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Processo nº 271/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 06 de Dezembro de 2018
Descritores:
- Revisão de sentença
- Divórcio
- Regulação do poder paternal

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

Proc. nº 271/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A (A), divorciada, de nacionalidade chinesa, residente em Hong Kong, 香港…, intenta a presente -----
Acção com processo especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal ou árbitro do exterior de Macau, ------
Contra----
B, (B) divorciado, de nacionalidade chinesa, residente em Hong Kong, em香港….
*
Não houve contestação e o digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1. Autora e réu contraíram casamento em Hong Kong no dia 5 de Dezembro de 1995.
2. Por sentença proferida pelo tribunal distrital de Hong Kong datada de 19/06/2017 foi decretada, por divórcio, a dissolução do casamento entre autora e reu.
3. A referida sentença apresenta o seguinte teor em língua portuguesa:
FCMC 535/2017
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Processo Matrimonial n.º 535 de 2017
A Peticionante
e
B Contestante
Jugado pelo Mm.º Juiz do Tribunal Distrital, Dr. Wong Lai Wing
Decisão Provisória de Divórcio
  Em 19 de Junho de 2017, o Mm.º Juiz confirma que a Peticionante e o Contestante têm vivido em separação há mais de dois anos consecutivos antes da apresentação do pedido de divórcio, então, o tribunal profere a decisão que decreta o divórcio. O casamento entre
A Peticionante
e
B Contestante
que foi contraído em 5 de Dezembro de 1995 na Conservatória do Registo de Casamento de Tsim Sha Tsui em Hong Kong (4470 TST(A)), é irremediavelmente quebrado, assim, decreta-se a dissolução do casamento supra, a menos que se possa invocar ao tribunal motivos suficientes no prazo de 6 semanas contados a partir da prolação desta decisão, pelos quais a presente decisão não se pode converter em absoluta.
  Data: 19 de Junho de 2017.
Juiz
4. Na mesma data, A e R. concluíram o seguinte acordo:
FCMC 535/2017
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Processo Matrimonial n.º 535 de 2017

A Peticionante
e
B Contestante
  Jugado à porta fechada pelo Mm.º Juiz do Tribunal Distrital, Dr. Wong Lai Wing
Decisão
  Data: 19 de Junho de 2017
  Lido o depoimento feito pela Peticionante em que suporta o seu pedido; e
  Lida a citação do acordo feita em 13 de Janeiro de 2017 (adiante designada por “citação do acordo”);
  Com o consentimento e confirmação das partes, relativamente aos assuntos de pagamentos periódicos, pagamentos periódicos garantidos, pagamento integral, transferência de propriedade, disposição da posse do direito de propriedade (settlement of property), e/ou alteração do acordo da transacção, e à reivindicação apresentada ou eventualmente apresentada por uma delas contra a outra ou a propriedade da outra, independentemente de tal reivindicação ser apresentada de acordo com “Matrimonial Causes Ordinance”, “Matrimonial Proceedings and Property Ordinance”, “Married Persons Status Ordinance”, “Inheritance (Provision for Family and Dependants) Ordinance”, ou quaisquer regulamentos relevantes de Hong Kong ou de outros territórios, os seguintes artigos serão utilizados como meio para resolver completamente e finalmente tal reivindicação;
  E, as partes confirmam e declaram que, salvo disposição em contrário prevista na presente decisão, a fim de evitar a produção de dúvida, todos os investimentos e bens adquiridos em nome singular das partes devem ser imutáveis, cuja titularidade pertence absolutamente ao proprietário relevante;
  A Peticionante comprometeu ao Juízo e ao Contestante que ia levar o filho da família, C, para Hong Kong, conforme a ordem do Juízo;
  São considerados a Peticionante e o Contestante que já deduziram o pedido contra a outra na presente causa, relativo a todos os tipos de assistência auxiliar (ancillary relief);
  Com o consentimento das partes, o Mm.º Juiz ordena que:
(1). A Peticionante tem os direitos de custódia, cuidado e supervisão do filho da família, C; e, o Contestante pode razoavelmente gozar do direito de visitas;
(2). O filho da família, C, pode viver e ter educação num território que está fora da jurisdição de Hong Kong;
(3). São declarados anulados os pedidos apresentados por uma das partes, Peticionante e Contestante, contra a outra, relativos a todos os tipos de assistência auxiliar; e,
(4). O presente processo, incluindo a citação do acordo acima referido, não tem custas.
  Mais, o Mm.º Juiz profere: o Tribunal admite que o filho, C, é único filho da família aplicável pelo art.º 18.º (Capítulo 192) do “Matrimonial Proceedings and Property Ordinance”; e, já fez as disposições sobre os seus benefícios, tais disposições são satisfatórias ou são as melhores que se conseguiram tomar naquele momento.
Data: 19 de Junho de 2017.
Juiz
5. A sentença transitou em julgado no dia 17 de Agosto de 2017 (cfr. fls. 13º e verso).
***
IV – O Direito
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação de divórcio entre requerente e requerido, que foi decretada por decisão proferida pelo tribunal competente da RAEHK, bem como aquela outra que regula o exercício do poder paternal em relação ao filho comum de ambos, de nome C.
Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decidiu sobre o exercício do poder paternal do filho comum de ambos.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê o divórcio e a regulação do exercício do poder paternal.
Assim, cremos estarem reunidos os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito das decisões já ocorreu. As decisões foram proferidas por entidade competente e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a sentença de divórcio e de regulação do exercício do poder paternal proferida pelo Tribunal Distrital da RAEHK, nos precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
T.S.I., 06 de Dezembro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



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