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Processo n.º 22/2019. Habeas corpus.
Requerente: A.
Requerido: Ministério Público.
Assunto: Habeas corpus. Exequibilidade de sentença condenatória. Recurso. Trânsito em julgado. Prisão preventiva.
Data do Acórdão: 21 de Fevereiro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
Tendo sido deduzido habeas corpus com fundamento em inexequibilidade de sentença condenatória em pena de prisão por esta não ter transitado em julgado, por força de recurso ordinário interposto, a decretação posterior de medida de coacção de prisão preventiva conduz à negação da providência.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

   I – Relatório
A requereu a providência de habeas corpus, pedindo a sua imediata libertação, alegando o seguinte:
O ora Requerente encontra-se actualmente a cumprir ilegalmente a pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva resultante do cúmulo jurídico dos procs. CR5-18-0006-PCC e CR4-10-0215-PCC.
E ilegalmente porque a decisão condenatória proferida no processo CR5-18-0006-PCC à ordem do qual o ora Requerente se encontra a cumprir pena, não chegou a transitar em julgado.
Isto, porque as decisões condenatórias em pena de prisão efectiva, nos termos do artigo 449.°, n.º 1 do CPP, são exequíveis mesmo antes do seu trânsito em julgado, desde que não seja interposto recurso por arguido ou não haja arguição de nulidade de sentença no caso de ser inadmissível recurso ordinário.
Sucede que no caso ora em apreço, o Arguido interpôs, em 19/12/2018, um recurso ordinário para o TSI da sentença proferida pelo Tribunal do CR5-18-0006-PCC.
Afigura-se, pois, evidente que a pena de prisão efectiva do CR5-18-0006-PCC, que foi cumulada com a pena do CR4-10-0215-PCC é inexequível.
A Ex.ma Juíza do 5.º Juízo Criminal, à ordem do qual o requerente está preso, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 207.º do Código de Processo Penal, manteve a prisão, dizendo o seguinte, em 20 de Fevereiro de 2019:
“O Requerente, A, sendo condenado no processo n.º CR5-18-0006-PCC, veio, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 206º do Código de Processo Penal, pedir a concessão de habeas corpus, com fundamento em que a decisão condenatória proferida no aludido processo ainda não transitou em julgado, impossibilitando, portanto, a execução da prisão efectiva aplicada na decisão.
Conforme as informações constantes do processo em causa:
1) Em 14 de Maio de 2017, o Requerente foi detido em consequência de outro processo e, no dia seguinte, foi encaminhado para o Estabelecimento Prisional de Coloane.
2) Em 15 de Maio de 2017, no âmbito do Processo n.º CR5-18-0006-PCC, o requerente assinou, na qualidade de arguido, uma declaração de consentimento do julgamento à revelia, indicando que por residir fora da RAEM, não podia ser notificado para comparecer à audiência na data designada, e consentiu que o julgamento tivesse lugar na sua ausência (fls. 44 dos autos).
3) No âmbito do Processo n.º CR4-10-0215-PCC, o TJB condenou o requerente pela prática de 1 “crime de falsificação de documento de especial valor”, p. p. pelo art.º 245.º, conjugado com o art.º 244.º, n.º 1, al. b) do CPM, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão efectiva, e no pagamento de MOP$21.624,20 ao ofendido a título de indemnização. Inconformado com a decisão, o requerente recorreu para o TSI que, por sua vez, rejeitou o recurso em 31 de Julho de 2017. A respectiva decisão foi transitada em julgado no dia 15 de Agosto de 2017. A pena de prisão aplicada no Processo n.º CR4-10-0215-PCC extinguiu-se em 14 de Fevereiro de 2019 (fls. 85 a 100 dos autos).
4) Em 25 de Outubro de 2017, o MP deduziu contra o requerente a acusação constante do processo n.º CR5-18-0006-PCC (fls. 58 a 59 dos autos).
5) Este Tribunal comunicou por correio ao requerente os procedimentos da audiência de julgamento do processo n.º CR5-18-0006-PCC, mas a respectiva carta foi restituída (fls. 66 e 70 dos autos).
6) Em 18 de Setembro de 2018, a audiência de julgamento do processo n.º CR5-18-0006-PCC teve lugar na ausência do requerente (fls. 105 a 106 dos autos).
7) Em 11 de Outubro de 2018, efectuou-se a leitura do acórdão proferido no mesmo processo. Na altura esteve presente o defensor do requerente, mas não foi interposto recurso (fls. 112 dos autos).
8) Segundo a sentença condenatória nos autos n.º CR5-18-0006-PCC, o requerente foi condenado à pena de prisão efectiva de 2 anos e 6 meses, por ter cometido, em autoria material e de forma consumada, 1 "crime de falsificação de documento", p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004. Em cúmulo jurídico da pena com a pena condenada nos autos n.º CR4-10-0215-PCC, o requerente foi condenado totalmente a 3 anos e 6 meses de pena única de prisão efectiva (vd. a fls. 107 a 111 dos autos).
9) Aos 15 de Novembro de 2018, depois de os autos n.º CR4-10-0215-PCC terem sido notificados, já foi emitido aos autos n.º CR5-18-0006-PCC o mandado da transferência para a detenção em outros autos, e o requerente foi transferido aos autos posteriores para cumprir a pena (vd. a fls. 122 a 125 dos autos).
10) Aos 19 de Dezembro de 2018, o requerente interpôs recurso ordinário (vd. a fls. 152 a 168 dos autos).
11) Entendeu o tribunal que o recurso ordinário tinha sido interposto extemporaneamente e, por isso, rejeitou o recurso interposto pelo requerente (fls. 170 dos autos).
12) Em 2019.2.19, o Presidente do Tribunal de Segunda Instância proferiu a decisão de não confirmar o despacho, o qual não tinha aceitado o recurso (fls. 216 a 219 dos autos).
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  Entende o requerente que ainda não é transitado em julgada a decisão condenatória do processo n.º CR5-18-0006-PCC, da qual ele interpôs recurso e impugnou a nulidade da notificação da audiência de julgamento (antes da realização da audiência de julgamento do processo n.º CR5-18-0006-PCC, o requerente já começou a cumprir a pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Coloane por causa do processo n.º CR4-10-0215-PCC, mas o tribunal não notificou, por meio do Estabelecimento Prisional de Coloane, o requerente da audiência de julgamento). O recurso ordinário não foi aceite pelo tribunal. Por isso, o requerente impugnou junto do Tribunal de Segunda Instância. O Presidente do Tribunal de Segunda Instância proferiu a decisão de não confirmar o despacho, o qual não tinha aceitado o recurso. Entende o requerente que não é transitada em julgada a decisão do processo n.º CR5-18-0006-PCC e que ele vai concluir em 2019.2.14 a pena de prisão no processo n.º CR4-10-0125-PCC. Por isso, entende que a situação dele corresponde ao art.º 206.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
  Todavia, salvo o devido respeito, o Tribunal não concorda com o entendimento, porque o requerente já assinou no período de inquérito (15 de Maio de 2017) a declaração de consentimento de ausência, nos termos do art.º 315.º n.º 3 do Código de Processo Penal, no caso previsto no art.º 315.º n.º 2 (o arguido consente que a audiência tenha lugar na sua ausência), o arguido é representado para todos os efeitos possíveis pelo defensor, os quais incluem o efeito para recurso. Sendo diferente da ausência geral do arguido à audiência, sempre que o arguido expresse o consentimento, a audiência tem lugar normalmente, o arguido é representado pelo defensor para todos os efeitos. Desde que, após a leitura do acórdão, ninguém recorreu dentro do prazo legal, a sentença condenatória transitou em julgado em 31 de Outubro de 2018. Com base nisso, já são produzidos os devidos efeitos do acórdão.
  Assim, entendo que a continuação da execução da decisão proferida no processo n.º CR5-18-0006-PCC – ou seja, o requerente tem de cumprir a pena de prisão ainda não cumprida no Estabelecimento Prisional de Coloane - não viola a lei.
  Pelo exposto, entendo que se deve manter a prisão do A, requerente do pedido de habeas corpus”.
Em 21 de Fevereiro de 2019, a Ex.ma Juíza do 5.º Juízo Criminal, decretou a prisão preventiva do requerente.
Procedeu-se a audiência pública, nos termos do n.º 3 do artigo 207.º do Código de Processo Penal.


II – Factos apurados
Resulta dos autos que:
a) No âmbito do Processo n.º CR4-10-0215-PCC, o TJB condenou o ora requerente pela prática de 1 “crime de falsificação de documento de especial valor”, p. p. pelo art.º 245.º, conjugado com o art.º 244.º, n.º 1, al. b) do CPM, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão efectiva;
b) Esta decisão transitou em julgado no dia 15 de Agosto de 2017;
c) O arguido terminaria o cumprimento desta pena em 14 de Fevereiro de 2019;
d) Em 11 de Outubro de 2018 o ora requerente foi condenado nos autos n.º CR5-18-0006-PCC, à pena de prisão efectiva de 2 anos e 6 meses, por ter cometido, em autoria material e de forma consumada, 1 "crime de falsificação de documento", p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004. Em cúmulo jurídico da pena com a pena dos autos n.º CR4-10-0215-PCC, o requerente foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses;
e) A 19 de Dezembro de 2018 o requerente interpôs recurso ordinário da decisão mencionada na alínea d);
f) A Ex.ma Juíza não admitiu o recurso com fundamento em extemporaneidade;
g) O ora requerente reclamou da não admissão do recurso, tendo o Ex.mo Presidente do Tribunal de Segunda Instância mandado admitir o recurso, por decisão de 19 de Fevereiro de 2019;
h) O arguido esteve em cumprimento da pena do cúmulo jurídico referido na alínea d) até 21 de Fevereiro de 2019, data em que a Ex.ma Juíza do 5.º Juízo Criminal, decretou a prisão preventiva do requerente.

III – O Direito
Após ter sido deduzida a providência de habeas corpus, foi decretada a prisão preventiva do requerente, o que constitui um facto novo que altera o condicionalismo que esteve na base do pedido dos autos, que foi a inexequilidade de sentença condenatória, não transitada em julgado por dela ter sido interposto recurso ordinário.
A decisão que decreta prisão preventiva é impugnável por meio de recurso.
Ora, a providência de habeas corpus é subsidiária relativamente aos restantes meios processuais: destina-se a proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima da liberdade (acórdão do Tribunal de Última Instância, de 20 de Julho de 2005, no Processo n.º 19/2005).
Face à decisão que decretou a prisão preventiva do requerente impõe-se julgar improcedente a providência.

IV - Decisão
Face ao expendido, negam a providência de habeas corpus.
Sem custas, face ao facto novo, não imputável ao requerente.
Macau, 21 de Fevereiro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai





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