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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------------------------
--- Data: 22/01/2019. --------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo. ---------------------------------------------------------------------------

Processo nº 1087/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, na pena de multa de 90 dias, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo um total de MOP$9.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 4 meses; (cfr., fls. 103 a 107 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu para – tão só – imputar à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 113 a 125).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 127 a 132).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A impugna a sentença de 16 de Outubro de 2018, proferida no âmbito do processo comum singular CR2-18-0272-PCS, que o condenou na pena de 90 dias de multa à razão diária de MOP $100.00, no total de MOP $9,000.00, convertível em 60 dias de prisão, e em inibição da faculdade de condução pelo período de 4 meses.
Imputa-lhe erro notório na apreciação da prova e alude também a erro de direito, sendo este, porém, uma mera decorrência da suposta procedência daquele erro notório, e portanto sem autonomia.
Não creio que lhe assista razão, não obstante a minuta de resposta do Ministério Público em primeira instância alinhar sensivelmente pelo mesmo diapasão do recorrente.
O raciocínio do recorrente para chegar ao alegado erro notório, para além de eminentemente especulativo, joga com as dimensões, peso e dinâmica do autocarro embatido, para concluir que o condutor do autocarro pode ter-se enganado ao testemunhar que sentiu o embate do táxi conduzido pelo arguido.
Que houve embate não há dúvida, como se comprova pelo vídeo e pelas marcas provocadas na parte da frente lateral direita do autocarro. E o depoimento de B (condutor do autocarro) não deixa transparecer qualquer dúvida ou incerteza de que o arguido embateu no autocarro com a sua viatura ligeira. Perante tal depoimento, não parece muito curial que o recorrente jogue com supostas dificuldades de percepção do embate por parte do condutor do autocarro, devido às características de veículo pesado do autocarro, para tentar concluir, a partir daí, que as mesmas supostas dificuldades de percepção se deparavam relativamente a ele recorrente. O argumento até se apresenta reversível. É que o recorrente seguia ao volante de um veículo ligeiro, que não evidencia condições dinâmicas semelhantes às do autocarro, pelo que não pode argumentar que também ele pode não se ter apercebido do embate por via dessas supostas dificuldades de percepção sentidas no autocarro. Se o condutor do pesado se apercebeu do embate e até buzinou para lograr fazer parar o arguido, parece evidente que, por maioria de razão, não podia o arguido recorrente ter deixado de sentir o embate.
Depois, é do conhecimento público, e resulta das máximas da experiência, que qualquer embate entre veículos automóveis, por pequeno que seja, é imediatamente sentido pelos condutores, desde que se apresentem conscientes, como deve acontecer com os condutores de veículos na via pública.
Acresce que a alegação sobre as hipóteses de o recorrente levar todas as janelas fechadas, ir a ouvir música e levar passageiros que igualmente se possam não ter apercebido do embate tem que ser levada à conta de mera especulação gratuita. Se o recorrente optou por nada dizer sobre isto na altura própria, com que fundamentos e valor se pode agora equacionar tais hipóteses?
Enfim, não ocorre o alegado erro notório na apreciação da prova, também não resultando do processo, e em particular da decisão recorrida e da acta de audiência, que a condenação foi proferida com dúvidas acerca da consciência do embate por parte do recorrente e da intenção de se furtar à responsabilidade.
Daí que se mostrem improcedentes os fundamentos do recurso, que, por isso, não deve obter provimento”; (cfr., fls. 189 a 190).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 104 a 104-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou pela prática como autor material de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, na pena de multa de 90 dias, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo um total de MOP$9.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 4 meses, assacando à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Porém, da reflexão que nos foi possível efectuar, (e sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento), somos de opinião que o recurso em questão é de rejeitar, sendo pois de subscrever as considerações pelo Exmo. Representante do Ministério Público tecidas no seu Parecer que atrás se deixou transcrito e que aqui se dão como integralmente reproduzidas para efeitos da solução que se vai adoptar.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Vejamos.

Repetidamente tem este T.S.I. considerado que “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018, de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018 e de 11.10.2018, Proc. n.° 772/2018).

Dito isto, com o que se pretende esclarecer o “sentido” e “alcance” do vício de “erro notório”, vista está a solução do presente recurso.

Com efeito, o Tribunal a quo deu como “provado” o que da acusação constava, e, em essência, que o arguido, conduzindo um táxi, veio a embater no autocarro do ofendido, e que, para se furtar das responsabilidades que daí lhe advinham, pôs-se em fuga, abandonando o local, mesmo depois de o condutor do autocarro ter buzinado.

E, justificando tal decisão, esclareceu o Tribunal que a sua “convicção” assentou nas declarações pelo ofendido prestadas em audiência de julgamento, do agente da P.S.P. que efectuou a investigação do sucedido e procedeu ao visionamento do vídeo que registou as imagens do momento do embate, assim como nos documentos juntos aos autos, em especial, nas fotos tiradas dos vestígios da colisão existentes em ambas as viaturas, consignando que, em audiência, o arguido fez uso do seu direito ao silêncio; (cfr., fls. 104-v a 105).

Perante isto, apresentando-se-nos que a decisão que proferiu se apresenta clara, lógica e em (total) harmonia com a dita prova, não se vislumbra “como”, “onde”, ou “em que termos” incorreu o Tribunal em violação de qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.

E, a ser assim, como dizer-se que incorreu no imputado “erro”?

Como dizer-se que incorreu em “erro”, (ainda, por cima, “notório”), se o ofendido declarou que sentiu o veículo do arguido a embater no seu autocarro, que até buzinou, e que aquele nada ligou, se o agente da P.S.P. confirmou também a colisão, o mesmo sucedendo com os documentos que demonstram os locais e vestígios do embate das viaturas?

Não está o decidido em conformidade com a prova produzida e as regras de experiência?

Como considerar que se incorreu em “erro” com base em (meras) alegações que o recorrente (tão só) agora, em sede de recurso, faz, pondo em causa a “intensidade do embate”, dizendo que atentas as “circunstâncias” em que se encontrava “não o sentiu” e que “nada ouviu”?

Ora, a ser assim, mal estaríamos…

Porém, não é assim!

Com efeito, não pode o arguido – ou qualquer outro sujeito ou interveniente processual – questionar a decisão da matéria de facto que foi objecto de livre apreciação do Tribunal nos termos do art. 114° do C.P.P.M., alegando, em recurso, matéria que não foi oportunamente invocada e objecto de prova e de decisão.

Em suma, o que o recorrente agora pretende discutir é “matéria nova”, que não sendo “factos notórios”, tinham que ser “objecto de prova” em audiência de julgamento.

E, como é óbvio, não é o presente “recurso” o local próprio para tal.

Abreviando – e não se olvidando o que costuma ser o “volume de som” da buzina de um autocarro – nenhuma censura merece o decidido pelo Tribunal a quo, pois que não incorreu no apontado erro ou outro vício de conhecimento oficioso, impondo-se considerar o presente recurso “manifestamente improcedente”.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 22 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 1087/2018 Pág. 14

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