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Processo n.º 711/2018 Data do acórdão: 2018-11-29 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– heroína
– quantidade de referência de uso diário
– art.o 14.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009
– art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009
– art.o 11.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009
– Lei n.o 10/2016
S U M Á R I O

Estando provado, no caso, que a quantidade líquida de heroína detida pelo recorrente excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário dessa substância, fixada no mapa de quantidades em anexo à Lei n.o 17/2009, ele deve ser punido nos termos do art.o 8.o, n.o 1, por força sobretudo do n.o 2 do art.o 14.o dessa Lei (na sua nova redacção dada pela Lei n.o 10/2016, que entrou já vigor na data da acima referida conduta de detenção), e não nos rogados termos do art.o 11.o, n.o 1, da mesma Lei (na dita redacção nova), precisamente porque é o n.o 2 desse art.o 11.o que manda que na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, nos termos do seu n.o 1, deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 711/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A (A)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 152 a 158v do Processo Comum Colectivo n.° CR3-18-0045-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefaciente p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), na pena de seis anos de prisão, e de um crime consumado de detenção indevida de utensílio, na pena de seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de seis anos e três meses de prisão.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogando o seguinte na sua motivação de recurso apresentada a fls. 167 a 193 dos presentes autos correspondentes:
– ele deveria ser absolvido do crime por que vinha condenado em primeira instância, porque houve erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova, como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), para além de estar violado, pela decisão condenatória recorrida, o princípio de in dubio pro reo;
– e subsidiariamente falando, sem se apurar qual a quantidade concreta de droga efectivamente destinada à cessão a outrem e qual a quantidade concreta para o consumo pessoal, haveria que aplicar o tipo legal de tráfico de menor gravidade, daí que a decisão condenatória recorrida padeceu também do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, devendo-se proceder à convolação do crime de tráfico para o crime de tráfico de menor gravidade;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de reduzir a pena do seu crime de tráfico, devido ao exagero da pena aplicada no acórdão recorrido.
Ao recurso respondeu a fls. 205 a 208v o Digno Delegado do Procurador junto desse Tribunal no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 221 a 224, pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido consta de fls. 152 a 158v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Conforme a matéria de facto aí dada por provada, em 10 de Novembro de 2017, o pessoal da Polícia Judiciária descobriu que o arguido ora recorrente deteve heroína, cuja quantidade veio a ser apurada laboratorialmente como sendo de 2,32 gramas líquidos, destinada em sua pequena parte ao consumo pessoal, e em grande parte à venda em Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido ora recorrente começou por apontar à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova. Entretanto, para o presente Tribunal de recurso, vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos. Aliás, o Tribunal recorrido já explicou, congruentemente, nas páginas 6 a 8 do texto do acórdão recorrido, ora concretamente a fls. 154v a 155v, o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos. Não pode, pois, ter existido erro notório na apreciação da prova (como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP), nem violação do princípio de in dubio pro reo, por parte do Tribunal recorrido.
Outrossim, falou o recorrente do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CP. Entretanto, o que ele andava a suscitar era propriamente uma questão do foro jurídico, qual seja, a de subsunção dos factos ao Direito.
Pois bem, o Tribunal recorrido já deu por provado que o arguido ora recorrente deteve 2,32 gramas líquidos de heroína, destinada em sua pequena parte ao consumo pessoal, e em sua grande parte à venda.
Essa quantidade de 2,32 gramas excede manifestamente o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da substância de heroína em questão, fixada legalmente (no mapa de quantidades, em anexo à Lei n.o 17/2009).
À data dos factos dessa detenção, já entrou em vigor a nova redacção dada à Lei n.o 17/2009 pela Lei n.o 10/2016, prevendo o n.o 3 do art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, nessa nova redacção, que “[…] são contabilizadas as […] substâncias […] que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais”.
Assim sendo, como a quantidade líquida de heroína detida em autoria material pelo recorrente já excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da mesma substância, ele deve ser punido, efectivamente, nos termos do art.o 8.o, n.o 1, por força materialmente sobretudo do n.o 2 do art.o 14.o da mesma Lei n.o 17/2009 (na sua dita redacção nova), e não nos rogados termos do art.o 11.o, n.o 1, dessa Lei (na dita redacção nova) (precisamente porque é o n.o 2 desse art.o 11.o que manda que “Na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, nos termos do número anterior, deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade […] na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade […] anexo à presente lei […]”).
Naufraga, pois, a pretensão do recorrente de convolação do seu crime por que vinha condenado para o de tráfico de menor gravidade.
Por fim, quanto ao pedido da redução da pena do crime de tráfico: nesta parte, é de louvar também os termos da decisão recorrida, sem mais indagação por ociosa.
Improcede, pois, o recurso (sendo de observar que nos termos do art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, o tribunal de recurso pode remeter para a fundamentação da decisão recorrida como forma de julgar não provido o recurso).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça e três mil e quinhentas patacas de honorários arbitrados a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 29 de Novembro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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