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Processo n.º 112/2018. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Artigo 14.º, n. os 1, 2 e 3 da Lei n.º 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/2016. Detenção para consumo de estupefacientes em quantidade elevada. Artigo 29.º da Lei Básica.
Data do Acórdão: 16 de Janeiro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Face ao disposto no artigo 14.º, n. os 1, 2 e 3 da Lei n.º 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/2016, o consumo de estupefacientes ou a mera detenção para consumo pessoal do agente, são punidos com as penas dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º, caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém (para consumo próprio) constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à lei, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa.
II – A circunstância de a quantidade para consumo pessoal detida pelo agente ser mais de 5 vezes a quantidade de referência do mapa anexo à lei, não obsta à aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 11.º, desde que se verifique o condicionalismo previsto nesta norma.
III - O artigo 14.º da Lei n.º 17/2009 não viola o disposto no artigo 29.º da Lei Básica.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 27 de Fevereiro de 2018, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de:
- Um crime de tráfico (detenção) ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 8.º, n.º 1 e 14.º, n.os 2 e 3, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
- Um crime de consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
E, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão.
Em recurso interposto pelo arguido, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 25 de Outubro de 2018, absolveu o arguido da prática do crime de consumo ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009 e reduziu a pena do crime de tráfico (detenção) ilícito de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 8.º, n.º 1 e 14.º, n.os 2 e 3, da Lei n.º 17/2009, para 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Recorre, novamente, o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- Violação do artigo 29.º da Lei Básica e do artigo 40.º do Código Penal, pelo artigo 14.º da Lei n.º 17/2009;
- Aplicação do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 17/2009;
- Nulidade do acórdão recorrido por não ter fundamentado devidamente a não aplicação do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 17/2009.

  O Ex.mo Magistrado do Ministério Público, na resposta à motivação, pronuncia-se pela improcedência do recurso.
No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida na resposta à motivação.

II – Os factos
Os factos provados e não provados são os seguintes:
  1. Antes da ocorrência do caso (antes de 13 de Maio de 2017), o 1º arguido A comprou por meio não apurado “MDMA” e “canabis” e escondeu a droga na sala n.º XXXX do Hotel, alugada por ele.
  2. O 1º arguido A comprou a droga para o seu próprio consumo.
  3. Em 11 de Maio de 2017, o 2º arguido B adquiriu duma mulher “C” “MDMA” e “canabis” para o seu próprio consumo e escondeu a droga restante na sala n.º XXXX do Hotel, alugada por ele.
  4. Em 13 de Maio de 2017, a PJ foi fazer investigação às salas n.º XXXX e n.º XXXX do Hotel, alugadas pelo 1º arguido A e 2º arguido B.
  5. Na altura, a PJ encontrou no bolso do casaco do 1º arguido A uma caixa azul de cigarros com palavra imprimida “MEVIUS”, na qual havia 10 “objectos em forma de cigarro” com peso total de 8.6g (vide o auto de revista e apreensão constante da fls. 7 e as fotos constantes da fls. 8 dos autos).
  6. Com o consentimento do arguido, a PJ fez revista na sala n.º XXXX do Hotel, alugada pelo 1º arguido A, encontrou no cofre os seguintes objectos:
   1. 26 Comprimidos azul-claros, com palavra imprimida “ck”, guardados num saco plástico transparente com fecho, com peso total de 7.9g;
   2. Um saco plástico transparente com fecho que continha plantas com peso total de 99.9g;
   3. Uma caixa azul de cigarros com palavra imprimida “MEVIUS”, na qual havia 9 “objectos em forma de cigarro” com peso total de 7.8g (vide o auto de revista e apreensão constante das fls. 10 e 11 e as fotos constantes das fls. 12 a 14 dos autos).
  7. Com o consentimento do arguido, a PJ fez revista na sala n.º XXXX do Hotel, alugada pelo 2º arguido B, encontrou no cofre os seguintes objectos:
   1. Uma caixa vermelha-preta de ferro com palavra imprimida “Zao Jing Hua”, na qual havia 3 “objectos em forma de cigarro” com peso total de 2.7g;
   2. 1 Comprimido azul-claro, com palavra imprimida “ck”, com peso de 0.3g (vide o auto de revista e apreensão constante da fls. 34 e as fotos constantes das fls. 35 a 37 dos autos).
  8. Após o exame laboratorial, as peças de plantas dos 10 “objectos em forma de cigarro”, encontrados no bolso do casaco do 1º arguido A, continham “nicotina” e “canabis”, substância controlada pela tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 5.497g (vide as fls. 136 a 143 dos autos), a droga foi pertencente ao 1º arguido para o seu próprio consumo.
  9. Após o exame laboratorial, os 26 Comprimidos azul-claros, encontrados no cofre da sala n.º XXXX do Hotel, alugada pelo 1º arguido A, continham “MDMA”, substância controlada pela tabela II-A da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 7.334g; as plantas no saco continham “canabis”, substância controlada pela tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 88.26g, excedendo 88.26 vezes a quantidade de referência de uso diário; as peças de plantas dos 9 “objectos em forma de cigarro” continham “nicotina” e “canabis”, substância controlada pela tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 5.007g (vide as fls. 136 a 143 dos autos), a droga foi pertencente ao 1º arguido para o seu próprio consumo.
  10. Após o exame laboratorial, as peças de plantas dos 3 “objectos em forma de cigarro”, encontrados no cofre da sala n.º XXXX do Hotel, alugada pelo 2º arguido B, continham “nicotina” e “canabis”, substância controlada pela tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1.675g; o comprimido azul-claro continha “MDMA”, substância controlada pela tabela II-A da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0.274g (vide as fls. 127 a 134 dos autos).
  11. O 1º arguido A e o 2º arguido B adquiriram e detiveram drogas livre, voluntária e conscientemente sem autorização, consumiram dolosamente as drogas controladas pela lei.
  12. A quantidade de referência de uso diário de “canabis” (folhas e sumidades floridas ou frutificadas), prevista pela Lei n.º 17/2009, é de 1g, a quantidade de 5 dias é de 5g.
  13. Os 2 arguidos sabiam a natureza e as características das drogas e que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
  14. Desde 1975, o 1º arguido foi agente policial de Taiwan, em 2001 foi promovido como chefe da equipa de investigação.
  15. Em 2000, o 1º arguido sofreu ferimento de bala e os danos físico e psicológico.
  16. Até hoje, o ferimento ainda causa dores e desconfortos ao 1º arguido.
  17. O 1º arguido declarou que se aliviou das dores e desconfortos através de consumir as drogas em causa.
  18. Posteriormente, o 1º arguido foi guarda privada de segurança, auferindo mensalmente uma quantia de HKD$60,000.00.
  Mais se provou:
  19. O 1º arguido A declarou que tem como habilitação académica o ensino superior, é auxiliar especial, auferindo mensalmente uma quantia de HKD$60,000.00 a HKD$80,000.00, tem a mulher desempregada e 5 filhos, entre os quais 3 filhos estão empregados e 2 filhos estão a frequentar escola.
  20. O 2º arguido B declarou que tem como habilitação académica o 2º ano da escola primária, é comerciante, auferindo mensalmente uma quantia de TWD$100,000.00, tem um menor a seu cargo.
  21. Conforme o CRC, os 2 arguidos são primários.
  
  Factos não provados:
  1. O 1º arguido A traficou droga em Macau para obter interesse ilegal.
  2. O 1º arguido comprou as drogas para venda a outrem.
  3. Nas informações do telemóvel do 1º arguido, descobriram-se de “Wechat” as mensagens de fazer negócios de drogas entre o 1º arguido e outrem.
  4. O 1º arguido A vendeu a outrem as drogas controladas pela lei para obter interesse ilegal.
  5. Os outros factos constantes da acusação e contestação, que estão desconformes aos factos provados referidos.
  O Departamento de Ciências Forenses da PJ fez um novo exame das drogas apreendidas, o relatório consta das fls. 937 a 975 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzidos.


III - O Direito
1. A questão a resolver
Importa apreciar as questões suscitadas.

2. O crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, previsto e punível pelos artigos 14.º, n.os 1, 2 e 3 e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009
O arguido detinha para consumo pessoal:
Os 10 “objectos em forma de cigarro”, encontrados no bolso do casaco do 1º arguido A, continham “nicotina” e “canabis”, substância controlada pela tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 5.497g;
Os 26 Comprimidos azul-claros, encontrados no cofre da sala n.º XXXX do Hotel, alugada pelo 1º arguido A, continham “MDMA”, substância controlada pela tabela II-A da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 7.334g e, em análise quantitativa, peso líquido de 2,79g;
As plantas no saco continham “canabis”, substância controlada pela tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 88.26g;
Os 9 “objectos em forma de cigarro” continham “nicotina” e “canabis”, substância controlada pela tabela I-C da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 5.007g.
Quer isto dizer que o arguido detinha, para consumo pessoal, várias substâncias, integradas nas Tabelas I-C e II-A (canabis e MDMA, respectivamente) que, todas elas, excediam largamente mais de cinco vezes a quantidade constante do mapa de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009.
Face a estes factos, vejamos qual o crime cometido pelo arguido.
Examinemos as normas pertinentes:
“Artigo 7.º
Produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas
 1. Quem, sem se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair ou preparar plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, fora dos casos previstos no n.º 1 do artigo 14.º, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.*
 2. Quem, tendo obtido autorização mas agindo em contrário da mesma, praticar os actos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão de 6 a 16 anos.
 3. Se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV, o agente é punido com pena de prisão:
 1) De 1 a 5 anos, no caso do n.º 1;
 2) De 2 a 8 anos, no caso do n.º 2.
 
Artigo 8.º
Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas
 1. Quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no n.º 1 do artigo 14.º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
 2. Quem, tendo obtido autorização mas agindo em contrário da mesma, praticar os actos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão de 6 a 16 anos.
 3. Se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV, o agente é punido com pena de prisão:
 1) De 1 a 5 anos, no caso do n.º 1;
 2) De 2 a 8 anos, no caso do n.º 2”.

“Artigo 11.º
Produção e tráfico de menor gravidade
 1. Se a ilicitude dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados, a pena é de:
 1) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos nas tabelas I a III, V ou VI;
 2) Prisão até 3 anos ou multa, se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV.
 2. Na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, nos termos do número anterior, deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados encontrados na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante”.

“Artigo 14.º
Consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas
 1. Quem consumir ilicitamente ou, para seu exclusivo consumo pessoal, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, adquirir ou detiver ilicitamente plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão de 3 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 240 dias, salvo o disposto no número seguinte.
 2. Caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente referido no número anterior cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa, aplicam-se, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º
 3. Para determinar se a quantidade de plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém excede ou não cinco vezes a quantidade a que se refere o número anterior, são contabilizadas as plantas, substâncias ou preparados que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais”.

No artigo 7.º da Lei n.º 17/2009 pune-se a produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
No artigo 8.º da mesma Lei pune-se o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
No artigo 11.º da mesma Lei pune-se a produção e o tráfico ilícito de menor gravidade de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, sendo que um dos parâmetros a considerar na integração deste tipo de menor gravidade se encontra a quantidade de produto ilícito produzido ou detido para tráfico, que não deve exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à lei.
No artigo 14.º da mesma Lei pune-se o consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
Contudo, nos seus n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º, inovadoramente, a Lei n.º 17/2009, na redacção introduzida pela Lei n.º 10/2016, mandou aplicar, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º, caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém (para consumo próprio) constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à lei, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa.
O que quer dizer que, actualmente, o consumo de estupefacientes ou a mera detenção para consumo pessoal do agente, são punidos com as penas dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º, caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém (para consumo próprio) constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à lei, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa.
No caso dos autos, o arguido detinha para consumo pessoal várias substâncias, integradas nas Tabelas I-C e II-A (canabis e MDMA, respectivamente) que, todas elas, excediam largamente mais de cinco vezes a quantidade constante do mapa de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009.
Logo, praticou o arguido um crime previsto e punível pelos artigos 14.º, n.os 1, 2 e 3 e 8.º, n.º 1, [isto porque não se demonstrou o condicionalismo exigido pelo n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 17/2009 (ilicitude consideravelmente diminuída)] da Lei n.º 17/2009, crime esse, que é, de consumo ilícito de estupefacientes e não de tráfico ilícito de estupefacientes, dado que se provou que todos os produtos e substâncias se destinavam ao consumo pessoal do arguido.
Na verdade, as dores de que se queixa o arguido – não comprovadas – não conduzem ao condicionalismo mencionado (ilicitude consideravelmente diminuída), sendo que o MDMA não tem indicações terapêuticas para mitigar dores. O mesmo se diga do tipo de drogas detidas pelo recorrente, designadamente o MDMA, que não é uma droga leve. Ainda que o fosse, nada na lei permite considerar que a ingestão de drogas leves, faz presumir ilicitude consideravelmente diminuída.
Por outro lado, a quantidade de substâncias estupefacientes detidas, várias vezes o limite a partir do qual a detenção para consumo é severamente punido, também aponta para um quadro desfavorável à diminuição considerável da ilicitude.
Tem, no entanto, razão o recorrente ao defender que a circunstância de a quantidade detida ser mais de 5 vezes a quantidade de referência do mapa anexo à lei, não obsta à aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 11.º, como referiu o acórdão recorrido.
Daqui decorre que o acórdão recorrido, apesar da errada fundamentação, designadamente na qualificação do crime, não errou quanto às disposições punitivas aplicáveis ao caso.

3. Da violação do artigo 29.º da Lei Básica
Entende o arguido que o artigo 14.º da Lei n.º 17/2009, viola o disposto no artigo 29.º da Lei Básica, pois que não se sabe em que casos o agente deve ser punido pelo artigo 8.º ou ao abrigo do artigo 11.º da Lei n.º 17/2009.
Não parece que assim seja:
Caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém (para consumo próprio) constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à lei, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa, implica a punição pelo artigo 8.º, n.º 1, excepto se a sua ilicitude estiver consideravelmente diminuída nos termos do n.º 1 do artigo 11.º, caso em que a punição se dá por esta norma.
Entende, ainda, o recorrente que o artigo 14.º viola o princípio da presunção da inocência, dado que presume que quem detenha drogas da quantidade em causa é traficante, impedindo-o de demonstrar o contrário.
Mas não é a leitura que fazemos da norma legal. Ela limita-se a punir severamente o consumo de estupefacientes, quando a detenção dos produtos em causa seja de quantidade relativamente elevada. Trata-se de uma opção do legislador, não vedada pela Lei Básica, que não cabe aos tribunais discutir. A desproporção de um acto discricionário da Administração é fundamento legal para anulação pelos tribunais. A desproporção de um acto legislativo, não.
Não há qualquer inversão do ónus da prova. Mesmo que se prove que o agente detém exclusivamente para consumo pessoal, aplica-se a punição prevista para o tráfico se a quantidade detida for relativamente elevada.

4. Violação do artigo 40.º do Código Penal
Entende o recorrente que o artigo 14.º da Lei n.º 17/2009, viola o artigo 40.º do Código Penal onde se dispõe:
Artigo 40.º
(Finalidades das penas e medidas de segurança)
 1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
 2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
 3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.

Como é manifesto, as normas do artigo 40.º têm como destinatário o julgador, pelo quem não se vislumbra a que título é que uma lei as pode violar.

5. Nulidade da alínea a) do n.º 1 do artigo 360.º do Código de Processo Penal
Entende o recorrente que o acórdão recorrido enferma da nulidade da alínea a) do n.º 1 do artigo 360.º do Código de Processo Penal, porque não explicou porque puniu o recorrente pelo artigo 8.º e não pelo artigo 11.º da Lei n.º 17/2009.
A falta de fundamentação gera nulidade. Mas a má ou errada fundamentação não gera tal nulidade.
Ora, apesar de a não aplicação do disposto no artigo 11.º estar erradamente fundamentada, daí não decorre qualquer consequência, desde que o tribunal de recurso (neste caso o TUI), conclua pela não aplicação de tal norma, por outras razões, como se viu antes.
O recurso é, assim, improcedente.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Macau, 16 de Janeiro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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