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Processo nº 1138/2018 Data: 17.01.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Atenuação especial da pena.
Medida da pena.



SUMÁRIO

1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

A figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Para efeito de atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, só tem relevância o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento.

2. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 1138/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 e 14°, n.° 2 da Lei n.° 17/2009, (alterada pela Lei n.° 10/2016), na pena de 9 anos de prisão; (cfr., fls. 408 a 415 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu para, invocando o art. 66°, n.° 2, al. c) do C.P.M. e 18° da Lei n.° 17/2009, pedir a “atenuação especial” ou redução da pena para uma outra de 6 anos de prisão; (cfr., fls. 426 a 432).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 438 a 441).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.426 a 432 dos autos, o recorrente solicitou a redução da pena aplicada de novo anos de prisão aos seis anos, assacando ao douto Acórdão recorrido a violação das disposições no art.18º da Lei n.º17/2009 na redacção dada pela Lei n.º10/2016, e nas alíneas c) do n.º2 do art.66º bem como c), d) e e) do n.º2 do art.65º do Código Penal.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.438 a 441 dos autos), no sentido de não provimento do presente recurso.
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Repare-se que no actual ordenamento jurídico de Macau, a atenuação especial da pena é de aplicação excepcional, e não é uma qualquer das circunstâncias previstas no n.°2 do art.66.° do Código Penal ou semelhantes logo capaz de accionar o regime de atenuação especial da pena, antes tem de apreciar todo o quadro da actuação do agente para ponderar a atenuação especial e encontrar a medida concreta da pena.
Com efeito, «Para poder beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art.66.° do Código Penal, é necessário que se verifica uma situação de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, em resultado da existência de circunstâncias com essa virtualidade.» (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º20/2004)
Mais concretamente, é que «para que seja possível accionar o mecanismo de atenuação especial ou dispensa da pena previsto no art.18.º da Lei n.º17/2009, é necessário que as provas fornecidas sejam tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas de certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento.» (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º34/2010)
De outro lado, importa ter presente que para efeitos de atenuação especial da pena, o arrependimento só é relevante se se traduzir em actos concretos demonstrativos de tal sentimento (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º34/2010), a confissão meramente verbal e a colaboração com autoridade policial sem relevância delineada pelo Venerando TUI não têm condão do arrependimento consignado na c) do n.º2 do art.66º do Código Penal.
Sufragamos a sensata jurisprudência que vem asseverando que a confissão espontânea, tanto integral como parcial, não é relevante para a descoberta da verdade de factos, quando o arguido tiver sido acompanhado em flagrante delito ou já vigilado, ou ainda toda a actuação delituosa tem sido gravada por sistema de vigilância visual. (cfr. Acórdãos do Venerando TSI nos Processos n.º203/2011, n.º530/2011, n.º416/2014, n.º789/2014, n.º49/2016 e n.º436/2016)
No caso sub judice, o que acontece na realidade, como bem observou e apontou a ilustre colega, é que “上訴人在庭上是否認犯罪,聲稱不知悉單位內藏有毒品,而非如上訴人所述坦白承認犯罪。” De outra banda, não se descortina nenhum facto concreto que possa convincentemente mostrar o arrependimento sincero pela parte do recorrente.
Tudo isto aconselha-nos a concluir que não se verificam as circunstâncias de atenuação especial, e o douto Acórdão do Tribunal a quo não contende com as no art.18º da Lei n.º17/2009 na redacção dada pela Lei n.º10/2016, e na alínea c) do n.º2 do art.66º do Código Penal.
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A atenciosa leitura do douto Acórdão in questio impulsiona-nos a acompanhar tranquilamente a prudente conclusão extraída pela ilustre colega, no sentido de que “原審法院在量刑時已經全面衡量了相關的因素,在被上訴的裁判中也清楚地指出了量刑的依據(見卷宗第413頁背面至第414頁)。” Com efeito, o Tribunal a quo não omitiu a consideração.
Sabe-se que no ordenamento jurídico de Macau, é adquirida a douta jurisprudência que tem asseverando que nos arts.64° e 65° do CPM, o legislador acolhe a teoria da margem de liberdade (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º293/2004, n.º50/2005 e n.º51/2006). E entendemos ser prudente o veredicto que afirma: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial recorrida.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º817/2016)
Em esteira, e atendendo a quantidade dos estupefacientes na posse do recorrente, bem como a intensidade do dolo directo, colhemos que o aresto recorrido não infringe o disposto nas alíneas c), d) e e) do n.º2 do art.65º do Cód. Penal, e é adequada a pena aplicada pelo Tribunal a quo.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 452 a 453-v).

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Corridos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 409-v a 410-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor material de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 e 14°, n.° 2 da Lei n.° 17/2009, (alterada pela Lei n.° 10/2016), na pena de 9 anos de prisão.

Pede a atenuação especial ou redução da pena que lhe foi aplicada, não impugnando a “decisão da matéria de facto” e sua “qualificação jurídico-criminal” que, por não merecer qualquer censura, se tem aqui como definitivamente fixada.

Vejamos.

Pois bem, ao crime de “tráfico” pelo arguido cometido cabe a pena de 5 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, alterada pela Lei n.° 10/2016).

Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Desde logo, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Tratando de idênticas questões, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018, de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018 e de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018).

Por sua vez, nos termos do art. 66° do C.P.M.:

“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

Como temos vindo a considerar “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.01.2018, Proc. n.° 344/2017-I, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 14.06.2018, Proc. n.° 397/2018).

Com efeito, tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

No caso, resulta da matéria de facto dada como provada que o arguido foi surpreendido com um total de 46,629g de Metanfetamina.

E então, aqui chegados, quid iuris?

Haverá motivos para se “atenuar especialmente” a pena?

Ora, evidente sendo que motivos não existem para qualquer “atenuação especial da pena” ao abrigo do art. 66° do C.P.M., pois que agiu com dolo directo e intenso, elevada sendo a ilicitude da sua conduta, importa consignar que igualmente inverificados estão os necessários pressupostos legais do art. 18° da Lei n.° 17/2009 para tal, pois que, como tem o Vdo T.U.I. decidido: “Para efeito de atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, só tem relevância o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento”; (cfr., v.g., o Ac. de 30.07.2015, Proc. n.° 39/2015).

Não sendo o que sucedeu, inviável é a pretendida atenuação especial da pena.

E quanto a uma “redução da pena”?

Pois bem, aqui há que se ter também presente que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos considerado:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

E, nesta conformidade, ponderando no que até aqui se expôs, atentos os critérios dos art°s 40° e 65° do C.P.M., no que vem sendo entendido pelos Tribunais de Macau em matéria de pena em processos análogos e apresentando-se-nos evidente que o Tribunal a quo não deixou de ponderar, adequadamente, em todas as circunstâncias relevantes para efeitos de fixação da pena em questão, mostra-se-nos pois que o presente recurso não merece provimento, confirmando-se a pena de 9 anos de prisão decretada.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 17 de Janeiro de 2019

José Maria Dias Azedo [Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, considerando tratar-se de uma “situação pontual”, e atenta a quantidade de estupefaciente, admitia uma redução da pena].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa



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