打印全文
Processo nº 642/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Dezembro de 2018

ASSUNTO:
- Contrato promessa de compra e venda
- Coisa relativamente futura
- Execução específica parcial

SUMÁRIO :
- É de contrato promessa de compra e venda de coisa relativamente futura (artºs 202º, nº 2, e 871º, ambos do C.C.) aquele que as partes celebram num momento em que o promitente vendedor ainda não é proprietário da mesma, o que o promitente comprador bem sabia.
- Se, o promitente vendedor posteriormente só conseguiu adquirir, pela usucapião, 1/2 da propriedade da coisa em causa, já não há possibilidade de cumprir integralmente o contrato promessa de compra e venda inicialmente celebrado.
- Só haverá lugar a possibilidade de cumprimento parcial se o promitente comprador mantiver o interesse na aquisição, não obstante apenas ser metade da propriedade, e outro comproprietário, que não é o promitente vendedor, não pretender exercer o seu direito de preferência legal (artº. 1308º do C.C.) na aquisição.
- Caso este comproprietário pretender exercer o seu direito de preferência legal na aquisição da quota ideal de 1/2, não resta outra alternativa senão declarar a resolução do contrato promessa de compra e venda em causa, determinando a restituição em singelo do sinal recebido por parte do promitente vendedor ao promitente comprador, se a impossibilidade de cumprimento não é imputável ao primeiro.
O Relator,
Ho Wai Neng


















Processo nº 642/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 06 de Dezembro de 2018
Recorrentes: A (Ré)
B (Interessada)
Recorrido: C (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
   Por sentença de 24/11/2017, julgou-se parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu-se:
- substituiu à Ré A a emitir a declaração de no sentido de vender ao Autor C, metade indivisa do prédio urbano sito em Macau na Rua..., nº 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;
- absolveu a Ré dos demais pedidos formulados pelo Autor.
Dessa decisão vêm recorrer a Ré e a Interessada B, alegando, em sede de conclusão, os seguintes:
Da Ré:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos que decidiu julgar parcialmente procedente a acção de execução específica e, substituindo-se à ora Ré A, emitiu a declaração negocial da faltosa-ré no sentido de vender ao Autor C metade indivisa do prédio urbano sito em Macau na Rua..., n.º 21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... (fls... do Livro...).
II. Da factualidade provada nos presentes autos, resulta que a Ré, ora Recorrente, se vinculou contratualmente a realizar todos os esforços razoavelmente exigíveis para reunir as condições jurídico-factuais para vender a totalidade do prédio n.º ..., ou seja,
III. O contrato-promessa de compra e venda em causa nos presentes autos foi sujeito a uma condição suspensivo - a resolução de todos os litígios existentes sobre eventuais direitos de propriedade do prédio ....
IV. A este respeito, importa referir o seguinte: a douta decisão deveria ter realizado uma correcta interpretação jurídica do contrato-promessa de compra e venda a que alude 05 presentes autos E, como se disse, interpretado e qualificado tais cláusulas contratuais ((2ª (b) e 3ª (c)) como verdadeiras condições suspensivas condicionais, cuja inverificação mantém o contrato-promessa de compra e venda no plano do ineficácia contratual.
V. No caso concreto, a condição suspensiva condicional ("a resolução dos litígios relativos aos eventuais direitos de propriedade do prédio n.º 23 da Rua... e relativos às questões do despejo") não se verificou, na medida em que, por impossibilidade pessoal e jurídico (a outra metade indivisa do prédio urbano n.º ..., pertencente à comproprietária e preferente legal B, por sucessão hereditária de D, sobre a qual a Ré, pura e simplesmente, não possui qualquer domínio ou controlo, quanto ao se e ao corno da venda dessa quota ideal), a Ré viu-se impossibilitada de reunir todas as condições de facto e de direito para cumprir a condição suspensivo condicional ou condição principal e viu-se, consequentemente, impossibilitada produzir os efeitos jurídicos do contrato definitivo (no caso concreto, a realização do contrato definitivo, a escritura pública de compra e venda do prédio urbano n.º ..., no prazo de 90 dias a contar da verificação da condição suspensiva condicional) - art.º 268.º, do Código Civil.
VI. Se a verificação da condição suspensiva condicional não ocorreu nos presentes autos só nos resta a ineficácia contratual. Ou seja: a condição suspensiva condicional, quando não verificada; mantém o contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano n.º ... no plano da ineficácia contratual. Tal manutenção não fica dependente de factos ou de actos ulteriores. t automática (art.º 267.º, n.º 1, do Código Civil).
VII. A esta luz, inexiste qualquer mora por parte da Ré, mas antes uma impossibilidade pessoal e jurídica de garantir a verificação da condição suspensiva condicional.
VIII. Assim, mal andou o douto tribunal a quo ao responder afirmativamente a questão "a Ré só adquiriu a metade indivisa do prédio n.º 23 e não a totalidade do prédio, poderá considerar verificada a condição de que depende a obrigação da celebração do contrato definitivo?"
IX. Ao invés, a douta decisão recorrida deveria ter percorrido o caminho inverso: decretar a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré, por impossibilidade pessoal e jurídica de aquisição da metade indivisa do prédio urbano n.º ..., que pertence única e exclusivamente à com proprietária e preferente legal B, e ordenar a restituição do sinal em singelo ao Autor (art.º 436.º, n.º 1, do Código Civil), uma vez que a extinção da obrigação não lhe é imputável (art.º 779.º, n,º 1, do Código Civil).
X. Temos, pois, que, em face de uma impossibilidade pessoal e jurídica, também se exclui a pretensão à prestação primária (a realização do contrato definitivo de realização da escritura pública respeitante à totalidade do prédio urbano n.º ...). O devedor, que deva realizar pessoalmente a prestação, que esteja vinculado a uma prestação "altamente pessoal" (como a da Ré, que se vinculou, na qualidade de comproprietária, a adquirir a metade indivisa do prédio urbano n.º ... pertencente à comproprietária e preferente legal B), fica, pois, exonerado do respectivo dever de prestar, pode legalmente recusar-se a realizar a prestação.
XI. Naturalmente, a porte não faltoso poderá obter um "remedy", nomeadamente, terá direito a uma indemnização (no caso concreto, a restituição do sinal em singelo), na medida em que a impossibilidade pessoal e jurídica de cumprimento não se confunde com o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda.
XII. Também aqui se compreende porquê: a obrigação de indemnizar (no caso concreto, a restituição do sinal em singelo) surge como um substituto da prestação que deixou de poder realizar-se in specie (a realização do contrato definitivo de realização da escritura pública respeitante à totalidade do prédio urbano n.º ...).
XIII. Do raciocínio jurídico acima expendido decorre uma consequência lógica que a douta sentença recorrida poderia (e deveria) ter levado em conta: havendo impossibilidade pessoal e jurídico, é inexigível à Ré o cumprimento do contrato-promessa, devendo o tribunal condenar a Ré na restituição do sinal em singelo e não na execução específica, porque a isso se "opunha a natureza da obrigação assumida" pela Ré (art.º 820.º, n.º 1, parte final do Código Civil), que consistia em adquirir a metade indivisa do prédio n.º ..., cuja compropriedade da quota ideal pertence à comproprietária e preferente legal B e que, por isso, não cabe na esfera de risco ou de domínio da Ré.
XIV. Assim, sendo, salvo devido respeito por melhor opinião, a decisão recorrida não se poderia ter substituído à ora Recorrente emitindo uma declaração de venda em relação a um negócio de compra e venda ab initio sujeito a uma condição suspensiva que não se verificou e que, como tal, tornou jurídica a pessoalmente impossível o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda em causa nos presentes autos.
XV. Pelo que, ao assim decidir, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 263.º, 436.º, n.º 1, 779.º, n.º 1 e 820.º, n.º 1 do todos do Código Civil, razão pela qual deve ser anulada e substituída por uma outra que julgue improcedente o pedido de execução especifica do contrato promessa de compra e venda de 1/2 do prédio urbano sito em Macau na Rua..., n.º 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... a fls... do Livro... e declare antes resolvido o contrato-promessa de compra e venda por impossibilidade objectiva e consequentemente ordene à ora Recorrente a devolução do sinal em singelo à Recorrida.
*
O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 276 a 278 dos autos, cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Da Interessada:
I. Vem o recurso interposto da sentença que decidiu julgar parcialmente a acção de execução específica e, substituindo-se à Ré A, emitiu a declaração negocial do faltosa-ré no sentido de vender ao Autor C metade indivisa do prédio urbano sito em Macau na Rua..., n.º 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... (fls... do Livro...).
II. Da certidão de registo predial de fls... vê-se que a aqui Recorrente é dona e legitima proprietária, com registo de aquisição a seu favor devidamente inscrito, de metade do sobre dito prédio sito na Rua... nº 23 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., sendo por isso preferente legal.
III. A prolação da sentença de execução específica nos presentes autos esvazia completamente não só o conteúdo essencial do direito de preferência legal da recorrente, como, pior, desmembra (fáctica e juridicamente) o direito de compropriedade que precede aquele (o direito de preferência legal).
IV. A noção de terceiros juridicamente interessados pela prolação de uma sentença constitutiva de execução específica foi delineada com a perspectiva de delimitar os casos que justificassem uma intervenção acessória de terceiro (através da consagração do direito ao recurso, como o previsto no art.º 585.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) perante um perigo real ou mera ameaça de um efeito jurídico desvantajoso que não fosse derivado do caso julgado, mas de um efeito constitutivo emergente da prolação de uma sentença constitutiva de execução específica.
V. A este respeito refere-se que a noção de terceiro juridicamente interessado e afectado pela sentença constitutiva de execução específica reporta-se àquelas situações, como a dos presentes autos, em que a sentença não vincula um terceiro (neste caso, a recorrente e preferente legal) como regulamentação formal-autoritária de uma relação jurídica, mas apenas como efeitos-consequência (in Folge der Wirkungen) para uma das partes, ou como efeitos reflexos, que se fazem valer na pessoa de um terceiro, de um facto que gera obrigações ou destrói direitos ou restringe o gozo dos mesmos.
VI. No caso concreto, a prolação da sentença constitutiva de execução específica esvazia, inutiliza e desmembra, na prática, quer o direito de compropriedade, quer o direito de preferência legal da recorrente.
VII. Porquanto, não é o caso julgado que se repercute desvantajosamente sobre a esfera de terceiro (a recorrente e preferente legal), mas sim o "facto-sentença constitutiva de execução específica", na medida em que do conteúdo material dessa sentença emerge, directa e reflexamente, um efeito juridicamente desvantajoso ou materialmente injusto que esvazia, subtrai, e inutiliza o conteúdo essencial do direito de compropriedade (art.º 6º, da Lei Básica, art.º 1299.º, n.º 1, do Código Civil) e, inerentemente, do direito de preferência legal da recorrente.
VIII. Quer dizer: a sentença que julgue procedente uma acção de execução específica, ainda prioritariamente registada, produz um efeito substantivo em relação a um terceiro juridicamente interessado (como a recorrente e preferente legal), titular de uma relação real incompatível e independente em face da relação obrigacional sobre a qual recai a sentença que julgue procedente a acção, na medida em que os efeitos substantivos que a sentença constitutiva de execução específica produz são juridicamente eficazes em relação à recorrente e preferente legal, implicando, na prática, um condicionamento, limitação e um esvaziamento do direito legal de preferência.
IX. Por essa razão, a sentença constitutiva de execução específica, sendo juridicamente lesiva da esfera jurídica da recorrente, na medida em que a compropriedade e a correspectiva preferência legal configuram, em si mesmo tomadas, uma relação real incompatível e independente em face da relação sobre a qual recai a sentença que julgue procedente a acção de execução específica, nunca deveria ter sido proferida nos presentes autos.
X. Ao invés, deveria a recorrente e preferente legal ter sido demandada, em litisconsórcio necessário passivo (art.º 61.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), para exercer, nos presentes autos, o seu direito de preferência legal e consignar em depósito, nos 8 dias seguintes ao despacho que ordene a citação, o preço devido, acrescido das despesas, quando e na medida em que o beneficiem, com emolumentos notariais e de registo e com impostos devidos pela aquisição (artº 1309.º, n.º 1, do Código Civil).
XI. A prolação da douta sentença constitutiva de execução específica ao esvaziar completamente o estatuto real inerente à compropriedade (art.º 1299.º, n.º 1 e 2, do Código Civil), implicou, natural e necessariamente, a perda de chance processual de exercer a preferência legal inerente à sua quota ideal de compropriedade (art.º 1308.º, n.º 1, do Código Civil).
XII. O raciocínio jurídico acima expendido significa que se deve, na esteira do que vem defendendo a doutrina, convolar a própria chance processual num direito. Por conseguinte, todo o fundamento da perda de chance processual passa a radicar no próprio Direito reconhece como dano não apenas a perda de chance, mas a simples criação de um risco"
XIII. No caso concreto, a chance processual radicaria no próprio direito substantivo de propriedade da quota ideal referente à metade indivisa em causa nos presentes autos: é desse direito substantivo de compropriedade (da quota ideal da metade indivisa do prédio urbano em discussão) que resulta, ao nível processual, o direito à chance processual da recorrente de exercer o direito de preferência legal nos presentes autos, que foi subtraído pela douta sentença recorrida (art.º 36.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau, art.º 1.º, n.º e 2, do Código de Processo Civil; art.º 1309º, n.º 1, do Código Civil).
XIV. Na medida em que a protecção das chances é importante para a protecção dos direitos finalisticamente colocados em perigo (o de exercício do direito de preferência legal), pois em casos em que só resta uma chance, não há mais nada a perder senão a própria chance processual de exercer esse direito legal de preferência.
XV. Esta é a razão pela qual a doutrina encara corno muito importante que o Direito proteja estas chances processuais. O Direito das Obrigações e os Direitos Reais da Região Administrativa Especial de Macau não podem ficar aquém dessa protecção. Se o ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau não proteger adequadamente os comproprietários contra a perda de chances processuais de exercer efectivamente os seus direitos legais de preferência fica aquém das exigências constitucionais.
XVI. Por conseguinte, sobre o tribunal recorrido impendia, nos termos acima frisados, um dever de protecção do direito fundamental da recorrente de acesso ao direito e aos tribunais (art.º 36.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau) que funda, a montante, o direito à chance processual de exercer, nos presentes autos, o seu direito legal de preferência (art.º 1.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil; art.º 1308.º, n.º 1, do Código Civil).
XVII. Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida olvidou o essencial: o contrato-promessa celebrado entre o Autor e a Ré continha um termo essencial absoluto, que se consubstanciou na aposição de um prazo de 90 dias a contados a partir da data em que a Ré adquiriu o direito de propriedade do prédio urbano n.º ...; data a partir da qual (13 de Fevereiro de 2016) se venceu automaticamente a obrigação da Ré de celebrar o contrato prometido (a realização da escritura pública referente ao prédio n.º ...). A partir dessa data, a mora da Ré converteu-se automaticamente em incumprimento definitivo, através da resolução automática do contrato-promessa, dispensado, inclusivamente, a interpelação admonitória.
XVIII. Compreende-se porquê: a distinção doutrinal entre uma (termo essencial relativo), e outra (termo essencial absoluto), não é despicienda: à luz do primeiro, a fixação de um prazo não conduz automaticamente à resolução do contrato, apenas conferindo ao credor a faculdade de resolver o contrato, perfectibilizando, por essa via, o incumprimento definitivo; à luz do segundo, a fixação do prazo pelo credor ao devedor para a realização de uma prestação de dare (ê o caso), quando acompanhada da violação do mesmo prazo peremptório pelo devedor conduz (fatal e necessariamente) ao incumprimento definitivo, e, por aí, à resolução do contrato.
XIX. Basta revisitarmos a matéria de facto assente para, de forma clara e inequívoca, aferirmos que o Autor e a Ré celebraram, efectivamente, um contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano n.º ... sujeito a um termo essencial absoluto, que converte automaticamente a mora da Ré em incumprimento definitivo e dispensa a interpelação admonitória: "conforme a matéria assente, ficou estipulado que a escritura pública de compra e venda prometida seria celebrada até 90 dias depois de a Ré ter adquirido o direito de propriedade do prédio n,º ..." (p. 12), "tendo-se vencido essa obrigação de celebração do contrato definitivo no dia 13 de Fevereiro de 2016" (p. 15).
XX. Assim, só no primeiro caso (termo essencial relativo) e nunca no segundo (termo essencial absoluto), é necessária a interpelação admonitória do credor ao devedor, para converter-se a mora em incumprimento definitivo (Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/01/2011, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt).
XXI. Na verdade, corno ensina o Professor Vaz Serra - Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 110, págs. 326 e 327: "A estipulação de um prazo para execução de um contrato não tem sempre o mesmo significado. Pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pode já ser obtida com a prestação ulterior, caducando por isso o contrato; mas pode também ser apenas uma determinação do termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o termo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão somente a atribuição ao credor do direito de resolvê-lo",
XXII. Conforme refere Brandão Proença: é natural e normal que os promitentes incluam, no contrato, uma cláusula de termo, estipulada, em regra e implicitamente, a favor de ambos, o que significa fazer recair sobre os contraentes, não só o dever de cooperação para a marcação do dia, hora e local da celebração do contrato definitivo, na ausência da sua indicação, mas também uma presunção de culpa nesse incumprimento".
XXIII. Ainda que assim não se entendesse (relativamente à clareza do termo essencial absoluto aposto contrato promessa celebrado entre o Autor e Ré, no que respeita à conversão automática da mora da Ré em incumprimento definitivo), sempre a mora da Ré se teria convertido em incumprimento definitivo, porquanto, resulta da própria sentença recorrida, que fino entanto, a Ré só deu entrada a referida acção em 2014, 7 anos após a celebração do contrato-promessa, apesar de ter sido interpelada por várias vezes para a outorga da escritura pública pelo Autor" (p. 7).
XXIV. Também a esta luz é evidente que a mora da Ré se converteu em incumprimento definitivo, também por via da interpelação admonitória (art.º 797.º n.º 1, alínea b) do Código Civil); compreende-se porquê: a interpelação admonitória é uma declaração receptícia contém três elementos, inteiramente presentes na matéria assente a que aludem os presentes autos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório para o cumprimento; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo".
XXV. Do raciocínio jurídico acima expendido decorre uma consequência lógica que a douta sentença recorrida poderia (e deveria) ter levado em conta: havendo incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da Ré, o tribunal deveria ter condenado a Ré na restituição do sinal em dobro e não na execução específica, porque a isso se "opunha a natureza da obrigação assumida" pela Ré (art.º 820.º, n.º 1, parte final do Código Civil), que consistia em adquirir a metade indivisa do prédio n.º ..., cuja compropriedade da quota ideal pertence à recorrente e preferente legal e que, por isso, não pode ficar juridicamente fraccionada e esvaziada no seu conteúdo essencial, em virtude da prolação da douta sentença de execução específica.
XXVI. Ainda que assim não se entendesse, existe abalizada doutrina e jurisprudência que entende, inclusivamente, que a restituição do sinal em dobro também é possível nos casos de mora.
XXVII. Decorre, igualmente, uma outra consequência lógica do raciocínio jurídico acima expendido, e que se encontra umbilicalmente interligado com a conversão da mora da Ré em incumprimento definitivo: a douta decisão recorrida não só deveria ter condenado a Ré na restituição do sinal em dobro, na medida em o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - princípio iura novit curia - art.º 567.º, do Código de Processo Civil, como, e sobretudo, deveria ter procedido à citação da recorrente no sentido de esta exercer, nos presentes autos, o seu direito de preferência legal e consignar em depósito, nos 8 dias seguintes ao despacho que ordene a citação, o preço devido, acrescido das despesas, quando e na medida em que o beneficiem, com emolumentos notariais e de registo e com impostos devidos pela aquisição (art.º 1309.º, n.º 1, do Código Civil).
XXVIII. Não tendo tal citação ocorrido nos presentes autos, deve a sentença de execução específica ser declarada ineficaz em relação à recorrente, devendo a mesma (sentença de execução específica) ser substituída por uma outra sentença que condene a Ré a restituir o sinal em dobro ao Autor, e, ao mesmo tempo, ordene a citação da recorrente para, nos presentes autos, e nos moldes acima referidos, para exercer o seu competente direito legal de preferência.
XXIX. Vislumbra-se, nesta sede processual, uma flexibilização do pedido em processo civil, que, segundo a doutrina mais recente, constitui um indisfarçável afloramento de um processo civil moderno, adaptável às particularidades do caso concreto, e que, funcionai mente orientado pelo princípio da economia processual, pelo princípio da garantia de acesso ao direito e aos tribunais (art.º 36.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau, art.º 1.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), pelo principio da adequação formal (art.º 7.º, do Código de Processo Civil), e pelo princípio da materialidade subjacente, destina-se a tutelar e a resolver as questões de mérito dos destinatários últimos da administração da justiça civil: os residentes da Região Administrativa Especial de Macau.
XXX. Sendo certo que esta (administração da justiça civil) se pretende materialmente justa e célere e, sobretudo, respeitadora dos direitos fundamentais sociais dos residentes da Região Administrativa Especial de Macau, como o direito de propriedade, art.º 6.º 103 e ss da Lei Básica de Macau, art.º 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
XXXI. Nem se diga, contra a solução jurídica acima ensaiada, a saber: (i) a conversão da mora da Ré em incumprimento definitivo; ii) condenação da Ré na restituição do sinal em dobro ao Autor; iii) citação da recorrente, nos presentes autos, para à luz do princípio da celeridade e da economia processual (art.º 6.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil), exercer o seu direito legal de preferência (art.º 1309,º, n.º 1, do Código Civil), não pode ser realizada neste processo, e que, como tal, a recorrente deveria intentar uma acção posterior de preferência (art.º 1309.º, n.º 2, do Código Civil).
XXXII. Dizer isso significa olvidar, novamente, o essencial: o direito de preferência consiste na faculdade de adquirir certo bem, por parte de um sujeito, em detrimento de outro que manifeste idêntica pretensão. No caso da preferência legal, o direito de preferência não radica num clausulado contratual mas assenta, apenas, em prescrições normativas de um regime jurídico determinado. Deste modo, um sujeito é obrigado a dar preferência a outrem, não porque a isso se tenha vinculado, por meio de clausulado contratual mas porque um determinado regime jurídico o impõe: é o caso paradigmático da compropriedade (art.º 1299.º, n.º 1 e 2, do Código Civil).
XXXIII. Compreende-se porquê: o direito de preferência legal visa tutelar, material e processualmente, o direito de propriedade dos titulares activos daqueles (os direitos preferência legal) afectados por vicissitudes exteriores e potencialmente lesivas do seu estatuto real: existe, claramente, um interesse público subjacente ao direito de preferência legal dos comproprietários, e que se traduz na tutela (também ela material e efectiva) que o ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau confere ao direito de propriedade (art.º 1308.º, n.º 1, do Código Civil, art.º 6.º e 103 e ss da Lei Básica de Macau).
XXXIV. Por conseguinte: obrigar a recorrente e preferente legal, que já viu violada ou desrespeitada a sua posição jurídica através da mera celebração do contrato promessa de compra e venda entre o Autor e o Réu, a esperar pela efectiva alienação da metade indivisa do prédio urbano n.º ... (que foi posta em marcha com a sentença de execução específica proferida nos presentes autos), para poder reagir e lançar mão da acção de preferência (art.º 1309.º, n.º 2, do Código Civil) é formalismo que não se vislumbra como justificar; devendo ser, por isso, a mera realização de um contrato-promessa ser facto constitutivo do exercício, nos presentes autos, do direito de preferência legal da recorrente.
XXXV. Por essa razão, o direito fundamental de propriedade da recorrente e preferente legal representa um entreposto de protecção do adquirido no passado contra a acção futura do legislador ou do julgador, na medida em que subordina a ideia da expropriação à ideia do domínio emitente do proprietário sobre todos os seus bens.
XXXVI. Com base na apontada conexão entre propriedade e liberdade, a garantia da propriedade (art.º 6.º e 103 e ss da Lei Básica de Macau) há-de estruturar-se, pois, entre o respectivo fundamento na ideia de liberdade patrimonial e respectivas determinações ou características estruturais directamente resultantes da Lei Básica, por um lado, e a sua conformação pelo legislador, através das concretas posições jurídicas, por outro.
XXXVII. Assim, pode falar-se, neste âmbito, de uma consideração da propriedade como emanação da liberdade individual da recorrente e preferente legal, que justifica a respectiva tutela (art.º 6.º e 103 e ss da Lei Básica de Macau), sempre que a intervenção modeladora do legislador ou, neste caso, do julgador (através da prolação de uma sentença constitutiva de execução específica), configure a derrogação do conteúdo essencial dos seus direitos sociais fundamentais, consistente num "direito à não eliminação de posições jurídicas).
XXXVIII. Esse "direito à não eliminação de posições jurídicas" da recorrente e preferente legal (o conteúdo essencial da sua quota ideal de compropriedade, respeitante à metade indivisa do prédio urbano número ...), traduzido quer no direito à intocabilidade jurídica da quota ideal do direito de compropriedade, quer, inerentemente, no exercício processualmente atempado do seu direito de preferência legal, foi violado, quer através da realização do contrato-promessa entre o Autor e a Ré, quer através da prolação da douta sentença constitutiva de execução específica.
XXXIX. Por conseguinte, em ambos os casos, e com particular intensidade jurídica nesta última, assiste-se a um total esvaziamento do conteúdo essencial da quota ideal de compropriedade da recorrente (art.º 1301.º, n.º 1 e 2, do Código Civil) e, por isso, do seu direito social fundamental de propriedade (art.º 6.º, art.º 103.º e ss da Lei Básica de Macau), configurando, assim, urna vera expropriação de facto, é dizer, uma expropriação ilícita.
XL. Pelo exposto, a dimensão normativa do art.º 820.º, n.º 1, e do art.º 1299.º, n.º 1, do Código Civil, contidas na douta sentença recorrida, são materialmente violadores da Lei Básica quando interpretadas no sentido de que é juridicamente possível decretar uma sentença constitutiva de execução específica quando esteja processualmente em causa a metade indivisa de um prédio urbano, sujeita ao regime jurídico da compropriedade, sem que haja lugar à citação ou à provocação da intervenção processual da com proprietária e preferente legal no processo, tendo como objectivo o exercício efectivo do direito legal de preferência por parte daquela, por violação do art.º 6.º e 103 da Lei Básica de Macau.
XLI. Deste modo, a douta decisão recorrida violou o art.º 6.º, 36.º, n.º 1, 103, todos da Lei Básica de Macau, art.º 410.º, 411.º, 412.º, 1299.º, n.º 1 e 2, art.º 1301.º, n.º 1 e 2, 1308.º, n.º 1 e 2, art.º 1309.º, n.º 1 e 2, todos do Código Civil, art.º 1.º, n.º 1 e 2, art.º 6.º, n.º 1 e 3, art.º 7.º; 567.º, todos do Código de Processo Civil de Macau, que devem ser interpretados no sentido de que a douta decisão recorrida violou, por ilegitimidade processual passiva - preterição do litisconsórcio necessário legal passivo - o direito legal de preferência da recorrente e colidiu com a Lei Básica por violação do direito de propriedade devendo, por isso, ser decretada ineficaz em relação à mesma (recorrente) e ser totalmente anulada.
XLII. Não tendo a recorrente sido citada e não tendo sido, igualmente, provocada a sua intervenção processual nos presentes autos, deve a sentença constitutiva de execução específica ser anulada por ilegitimidade processual passiva, na modalidade de preterição de litisconsórcio necessário legal passivo.
XLIII. Subsidiariamente, não sendo assim entendido, não tendo a recorrente sido citada e não tendo sido, igualmente, provocada a sua intervenção processual nos presentes autos, deve a sentença constitutiva de execução específica ser anulada por perda de chance processual de a recorrente exercer, nos presentes autos, o seu direito legal de preferência.
XLIV. Cumulativamente, deve a sentença constitutiva de execução específica ser declarada ineficaz em relação à recorrente, devendo a mesma (sentença constitutiva de execução específica) ser substituída por uma outra sentença que, em homenagem ao princípio iura novit curia: i) decrete a conversão automática da mora da Ré em incumprimento definitivo, por inobservância do termo essencial absoluto aposto no contrato-promessa celebrado entre o Autor e a Ré; ii) condene a Ré a restituir o sinal em dobro ao Autor; e, iii) em homenagem aos principias da economia processual, adequação formal, celeridade processual e flexibilidade processual do pedido, ordene a citação da recorrente para, nos presentes autos, e nos moldes acima referidos, para exercer o seu competente direito legal de preferência.
XLV. Subsidiariamente, não sendo assim entendido, deve dimensão normativa do art.º 820º, n.º 1, e art.º 1308.º, nº 1 do Código Civil, contida na sentença constitutiva de execução específica, ser declarada violadora do conteúdo essencial do direito de propriedade da recorrente.
*
O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 259 a 275 dos autos, cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- No dia 02 de Maio de 2007, o Autor celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda através do qual esta prometeu vender àquele, o prédio urbano sito em Macau na Rua..., nº 21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... a fls... do livro..., bem como o prédio urbano sito, igualmente, em Macau na Rua..., nº 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... a fls... do Livro... – cfr. contrato promessa que se junta como doc. 1 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (alínea A) dos factos assentes)
- Como preço de compra e venda global pelos dois imóveis estipularam o valor de HK$4.850.000,00. (alínea B) dos factos assentes)
- Na sequência da celebração do referido contrato, o Autor pagou à Ré a título de sinal e princípio de pagamento do preço, a quantia de HK$400.000,00. (alínea C) dos factos assentes)
- O remanescente do preço, i.e. HK$4.450.000,00 seria pago simultaneamente com a outorga da escritura de compra e venda. (alínea D) dos factos assentes)
- A escritura pública de compra e venda dos referidos prédios deveria, de acordo com as cláusulas 2ª (b) e 3ª (c) do contrato-promessa, ser celebrada até 90 dias após a resolução dos litígios existentes sobre eventuais direitos de propriedade do prédio urbano sito na Rua..., nº 23. (alínea E) dos factos assentes)
- Em 2014 a Ré accionou os mecanismos jurídicos no sentido de ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua..., nº 23, através da acção judicial que correu termos no 1º Juízo Cível do TJB, sob o nº CV1-14-0031-CAO. (alínea F) dos factos assentes)
- Por sentença transitada já em julgado, a Ré foi declarada proprietária de 1/2 do prédio urbano sito em Macau na Rua..., nº 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... a fls... do Livro..., por aquisição por usucapião. (alínea G) dos factos assentes)
- Se o Autor vendesse hoje o prédio descrito sob o nº ... obteria pelo mesmo um preço nunca inferior a HK$22.000.000,00. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
*
III – Fundamentação
A- Recurso da Ré:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“Cumpre analisar os factos tidos por assentes e aplicar o direito.
   Com a presente acção, alega o Autor que foi celebrado um acordo entre o Autor com a Ré em que esta prometeu vender e aquela prometeu comprar os prédios com os n°s 21 e 23 da Rua... descrito na C.R.P. sob o n° ..., a fls. …, do Livro … e n° ..., a fls... do Livro..., pelo preço total de HKD$4.850.000,00, com o pagamento do sinal no montante de HKD$400.000,00, não tendo porém estes cumprido o prometido outorgando a escritura pública de compra e venda e que durante 7 anos após a celebração do contrato-promessa, a Ré não criou ou procurou reunir as condições necessárias para a realização da compra e venda e só em 2014 accionou os mecanismos jurídicos para lhe ser reconhecer o direito de propriedade sobre o prédio n°23, cujos termos correm sob o n° CV1-14-0031-CAO, porém, nesses autos, apenas foi reconhecido à Ré a propriedade da metade do prédio n°23, entendendo o Autor apenas em relação à metade do prédio ser possível a execução específica.
   Assim, pretendeu, a título principal, que seja proferida a declaração de vontade pela Ré no sentido de lhe transmitir metade indivisa da propriedade do prédio acima referido e a declaração da resolução do contrato-promessa no que respeita à outra metade indivisa do prédio n°23 e consequentemente, a condenação da Ré a pagar ao Autor uma indemnização no valor de HKD$9.787.500,00. A título subsidiário, no caso de a execução específica não ser possível, declarar a resolução do contrato-promessa e consequentemente, a condenação da Ré no pagamento da indemnização no valor de HKD$19.575.000,00.
    A Ré, na contestação, não repugnou a resolução do contrato-promessa com a devolução do sinal em singela, mas excepcionando que não lhe é imputável o não cumprimento do contrato-promessa, pugnando pela improcedência total dos pedidos do Autor.
   Natureza jurídica da relação jurídica estabelecida entre as partes
   O Autor exige a execução específica do contrato no que diz respeito à metade indivisa da propriedade dum prédio nº23, um dos dois prédios objecto do contrato e a resolução do contrato quanto à outra metade indivisa, tendo por base o acordo celebrado com a Ré, assim, para apreciar o presente litígio, urge saber qual é a natureza jurídica do acordo celebrado entre as partes.
   Segundo o art°404° do C.C.M, “1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se consta de documento assinado pelos promitentes”.
   “O contrato-promessa é convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.” (Prof. Antunes Varela, in Obrigações em Geral, Vol. I. pag. 312)
   Consoante os factos assentes supra referidos, ficaram provados que, em 2 de Maio de 2007, o Autor celebrou um acordo com a Ré, nos termos do qual este prometeu vender e aquela prometeu comprar o prédio urbano sito em Macau na Rua..., nº21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., bem como o prédio urbano sito, igualmente, em Macau na Rua..., nº23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., pelo preço de HKD$4.850.000,00, tendo aquele pago o montante de HKD$400.000,00, a título do sinal, na data de outorga do acordo.
   Decorre desse acordo que a Ré estava obrigada a vender os prédios nº 21 e 23 ao Autor e este, por contraprestação, de pagar o preço acordado à Ré. O negócio de compra e venda do imóvel só se realiza com a outorga da escritura pública, pelo que o Autor estava com direito de exigir a celebração da respectiva escritura pública. Posto isso, dúvidas não restam que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda que tem por objecto mediato dois prédios com os n°21 e 23 da Rua....
   Dado que o contrato diz respeito ao imóvel, de acordo com o disposto do n°2 do artigo acima transcrito, conjugado com o disposto do art°866° do mesmo Código, o acordo é válido se for celebrado pela forma escrita.
   Face ao documento junto aos autos a fls. 11, o contrato invocado pelo Autor satisfaz a forma exigida por lei.
*
   Não cumprimento
   Alegou o Autor que, na data da celebração do contrato-promessa, a Ré ainda não se encontra registada na Conservatória do Registo Predial como titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua..., n°23, a qual só é reconhecida como proprietária da 1/2 do prédio por sentença judicial proferida no processo sob o n°CV1-14-0031-CAO. No entanto, a Ré só deu entrada a acção referida em 2014, 7 anos após a celebração do contrato-promessa, apesar de ter sido interpelada por várias vezes para a outorga da escritura pública pelo Autor, atitude essa, deverá traduzida na intenção de não cumprimento, constituindo incumprimento definitivo que despensa do vencimento da obrigação nem da alegação da perda do interesse nem da interpelação admonitória.
   Defendeu a Ré, por outro lado, que o incumprimento do contrato-promessa não lhe é imputável por que a ela se vê reconhecido 1/2 indivisa do direito de propriedade sobre o prédio n°23.
   Para aquilatar se se ocorrerá o incumprimento por parte da Ré, importa apurar, antes de mais, as partes tinham estipulado condições ou prazo para o seu cumprimento, de cuja verificação determinará o vencimento da obrigação.
   Conforme os factos tidos por assentes, a escritura pública de compra e venda dos prédios deveria, de acordo com as cláusulas 2ª (b) e 3ª (c) do contrato-promessa, ser celebrada até 90 dias após a resolução dos litígios existentes sobre eventuais direitos de propriedade urbano sito na Rua... n°23.
   Portanto, a celebração da escritura pública está condicionada com acontecimento dum facto qual é a resolução dos litígios sobre o direito da propriedade do prédio n°23.
   Sobre a aquisição do direito de propriedade do prédio ora discutido em causa, da certidão do registo predial junta aos autos e da cópia da sentença proferida em 05 de Novembro de 2015, no processo ordinário CV1-14-0031-CAO, vê-se que a Ré logrou adquirir metade indivisa deste prédio por via de usucapião.
   Entretanto, a Ré só adquiriu a metade indivisa do prédio n°23 e não a totalidade da propriedade do prédio, poderá considerar verificada a condição de que depende a obrigação da celebração do contrato definitivo?
   Vejamos.
   Na verdade, de acordo com os dados da sentença acima referida, em 5 de Agosto de 1986, a Ré e D adquiriram o prédio n°..., então identificado errdamente com a descrição n°…, e começaram a deter e frui-lo, após a morte do D, passando a B, herdeira deste e por sucessão, a deter e fruir o prédio como sendo dona do prédio e, em 2014, a Ré juntamente com B moveram a referida acção e que foram reconhecidos como comproprietárias da metade indivisa do aludido prédio.
   Assim, a acção foi intentada pela Ré depois de ter celebrado o acordo com o Autor para vender a totalidade do prédio n°.... É verdade que a Autora apenas conseguiu adquirir a metade indivisa do prédio n°23, isso não significa que a Autora não ficou vencida, pois, a acção foi movida voluntariamente pela Autora juntamente com a B, a alegada herdeira do comproprietário D com quem a Autora alegadamente comprara o prédio há 30 anos atrás. De modo como essa acção foi intentada em que foram configuradas como Autores a Ré e mais a B para que lhes seja reconhecida a propriedade sobre o prédio n°23, com o trânsito da sentença, mesmo que a Ré apenas adquire a metade indivisa, é de entender que a questão da propriedade já se mostra resolvida, passando a Ré estar habilitada a cumprir o contrato-promessa. Pelo que, o prazo de 90 dias devia ter contado a partir da data do trânsito em julgado da referida sentença.
   Não consta dos autos a data de trânsito em julgado da sentença, mas atente o prazo de recurso e a data de sentença, suponhamos que a data mais cedo que possível do trânsito terá ocorrido em 16 de Novembro de 2015.
   Ou seja, a obrigação da celebração do contrato definitivo venceu-se na data não anterior a 13 de Fevereiro de 2016.
   Argumenta o Autor que durante 7 anos após a celebração do contrato-promessa, a Ré nada fez para aquisição do direito sobre o prédio ora em discussão, demonstrando a intenção de não cumprimento da prestação a que se vinculou a Ré.
   Prevê-se o art°793°, n°2 do C.C. que “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”
   No caso em apreço, não ficou provado que o Autor tinha interpelado à Ré para a outorga da escritura pública, nem consta dos factos assentes que que a Ré recusou a fazê-lo.
   De facto, a acção judicial ter sido intentada pela Ré 7 anos depois de ter celebrado o contrato-promessa, mas, não existem factos que ajudam indagar por que razão levou a Ré actuar 7 anos depois, particularmente se por inércia da Ré ou por haverem outros motivos impeditivos.
   Assim, na ausência de demais elementos fácticos, não podemos imputar à Ré pelo atraso em meter a acção para a aquisição da propriedade, não se verifica a mora da Ré nos termos do preceituado supra transcrito.
*
   Como se resulta do acima exposto, o Autor intentou a presente acção em 24 de Novembro de 2015, antes do vencimento da obrigação da Ré na celebração do contrato definitivo, que apenas se ocorreu em 13 de Fevereiro de 2016.
   Porém, sendo a obrigação com prazo para o seu cumprimento e a compra e venda ainda não foi celebrada até ao momento, a Ré já está em mora com o decurso do prazo, ao abrigo do disposto da alínea a) do n°2 do art°794° do C.C..
*
   Da análise acima referida se resulta que a Ré está em mora na outorga da escritura pública, cabe averiguar se a mora se tinha sido convertida em incumprimento definitivo.
   De acordo com o preceituado no n°1 do art°797° do C.C., “Considera-se para os efeitos constantes do art°790°, como não cumprida a obrigação se em consequência da mora; a) o credor perder o interesse que tinha na prestação, ou b) a prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor. 2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente”
   Portanto, a mora converte-se em incumprimento definitivo ou por perda do interesse do credor ou por interpelação admonitória feita pelo credor.
   Nesse caso em concreto, atenta a posição tomada pelo Autor com a presente acção, fica logo afastada a hipótese da perda do interesse, pois ele pretende como título principal a execução específica do prédio, mesmo apenas em relação à metade indivisa.
   Em relação à interpelação admonitória, não foi alegado menos provado que foi concedido algum prazo à Ré para cumprir.
   Pelo que, não achamos que o incumprimento por mera tinha sido convertido em incumprimento definitivo.
*
   Execução específica
   Feita a análise do caso, passamos a analisar as pretensões do Autor, começando pelo direito de execução específica.
   Prevê-se o artigo 820º do Código Civil de Macau, o seguinte:
   “1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
   2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso de não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havida convenção em contrário, o promitente-adquiridor, relativamente à promessa de transmissão ou constituição onerosa de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
   3 ….
   Ensina João Calvão da Silva, in «Sinal e contrato promessa», pág. 97, “O pressuposto da chamada execução específica do contrato, é a mora e não o incumprimento definitivo.”
   Decidiu, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1966, CJ, 1996, 2°-153, “A mora do devedor é pressuposto da execução específica do contrato-promessa. Tal mora depende de o devedor ter sido interpelado-judicial ou extrajudicialmente para cumprir. Tal interpelação só pode ser efectuada a partir do momento em que o credor pode exigir a realização da prestação devida.”
   Portanto, é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência da admissibilidade de recurso à execução específica no caso de mora, basta o atrasamento imputável no seu cumprimento para a execução específica da promessa.
   No entanto,“O incumprimento de contrato-promessa não pode provocar a consequência de, só por si, determinar a possibilidade da execução específica, tornando-se necessário averiguar se houve incumprimento susceptível de a justificar.” (Acórdão do Relação de Porto, de 09/03/1989, in CJ, 1989, 2°-195)
   Outro requisito essencial para que a execução específica, sem eficácia real, seja viável é o bem se encontra registado em nome do promitente-vendedor.
   Disse, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/02/1989, “Em contrato-promessa de compra e venda, despido de eficácia real, a venda do objecto do contrato a terceiro impede a execução específica deste.”
   “A possibilidade de execução específica não significa eficácia real, daí que não tenha lugar se, entretanto, o promitente vendedor já vendeu o prédio a terceiro. Então se essa transferência se tiver verificado não se pode, por sentença judicial, provocar a aquisição do mesmo”. (Mota Pinto, in Direitos Reais, pag.142)
   No caso, segundo o teor da certidão do registo predial, encontra-se ainda registada a favor da Ré a metade indivisa do prédio com o n°23, pelo que não impede o recurso à execução específica em relação a essa parte.
   Dispõe-se o n°6 do artigo 820° do C.C. que “Tratando-se de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”
   Consta dos autos que o Autor procedeu ao depósito de MOP$1.212.500,00 a fls. 152, correspondente a 1/4 do preço total estipulado no contrato-promessa para a compra e venda dos dois prédios n°s ... e .... Ora, os outorgantes apenas convencionam um preço para a aquisição dos dois prédios, sem especificação do preço individual de cada um deles. Se a vontade das partes é no sentido de cada prédio corresponde à metade do preço, não há elementos, nos autos, para apurar. Entretanto, foi notificado o preço depositado pelo Autor à Ré, esta mantém-se em silêncio. Do comportamento da Ré podemos reduzir que esse preço corresponderá à vontade das partes. Assim, é de ter por depositado aquilo que falto para aquisição da metade indivisa do prédio nº....
    Ora, no caso em apreço, verificando a mora por parte da Ré no cumprimento da promessa e tendo o Autor pago a totalidade do preço acordado, não haja incompatibilidade com a substituição da declaração da vontade por parte do promitente vendedor, e atento ao facto de se encontrar registado a favor da Ré da metade indivisa da propriedade do prédio em discussão.
   Destarte, é de julgar procedente desse pedido.
*
   Resolução parcial do contrato
   Pretende ainda o Autor a resolução parcial do contrato em relação à outra metade indivisa do prédio n°... e consequentemente, a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor de HK$9.787.000,00, correspondente à diferença entre o valor do preço que o Autor teria que pagar pela aquisição desta metade indivisa e o valor que o Autor conseguiria obter com a venda posterior deste direito.
   Verificada está que a Ré se encontra em mora no cumprimento, urge ainda aquilatar se assiste à Autora o direito de resolução do contrato.
   Dispõe-se o n°1 do art°426° do C.C., “A resolução do contrato só é admitida fundado na lei ou em convenção”.
   Estatui-se o n°2 do art°790° do C.C. que “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, tem o credor para além de resolução do contrato, o direito de exigir a restituição da prestação que tiver prestado por inteiro.”
   Preceitua-se o art°436° que
   “1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
   2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.”
   Da conjugação dos preceitos acima transcritos, resulta que para que haja lugar a resolução do contrato e a restituição do dobro do sinal, é necessária a verificação do incumprimento definitivo.
   Decide o acórdão do Tribunal da Relação da Lisboa, de 13/07/1995, CJ, 1995, 4°-86, “As sanções pela perda do sinal ou da sua restituição em dobro são aplicáveis ao incumprimento definitivo. Não tendo, após a eventual constituição em mora dum dos contraentes, o outro contraente fixado qualquer prazo admonitório ou suplementar para a celebração do contrato prometido, nem tendo sequer alegado ter perdido o interesse que tinha nessa celebração, não se operou a indispensável conversão da mora em incumprimento definitivo.”
   No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Segunda Instância, no processo 668/2012, de 18 de Outubro de 2012, “A simples mora não confere ao credor o direito de resolver o contrato. Mas em certos casos a mora culposa do devedor é equiparada ao não cumprimento definitivo: um deles pode ocorrer com a perda de interesse (a apreciar objectivamente_ que o credor tinha na prestação; outro pode verificar-se com o não cumprimento dentro do prazo razoável fixado pelo credor; outro, ainda, pode residir na declaração de um promitente ao outro de que não cumprirá o contrato.”
   E, o acórdão do Tribunal da Segunda Instância, no processo 1245, de 24 de Fevereiro de 2000, “O incumprimento definitivo do contrato-promessa encontra-se pela verificação de situações (declaração antecipada de não cumprir, termo essencial, cláusula resolutiva expressa, impossibilidade da prestação e perda de interesse na prestação que a induzam.”
   No caso sub judice, de acordo com o que se deixar referenciado acima, a Ré é apenas titular da metade indivisa do prédio n° ..., em relação à outra metade indivisa, não sendo ela titular o do direito, mesmo que queira, é patente que não poderá cumprir a obrigação.
   Entretanto, quer o Autor quer a Ré sabendo perfeitamente que, à data do contrato-promessa, esta última não era titular registado de nenhum dos prédios objecto do contrato. Mas, isso não impede a celebração do contrato-promessa, pois desde que o promitente-vendedor conseguisse adquirir o direito sobre os prédios posteriormente e os vendesse ao promitente-comprador.
   Portanto, o não ser titular da metade indivisa não dá automaticamente ao Autor o direito à resolução do contrato nem do direito de indemnização.
   Assim, mostrada está que a Ré está em mora ao cumprimento da promessa com o decurso do prazo estipulado, no entanto, não fica demonstrado que a mora tinha sido convertida em incumprimento definitivo, ou por o Autor não ter concedido prazo para a Ré cumprir a sua promessa ou por o próprio Autor manifestou o seu interesse na prestação da Ré.
   Assim, não se verifica nenhuma situação de incumprimento definitivo, o que impedirá, naturalmente, a pretendida resolução do contrato-promessa pelo Autor e consequentemente, não poderá proceder o pedido de indemnização decorrente da resolução parcial do contrato.
   Julga-se improcedente desses pedidos.
*
   Julgado procedente o pedido de principal quanto à execução específica, fica prejudicada apreciação do pedido subsidiário.
*
   IV) DECISÃO
   Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência, decide:
   - Substituir-se à Ré A a emitir a declaração de no sentido de vender ao Autor C, metade indivisa do prédio urbano sito em Macau na Rua..., nº23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;
   - Absolve a Ré dos demais pedidos formulados pelo Autor.
*
   Por o Autor intentar a presente acção quando a obrigação da Ré ainda não estava vencida e por ter caído no pedido de resolução e de indemnização, as custas da acção serão suportados, na totalidade, pelo Autor.
*
   Registe e Notifique… ”.
*
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a decisão do Tribunal a quo no sentido de permitir a execução específica do contrato promessa de compra e venda da metade indivisa do prédio em causa.
No caso sub justice, o Autor e a Ré celebraram um contrato promessa de compra e venda sobre a totalidade do prédio.
No momento da celebração desse contrato promessa, a Ré não era proprietária do mesmo e o Autor bem sabia desse facto, pois acordaram que a respectiva escritura pública de compra e venda seria celerada no prazo de 90 dias após a resolução dos litígios existentes sobre os eventuais direitos de propriedade do mesmo.
Trata-se duma promessa de compra e venda de coisa relativamente futura (artºs 202º, nº 2, e 871º, todos do C.C.).
Posteriormente, a Ré só conseguiu adquirir, pela usucapião, 1/2 da propriedade do prédio em causa, outra metade foi adquirida pela B.
Assim, já não há possibilidade de cumprir integralmente o contrato promessa de compra e venda inicialmente celebrado.
Haverá lugar a possibilidade de cumprimento parcial?
Em termos jurídicos, esta possibilidade existe se o Autor mantiver o interesse na aquisição, não obstante apenas ser metade da propriedade, e outra comproprietária B não pretender exercer o seu direito de preferência legal (artº. 1308º do C.C.) na aquisição.
O interesse do Autor em continuar na aquisição da metade já está comprovado com o seu pedido formulado na petição inicial.
Em relação à posição da comproprietária B, este nunca teve intervenção nos autos antes da fase do recurso jurisdicional.
Como a sentença que permite a execução específica substitui directamente a declaração da vontade da parte faltosa, o Tribunal a quo nunca pode determinar a execução específica em causa sem saber previamente se outra comproprietária pretende exercer ou não o seu direito de preferência legal na aquisição.
Pois, caso esta comproprietária pretender exercer o seu direito de preferência legal na aquisição da quota ideal de 1/2, fica impossível a execução específica requerida pelo Autor.
Com a interposição do recurso jurisdicional por parte da referida comproprietária, esta manifestou inequivocamente a sua pretensão de exercer o seu direito de preferência legal na aquisição.
Assim, tendo em conta o princípio da economia processual, não vale a pena em anular o processado e determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo só para saber se a comproprietária em causa pretende ou não exercer o seu direito de preferência, uma vez ela já manifestou a sua pretensão na motivação do recurso.
Face à posição assumida pela comproprietária na motivação do recurso, o cumprimento parcial do contrato promessa de compra e venda em causa deixa de ser possível, passando a ser uma situação de impossibilidade de cumprimento.
Nos termos do nº 1 do artº 779º do C.C., a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Do elenco dos factos assentes e provados não resulta que esta impossibilidade de cumprimento deve-se por culpa da Ré.
Aliás, o Autor e a Ré acordaram na cláusula 6ª do contrato promessa de compra e venda em referência que caso a Ré não conseguir obter a propriedade do prédio em causa, o Autor pode resolver o contrato e obter a restituição do sinal pago, sem direito a qualquer indemnização.
Assim, não resta outra alternativa senão declarar a resolução do contrato promessa de compra e venda em causa, determinando a restituição em singelo do sinal recebido por parte da Ré ao Autor.
*
B- Recurso da interessada B:
Face ao supra decidido, deixa de ter interesse apreciar este recurso.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso interposto pela Ré, revogando a sentença recorrida;
- julgar, em substituição, a acção parcialmente procedente, declarando a resolução do contrato promessa de compra e venda referenciado nos autos por impossibilidade de cumprimento e condenando a Ré a restituir em singelo o sinal recebido no valor de HKD$400.000,00 (quatrocentos mil dólares de Hong Kong), acrescido de juros de mora à taxa legal a partir da citação até ao efectivo pagamento;
- absolver a Ré dos demais pedidos do Autor; e
- não conhecer o recurso interposta pela interessada B.
*
Custas do presente recurso pelo Autor.
Sem custas para o recurso da interessada B.
Custas da acção pelo Autor e pela Ré na proporção de decaimento.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 06 de Dezembro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



40
642/2018