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Processo nº 490/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Março de 2019

ASSUNTO:
- O chamamento da RAEM
- Resolução do contrato

SUMÁRIO:
- Se o Autor pediu simplesmente a resolução do contrato-promessa de compra e venda com fundamento na alteração anormal das circunstâncias, e a consequente restituição do sinal em singelo, nada se justifica a intervenção acessória da RAEM, por inexistir o alegado direito de regresso da Ré contra a RAEM.
- Face ao trânsito em julgado do acórdão do TUI de 23/05/2018, proferido no Proc. 7/2018, pelo qual se confirmou o acto da declaração da caducidade da concessão do terreno praticado pelo Exmº. Senhor Chefe do Executivo, a Ré jamais pode concretizar o seu plano de construção, ou seja, o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre ela e o Autor nunca mais pode ser cumprido, o que confere sempre o direito à resolução do contrato.
O Relator,

Ho Wai Neng
Processo nº 490/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Março de 2019
Recorrente: Sociedade de Importação e Exportação Polytex Limitada (Ré)
Recorrido: A (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 22/05/2017, que foi indeferido o chamamento da RAEM para intervir no processo.
Dessa decisão vem recorrer a Ré Sociedade de Importação e Exportação Polytex Limitada, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O objecto do presente Recurso consiste na douta decisão proferida a fls. 341 e seguintes, a qual indeferiu o pedido incidental de chamamento da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) para vir intervir nos presentes autos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 272º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC) - Intervenção acessória e Provocada.
2. Em caso idêntico ao dos presentes autos, esse Venerando TSI já se pronunciou sobre esta questão e referiu: "O direito de regresso não só existe no âmbito das obrigações solidárias, também existe noutras situações, por exemplo o direito de regresso do comitente contra o comissário (art. 493° do CC), o direito de regresso da Seguradora previsto no art. 16° do DL n° 57/94/M, etc. - Se face às razões invocadas no requerimento da intervenção acessória provocada, o direito de regresso formalmente existir, é de deferir o chamamento" - Acórdão de 22/06/2017, Proc. n.° 346/2017 (Autos de Recurso Civil e Laboral).
3. Tem sido essa também a orientação em vários casos pendentes no TJB, idênticos ao caso vertente, nomeadamente, nos procs. nºs CV3-16-0064-CAO, CV3-16-0054-CAO, CV3-16-0076-CAO, CV2-16-0060-CAO, CV2-0016-0061-CAO, CV2-16-0063-CAO e CV2-16-0076-CAO.
4. De qualquer modo, independentemente das decisões supra referidas, a verdade é que no caso vertente se encontram reunidos todos os requisitos necessários ao deferimento do pedido de intervenção acessória provocada formulado pela Recorrente na sua contestação.
5. O mecanismo previsto nos artigos 272.° e seguintes do CPC, destina-se a permitir a participação num processo de um terceiro que é responsável pelos danos produzidos ao réu demandado pela procedência da acção, isto é, de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso ou indemnização.
6. Neste quadro, o campo de aplicação da intervenção acessória provocada é delimitado através de um conjunto de requisitos positivos e negativos: ela pressupõe (i) a configuração de um direito de regresso do réu perante um terceiro, (ii) que emerja de uma relação conexa com a relação jurídica controvertida que é objecto da causa principal, e desde que (iii) não seja possível a intervenção desse terceiro como parte principal (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lisboa, 1997, p. 179).
7. Doutrina e jurisprudência são pacíficas no entendimento de que a acção de regresso a que se refere o artigo 272.°, n.º 1 do CPC envolve o direito de restituição ou de indemnização do réu contra terceiro chamado a intervir pelo montante que venha a ser condenado na hipótese de procedência da acção principal.
8. Quanto ao segundo requisito, a exigida conexão estará assegurada "sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso" (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil cit., p. 178).
9. Por fim, a intervenção acessória provocada não é admissível quando o réu possa fazer intervir o terceiro como parte principal (cfr. artigo 272. °, n.º 1, in fine, do CPC).
10. Com efeito, se o réu tem a possibilidade de chamar o obrigado ao processo como parte principal, e, portanto, de constituir com ele um litisconsórcio sucessivo, deve escolher o mecanismo da intervenção principal provocada (cfr. artigo 267º, n° 1 do CPC).
11. Assim, "suponha-se, por exemplo, que existem vários devedores solidários e que só um deles é demandando, o que é admissível porque o litisconsórcio entre eles é voluntário; o devedor demandado pode provocar a intervenção principal dos outros devedores nos termos do artigo 325.º, n.º 1 do CPC [correspondente ao artigo 267.°, n.º 1 do CPC de Macau] pelo que não pode chamá-los a intervir como partes acessórias" (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil cit., p. 179).
12. O douto despacho recorrido, porém, indeferiu o incidente deduzido pela Recorrente por considerar que não existe qualquer factualidade ou norma que permita concluir pela existência de uma relação de condevedores, de solidariedade, entre a Ré e a RAEM.
13. Deste modo, salvo o devido respeito, que é muito, pelo douto tribunal a quo, afigura-se, porém, que a fundamentação da douta decisão recorrida se adequa antes ao incidente de intervenção principal provocada previsto no artigo 267º do CPC e não ao incidente deduzido pela ora Recorrente, o qual tem por referência o artigo 272º e ss. do CPC, destinado aos casos de intervenção acessória provocada.
14. No caso em apreço, estão preenchidos todos os pressupostos que permitem à Ré recorrer ao instituto da intervenção acessória provocada para solicitar a participação neste processo da RAEM.
15. Em primeiro lugar, à luz da posição jurídica configurada pela Ré na sua contestação - com base na qual o Tribunal dever apreciar se estão ou não verificados os pressupostos da intervenção de terceiro - existe um direito de indemnização perante a RAEM em caso de procedência da presente acção.
16. Em segundo lugar, a posição invocada pela Ré é a de que foi a RAEM que deu causa à alteração de circunstâncias que é invocada pela Autora como causa de pedir da presente acção , pelo que na hipótese, que aqui se admite por mera cautela da patrocínio, de esta acção proceder, a RAEM nunca poderá alegar ser totalmente alheia ao prejuízo que vier a ser assumido pela Ré.
17. Assim, a relação que se estabelece entre a RAEM e a Ré, no que respeita à execução do contrato de concessão por arrendamento do Lote "P", é inegavelmente uma relação jurídica conexa quanto à relação que se estabelece entre a Ré e a Autora, no que respeita à execução do contrato-promessa de compra e venda de uma fracção a construir, pela primeira, naquele Lote.
18. Por fim, verifica-se também o requisito negativo que delimita o campo de aplicação da intervenção acessória provocada: o terceiro cuja interposição é requerida não pode intervir como parte principal no processo (cfr. artigo 272.°, n.º 1, in fine, do CPC de Macau).
19. Com efeito, como bem o refere a douta decisão recorrida, a RAEM não é parte no contrato-promessa em discussão nos presentes autos.
20. Deste modo, a RAEM não é, pois, sujeita passiva da relação controvertida objecto da acção, mas sim sujeita passiva de uma relação conexa com ela, justificando-se, portanto, a sua intervenção como parte acessória.
21. Finalmente, só a decisão do chamamento da RAEM à presente acção assegura a ratio legis e o escopo do artigo 272° do CPC, no sentido de possibilitar à R. provar que empregou todos os esforços para evitar a condenação.
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Por sentença de 23/01/2018, julgou-se a acção procedente e em consequência declarou-se resolvido o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o Autor A e a Ré em 27/11/2012 relativamente à compra de uma fracção sita em Macau, na Areia Preta s/n, “LOTE P”, registado na CRP de Macau nº 22380, lote em desenvolvimento da construção Pearl Horizon, Torre 13ª, ...º andar “...”, condenando-se a Ré a restituir ao Autor a quantia que recebeu de MOP2,025,804.00 acrescido dos juros à taxa legal com a sobretaxa de 2% a contar da data de citação da Ré em 05/12/2016 até efectivo e integral pagamento.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Salvo melhor e mais douta opinião, os Autos de Recurso Jurisdicional pendente no Venerando Tribunal de Última Instância sob o n° 7/2018 constitui causa prejudicial em relação à presente instância (recursiva) impondo a sua suspensão ao abrigo do nº 1 do artigo 223° do CPC até decisão transitada em julgado daquele Recurso.
2. Se assim não se entender, o presente Recurso configura um caso clássico de suspensão da instância por motivo justificado, uma vez que está a correr termos nesse Venerando TSI um Recurso interlocutório com o nº 1080/2017, (Autos de Recurso Civil e Laboral, emergentes do Proc. nº CVl-16-0101-CAO/A), cuja procedência implica a anulação de todo o processado até à ali decisão recorrida, deixando o presente Recurso sem objecto.
3. Deste modo, salvo melhor opinião, por ser útil e conveniente do ponto de vista processual, deve a presente instância (recursiva) ser suspensa nos termos e ao abrigo do nº 1 do art. 223°, in fine, do CPC, até decisão transitada em julgado do mencionado Recurso interlocutório.
4. Nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 619° do CPC, compete ao Meritíssimo Juiz-Relator do presente Recurso o decretamento da suspensão.
5. O Recorrido elege por causa de pedir o instituto da "Alteração das circunstâncias", previsto no artigo 431° do Código Civil (CC) e um dos requisitos essenciais para a sua aplicação é o da existência de uma lesão.
6. Não resulta nem da alegação, nem da instrução da causa, nem provado, qualquer facto que seja susceptível de fundamentar a existência de uma lesão para o Recorrido.
7. Por conseguinte, o Tribunal não poderia ter concluído que a suposta alteração é «limitativa para o promitente-comprador, lesando os seus interesses, na medida em que não havendo certeza alguma quanto à realização do negócio o impede de concretizar outros que tivesse por certos e que correspondam ao seu interesse de adquirir uma fracção autónoma» (cfr. fl. 573 da Sentença).
8. Assim, ressalvada diversa opinião, o Distinto Tribunal a quo violou o princípio do dispositivo previsto no artigo 5° do CPC, na vertente da violação da norma disciplinadora da relação entre a actividade das partes e a do juiz prevista no artigo 567° do mesmo Código.
9. De acordo com o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância de 31/03/2011, proferido no âmbito dos autos de recurso civil e laboral n° 595/2006, tal violação implica a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos da parte final da al. d) do nº 1 do artigo 571° do CPC,
10. Tal nulidade traduz-se na falta do preenchimento de um requisito essencial à procedência da acção que foi estabelecido na douta sentença recorrida quando tal lhe estava vedado.
11. Consequentemente, a correcção da douta sentença recorrida por esse Venerando Tribunal ad quem tem por consequência a absolvição da Recorrente do pedido, tal como aliás também foi assim decidido no douto Acórdão supra citado.
12. Se por hipótese se entender estarmos aqui em presença de um erro de julgamento e não de uma nulidade, então, ainda assim, a correcção da douta sentença recorrida implica a absolvição da Recorrente do pedido, a ser determinada por esse Venerando TSI.
13. Ressalvada diversa opinião, todo o expendido supra e respectiva cominação é igualmente aplicável à resposta dada pelo Distinto Colectivo a quo ao quesito 5° da douta Base instrutória.
14. Com efeito, comparando-se o teor deste quesito com a respectiva resposta, constata-se que esta estabelece um facto novo essencial, não alegado pelas partes.
15. Trata-se de um facto essencial porquanto foi com base nele que o tribunal concluiu pelo preenchimento de outro dos requisitos exigidos por lei para que opere o instituto da alteração das circunstâncias previsto no artigo 431° do CC, nomeadamente o de que a circunstância alterada não caiba no âmbito dos riscos próprios do contrato.
16. A douta sentença incorre em vários erros de julgamento no que concerne à matéria factual (error factis) e respectiva apreciação crítica, violando o nº 3 do artigo 562° do CPC.
17. Ressalvada diversa opinião, de acordo com a prova gravada e transcrita nas presentes alegações, a resposta ao quesito 2° da Base Instrutória deveria ser a seguinte: "Provado que o A. perguntou por telefone quando é que iam começar as obras e quando é que seria a entrega da fracção autónoma e que a R. o informou, por telefone, mensagens, reuniões e anúncios de página inteira em jornais, de que as obras começavam com a emissão da licença de construção e que a fracção seria dentro do prazo contratado."
18. No que diz respeito ao quesito 3°, resulta igualmente da prova gravada e transcrita que, de acordo com as declarações prestadas pela testemunha à qual o tribunal deu plena credibilidade em exclusivo, a conclusão da obra demoraria 3 anos e poderia recomeçar logo que a Recorrente fosse autorizada a tal.
19. Deste modo, afigura-se que a resposta ao quesito 3° deveria ser: "Provado que em caso de decisão favorável no Recurso Administrativo, a R. consegue concluír a construção do empreendimento "Pearl Horizon" em três anos".
20. Quanto à primeira parte do quesito 4°, de acordo com aquela que se afigura ser a correcta valoração dos depoimentos prestados, gravados e transcritos nas presentes Alegações (aqui se dando por integralmente reproduzidos), a resposta deveria ser a seguinte: "Provado que a R. prevê/estima que o Recurso administrativo será decidido mais ou menos em meio ano".
21. A 3ª parte do quesito 4° é totalmente irrelevante para se apurar da operatividade do instituto da alteração de circunstâncias pelo que a resposta dada a esta parte do quesito considerando-a "provada" deve ser dada por não escrita.
22. Relativamente à resposta dada ao quesito 5°, os depoimentos das testemunhas transcritos nas presentes alegações, declararam que o alegado atraso na entrega da fracção era um risco típico do contrato-promessa em causa.
23. De todo o modo, nenhuma das testemunhas convocadas a responder a este quesito disse que o risco assumido pelas partes desse contrato se limitava a uns meses pelo que a resposta a este quesito deveria ser a de "Não provado".
24. Ainda quanto à resposta dada a este quesito, afigura-se que estabelece não um facto mas antes um mero juízo de valor, pelo que, subis diariamente, deve ser dada por não escrita.
25. Acresce que, como supra alegado e concluído, a resposta dada a este quesito extravasa da matéria alegada pelas partes, violando, por isso, os artigos 5º e 567º do CPC impondo-se a sua nulidade por excesso de pronúncia ou, se se entender tratar-se de um erro de julgamento, a sua eliminação, em ambos os casos com a consequente absolvição da Recorrente do pedido.
26. Salvo o devido respeito, que é muito, pelo Distinto Tribunal a quo, afigura-se que, in casu, contrariamente ao decidido, não se verificam os requisitos legais para que opere o instituto da alteração das circunstâncias previsto no artigo 431º do CC, pelo que, ao decidir em contrário, incorre a douta sentença recorrida em erro de julgamento em matéria de direito.
27. As circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar são as que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-la-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. E têm que dizer respeito a ambas as partes, caso contrário não opera (Inocêncio GaIvão Telles, in Manual dos contratos em Geral, pág. 344).
28. In casu as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, são as seguintes: contrato-promessa com expectativa de celebração, em prazo não determinado, de um contrato de compra e venda de uma fracção autónoma para habitação a construir, em prazo não determinado, em terreno concessionado para arrendamento (provisório) à Recorrente pelo Governo da RAEM, pelo prazo de 25 (vinte e cinco) anos, com um prazo de aproveitamento que terminaria a 28.02.2014, e que só seria prorrogado mediante autorização da RAEM.
29. Assim, a circunstância da "incerteza" quanto ao momento da celebração do contrato definitivo e à entrega da fracção prometida vender já existia quando celebrado o contrato-promessa, pelo que, quanto a esse aspecto, nada se alterou.
30. Se o prazo para celebração do contrato definitivo não ficou estipulado, e o prazo para entrega da fração era indeterminado, não pode sustentar-se que o «prazo» constituía um elemento de uma base negocial inarredável.
31. Ex abundante, está igualmente provado que as partes, na parte final da cláusula 10 do contrato-promessa, acordaram que, em caso de mora por parte da Recorrente quanto ao cumprimento da obrigação de entrega da fracção autónoma, aquela deverá indemnizar o Recorrido com juros calculados em função da taxa praticada para os depósitos bancários, com base na importância do preço por ele pago.
32. Ao preverem este mecanismo, ambas as partes estão a demonstrar não pretender que alguma vez o contrato-promessa pudesse ser resolvido em caso de atraso por parte da Recorrente na entrega da fracção.
33. O Recorrido também não alegou qualquer facto do qual decorra que não pudesse antecipar a possibilidade de a concessão não ser prorrogada.
34. Mais, tendo presentes os deveres de diligência exigíveis aos promitentes compradores, que prometeram comprar um bem futuro, competiria ao Recorrido, no mínimo, proceder à consulta do contrato de concessão vigente (publicado em Boletim Oficial) antes de outorgar o contrato-promessa. Dessa consulta teria resultado claro, desde logo, que o prazo de aproveitamento se encontrava fixado até 28.02.2014.
35. Resulta, assim, claro que o promitente-comprador aceitou ou tinha condições de antecipar estas condições, não tendo procurado, de nenhum modo, acautelar-se.
36. Em suma, não pode dizer-se que o elemento "prazo" para a celebração do contrato-prometido, ainda que fizesse parte da base do negócio - no que não se concede - se alterou de forma anómala, imprevista ou imprevisível.
37. Pelo que, face ao exposto e salvo melhor opinião, não resulta preenchido o primeiro requisito de aplicabilidade do artigo 431º do nosso CC, incorrendo a douta sentença recorrida em erro de julgamento na aplicação do direito ao decidir o oposto.
38. Ainda que assim se não entendesse, sucede que o Recorrido não invocou ter sofrido qualquer lesão, leve ou grave, ou sequer que a manutenção do contrato lhe irá provocar o mínimo dano.
39. Não sabemos que interesses concretos do Recorrido foram lesados porque nenhuns foram alegados nem provados.
40. Os factos que preenchem este requisito assumem a natureza de facto essencial, incidindo, portanto, sobre o Autor o ónus da sua alegação.
41. Pelo que, em conclusão, não resulta preenchido este requisito (a lesão), havendo a douta decisão recorrida incorrido em novo erro de julgamento ao considerá-lo verificado.
42. Se não existem factos susceptíveis de integrar o requisito de existência de uma lesão, impossível é que existam factos susceptíveis de preencher o requisito de que exista uma lesão muito grave, tão forte que afecte gravemente os princípios da boa fé em caso de manutenção do contrato tal como está.
43. Ainda que assim se não entenda, no caso subjudice não ocorre uma modificação danosa profunda e tão grave que torne inviável qualquer colaboração intersubjectiva entre as partes.
44. A verdade é que na actual conjuntura fortemente inflacionária do mercado imobiliário em Macau, a manutenção do contrato traz, objectivamente, apreciáveis benefícios financeiros ao Recorrido.
45. Pelo contrário, considerando que a Recorrente celebrou cerca de 3020 contratos-promessa idênticos ao que está ora em discussão, a resolução do contrato em causa traria consequências ruinosas para a Recorrente caso os demais promitentes-compradores também instaurem idênticas acções em tribunal, o que é previsível face a um primeiro sucesso.
46. E, COMO DIZ VAZ SERRA: «há que atender, quando se alteram as circunstâncias em que o negócio é feito e um dos contraentes vê afectado o seu interesse, não só ao interesse desse contraente, mas também ao do outro, interessado na manutenção do contrato, e ao interesse geral na estabilidade das convenções» ("Resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias", in Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1957, p. 307).
47. Em conclusão, ressalvada diversa opinião, a manutenção do contrato não afecta os princípios da boa fé e muito menos de forma grave, pelo que a douta sentença recorrida labora em adicional erro de julgamento ao ter decidido em contrário.
48. O contrato-promessa em causa tem por objecto a compra e venda de uma fracção autónoma por construir, o que comporta sempre um risco acrescido para a parte compradora, no sentido de que tal construção pode sofrer atrasos ou não vir a acontecer, com ou sem culpa do promitente-vendedor.
49. Daí que, nestes casos, como é consabido e resulta do depoimento da testemunha XXX, atrás transcrito nas alegações, o preço que o promitente-comprador tem que pagar é significativamente mais baixo.
50. Acresce que, o contrato-promessa em causa está na dependência do contrato de concessão: Desaparecendo a concessão, desaparece a possibilidade de cumprimento do contrato-promessa.
51. Trata-se de um facto notório de que o Recorrido estava forçosamente ciente quando aceitou celebrar o contrato-promessa.
52. Assim, no caso vertente, a adicionar aos riscos próprios do contrato-promessa de um bem futuro há os riscos próprios de um contrato de concessão.
53. E entre os riscos normais de um contrato de concessão encontra-se, sem sombra de dúvida, o risco de surgirem divergências entre a entidade concedente e a entidade concessionária, a dirimir pelas vias judiciais, como sucede no caso vertente.
54. Pelo que, salvo melhor opinião, também o preenchimento deste requisito de operatividade do artigo 431° do CC falha no caso subjudice, havendo a douta decisão recorrida incorrido em novo erro de julgamento ao concluir o oposto.
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O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 629 a 645 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) A Ré é uma Sociedade Limitada que explora actividades de comércio de importação e exportação; agência de comércio e de transportes; peças de vestuário; têxteis; indústria de etiquetas e de malhas; pintura de vestuários; impressão; produção de bordados; desenvolvimento imobiliário; obras de construção e manutenção de edifícios;
b) No dia 27/11/2012, relativamente à compra de uma fracção situada em Macau, na Areia Preta s/n, “LOTE P”, registado na CRP de Macau nº 22380, lote em desenvolvimento da construção Pearl Horizon, Torre 13ª, ...º andar “...”, entre o Autor e a Ré foi celebrada um contrato de promessa de compra e venda;
c) A Ré celebrou cerca de 3020 contratos na mesma situação da Autor;
d) O preço acordado no mencionado contrato foi de HKD6.556.000,00 ou seja, MOP6.752.680,00;
e) Quando celebrou o contrato de promessa supra o Autor já pagou à Ré HKD655.600,00 assim como respectivamente em 24/05/2013, 06/11/2013, 13/05/2014 e 25/11/2014 pagou mais 4 prestações. Cada prestação no montante de HKD327.800,00, ou seja o Autor pagou mais HKD1.311.200,00 à Ré;
f) Assim o Autor já pagou à Ré o preço total de HKD1.966.800,00;
g) As partes concordam que o preço remanescente da fracção é de HKD4.589.200,00, será integralmente pagou directamente pelo Autor ou por via de empréstimo de hipoteca do Banco, no prazo de 7 dias a contar da emissão da licença de habitação emitido por DSSOPT (mais conhecido (em chinês) por “入伙紙”), à Ré;
h) As partes concordam que a entrega do edifício será feita quando conclui a obra de cobertura do primeiro andar a contar 1200 dias de trabalho de bom tempo (os dias de trabalho de bom tempo não incluiu domingos, feriados e dias de chuva). Caso a Ré atrasar a entrega esta virá compensar baseando o preço recebido da fracção e assim calcular os juros de atraso ao Autor à taxa de poupança bancária;
i) No dia 30/12/2015, a Ré contra o despacho do Chefe de Executivo promulgado no dia 30/11/2015, no qual indeferiu a prorrogação do prazo de arrendamento do terreno e o prazo de aproveitamento por mais 5 anos, intentou o recurso contencioso ao TSI (processo nº 4/2016), processo este que se encontra pendente;
j) No dia 29/01/2016, no Boletim Oficial publicaram o despacho do Secretário do Gabinete para os Transportes e Obras Públicas nº 6/2016 indicou que o Despacho do Chefe Executivo do dia 26/01/2016 conforme e devido ao parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 22/01/2016 uma vez que se encontra expirado o prazo de concessão, foi declarada a caducidade da concessão do terreno denominado por “LOTE P”, no Processo nº 2/2016 da Comissão de Terras, com área de 68,0021 m2 situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta;
k) No devido despacho mencionou claramente o seguinte:
“… Em conformidade com o estipulado na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, esta foi atribuída pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura. Porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no nº 1 do artigo 4º da Lei nº 8/91/M, de 29 de Julho, a mencionada concessão passou a ser titulada pelo sobredito Despacho nº 160/SATOP/90, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação.
O referido prazo de arrendamento expirou em 25 de Dezembro de 2015 e o lote “P” não se mostrava aproveitado.
De acordo com o disposto no artigo 44º e no nº1 do artigo 47º da Lei nº 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força do preceituado no artigo 215º desta lei, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente.
As concessões provisórias não podem em causa não se tornou definitiva, é verificada a sua caducidade pelo decurso do prazo.”;
l) No dia 29/02/2016, a Ré contra o despacho que foi declarada a caducidade da concessão do terreno LOTE P do Despacho supra do Secretário para os Transportes e Obras Públicas intentou recurso contencioso ao TSI. O processo à data ainda se encontra pendente;
m) No dia 15/09/2016, o Autor emitiu à Ré uma carta de advogados insistindo o cumprimento do contrato de promessa de compra e venda ou a restituição em dobro do preço recebido;
n) No dia 17/10/2016 a Ré por via do seu Mandatário Judicial responde ao Autor que contra a ilegalidade da Administração Pública intentou o recurso contencioso e aguarda um resultado favorável;
o) No dia 12/12/2012 o Autor na compra da fracção supra pagou à DSF os selos por transmissão de propriedades no montante de MOP149.711,00;
p) Depois de ter sido declarada a caducidade da concessão do terreno o Autor por várias vezes ligou à Ré para perguntar quando é que pode executar as obras e quando é que entregariam a fracção ao Autor e nunca obteve respostas concretas;
q) Ainda que a Ré venha a obter procedência no recurso contencioso a conclusão da obra demoraria pelo menos três anos e meio a ser concluída;
r) A Ré não consegue prever quando é que o recurso administrativo virá a ter uma decisão transitada em julgado e consequentemente não consegue prever quando a obra pode recomeçar, pelo que, o Autor já não tem o intuito de esperar por um prazo indeterminado, não sabendo qual o ano, mês e dia que a Ré virá celebrar o contrato com o Autor;
s) Num contrato de promessa de compra e venda como o dos autos há um risco assumido pelas partes de atrasos de alguns meses na entrega da fracção autónoma.
Ao abrigo do disposto do artº 434º do CPCM, é acrescentada a seguinte factualidade:
t) Por acórdão do TUI de 23/05/2018, proferido no Proc. 7/2018, pelo qual se confirmou o acto da declaração da caducidade da concessão do terreno praticado pelo Exmº. Senhor Chefe do Executivo (facto notório por ter vulgarmente noticiado pelos meios sociais, bem como conhecido no exercício de funções).
u) O referido acórdão já transitou em julgado.
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III – Fundamentação
1. Da suspensão da instância:
A Ré requereu a suspensão da instância para aguardar o trânsito em julgado das decisões nos seguintes processos:
a) Proc. nº 7/2018 do TUI, respeitante à eventual ilegalidade do acto que declarou a caducidade da concessão do terreno em que a Ré era concessionária;
b) Proc. nº 1080/2017 do TSI, que diz respeito ao recurso jurisdicional do despacho que indeferiu a intervenção acessória provocada da RAEM por si requerida.
Na óptica da Ré, o provimento de qualquer um dos recursos acima referidos determina inevitavelmente a revogação da sentença final ora recorrida, pelo que a instância do presente recurso jurisdicional deveria ser suspensa nos termos requeridos.
Cumpre agora decidir.
Ora, com o decurso do tempo, o Proc. nº 7/2018 do TUI já tem decisão final transitada em julgado, pela qual se confirmou o acto da declaração da caducidade do Sr. Chefe do Executivo.
Em relação ao segundo fundamento do pedido da suspensão, salientamos que com a apensação do Proc. nº 1080/2017 aos presentes autos, a suscitada questão da intervenção provocada passa a ser apreciada nesta sede, pelo que deixa de ter razão para suspender a instância.
Face ao exposto, indefere-se o pedido da suspensão da instância.
2. Da intervenção provocada da RAEM:
Para a Ré, a RAEM apesar não ser parte da relação controvertida invocada pelo Autor que constitui objecto da causa, é parte passiva de uma relação conexa com ela, pois, sendo entidade concedente do Lote P, nunca é alheia à relação que se estabelece entre a Ré e o Autor, no que respeita a execução do contrato-promessa de compra e venda de uma fracção a construir naquele Lote.
No entendimento da Ré, a impossibilidade do cumprimento do contrato-promessa celebrado entre ela e o Autor deu-se por causa da actuação culposa da RAEM.
Nesta conformidade, justifica-se a intervenção da RAEM como parte acessória.
Quid júris?
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão à Ré no caso em apreço.
Não ignoramos que este TSI tem decidido no sentido de admitir a intervenção acessória da RAEM em certos litígios surgidos entre a Ré e outros promitentes compradores relativos à execução de contratos-promessa de compra e venda de fracções a construir no mesmo Lote.
Contudo, julgamos que o presente caso difere de outros, visto que o Autor, no caso sub justice, pediu simplesmente a resolução do contrato-promessa de compra e venda com fundamento na alteração anormal das circunstâncias, e a consequente restituição do sinal em singelo.
Como se vê, não está em causa qualquer pedido de restituição do sinal pago em dobro e/ou de indemnização de prejuízos sofridos com fundamento no incumprimento do contrato-promessa por culpa da Ré.
Ou seja, não se discute nos presentes autos qualquer obrigação de indemnização por parte da Ré, mas sim a simples resolução do contrato-promessa com fundamento na alteração anormal das circunstâncias.
Ora, não estando em causa qualquer obrigação de indemnização, nada se justifica a existência do alegado direito de regresso da Ré contra a RAEM.
Face ao exposto e sem necessidade de demais delongas, é de negar o recurso interlocutório apensado, confirmando a decisão recorrida que não admitiu a intervenção acessória da RAEM.
3. Do recurso da sentença final:
Entende a Ré que a sentença recorrida é nula por excesso da pronúncia, uma vez que o Autor não alegou muito menos provou os factos constitutivos da existência lesão para efeitos da resolução do contrato-promessa de compra e venda.
Além disso, vem impugnar a decisão da matéria de facto relativa aos quesitos 2º a 5º da Base Instrutória, a saber:
Quesito 2º
“O A. por várias vezes ligou à R. para perguntar quando é que pode executar as obras? Quando é que pode entregar a fracção ao A.? Só que nunca conseguiu obter respostas concretas? ”
Reposta:
“Provada que depois de ter sido declarada a caducidade da concessão do terreno o A. por várias vezes ligou à R. para perguntar quando é que pode executar as obras e quando é que pode entregar a fracção ao A. e nunca obteve respostas concretas.”
Quesito 3º
“Mesmo que a R. obtivesse no fim procedência no recurso contencioso, só que inevitavelmente leva à suspensões de obra por um certo período sendo possível variar 3, 5 ou ultrapassar 10 anos?”
Reposta:
“Provado que ainda que a R. venha a obter procedência no recurso contencioso a conclusão da obra demoraria pelo menos três anos e meio a ser concluída.”
Quesito 4º
“A R. não consegue prever quando é que o recurso administrativo virá concluir? Quando a obra pode recomeçar? Pelo que o A. já não tem o intuito de esperar por um prazo indeterminado, não sabendo qual o ano, mês e dia que a R. virá celebrar o contrato com o A. ”
Reposta:
“Provado que a R. não consegue prever quando é que o recurso administrativo virá a ter uma decisão transitada em julgado e consequentemente não consegue prever quando a obra pode recomeçar, pelo que, o A. já não tem o intuito de esperar por um prazo indeterminado, não sabendo qual o ano, mês e dia que a R. virá celebrar o contrato com o A. ”
Quesito 5º
“O alegado atraso na entrega da fracção autónoma referida no quesito 2º constituiu um risco assumido pelas partes?”
Reposta:
“Provado que num contrato de promessa de compra e venda como o dos autos há um risco assumido pelas partes de alguns meses na entrega da fracção autónoma.”
Para a Ré, os referidos quesitos deveriam ser provados pela forma seguinte:
Quesito 2º: “Provado que o A. perguntou por telefone quando é que iam começar as obras e quando é que seria a entrega da fracção autónoma e que a R. o informou, por telefone, mensagens, reuniões e anúncios de página inteira em jornais, de que as obras começavam com a emissão da licença de construção e que a fracção seria entregue dentro do prazo constante do contrato-promessa.”
Quesito 3º: “Provado que em caso de decisão favorável no Recurso Administrativo, a R. consegue concluir a construção do empreendimento “Pearl Horizon” em três anos.”
Quesito 4º: “Provado que a R. prevê/estima que o Recurso administrativo será decidido mais ou menos em meio ano.”
Quesito 5º: “NÃO PROVADO”
Por fim, defende a Ré que não estão verificados todos os requisitos para a verificação da alteração anormal das circunstâncias, pelo que o Tribunal a quo cometeu erro no julgamento.
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   De acordo com o disposto no nº 1 do artº 431º do C.Civ. «se as circunstâncias em que que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.».
   A este respeito veja-se Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 282/283:
   «A disposição do artigo 437.º tem profundas afinidades com o preceito do n.º 2 do artigo 252.º, porque ambos gravitam em torno da base do negócio: o n.º 2 do artigo 252.º, tratando da base negocial essencialmente subjectiva; o artigo 437.º, curando por seu turno da base negocial essencialmente objectiva.
   O elo de ligação do artigo 437.º à figura da base negocial revela-se em dois aspectos fundamentais. Por um lado, não é a alteração das circunstâncias vigentes à data do contrato que serve de fundamento à resolução do contrato, mas apenas a das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. Por outro lado, a parte lesada pela evolução das circunstâncias pode, conforme mais convenha aos seus interesses, requerer a resolução do contrato ou a modificação dele, segundo critérios de equidade.
   A principal nota que caracteriza este caso singular de resolução é o facto de ela não assentar em qualquer violação dos deveres contratuais da contraparte ou em qualquer deficiência objectiva superveniente da prestação.
   A sua raiz mergulha na motivação psicológica do contrato, na deficiente previsão das partes à data da celebração do contrato. E por isso mesmo a resolução baseada na alteração das circunstâncias, sendo um caso típico de resolução quanto aos seus efeitos (embora temperada pela solução alternativa da modificação equitativa do contrato), não deixa de ser quanto à sua origem uma figura afim da anulação do contrato. E assim se explica, aliás, a flagrante semelhança dos meios por que a contraparte pode afastar a resolução do contrato, nos termos do n.º 2 do artigo 437,º, ou opor-se à anulação baseada em erro na declaração, aceitando o negócio tal como o enganado o pretendia realizar (art. 248.º).
   A especialidade da resolução fundada na alteração das circunstâncias revela-se ainda em outros dois aspectos essenciais.
   Em primeiro lugar, exactamente porque a reacção facultada ao lesado não assenta na vontade real das partes (na lex contractus), mas numa concessão da lei (contra a regra clássica segundo a qual pacta sunt servanda), a resolução é subordinada ao princípio da boa fé. Só quando a exigência das obrigações contraídas, qua tale, em face do novo condicionalismo factual que passou a envolver a relação contratual, atentar gravemente contra os princípios da boa fé, a resolução é concedida.
   Em segundo lugar, a resolução é afastada sempre que a manutenção do contrato (tal como foi concebido e firmado pelas partes), em face do novo circunstancialismo de facto, for coberta pelos riscos (álea) próprios (específicos) do contrato.»
   Menezes Cordeiro colocando a origem histórica da problemática da alteração das circunstâncias na doutrina da cláusula «“rebus sic stantibus”, segundo a qual a validade futura do acordo celebrado dependeria da manutenção do “statu quo”, isto é, da permanência do condicionalismo na base do qual contrataram», «como forma de solucionar um conflito ocorrido entre os princípios da autonomia privada» (exigindo este que os contratos sejam respeitados) «e da boa fé» (exigindo esta que ninguém aufira benefício à custa de desproporcionado sacrifico alheio por causas a que ambos são alheios), equaciona os seguintes requisitos para fazer funcionar o regime consagrado no artº 431º do C.Civ.:
   «- uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar;
   - que lese uma das partes;
   - de forma que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé;
   - sem estar coberta pelos riscos próprios do contrato.»
   No caso em apreço o que ocorreu foi que em Novembro de 2012 o Autor prometeu comprar e a Ré prometeu vender uma fracção autónoma destinada a habitação em prédio a construir a qual seria entregue 1200 dias de bom tempo após a conclusão da construção da cobertura do primeiro andar.
   Ora, seja ou não uso fixar-se o prazo de cumprimento de contratos de promessa de compra e venda de fracções a construir naqueles termos, o certo é que do prazo fixado não há “dia a quo”, isto é, não resulta ter sido fixado um dia certo a partir do qual o prazo se conta, uma vez que, o “dia em que se conclui a construção da cobertura do primeiro andar” é também ele uma data futura e incerta. Logo, relativamente ao contrato sub judice é grande a incerteza quanto ao prazo em que deve ser cumprido.
   No entanto se considerarmos a indicação feita aos 1200 dias deduzidos de domingos feriados e dias de chuva, podemos ficcionar que esta referência corresponda a cerca de 4 anos, pelo que, o momento anterior não deveria ser superior a 1 ano o que nos levaria a considerar razoável face ao texto do contrato que a entrega da fracção autónoma ocorreria num prazo de 5 anos a contar da celebração do mesmo.
   A ser assim, o prédio estaria concluído em finais de 2017.
   Porém, sem que construção alguma houvesse sido feita em Janeiro de 2016 foi declarada a caducidade da concessão do terreno.
   Como resulta da factualidade apurada e é do domínio público contra o despacho de caducidade da concessão do terreno reagiu a Ré judicialmente não tendo ainda sido proferida decisão.
   Contudo, em Novembro de 2016 quando a acção foi instaurada não havia decisão judicial com trânsito em julgado relativamente à disputa judicial que a Ré encetou relativamente à concessão do terreno, situação que ainda hoje se mantém em Janeiro de 2018, sendo certo que, quando se dá a caducidade da concessão haviam já decorrido mais de 3 anos desde a celebração do contrato de promessa de compra e venda a que se reportam os autos sem que construção alguma houvesse sido feita.
   Tal como ficou assente na melhor das hipóteses e caso venha a reverter-se a situação a favor da Ré no sentido de reaver a concessão do terreno a construção do prédio nunca se concluirá num prazo inferior a três anos e meio.
   Pretende o Autor que toda esta situação ao tornar imprevisível a conclusão da obra, seja quanto à data seja quanto ao facto, implica uma alteração das circunstâncias que justifica a resolução do contrato.
   A alteração das circunstâncias, tal como é referido pelos Autores citados necessita de ser uma alteração anormal, imprevisível, que esteja para além da representação das partes quando contrataram.
   Ora a caducidade da concessão do terreno é sem necessidade de mais considerações algo que está para além do que é normal prever-se que aconteça quando se promete comprar ou vender uma fracção autónoma em prédio a edificar. A disputa judicial que dali emerge é algo também que está para além daquilo que o comum das pessoas realiza como possível acontecer em situações idênticas. Ou seja, todo o circunstancialismo que envolveu a concessão do terreno onde haveria de ser edificado o prédio a que se reportam os autos, é subjectiva e objectivamente anormal face ao que seria comum esperar-se.
   O outro requisito exigido é de que a alteração seja lesiva dos interesses de uma das partes afectando o princípio da boa fé.
   Esta lesão não tem necessariamente que se traduzir num prejuízo quantificável, mas tem que objectivamente prejudicar os interesses de uma das partes segundo aquilo que seria expectável de um homem médio. Ora como vimos inicialmente a aquisição da fracção autónoma a que se reportam os autos pressupunha que a mesma fosse entregue num prazo de 5 anos. Tal prazo contava-se a partir do momento zero no que respeita a construção, isto é, nada havia sido feito. Passados mais do que esses 5 anos a situação de construção do prédio continua igual, isto é corresponde a zero e acrescentou-se para além da incerteza quanto ao momento a incerteza quanto à ocorrência do facto.
   Ou seja, neste momento o problema já não é só não se saber quando vai o prédio estar construído, a incerteza é antes de mais saber se o prédio vai ser construído.
   A Ré defende-se alegando que antes de estar decidida a batalha judicial que encetou para reverter a situação a seu favor, nada se deve decidir, uma vez que poderá ainda vir a poder estar em condições de cumprir o prometido.
   O cerne da questão a decidir consiste precisamente em saber se de acordo com os usos do comércio e tendo como referência o homem médio se cabe dentro dos parâmetros da boa fé, exigir do promitente comprador que decorridos 5 anos continue a aguardar pelo desfecho da situação, a qual, assinala-se que se provou que a construção nunca demorará menos de 3 anos e meio, ou seja será sempre mais tempo do que isto, sendo certo que aquando da celebração do contrato se previa muito mais do que 4 anos, agravado agora pela incerteza do evento.
   Isto é, para o promitente comprador neste momento está a querer exigir-se que espere sem sequer saber se vai acontecer e se o for não se sabe quando.
   Salvo melhor opinião a incerteza que se gerou é por si bastante para se concluir que excede o princípio da boa fé exigir-se do promitente comprador que continue vinculado a uma promessa sem a certeza de que venha a acontecer.
   Esta incerteza associada a uma obrigação em que já foi prestado o que havia a prestar e em que o sujeito tem que manter a disponibilidade de vir a cumprir o que se obrigou caso aconteça é limitativa para o promitente comprador lesando os seus interesses na medida em que não havendo certeza alguma quanto à realização deste negócio o impede de concretizar outros que tivesse por certos e que correspondam ao seu interesse de adquirir uma fracção autónoma.
   Finalmente, como resulta das regras da experiência e é evidente, toda factualidade que envolve esta alteração das circunstâncias não está de forma alguma coberta pelos riscos próprios do contrato.
   Destarte, entendemos estarem verificados os pressupostos do nº 1 do artº 431º do C.Civ. no sentido de ser admissível a resolução do contrato com base na alteração das circunstâncias.
   De acordo com o disposto no artº 427º do C.Civ. a resolução do contrato tem os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado – artº 282º do C.Civ. -.
   A resolução do contrato pode ser realizada apenas por declaração de uma das partes – cf. artº 430º do C.Civ. – pelo que, todo o tempo que decorreu desde a citação é da responsabilidade da Ré que se opôs à resolução do contrato, entendendo-se serem devidos os juros de mora pedidos a contar da data da citação da Ré.
   Juros esses que respeitando a acto de comércio por banda da Ré – artº 3º nº 1 al. b) do C.Com. e al. a) dos factos assentes – devem ser acrescido da sobretaxa de 2% prevista no nº 2 do artº 569º do C.Com.
   Termos em que, pelos fundamentos expostos, julga-se a acção procedente porque provada e em consequência declara-se resolvido o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré em 27.11.2012 relativamente à compra de uma fracção sita em Macau, na Areia Preta s/n, “LOTE P”, registado na CRP de Macau nº 22380, lote em desenvolvimento da construção Pearl Horizon, Torre 13ª, ...º andar “...”, condenando-se a Ré a restituir ao Autor a quantia que recebeu de MOP2,025,804.00 acrescido dos juros à taxa legal com a sobretaxa de 2% a contar da data de citação da Ré em 05.12.2016 até efectivo e integral pagamento.
   Custas a cargo da Ré.
   Registe e Notifique…”.
*
Trata-se de questões que já perderam a sua relevância face ao trânsito em julgado do acórdão do TUI de 23/05/2018, proferido no Proc. 7/2018, pelo qual se confirmou o acto da declaração da caducidade da concessão do terreno praticado pelo Exmº. Senhor Chefe do Executivo.
Assim, a Ré jamais pode concretizar o seu plano de construção, ou seja, o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre ela e o Autor nunca mais pode ser cumprido, o que confere sempre o direito à resolução do contrato.
Nesta conformidade, já nada justifica apreciar as questões em causa.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos, confirmando as decisões recorridas.
*
Custas dos recursos pela Ré.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 07 de Março de 2019.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong




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490/2018