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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 09/01/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 1071/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., e, a final, foi condenado como autor material da prática 1 crime de “abuso sexual de pessoa incapaz de resistência”, p. e p. pelo art. 159°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada no âmbito do Proc. n.° CR4-17-0394-PCS, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 216 a 223 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, considerando também, subsidiariamente, excessiva a pena aplicada; (cfr., fls. 233 a 241).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 248 a 249-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.234 a 241 dos autos, o recorrente solicitou a redução da pena aplicada no Acórdão em escrutínio e a concessão da suspensão da execução pena, assacando-lhe o erro notório na apreciação de prova consagrado na alínea c) do n.º2 do art.400º do CPP, e ainda o erro nos pressupostos de facto da aplicação dos arts.40º e 65º do CPM.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.248 a 249 verso).
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Fundamentando a arguição do erro notório na apreciação de prova e do consequente erro nos pressupostos de facto, o recorrente argumentou que ele era ainda primário ao cometer o crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência imputado a si, e se surgiria alteração superveniente da sua condição pessoal e da situação económica.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.º2 do art.400º do CPP, é consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.º17/2000, n.º16/2003, n.º46/2008, n.º22/2009, n.º52/2010, n.º29/2013 e n.º4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Em esteira desta brilhante orientação jurisprudencial, colhemos que a menção pelo Tribunal a quo de “嫌犯具犯罪記錄” não gera erro notório na apreciação de prova nem erro nos pressupostos de facto, pese embora a sua conduta ilícita punida no Processo n.ºCR4-17-0394-PCS ocorresse posteriormente à prática do dito crime de abuso sexual. Pois, a alínea e) do n.º2 do art.65º do CPM impõe que se tenha em devida consideração de conduta posterior para efeitos de graduação da pena.
No nosso prisma, a arrogada alteração superveniente da condição pessoal e situação económica não constitui erro notório na apreciação de prova ou erro nos pressupostos de facto, e mostra inócua. Pois, os vícios referidos nas várias alíneas do n.º2 do art.400.º do Código de Processo Penal, mesmo verificados, devem ser decisivos e pertinentes para a decisão do caso concreto, caso contrário serão irrelevantes e não implicarão as consequências legais. (vide Acórdão do TUI no Processo n.º23/2016)
Com efeito, não se descortina in casu qualquer circunstância de atenuação especial, de outra banda, os dois crimes que ele cometeu e a sua personalidade indiciam suficientemente que a suspensão da execução da pena aplicada frustrará as finalidades da punição.
Tudo isto impulsiona-nos a entender que são infundados os pedidos de reenvio, de redução da pena e de suspensão da execução.
(…)”; (cfr., fls. 276 a 277).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 218 a 219-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática 1 crime de “abuso sexual de pessoa incapaz de resistência”, p. e p. pelo art. 159°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada no âmbito do Proc. n.° CR4-17-0394-PCS, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão.

Entende que o decidido padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, considerando também, subsidiariamente, excessiva a pena aplicada.

–– Vejamos, começando-se, como é lógico, pelo alegado “erro”.

Sobre o vício de “erro notório” tem este T.S.I. consignado que:

“O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.

No caso dos autos, é o arguido ora recorrente de opinião que o Acórdão recorrido se encontra inquinado com o aludido “erro notório”, alegando que devia ser considerado e dado como provado que era “primário” e “desempregado”.

Ora, há equívoco.

Na verdade, no Acórdão recorrido não se afirmou – nem se deu como “provado” – que o ora recorrente “não era primário” e que se encontrava “empregado”.

O que se disse foi (tão só) que, por decisão de 08.01.2018, tinha sido condenado no âmbito do Proc. n.° CR4-17-0394-PCS, por 1 crime de “falsas declarações sobre a identidade”, p. e p. pelo art. 19°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, e que aquando das suas declarações no Ministério Público, declarou trabalhar para uma empresa de segurança, auferindo MOP$9.000,00 por mês; (cfr., fls. 111 a 111-v e 219-v).

E, nesta conformidade, evidente se apresenta que nenhum “erro”, (muito menos, notório), existe, pois que apenas se deu como provado o que se deixou consignado e que corresponde (inteiramente) à verdade, pois que são “factos” que – pura e simplesmente – resultam dos autos.

Assim, e claro sendo que não padece o Acórdão recorrido do assacado “erro”, (ou qualquer outro vício de conhecimento oficioso), visto está também que o presente recurso tem de ser rejeitado por manifesta improcedência, até porque o recorrente assenta o seu inconformismo quanto à pena em que foi condenado no erro notório que imputou à decisão recorrida e que, como se viu, não existe.

Seja como for, não se deixa de dizer que cabendo ao crime cometido a pena de 1 a 8 anos de prisão, (cfr., art. 159°, n.° 1 do C.P.M.), motivos não se vislumbram para se considerar a pena de 2 anos de prisão aplicada – a 1 ano do limite mínimo e a 6 anos do máximo – inflacionada ou severa, sendo antes de notar que a mesma se apresenta totalmente respeitadora dos critérios do art. 40° e 65° do C.P.M. que regulam a matéria da determinação de medida da pena, o mesmo sucedendo com a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão fixada em resultado do cúmulo jurídico com a pena de 7 meses de prisão aplicada no Proc. n.° CR4-17-0394-PCS e que, da mesma forma, se mostra em integral sintonia com os critérios do art. 71° do C.P.M..

Por fim, e quanto à “suspensão da execução” desta pena única, idêntica se nos apresenta dever ser a solução.

Com efeito, tratando esta matéria temos vindo a considerar que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.10.2017, Proc. n.° 762/2017, de 11.01.2018, Proc. n.° 1157/2017 e de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018).

Com efeito, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.06.2017, Proc. n.° 399/2017, de 09.11.2017, Proc. n.° 853/2017 e de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018).

No caso dos autos, atento o bem jurídico protegido com a norma incriminatória, (a “liberdade sexual”), e ponderando o seu impacto social, (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal geral.

Por sua vez, e como se deixou relatado, não se pode olvidar que o ora recorrente tem outra condenação, (no dito Proc. n.° CR4-17-0394-PCS), não se podendo considerar uma “situação pontual”, fortes sendo também, no caso, as razões de prevenção criminal especial.

E, perante isto, visto está que não se pode accionar o preceituado no art. 48° do C.P.M. para se poder decidir pela suspensão da execução da pena única que lhe foi aplicada.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 09 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 1071/2018 Pág. 14

Proc. 1071/2018 Pág. 13