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Processo nº 884/2018(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado como autor material e em concurso real da prática de:
- 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses;
- 1 crime de “injúria qualificada”, p. e p. pelo art. 178°, 175°, n.° 1 e 129°, n.° 2, al. h) do C.P.M., na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de MOP$80,00, perfazendo a multa global de MOP$6.000,00 ou 50 dias de prisão subsidiária;
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e no pagamento de MOP$1.000,00 de indemnização ao ofendido dos autos; (cfr., fls. 153 a 166 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu, pedindo a redução do período de suspensão da execução da pena única pelo período de 1 ano; (cfr., fls. 182 a 185).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 187 a 188-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 245 a 246).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 154-v a 155-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou pela prática dos crimes atrás referidos, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, batendo-se, apenas, pela redução do período da suspensão da execução da pena, (não questionando a “decisão da matéria de facto” e o seu “enquadramento jurídico-penal” que, por não merecer qualquer censura, desde já se mantém).

Porém, cremos ser evidente que não se pode acolher a pretensão do arguido, havendo que se rejeitar o seu recurso.

Vejamos, (necessária não se mostrando uma abundante fundamentação).

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

E, como temos (repetidamente) vindo a considerar, a suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, assente num juízo de prognose social favorável a este. Esse juízo de prognose deve assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta antes e depois do crime e, bem assim, sobre todo o circunstancialismo que envolveu a infracção.

De facto, e como temos vindo a afirmar:

“O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 22.06.2017, Proc. n.° 399/2017, de 09.11.2017, Proc. n.° 853/2017 e de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018).

No caso, pretende o arguido ora recorrente que se reduza o período de suspensão da execução da pena fixado em 2 anos para o de 1 ano, ou seja, para o seu mínimo legal.

E, como se deixou adiantado não se pode acolher o assim pretendido, pois que motivos não existem para se fixar o período de suspensão da execução da pena única ao recorrente decretada pelo seu mínimo legal, (e a 4 anos do seu máximo).

Como em (clara e adequada) síntese se pondera no douto Parecer do Ministério Público junto aos autos, importa ter em conta que, in casu, em causa está um arguido/condenado que “(…) sempre adoptou uma postura de desconfiança e desafio ao sistema legal de Macau, desde o episódio de fronteira, que motivou a acção penal, passando pela investigação e prosseguindo na audiência, como se pode ver das respectivas actas. Neste contexto, não obstante estar justificada a aposta do tribunal na socialização do recorrente em liberdade, já não se afigura que o período de provação deva ser reduzido ao mínimo legal de um ano, como ele pretende, esgrimindo aliás elementos irrelevantes como o facto de não ser residente de Macau ou poder vir a ser interditado de entrar em Macau”.

Com efeito, basta ler a decisão da “matéria de facto dada como provada” para se constatar que o ora recorrente desenvolveu, sem qualquer motivo, uma conduta altamente censurável, demonstrando ter uma visão muito própria daquilo que deve ser uma atitude pública em harmonia com as regras de uma sã convivência social, acabando por provocar distúrbios, não acatando a ordem pública, desobedecendo e insultando a autoridade, mesmo depois de intimado e aconselhado a se moderar, dando lugar à condenação pelos crimes a que já se fez referência.

Por sua vez, importa não olvidar que a fixação do “período de suspensão” dentro do limite legal decorre discricionariamente de poder-dever vinculado do Tribunal, sendo aquele o que se considerar adequado para a concretização (eficácia) da socialização em liberdade, de forma a que o condenado mostre à sociedade que se encontra redimido e respeitador dos valores jurídico-criminais e que não esta(va) carente de socialização.

E perante isto e à referida factualidade, mais não se mostra de dizer, pois que atenta a previsão do art. 48°, n.° 5 do C.P.M., (onde se prevê um prazo de 1 a 5 anos de suspensão da execução da pena), nenhum motivo existe para se censurar a decisão recorrida.

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Uma nota final.

Somos de opinião que a “decisão de suspensão (ou não) da execução da pena” apenas deve ter como objecto a “pena única”, (em caso de concurso de crimes e cúmulo de penas), e não as penas parcelares ao arguido aplicadas.

Não sendo questão de conhecimento oficioso, e em nada prejudicando o que se consignou, impõe-se a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 249 a 253-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, alegando que o seu recurso não devia ser considerado manifestamente improcedente, (e rejeitado), insistindo também no entendimento que em sede do seu recurso tinham deixado exposto; (cfr., fls. 257 a 259).

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Sobre este expediente, assim opinou o Exmo. Representante do Ministério Público:

“O recorrente A reclama para a conferência da decisão sumária que rejeitou o seu recurso por manifesta improcedência.
Na sua reclamação vem reafirmar os argumentos que expendera na alegação de recurso, intentando persuadir que é desajustado o prazo de suspensão que foi fixado, sugerindo e pugnando pelo prazo mínimo de um ano.
Continuamos a entender que não lhe assiste razão.
O princípio da adequação, que o recorrente considera ter sido posto em xeque, não pode ser invocado em abstracto, antes devendo ser aferido em função das exigências, objectivos ou finalidades visados com a suspensão, tal como frisámos no parecer que antecedeu a decisão sumária.
O que está em causa, no instituto da suspensão da execução da pena, é a finalidade político-criminal de afastamento do delinquente da prática de novos crimes – Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 515 e seguintes. Então, sendo esta a finalidade do instituto, o período de suspensão há-de ser o limite temporal considerado adequado para concretização da socialização em liberdade, por forma a que o condenado mostre à sociedade que se encontra redimido e respeitador dos valores jurídico-criminais, e que não estava carente de uma socialização que passasse pela privação efectiva da liberdade, sendo bastante a ameaça da pena, como se ponderou no acórdão do STJ de Portugal, de 21 de Março de 2007, referido no aludido parecer.
Pois bem, como igualmente dissemos naquele parecer, não obstante a ausência de antecedentes criminais e a idade avançada do recorrente, há que evidenciar que ele sempre adoptou uma postura hostil e de desafio ao sistema legal de Macau, desde o episódio de fronteira, que motivou a acção penal, passando pela investigação e prosseguindo na audiência, como se pode ver das respectivas actas. Neste contexto, não obstante estar justificada a aposta do tribunal na socialização do recorrente em liberdade, já não se afigura que o período de provação deva ser reduzido ao mínimo legal de um ano, como ele pretende, continuando, aliás, a esgrimir elementos irrelevantes como o facto de não ser residente de Macau ou poder vir a ser interditado de entrar em Macau.
Daí que não haja reparo a dirigir à decisão sumária objecto de reclamação, cujo sentido deve ser mantido, indeferindo-se a reclamação”; (cfr., fls. 261 a 261-v).

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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 262).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da decisão sumária nos presentes autos proferida e atrás transcrita.

Porém, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.

Na verdade, e pelos motivos que na referida decisão sumária se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido na sentença do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, a sua total confirmação.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante se limita a repisar o já alegado e adequadamente apreciado da decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da apresentada reclamação.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 24 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 884/2018-I Pág. 2

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