--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 08/01/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 914/2018
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, (3a) arguida com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada como autora da prática de 1 crime de “burla informática”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1, al. 1) da Lei n.° 11/2009, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no mesmo prazo (do período de suspensão da execução da pena), pagar à assistente “B, S.A.”, (B股份有限公司), a quantia de HKD$12.394,00 e juros; (cfr., fls. 605 a 619-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a arguida recorreu para imputar ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição; (cfr., fls. 636 a 645).
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Respondendo, diz o Ministério Público e a assistente que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 650 a 652 e 653 a 655).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 679 a 680-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 608-v a 611, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem a arguida recorrer do Acórdão que a condenou como autora da prática de 1 crime de “burla informática”, p. e p. pelo art. 11°, n.° 1, al. 1) da Lei n.° 11/2009, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no mesmo prazo, pagar à assistente “B, S.A.”, (B股份有限公司), a quantia de HKD$12.394,00 e juros.
Considera que o dito Acórdão padece de “erro notório na apreciação da prova”, afirmando que esta não permite a demonstração do seu envolvimento no crime pelo qual foi condenada, pedindo a sua absolvição.
Porém, somos de opinião que não lhe assiste razão.
Vejamos.
Sobre o vício de “erro notório” tem este T.S.I. consignado que:
“O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2017, Proc. n.° 877/2017, de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018 e de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018).
Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).
E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.
E, sendo de se manter tudo o que se expôs sobre o “vício” pela recorrente imputado à decisão recorrida, patente se nos apresenta que o mesmo não existe, pois que o Tribunal a quo apreciou a prova – na sua globalidade – em conformidade com o “princípio da livre apreciação” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., decidindo com clareza, lógica e de harmonia com a “normalidade das coisas”, não se vislumbrando onde, como, ou em que termos tenha violado, (muito menos, “grosseiramente”), qualquer regra sobre o valor das provas legais ou tarifadas, regra de experiência ou legis artis.
Com efeito, e como com pertinência se nota na Resposta do Ministério Público e da assistente, a decisão recorrida (até) se apresenta em sintonia com as declarações pela própria arguida prestadas em sede de Inquérito e (adequadamente) lidas em audiência, (cfr., fls. 597-v), o mesmo sucedendo com as declarações dos restantes (1° e 2°) co-arguidos, encontrando igualmente a decisão respaldo em diversos outros elementos probatórios expressamente referidos pelo T.J.B. em sede da sua fundamentação, (cfr., fls. 611-v a 613), sendo de se consignar que se limita a recorrente a controverter a decisão com base em apreciações parciais e subjectivas, afrontando o referido princípio consagrado no art. 114° do C.P.P.M., não podendo assim o seu recurso proceder.
Há pois que atentar – como bem se nota no Acórdão recorrido – que a prova produzida indica claramente que em consequência da actuação destes 1° e 2° co-arguidos e da própria recorrente, acabou esta por beneficiar de vantagens ilicitamente obtidas e que não lhe eram devidas em prejuízo da assistente, indicando, também, claramente os autos, que a mesma recorrente agiu conluiada com aqueles, de forma dolosa e com consciência da ilicitude da sua conduta.
Dest’arte, e não se vislumbrando igualmente que tenha o Tribunal a quo incorrido na violação do “princípio in dubio pro reo”, pois que em momento algum teve dúvidas ou hesitações, quanto ao que lhe competia decidir, tendo, mesmo assim, decidido em prejuízo da ora recorrente, (cfr., v.g., os Ac. de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 592/2017 e de 11.01.2018, Proc. n.° 1146/2017), à vista está a solução para a presente lide recursória, ociosas se apresentando mais alongadas considerações.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará a arguida a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 08 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 914/2018 Pág. 4
Proc. 914/2018 Pág. 3