmando a sentença recorrida.
Desentranhe e restitua o relatório pericial de fls. 1102 a 1133 à 2ª Ré, sendo esta condenada na multa de 1. U.C.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 6 de Dezembro de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 2005, pág. 347
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Recurso Civil 748/2016 Página 37