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  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 18 de Março de 2015, A, B, C e D, 1.º a 4.º arguidos nos presentes autos, foram absolvidos da prática dos 2 crimes de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.º 211.º n.º 4, al a), conjugado com o art.º 196.º, al. b) do Código Penal de Macau.
No recurso interposto pelos assistentes E, F, G, H e I e por acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2015, o Tribunal de Segunda Instância julgou verificado o vício de contradição insanável da fundamentação e decidiu reenviar o processo para novo julgamento.
Realizado de novo o julgamento no Tribunal Judicial de Base, foi o arguido D absolvido, enquanto os arguidos A, B e C foram condenados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 2 crimes de burla de valor consideravelmente elevado p.p. pelo art.º 211.º n.º 4, al a), conjugado com o art.º 196.º, al. b) do Código Penal de Macau, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão por cada. Em cúmulo jurídico, foram condenados na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva.
Foram os arguidos A, B e C ainda condenados no pagamento solidário aos ofendidos das indemnizações concretamente indicadas no acórdão do TJB.
Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos A, B e C para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez decidiu julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos, mantendo o acórdão recorrido.
Notificados do acórdão do TSI, de 7 de Junho de 2018, vêm os arguidos recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas motivações do recurso as seguintes conclusões:
- Recurso do arguido A
1. O recorrente, não conformado com a decisão na parte de indemnização cível do acórdão proferido pelo Venerando TSI, interpõe para o TUI recurso ordinário da parte de indemnização cível.
2. O Tribunal recorrido entende que os actos criminosos dos arguidos provocaram aos “lesados” prejuízos patrimoniais, nos termos do art.º 477.º do CC, devem responsabilizar-se pelos danos sofridos pelos “lesados”, ou seja, os 5 assistentes, por ter feito a transacção de solo comprando “escrituras em papel de seda”.
3. No entanto, à luz do art.º 477.º, n.º 1 do CC, quanto aos danos causados por factos criminosos, só o lesado é que tem a legitimidade de ser indemnizado.
4. Segundo a doutrina do direito civil e a jurisprudência dos Tribunais de Portugal: de maneira geral, só o lesado que sofreu danos directos é que tem direito a indemnização, e só a relação jurídica directamente atingida pela lesão é que é indemnizável.
5. Pode-se ver dos factos provados n.º 22 e n.º 32 do presente processo: a adquirente dos contratos de compra e venda dos 2 solos de “escritura em papel de seda” é a [Limitada]; or outras palavras, os sujeitos de relação jurídica da “compra e venda de solo de ‘escritura em papel de seda’ ” são a [Limitada] e o arguido B.
6. Nos termos do art.º 176.º do Código Comercial, as sociedades comerciais têm personalidade jurídica independente. Portanto, a personalidade jurídica da sociedade distingue-se daquela dos seus sócios. Portanto, apesar da decisão proferida no processo, segundo a qual os sujeitos indemnizáveis são os sócios da sociedade, como a sociedade comercial, enquanto pessoa jurídica, tem personalidade jurídica independente daquela dos seus sócios, ou seja, os sócios não são sujeitos da relação jurídica da compra e venda aqui em causa.
7. Pode-se ver a partir dos factos provados n.º 22 e n.º 31: E, G, o arguido A e J, representando a [Limitada], assinaram com o arguido B 1 “acordo complementar”. Naquele acordo o arguido B afirmou já ter recebido o montante remanescente de HKD$11.500.000,00 da [Limitada]; E e I tinha conhecimento da qualidade deles enquanto sócios.
8. Portanto, embora E, H, G, F, I, K sejam todos sócios da [Limitada], e o preço da compra e venda de solo de “escritura em papel de seda” tenha sido fornecido por eles, o sujeito que entregou o preço sempre é a [Limitada].
9. Portanto, o sujeito que sofreu danos pelos actos ilegais dos arguidos foi, na realidade, a [Limitada]. Por ser persuadida pelo arguido para assinar o contrato da compra e venda de solo de “escritura em papel de seda”, a companhia perdeu directamente o preço em causa; o sujeito que perdeu o preço não foi os “lesados” segundo o entendimento do tribunal recorrido.
10. Como as sociedades têm personalidade jurídica independente, não se pode confundir a propriedade da sociedade com a propriedade dos sócios. Portanto, não se pode confundir os danos patrimoniais da sociedade com os danos patrimoniais dos sócios; senão, não faria sentido a personalidade jurídica independente da sociedade.
11. Com base na análise supra, a lesada directa que tem o direito de requer ser indemnizada foi a [Limitada]; em vez de E, H, G, F, I, K, como o tribunal recorrido entendeu, que não têm a legitimidade de serem indemnizados pelos danos.
12. Nestes termos, salvo o devido respeito, o recorrente entende que o tribunal recorrido aplicou erradamente o art.º 477.º do CC à parte de indemnização civil, e violou o art.º 74.º, n.º 1, alínea c) do CPP, o que causou o vício de erro na aplicação da lei ao acórdão recorrido.
13. Por outro lado, o tribunal recorrido entende que pelos actos acusados praticados pelos arguidos, os assistentes sofreram danos de valor consideravelmente elevado. Portanto, têm sobretudo a legitimidade de serem indemnizados.
14. O que o tribunal recorrido indicou foi: os assistentes têm a legitimidade. Todavia, no acórdão, pode-se verificar que K, que não é assistente, segundo a decisão proferida pelo tribunal da primeira instância, também será indemnizada; no entanto, o tribunal a quo não explicou detalhadamente os fundamentos jurídicos com base nos quais o tribunal recorrido decidiu que K devia ser indemnizado pelos danos.
15. Não se pode deixar de considerar que segundo o entender do tribunal a quo, só os assistentes teriam a legitimidade de serem indemnizados. Isso fez com que existisse contradição entre a parte da decisão sobre a indemnização a K e os fundamentos do tribunal.
16. Com base nisto, como o tribunal a quo não explicou os fundamentos jurídicos com base nos quais o tribunal recorrido decidiu que K devia ser indemnizado pelos danos, nos termos do art.º 571.º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável subsidiariamente segundo o art.º 4.º do CPP, tem o vício de nulidade de sentença.
17. Para além disso, nos fundamentos para a decisão de indemnização, só foi indicado que os assistentes tinham a legitimidade de serem indemnizados, sem ter indicado a legitimidade de quem não fosse assistente. Isso fez com que existisse contradição entre a parte da decisão sobre a indemnização a K e os fundamentos que tinha, enfermando o vício previsto pelo art.º 400.º., n.º 2, alínea b) do CPP.
18. Além disso, a [Limitada] assinou com o arguido B, por ocasiões diferentes, contratos de compra e venda de 2 solos de “escritura em papel de seda”.
19. Nos termos do art.º 7.º da Lei Básica e conforme a jurisprudência do TJB sobre compra e venda de solo de “escritura em papel de seda”: “o facto de uma pessoa qualquer tem uma ‘escritura em papel de seda’, não equivale a que tenha qualquer direito sobre o solo constante do contrato”; solo de “escritura em papel de seda” não pode ser objecto de compra e venda; eis porque a propriedade pertence à República Popular da China.
20. Portanto, os contratos de compra e venda dos 2 solos de “escritura em papel de seda” devem ser declarados nulos, nos termos do art.º 273.º, n.º 1 do CC, eis porque o acto de compra e venda é objecto negocial impossível. E nos termos do art.º 282.º, n.º 1 do CC, depois de os contratos serem declarados nulos, o arguido B deve restituir o preço obtido pela venda dos solos de “escritura em papel de seda” à [Limitada].
21. No entanto, sem ter perceber bem as relações jurídicas no presente processo, no acórdão recorrido, o tribunal a quo aplicou directamente o art.º 477.º do CC, em conjugação com o art.º 74.º do CPP, e decidiu oficiosamente que os 3 arguidos no processo deviam indemnizar E, H, G, F, I, K.
22. Na motivação do recurso entregue pelo recorrente ao TSI enquanto ele recorria do acórdão proferido pelo TJB no presente processo, o recorrente indicou que as relações jurídicas no caso eram bastante complicadas; no entanto, a decisão do TJB não resolveu uma vez por todas as relações jurídicas no caso; enquanto no caso do TSI, faltou o conhecimento das questões relacionadas.
23. Se no futuro, os interessados instauram um outro processo civil, pedindo ao tribunal declarar nulos os 2 contratos de compra e venda dos solos de “escritura em papel de seda”, requerente ainda que B devolvesse o preço da compra e venda. A questão de litigância de má fé à parte, tal novo processo seria um desperdício de custo processual, e violaria o princípio da economia processual.
24. Além disso, enquanto 1 dos interessados nas relações jurídicas, quanto a este processo eventual, o recorrente tem a possibilidade de demanda; e as custas processuais seriam a cargo do recorrente. Portanto, o recorrente tem o interesse de pedir ao Tribunal vasculhar as relações jurídicas no presente processo.
25. Além disso, a indemnização arbitrada pelo tribunal a quo nos termos do art.º 74.º do CPP, que devia ser paga a E, H, G, F, I, K foi precisamente o pagamento efectuado pela [Limitada], pela compra dos 2 solos de “escritura em papel de seda”. Se no futuro, na acção cível eventualmente instaurada, de declarar nulos os contratos de compra e venda dos solos, o tribunal decidir que B deve restituir o pagamento já efectuado ao sujeito [Limitada], os interessados no processo não saberão o que fazer.
26. Quanto à nulidade do acto jurídico envolvido no processo, nos termos do art.º 279.º do CC, o tribunal pode declará-lo nulo oficiosamente. Portanto, o juiz devia ter declarado os contratos nulos na parte civil do presente processo, e mandado restituir a prestação já recebida; depois disso, devia ter arbitrado oficiosamente a indemnização nos termos do art.º 74.º do CPP, a fim de vasculhar as relações jurídicas civis complicadas no caso dentro do mesmo processo, e respeitar o princípio de economia processual, visando ao máximo rendimento com o mínimo custo. No entanto, o tribunal a quo omitiu de conhecer a questão relacionada.
27. Além disso, sabe-se dos factos provados, que o sócio J também sofreu danos pela compra e venda dos solos de “escritura em papel de seda”. O tribunal a quo não conheceu da questão da possibilidade de ele ser indemnizado. Na motivação do recurso interposto pelo recorrente da decisão proferida pelo TJB no presente processo ao TSI, o recorrente já pediu ao TSI conhecer da questão dos prejuízos sofridos por J. No entanto, o TSI afirmou que o recorrente não tinha interesse para levantar a questão, e recusou-se a conhecer da questão.
28. Quanto a esta questão, a doutrina aponta para a importância da co-participação de todos os interessados no litisconsórcio necessário natural. Embora a doutrina não seja directamente aplicável ao presente processo, não se é difícil descobrir que é um acto importante que o juiz “regula as posições de todos os interessados” no processo.
29. Além disso, segundo o entendimento do TSI no processo n.º 25/2004 sobre a questão da decisão de indemnização, perante a relação jurídica civil complicada, é difícil para o tribunal verificar a partir dos factos provados todos os pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar segundo os critérios da lei civil, pelo que não se pode arbitrar a reparação oficiosamente sob a égide do disposto no art.º 74.º do CPP.
30. Apesar das relações jurídicas complicadíssimas no presente processo, o regime de nulidade existe no direito civil e o art.º 74.º do CPP confere ao juiz o poder de conhecer da nulidade e da indemnização pelos danos; o juiz deve usar bem deste poder e vasculhar as relações jurídicas entre os interessados (incluindo os 3 arguidos) no presente processo, sobretudo a possibilidade de a [Limitada] e J receberem indemnização; senão, não pode arbitrar à toa a indemnização pelos danos, aplicando o art.º 74.º do CPP, em conjugação com o art.º 477.º do CC.
31. Da mesma maneira, como o tribunal recorrido não demonstrou a sua posição quanto às questões das quais devia ter conhecido e violou o princípio da economia processual, nos termos do art.º 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável subsidiariamente segundo o art.º 4.º do CPP, enferma o vício de nulidade de sentença.
32. Quanto à questão de enriquecimento sem causa, o recorrente entende que nos termos do art.º 335.º do CC, o ónus de provar se E e G sofreram prejuízos no presente processo e o montante concreto dos danos sofridos deve caber aos 2 assistentes.
33. Através dos factos provados indicados pelo recorrente na motivação de recurso original e as informações nos autos, deve-se considerar que no recurso já foi apresentada contraprova quanto à questão aqui em discussão, o que mostra que no próprio dia da assinatura do acordo complementar, os assistentes E e G receberam o preço da alienação de certo montante entregue pela [Limitada], e a relação entre as 2 partes já ficou clara.
34. Em relação ao montante concreto recebido por E e G naquele dia, pode ser determinado pela percentagem do sinal entregue pelos 2, i.e., cada um deles entregou HKD$1.500.000,00.
35. Portanto, o recorrente entende que em todos os casos, o tribunal a quo devia ter tido em conta o preço da alienação já recebido pelos 2 assistentes acima referidos correspondente ao 1.º solo no presente processo e devia ter feito o desconto, sob pena de existir a situação de enriquecimento sem causa previsto pelo art.º 467.º do CC.
36. Através da análise global feita á motivação de recurso apresentada pelo recorrente ao tribunal recorrido, sobretudo a sua dúvida concreta em relação à legitimidade dos assistentes de serem indemnizados e a situação indicada por ele de enriquecimento sem causa acima referida, já está demonstrada suficientemente a dúvida levantada pelo recorrente quanto aos montantes dos prejuízos sofridos pelos lesados enumerados no facto provado n.º 24.
37. Salvo o devido respeito, na opinião do recorrente, o tribunal a quo não devia ter sustentado a decisão proferida pelo tribunal da 1.ª instância do arbitramento de indemnização, nem do montante concreto, sem a existência do facto concreto mostrando o montante já recebido pelos lesados; ante devia ter denegado a decisão do arbitramento oficioso de reparação dado a existência da dúvida, à luz do princípio consagrado no art.º 74.º, n.º 1, alínea c) do CPP, deixando assim os interessados efectuar a recuperação na parte civil, através de vias normais.
38. Dado a existência de enriquecimento sem causa previsto pelo art.º 467.º do CC e pela violação do art.º 335.º do CC e do art.º 74.º, n.º 1, alínea c) do CPP, deve ser anulada a parte do acórdão em causa.
- Recursos dos arguidos B e C
1. Dos pontos 20 e 25 dos factos provados resulta que os ofendidos E, G, H, F, I e K criaram conjuntamente a [Limitada] e as quotas que cada um possui são calculadas de acordo com a proporção da participação social na aquisição do referido terreno.
2. Isto quer dizer que, quanto ao primeiro terreno, os direitos e interesses da utilização do referido terreno passam a ser os capitais da Sociedade por participação social dos ofendidos.
3. Conforme os pontos 22 e 32 dos factos provados, foi a [Limitada] que celebrou o “acordo adicional” e o “contrato de promessa de alienação de direitos e interesses sobre o terreno” com outro recorrente C / B.
4. Segundo este fio de pensamento, quando os aludidos dois contratos foram declarados nulos por impossibilidade originária da prestação, o valor de compra e venda já pago deve ser restituído à [Limitada], em vez de aos referidos ofendidos.
5. Dado que a [Limitada] foi a única que sofreu danos directos e os ofendidos do presente processo são apenas sócios ou “sócios em participação” da Sociedade, pelo que, eles só sofreram danos indirectos.
6. Razão pela qual aquele que tem legitimidade para ser indemnizado deve ser a [Limitada], em vez de ofendidos do presente processo.
7. Conforme todos os elementos constantes dos autos, o ofendido K nunca foi declarado como assistente do presente processo nem participou no presente processo. Assim sendo, sem dúvida, ele nunca manifestou qualquer posição ou declaração de vontade.
8. Ao abrigo dos artigos 209.º e 210.º do Código Civil, é evidente que o ofendido K nunca manifestou, de forma expressa ou tácita, qualquer declaração de vontade de “não oposição à quantia oficiosamente arbitrada” como entendida pelo Tribunal de Segunda Instância.
9. Pelo contrário, deve-se considerar como oposição tácita da referida quantia, uma vez que tal ofendido nunca participou em qualquer fase do presente processo, a sua conduta revela obviamente que ele não quis efectivar qualquer responsabilidade criminal e civil. Assim, deve-se considerar que ele se opôs tacitamente a quantia oficiosamente arbitrada pelo Tribunal Judicial de Base.
10. Mesmo que assim não se entenda, também deve-se entender que o ofendido K nunca manifestou qualquer declaração de vontade. Assim, sem existir qualquer declaração de vontade, é evidente que tal silêncio não pode ser considerado que não existe a declaração de vontade de oposição como entendido pelo Tribunal de Segunda Instância.
11. Assim sendo, o recorrente entende que os entendimentos do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância violaram manifestamente o artigo 74.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal e o artigo 209.º ou o artigo 210.º do Código Civil.
12. Quanto ao primeiro terreno, qual é o sinal restituído que E e G receberam, isto parece não ser crucial para apreciar se existe ou não o enriquecimento sem causa, pois, constitui nomeadamente o enriquecimento sem causa desde que exceda o valor totalmente pago por cada assistente, ou seja, HKD2.187.500,00 (dois milhões, cento e oitenta e sete mil e quinhentos dólares de Hong Kong).
13. Sendo como os titulares de quota que adquiriam no início o primeiro terreno, é evidente que E, G, outro recorrente A e a testemunha J pagaram totalmente um sinal de HKD6.000.000,00 (seis milhões dólares de Hong Kong). Então, conforme o ponto 20 dos factos provados, é evidente que em 28 de Agosto de 2008, cada um deles já recuperou o sinal por si pago, no valor de HKD1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong).
14. Assim sendo, depois de recuperar o sinal de HKD1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong) em 28 de Agosto de 2008, E e G voltam a ter uma indemnização de HKD2.187.500,00 (dois milhões, cento e oitenta e sete mil e quinhentos dólares de Hong Kong), isto constitui manifestamente o enriquecimento sem causa, ou é evidente que ao calcular o valor de indemnização, o Tribunal a quo incorreu em erro.
15. Mesmo que assim não se entenda, dado que o Tribunal a quo não conseguiu provar o montante do sinal que E e G recuperaram conforme fls. 60 e 61 dos autos, parece que também não é possível confirmar, mediante os elementos dos autos, o valor de indemnização oficiosamente arbitrado. Assim, a contrário sensu do artigo 74.º alínea c) do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo não devia arbitrar a referida indemnização.

Do mesmo acórdão reclamaram ainda os referidos arguidos para a conferência, arguindo a nulidade do acórdão, suscitando a questão de impedimento dos juízes Dr. Choi Mou Pan e Dr. Lai Kin Hong, para além das outras, tendo o Tribunal Colectivo do TSI apreciado as questões em conferência, decidindo indeferir as reclamações apresentadas pelos arguidos, com entendimento de que não se verifica qualquer das circunstância em que os juízes devem declarar-se impedidos.
Desse acórdão que indeferiu as reclamações recorrem também os arguidos para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas motivações do recurso as seguintes conclusões:
- Recurso do arguido A
1. O presente recurso é interposto da parte do acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do TSI aos 6 de Setembro de 2018, de que nem o Mm.º Dr. Choi Mou Pan nem o Mm.º Dr. Lai Kin Hong admitiu que eles próprios deviam ter sido impedidos.
2. Nos termos do art.º 31.º, n.º 2 do CPP, o recorrente pode recorrer ao venerando TUI a decisão dos 2 juízes acima referidos, de que eles não deviam ter sido impedidos.
3. Na realidade, o recorrente levantou arguição de nulidade contra o acórdão n.º 1095/2017, sendo um dos motivos da arguição: 2 membros do Tribunal Colectivo – o Dr. Choi Mou Pan e o Dr. Lai Kin Hong deviam ter sido impedidos no presente processo, nos termos do art.º 29.º do CPP.
4. Quanto à questão de se deviam ter sido impedidos, o acórdão ora recorrido entende, a página 16: “Embora os 2 membros do Tribunal Colectivo tenham participado no julgamento do recurso n.º 516/2015… não tem a situação do assim-chamado ‘tomando … posição’… quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso.”
5. Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda.
6. Quanto ao significado literal da disposição legal do art.º 29.º do CPP, desde que o juiz proferiu uma decisão em um processo ou participou nele, o mesmo juiz não pode intervir no recurso dos processos relativos ou pedido de revisão.
7. Segundo a doutrina, o valor que visa proteger nela instituição do mecanismo de impedimento de juiz no direito processual penal é um julgamento justo e imparcial que o arguido obterá. Isso baseia-se em um princípio fundamental – “o princípio de imparcialidade”.
8. O recorrente entende que o princípio acima referido se materializa na garantia do direito de recorrer do arguido.
9. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que continua a ser aplicável em Macau nos termos do art.º 40.º da Lei Básica, também confirma o direito de recorrer, prevendo o seu art.º 14.º, n.º 5, “Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei.”
10. “Examinar” referido aqui não deve ser apenas uma “examinação formal” – e.g. deixar um tribunal superior que se sabe perfeitamente que tomará a mesma posição que o tribunal recorrido examinar a decisão tomada pelo tribunal recorrido; antes deve ser feita uma examinação substancial – quem examina se a decisão tomada pelo tribunal recorrido foi correcta deve ser um juiz do tribunal superior que nunca tomou posição face aos factos concretos e às questões jurídicas envolvidos no caso e que é objectivo e imparcial.
11. De acordo com a teoria acima referida do douto Prof. J. Baptista Machado, pode-se saber que as a imparcialidade dentro das funções do juiz deve ser ainda mais aprofundada que o dever de imparcialidade imposto a todos os funcionários públicos; então podemos tomar como referência as leis de outros órgãos para fazer uma comparação.
12. Feita a comparação do art.º 46.º, n.º 1, alínea g) do Código do Procedimento Administrativo, do art.º 363.º, n.º 1 do CC, do art.º 311.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil, pode-se chegar à conclusão de que quer no direito administrativo, quer na lei notarial, quer no direito privado, o julgador deve observar rigorosamente o princípio de imparcialidade, sobretudo face ao recurso no qual interveio para tomar a decisão, deve ser impedido nos termos legais, i.e. deve ser proibido de intervir nele.
13. Segundo a teoria jurídica de “a minori, ad maius”, se nos âmbitos jurídicos tais como o direito civil e a lei notarial, que envolvem principalmente interesses pecuniários privados, é proibida a participação repetida do julgador, então no âmbito jurídico de Direito Processual Penal no qual está em causa a liberdade pessoal do arguido, deve ser ainda mais rigorosamente proibida a participação repetida do julgador.
14. Caso se entenda que em comparação com o art.º 46.º, n.º 1, alínea g) do CPA e com o art.º 311.º, n.º 1, alínea e) do CPC, o âmbito da proibição no disposto no art.º 29.º do CPP se mostra mais limitado, então a tal aplicação jurídica e o método de interpretação viola o princípio fundamental da “imparcialidade”.
15. O que se deve explicitar é, aqui o recorrente não está a suspeitar que os 2 Mm.os Juízes que ora se pede serem impedidos tenham sido de qualquer maneira injustos ou parciais. O recorrente está convicto de que os 2 Mm.os Juízes acima referidos tenham julgado o presente processo com a habitual justiça e imparcialidade.
16. No entanto, tal como indicou o acórdão proferido no recurso n.º 96/2014 pelo Venerando tribunal colectivo do TSI aos 27 de Fevereiro de 2014, “A imparcialidade refere-se à regra de que ao julgar, o juiz não tem qualquer preconceito ou prejuízo quanto ao assunto a julgar ou às pessoas envolvidas na decisão. No entanto, não basta que o juiz é imparcial; também é preciso que o juiz seja justo na aparência, e na opinião pública.”
17. Portanto, sob a orientação do princípio de imparcialidade, o recorrente entende que os 2 Mm.os Juízes que ora se pede serem impedidos, deviam ter sido impedidos no presente processo, nos termos do art.º 29.º do CPP.
18. Tal como o TSI de Lisboa comenta sobre o seu art.º 40.º do CPP (correspondente ao art.º 29.º do CPP de Macau), “a ratio da norma não é estender o impedimento do juiz a todas as decisões conexas uma anterior decisão, mas antes impedir que seja o mesmo juiz a sindicar uma decisão que anteriormente tomou. E não poderia ser de outro modo, salvo melhor opinião.”
19. Não se pode interpretar ou aplicar a lei sem o art.º 8.º do CC, cujo n.º 1 prescreve: 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
20. Além disso, pode-se ver das doutrinas que, no direito criminal, ao aplicar e interpretar a lei, se deve aplicar a interpretação favorável ao arguido.
21. Pode-se saber a partir das múltiplas doutrinas e jurisprudências acima referidas que o pensamento legislativo do art.º 29.º do CPP é fazer com que os veredictos sejam mais justos, proibir que o juiz que já julgou o caso em causa se intervenha mais uma vez no processo, o que evita que a opinião subjectiva influencie o recurso ou o processo pendente, ou seja, evitar o mais possível, que o juiz aprecie o processo ou o recurso com preconceitos, o que impactaria a qualidade do veredicto. Para além disso, a prescrição proíbe com especial ênfase que o juiz que já tenha conhecido do mérito da causa ou dos factos torne a intervir no processo.
22. No presente processo, não conformado com o despacho de pronúncia, o recorrente interpôs o recurso n.º 742/2013 do TSI. Aos 23 de Janeiro de 2014, o Tribunal Colectivo do TSI proferiu o acórdão (o Juiz Relator: Dr. José Maria Dias Azedo; os Juízes-Adjuntos: Dr. Chan Kuong Seng, Dra. Tam Hio Wa), que julgou improcedente o recurso.
23. Os 3 juízes acima referidos só apreciaram o recurso interposto do despacho de pronúncia no processo n.º 742/2013, dentro do qual só realizaram uma análise de se existiam fortes indícios da prática dos crimes no presente processo, e em seguida foi sustentada a decisão tomada no despacho de pronúncia. Nenhum deles participou no processo que é o objecto do presente recurso, nem interveio no conhecimento dos factos concretos no presente processo.
24. O art.º 29.º do CPP não prevê explicitamente que os juízes que já intervieram no recurso interposto do despacho de pronúncia devam ser impedidos, antes apenas que nenhum juiz pode intervir no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido. No entanto, os 3 juízes acima mencionados todos proferiram despacho de escusa nos autos de recurso n.º 1095/2017.
25. Disso pode-se ver que obviamente, os 3 juízes acima referidos entendem que eles intervieram em uma das fases processuais do presente processo, a fim de assegurar a isenção do processo, se escusaram.
26. Na realidade, o recurso interposto ao TSI pelos assistentes, não conformados com a 1.ª sentença absolutória proferida pelo tribunal recorrido pela 1.ª vez, foi precisamente o recurso n.º 516/2015.
27. Os 2 Mm.os Juízes que ora se pede serem impedidos emitiu o parecer constante da fls. 1872 dos autos, no acórdão proferido no recurso n.º 516/2015 no qual intervieram, aos 17 de Dezembro de 2015. Foram julgados improcedentes os motivos de recurso apresentados por pessoas tais como os assistentes; no entanto, a decisão do tribunal recorrido foi anulada oficiosamente, e os autos foram reenviados para o tribunal recorrido para novo julgamento.
28. O tribunal colectivo do TJB novamente constituído citou a opinião do TSI na análise dos factos realizada no recurso n.º 516/2015, a fls. 1872 dos autos, e concordou com aquela. E acabou por proferir uma sentença condenatória.
29. Não conformado com a sentença condenatória, o recorrente recorreu ao TSI. Vistos globalmente os motivos de recurso apresentados pelo recorrente na parte penal a fls. 2735 e as seguintes dos autos, excepto a 1.ª parte, na qual litigou sobre as nulidades ocorridas no processo, quase todo os motivos de recurso restantes giram à volta da análise sobre: se existiu manha; se estão satisfeitos os requisitos constitutivos do crime de burla; a natureza do solo de “escritura em papel de seda”; se em Macau todos sabem que a “escritura em papel de seda” não é reconhecida como documento legal; se o acto da abertura das contas de água e electricidade mostra a existência do dolo de ocultar a verdade por parte dos arguidos, entre outras questões.
30. O recurso ora em discussão foi precisamente os autos n.º 1095/2017 no TSI. Os 2 juízes que ora se pede serem impedidos e o Dr. Fong Man Chong julgaram improcedentes os motivos de recurso, e foi sustentada a decisão recorrida; quanto aos motivos de recurso apresentados pelo recorrente, a maior parte dos entendimentos no recurso n.º 516/2015 foi mantida.
31. A partir dos factos acima referidos, no recurso n.º 516/2015, os 2 juízes que ora se pede serem impedidos apreciaram verdadeiramente o mérito da causa. Não apenas o tribunal colectivo do TJB novamente constituído citou a parte de análise dos factos, mas também no 2.º recurso (o recurso n.º 1095/2017) foram mantidos os entendimentos na análise dos factos.
32. Mesmo se segundo as instruções no acórdão n.º 516/2015, o presente processo foi reenviado ao TJB para ser julgado por um outro tribunal colectivo; na realidade, o caso pertence ao mesmo processo, cujo n.º de referência é sempre CR3-14-0061-PCC. Tal como indica o pensamento legislativo do art.º 29.º do CPP, o artigo pressupõe proibição de intervir em julgamento relativo a processo em que tiver participado em julgamento anterior –, que as duas intervenções do juiz ocorrem no mesmo processo.
33. Portanto, a situação do presente processo satisfaz o sentimento literal e o pensamento legislativo do art.º 29.º do CPP; ou seja, como os 2 juízes acima referidos já tinham participado no proferimento da decisão na 1.ª instância ora recorrida, eles deviam ter sido impedidos no recurso.
34. Salvo o devido respeito, o recorrente entende o seguinte: como o acórdão recorrido não admitiu que o Mm.º Dr. Choi Mou Pan e o Mm.º Dr. Lai Kin Hong devessem ser impedidos, interpretou erradamente e violou o art.º 29.º e o art.º 30.º, n.º 1 do CPP, o que fez com que todos os actos nos quais os 2 juízes participaram no presente processo padecessem do vício de nulidade previsto pelo art.º 30.º, n.º 4 do mesmo Código.
35. Ademais, tal como indica o acórdão recorrido, na caso do presente processo, ainda se precisa discutir sobre o regime de impedimento previsto pelo art.º 311.º, n.º 1, alínea e) do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP.
36. Nos termos daquele artigo, o juiz está impedido de exercer as suas funções quando: Se trate de recurso interposto em processo no qual tenha tido intervenção como juiz, quer proferindo a decisão recorrida quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso.
37. Neste aspecto, o Venerando TUI emitiu um sagaz entendimento num caso semelhante dentro do recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa n.º 43/2017, que se dá por integralmente reproduzido aqui.
38. O acórdão acima mencionado citou as doutrinas dos Ex.mos CÂNDIDO PIRES e VIRIATO LIMA, “A razão que está na base deste fundamento é, se não mesmo a consideração que o amor próprio exerce sobre o espírito do juiz que o levaria a manter a posição já tomada, pelo menos ‘a predisposição para reproduzir um juízo já emitido’.”
39. De acordo com as jurisprudências e doutrinas acima referidas, podemos chegar à seguinte conclusão: se já teve intervenção como juiz, quer proferindo a decisão recorrida quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso, o juiz está impedido de participar no recurso interposto no mesmo processo, nos termos do art.º 311.º, n.º 1, alínea e) do CPC.
40. No presente processo, depois de os autos terem sido reenviados ao TJB, o novo tribunal colectivo apreciou o caso e aos 24 de Julho de 2017, proferiu o acórdão, no qual está a parte que arbitrou oficiosamente a indemnização cível. Portanto, aplica-se subsidiariamente ao presente processo o art.º 311.º, n.º 1, alínea e) do CPC, nos termos do art.º 4.º do CPP.
41. Na parte dos factos do acórdão n.º 43/2017 do TUI acima citado, “Trata-se de saber se o Ex.mo Juiz, 2.º Adjunto dos autos, Dr. E, está impedido na apreciação do recurso no TSI, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 311.º do Código de Processo Civil, por ter intervindo no processo no Tribunal Administrativo, tanto enquanto juiz titular, que proferiu a sentença, como enquanto juiz-adjunto do Tribunal Colectivo, sendo que o julgamento haveria de ser anulado, não tendo o mesmo já participado no 2.º julgamento, nem proferido a 2.ª sentença.”
42. No presente processo, tal como dito atrás: o recurso interposto ao TSI pelos assistentes, não conformados com a 1.ª sentença absolutória proferida pelo tribunal recorrido pela 1.ª vez, foi precisamente o recurso n.º 516/2015.
43. Os 2 Mm.os Juízes que ora se pede serem impedidos proferiram o acórdão no recurso n.º 516/2015 no qual intervieram, aos 17 de Dezembro de 2015. E o tribunal colectivo do TSI julgou improcedentes os motivos de recurso apresentados por pessoas tais como os assistentes; no entanto, a decisão do tribunal recorrido foi anulada oficiosamente, e os autos foram reenviados para o tribunal recorrido para novo julgamento. E foi indicado explicitamente na parte de decisão, “deve-se sobretudo considerar aplicar o art.º 74.º do CPP, e arbitrar a indemnização pelos danos sofridos pelos lesados, mesmo se profere uma sentença absolutória”.
44. Depois de os autos terem sido reenviados ao TJB, o novo tribunal colectivo apreciou o caso e aos 24 de Julho de 2017, proferiu o acórdão, em cuja parte de análise aos factos foi citado o entendimento do TSI no acórdão n.º 516/2015; e foi arbitrada oficiosamente a indemnização pelos danos sofridos pelos lesados nos termos do art.º 74.º do CPP.
45. Não conformado com a sentença condenatória e a indemnização cível decidida, o recorrente recorreu ao TSI. O recurso ora em discussão foi precisamente os autos n.º 1095/2017 no TSI. Os 2 juízes que ora se pede serem impedidos e o Dr. Fong Man Chong julgaram improcedentes os motivos de recurso, e foi sustentada a decisão recorrida; quanto aos motivos de recurso apresentados pelo recorrente, a maior parte dos entendimentos no recurso n.º 516/2015 foi mantida, e a decisão de que o recorrente devia pagar a indemnização cível aos assistentes foi sustentada.
46. Comparados os factos acima referidos com a matéria de facto do acórdão n.º 43/2017 do TUI, pode-se ver que o perspicaz entendimento no acórdão n.º 43/2017 proferido pelo TUI é perfeitamente aplicável.
47. Por outras palavras, mesmo que se entenda agora que os 2 juízes que ora se pede serem impedidos não participaram no acórdão proferido pelo novo tribunal colectivo da 1.ª instância ora recorrido, tal como dito atrás, eles já tomaram posições em relação às questões cruciais para o juízo de facto conclusivo, tais como – se em Macau todos sabem que a “escritura em papel de seda” não é reconhecida como documento legal; se o acto da abertura das contas de água e electricidade mostra a existência do dolo de ocultar a verdade por parte dos arguidos; e a aplicação jurídica do crime de burla – se as circunstâncias do caso satisfazem os requisitos constitutivos do crime de burla tais como astúcia; e as posições são desfavoráveis ao recorrente; e as conclusões tiradas são opostas aos motivos de recurso apresentados pelo recorrente.
48. Então, deixe-nos citar mais uma vez a opinião do TUI no acórdão acima mencionado: desde que os Ex.mos Juízes da instância superior já tomaram posições e se comprometeram intelectualmente quanto às questões factuais e jurídicas suscitadas no recurso interposto da decisão proferida pelo tribunal da 1.ª instância, eles não têm as condições de imparcialidade necessárias para participar no julgamento do recurso.
49. Com base no atrás dito, salvo o devido respeito, o recorrente entende o seguinte: como o acórdão recorrido não admitiu que o Mm.º Dr. Choi Mou Pan e o Mm.º Dr. Lai Kin Hong devessem ser impedidos, violou o art.º 311.º, n.º 1, alínea e) do CPC ex vi art.º 4.º do CPP.
50. Salvo o devido respeito, o recorrente entende que existe erro no acórdão recorrido, que indica que são totalmente novas as questões impugnadas no recurso e levantadas pelo recorrente em relação ao acórdão proferido pelo novo tribunal colectivo do tribunal da 1.ª instância.
51. Tal como dito atrás, depois de os autos terem sido reenviados ao tribunal da 1.ª instância para novo julgamento, o novo tribunal colectivo do TJB apreciou o caso nas matérias de facto e de direito; e aos 24 de Julho de 2017, proferiu o acórdão que condenou o recorrente.
52. Mais tarde, o recorrente recorreu do acórdão do TJB acima mencionado. Os motivos de recurso têm 2 aspectos: o conhecimento da matéria de facto e a aplicação da lei.
53. Na motivação de recurso apresentada pelo recorrente, sobretudo no III, alínea b); no IV; no V, alínea a); no V, alínea b); e no V, alínea c), estão impugnações quanto às questões tais como a natureza da compra e venda de solo de “escritura em papel de seda” e a abertura das contas de água e electricidade; no entanto, todos os motivos de recurso foram rejeitados pelo tribunal colectivo do TSI no acórdão proferido no recurso n.º 1095/2017, aos 7 de Junho de 2018.
54. Portanto, apesar do facto de que o recorrente recorreu de um acórdão completamente nova, pelo menos uma parte das questões levantadas no recurso (vd. o conteúdo da motivação de recurso indicado no ponto anterior) não é nova, e sobre aquelas questões os 2 Mm.os Juízes que ora se pede serem impedidos já tomaram posições no recurso n.º 516/2015.
55. Desta forma, fundamentado na base de factos errada – de que as questões levantadas no recurso foram totalmente novas – no acórdão recorrido foi decidido que não existiu a situação de já ter tomado posição, prevista pelo art.º 311.º, n.º 1, alínea e) do CPC ex vi art.º 4.º do CPP; portanto, enferma do vício da “contradição insanável da fundamentação”, mencionado pelo art.º 400.º, n.º 2, alínea b) do CPP.
- Recursos dos arguidos B e C
1. Mesmo que o acórdão a fls. 1856 a 1872v (autos de recurso n.º 516/2015) se originasse dum outro processo penal (n.º CR3-14-0061-PCC do Tribunal Judicial de Base), na realidade, a matéria de facto conhecida nos autos de recurso n.º 516/2015 e a no presente recurso são completamente idênticas, pois os factos acusados são completamente idênticos.
2. É evidente que no acórdão redigido pelos juízes que intervieram nos autos de recurso n.º 516/2015, já se conheceu da questão de mérito do presente processo, mesmo existe o juízo conclusivo dos factos e a decisão por eles proferida afectou directamente o acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base no novo julgamento.
3. No presente recurso, os dois juízes que tinham conhecido da matéria de facto do presente processo conheceram, mais uma vez, das questões do recurso que teve como fundamento a mesma matéria de facto, pelo que, existe absolutamente um juízo subjectivo já previamente formado.
4. Uma vez que o Tribunal Colectivo do Processo n.º 1095/2017 entendeu que o Tribunal a quo já indicou expressamente na fundamentação os elementos constitutivos da astúcia, e em consequência concordou completamente com o entendimento do Tribunal a quo sobre os factos do nível de conhecimento da escritura em papel de seda e os factos de que os arguidos, usando deste defeito de conhecimento, actuaram com astúcia que provocou erro aos assistentes e concluíram os actos que determinaram aos assistentes à prática dos actos que lhes causaram prejuízos patrimoniais.
5. Isto quer dizer que, no presente recurso, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância, mediante o juízo anteriormente por si formado no acórdão proferido nos autos de recurso n.º 516/2015 que foi citado pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base, provou, mais uma vez, como é que os arguidos engaram astuciosamente os assistentes.
6. Pelo que, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no Processo n.º 1095/2017 já foi limitado e afectado por outro acórdão por si anteriormente proferido (acórdão no Processo n.º 516/2015).
7. Assim sendo, nos termos do artigo 29.º do Código de Processo Penal, os membros do Tribunal Colectivo dos autos de recurso n.º 516/2015 não deviam voltar a ser os membros do Tribunal Colectivo dos autos de recurso n.º 1095/2017, isto quer dizer que o MM.º Juiz Dr. Choi Mou Pan e o MM.º Juiz Dr. Lai Kin Hong deviam ficar impedidos nos termos da lei.
8. Igualmente, o recorrente entende que ao abrigo do artigo 311.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Civil, os referidos dois juízes também deviam ficar impedidos nos termos da lei.
9. Uma vez que nos autos de recurso n.º 516/2015 e nos autos de recurso n.º 1095/2017, o MM.º Juiz Dr. Choi Mou Pan e o MM.º Juiz Lai Kin Hong já conheceram, por duas vezes, das questões de facto, pelo que, sem dúvida, o MM.º Juiz Dr. Choi Mou Pan e o MM.º Juiz Lai Kin Hong já tomaram a sua posição sobre as questões do presente recurso.
10. Pelos acima expostos, quer nos termos do artigo 311.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Civil, quer nos termos do artigo 29.º do Código de Processo Penal, o MM.º Juiz Dr. Choi Mou Pan e o MM.º Juiz Dr. Lai Kin Hong também deviam ficar legalmente impedidos de conhecer das questões do recurso do presente processo.

Respondeu o Ministério Público aos recursos interpostos do acórdão que indeferiu as reclamações, entendendo que se deve julgar improcedentes os recursos.
Responderam também os assistentes E, F, G, H e I, pugnando pelo não provimento dos recursos e pela condenação dos arguidos em multa por litigância de má fé, nos termos do art.º 385.º n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
Nesta instância, o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público manteve a sua posição já assumida na resposta às motivações do recurso.
Foram corridos os vistos.

2. Os factos
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos:
1. No caso, os arguidos A, B e C, em conjugação de intenções e de esforços, tendo como objecto de burla os indivíduos de Fu Jian, que não tinham muito conhecimento de compra e venda de terras de Macau, alegaram falaciosamente que lhes podiam vender dois terrenos de “escritura de papel de seda” (não é documento válido comprovativo do direito de propriedade de terra) que se poderiam destinar no futuro à construção de projecto de habitação, os ofendidos acreditaram-nos e compraram esses dois terrenos pertencentes ao bem do domínio público da RAEM, assim, foram burlados pelos arguidos referidos, que obtiveram interesse ilegal no valor consideravelmente elevado.
2. E e G conheceram o arguido A respectivamente em 2002 e 2006 e J conheceu o arguido A há mais de 20 anos.
3. No início de 2008, o arguido A recomendou activamente a E e G o investimento em terras de “escritura de papel de seda” de Coloane e alegou que as terras poderiam destinar-se à construção de lar de idosos, habitação e hotel.
4. Como E e G não sabiam a natureza de “escritura de papel de seda”, para consolidar a confiança destes em investimento, o arguido A conduziu-os por várias vezes a fazer “visita in loco” em vários terrenos de Coloane, e, apontando uns determinados terrenos ao lado da rua, alegou-lhes falaciosamente que várias celebridades comerciais de Macau investiram em terras de “escritura de papel de seda” com sucesso, durante as visitas, através de apresentação do arguido A, E e G conheceram-se.
5. Logo depois, o arguido A indicou a E e G que encontrou um terreno de “escritura de papel de seda” oposto ao Hellene Garden de Hac Sa de Coloane, levou-os de novo a ir fazer “visita in loco”. Por conseguinte, em promoção de investimento, o arguido A introduziu a E e G o “proprietário” do terreno referido, arguido B, e o seu “subordinado”, arguido C, na altura, o arguido B indicou que o arguido C era residente da aldeia de Hac Sa de Coloane e sabia bem a compra e venda de terras de “escritura de papel de seda”.
6. Em seguida, após negociações, o arguido A conseguiu persuadir E. G e o amigo dele J para comprar com ele, em participação igual, o referido terreno de “escritura de papel de seda”, deste modo, foram discutir os detalhes ao Escritório de Advogados L, como o arguido A planeou previamente. No momento, as 4 pessoas celebraram um “memorando de compra de terreno”, do qual consta que pagariam em participação igual o dinheiro de compra do terreno e as custas, o valor restante de mais de HKD$10.000.000,00 seria recebido pelo arguido A em representação (sic.) (vide o memorando constante da fls. 17 dos autos).
7. Em 29 de Março de 2008, o arguido A convidou E, G, J, M (genro de E) e o arguido C para ir distucir os detalhes da transacção ao Escritório de Advogados L, logo depois de chegarem, um indivíduo chamado de N do Escritório acolheu-os e procedeu à celebração de acordo, o arguido A alegou-lhes que o “Advogado X” (o Sr. N acima referido) é irmão germano do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e sabe bem a compra e venda de terras de “escritura de papel de seda”. A seguir, N salientou que tinha tratado imensas compras e vendas de terras de “escritura de papel de seda”, não haveria qualquer problema, os arguidos A e C também assim disseram.
8 Na discussão, para fortalecer a confiança das pessoas em obtenção dos direitos através da compra do terreno de “escritura de papel de seda”, o arguido A disse que o ex-proprietário do terreno já apresentou ao Governo o pedido de construção de projecto, que foi aprovado, porém, o ex-proprietário não pagou o preço da terra e, portanto, o projecto estava suspenso, sempre que eles comprassem o terreno e pagassem o preço da terra, poderiam continuar a construir o projecto e bens imóveis.
9. De facto, conforme os autos, a afirmação não é verdadeira, a DSSOPT nunca concedeu o terreno de forma qualquer.
10. Além disso, para garantir a segurança do negócio, as pessoas perguntaram se o vendedor poderia delimitar o terreno com tapumes e abrir a conta de fornecimento de água e electricidade antes da celebração do acordo oficial de compra e venda, os arguidos não opuseram, mas solicitaram o pagamento duma quantia de HKD$500.000,00 a título de “dinheiro de sinceridade”, as pessoas concordaram.
11. No mesmo dia, ou seja em 29 de Março de 2008, E e G, acreditando, e o arguido A e o seu amigo J compraram, em participação igual, o referido terreno de “escritura de papel de seda” pelo preço de HKD$17.500.000,00.
12. Além disso, entre a quota de 1/4, subscrita por G, segundo o acordo com o arguido A, ele só obteria uma metade dessa quota, ou seja 1/8, a outra metade pertenceria ao arguido A.
13. A seguir, antes da celebração do contrato oficial de compra e venda, o arguido A recomendou o referido investimento ao seu cliente de seguros H, da mesma maneira, como fazer “visitas in loco”, dizer que “é lucrativo com certeza”, dar uns “exemplos de sucesso” e alegar que o ex-proprietário do terreno já apresentou ao Governo o pedido de construção de projecto, que foi aprovado, porém, o ex-proprietário não pagou o preço da terra e, portanto, o projecto estava suspenso, sempre que o comprador comprasse o terreno e pagasse o preço da terra, poderia continuar a construir o projecto, no fim, conseguiu alienar, por compromisso oral, a sua quota de 1/4, pelo mesmo preço de compra referido, a H, que acreditou por erro o arguido A.
14. Como H normalmente estava no Interior da China e não tinha tempo para tratar o investimento em Macau, perguntou ao seu tio I se estava interessado em investir no referido terreno de “escritura de papel de seda”, portanto, o arguido A levou de novo H e I a ir fazer “visita in loco”, fez promoção activamente e deu vários exemplos de sucesso, no fim, foi alienada a I uma metade da quota de H, ou seja 1/8. Por conseguinte, não sendo suficiente o dinheiro, I alienou a K uma metade da sua quota de 1/8.
15. Em vista da relação de professor e estudante, E alienou ao ofendido F uma metade da sua quota, ou seja 1/8, para desfrutar juntos os benefícios.
16. Para consolidar a determinação de compra, mesmo tendo sido celebrado o referido “memorando”, o arguido A conduziu de vez em quando os compradores ofendidos a ir fazer visita ao terreno e fez promoção atraente.
17. Em 3 de Junho de 2008, no Escritório de Advogados L, perante N, o arguido B celebrou, como transmitente, um “contrato-promessa de transmissão dos direitos do terreno” com E, G, o arguido A e J, o qual foi elaborado por N, para lhes transmitir o direito de compra do referido terreno de “escritura de papel de seda”, o arguido B declarou no contrato que já recebeu uma quantia de HKD$6.000.000,00 a título de sinal da transmissão do direito de utilização do respectivo terreno, foi definido também que, dentro de 90 dias a partir daquele dia os compradores deveriam pagar integralmente e de só uma vez a quantia restante de HKD$11.500.000,00 (vide as fls. 18 a 19 dos autos). Naquele dia, estavam também presentes o arguido C, H e I.
18. No momento, o arguido A introduziu N a H, indicou que N é irmão germano do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e tratou imensas compras e vendas de terras de “escritura de papel de seda”.
19. No mesmo dia, para realizar o compromisso oral referido, o arguido A elaborou uma declaração no Escritório de Advogados referido, da qual consta que delegou a H 1/4 do direito de compra, definido no contrato (vide a fls. 421 dos autos).
20. Depois da celebração do contrato referido, com fundamento em promoção do desenvolvimento do projecto futuro, o arguido A e J aconselharam que os compradores do referido terreno de “escritura de papel de seda” (E, G, H, F, A e J) estabelecessem juntos uma sociedade com quotas distribuídas à razão de participação destes, deste modo, em Julho de 2008, eles estabeleceram [Limitada] (vide as fls. 8 a 16 dos autos).
21. Aproximando-se o término do prazo de pagamento da quantia restante, não foi aberta a conta de fornecimento de água e electricidade do terreno referido de “escritura de papel de seda”, o arguido A justificou-lhes que as formalidades eram simples e baratas, eles poderiam proceder no futuro por eles próprios, se mandassem os arguidos B e C proceder, cobrariam estes mais dinheiro, aconselhou que procedessem no futuro por eles próprios, as pessoas concordaram.
22. Em 28 de Agosto de 2008, no Escritório de Advogados L, E, G, o arguido A e J, em representação da [Limitada], celebraram com o arguido B um “acordo suplementar”, que foi elaborado por N, além disso, a pedido de A, o arguido D, na qualidade de fiscalizador da Associação de Mútuo Auxílio de Hac Sa, e N assinaram o acordo como testemunha, por esse acordo, foi transmitido à Sociedade referida o direito de compra do terreno de “escritura de papel de seda”, o arguido B declarou nesse documento que recebeu a quantia restante de HKD$11.500.000,00 e foi concluída a transacção de compra e venda do referido terreno de “escritura de papel de seda” (vide as fls. 60 a 61 dos autos). Naquele dia, estavam também presentes o arguido C, H e I.
23. Todavia, antes de pagamento, os ofendidos solicitaram revista do original da “escritura de papel de seda”, o arguido C alegou que, não estava em Macau o vogal da Comissão da Aldeia que guardava esse documento, portanto, não podia exibir imediatamente o original, no momento, o arguido A acrescentou que já reviu o original, que foi autenticado pelo Governo, eles não precisavam de preocupar-se, assim sendo, não tendo jeito, os ofendidos pagou integralmente a quantia restante ao arguido B.
24. Na transacção de compra do terreno de “escritura de papel de seda”, realizada por burla dos arguidos A, B e C, os ofendidos sofreu perda no valor seguinte:
- E perdeu uma quantia total de HKD$2.187.500,00 (o título de pagamento cfr. a cópia de cheque bancário constante das fls. 71 a 74);
- H perdeu uma quantia total de HKD$2.187.500,00 (o título de pagamento cfr. a cópia de cheque bancário constante das fls. 836 a 838);
- G perdeu uma quantia total de HKD$2.187.500,00 (o título de pagamento duma quantia de HKD$1.339.375,00 cfr. a cópia de cheque bancário constante da fls. 860, a quantia restante de HKD$848.125,00 foi paga em numerários);
- I perdeu uma quantia total de HKD$906.150,00 (o título de pagamento cfr. o certificado bancário e a declaração constantes da fls. 827 a 859, a cópia do certificado bancário e cheque constante da fls. 830 a 831 e a declaração de devolução constante da fls. 832);
- Além dos 4 ofendidos referidos, em vista da relação de professor e estudante com E, foi transmitida a F uma metade da quota dele, ou seja 1/8, assim, pagou uma quantia total de CNY$1.945.000,00, equivalente a HKD$2.187.500,00 segundo a taxa de câmbio daquela altura (o título de pagamento cfr. o recibo de transferência bancária constante das fls. 847 a 848 e a declaração constante da fls. 850);
- Além disso, I não tinha dinheiro suficiente, foi transmitida a K uma metade da quota dele, ou seja 1/16, assim, pagou uma quantia total de HKD$1.281.350,00 (o título de pagamento cfr. o certificado bancário e a declaração constantes da fls. 827 a 859, a cópia do certificado bancário e cheque constante da fls. 828 a 829).
25. Em 28 de Agosto de 2008, H celebrou uma declaração, da qual consta que transmitiu a I e K uma metade da sua quota detida, 25%, da [Limitada], ou seja 12.5% (vide a fls. 422 dos autos), assim, transmitiu-lhes indirectamente a sua quota do terreno referido segundo o acordo.
26. Após completada a transacção do referido terreno de “escritura de papel de seda”, o arguido A alegou aos ofendidos que subiu constantemente o preço do terreno de “escritura de papel de seda” comprado por estes, um amigo dele comprou um outro terreno de “escritura de papel de seda” para desenvolvimento de projecto, como o terreno fica junto à montanha, cavou-a para dentro, tornou-se assim maior a área utilizável do terreno, deste modo, com fundamento em expandir a área do terreno comprado, o arguido A recomendou aos ofendidos uma outro terreno de “escritura de papel de seda” junto ao terreno comprado referido e à montanha.
27. No fim de 2008, apesar de persuasão do arguido A, os ofendidos não chegaram a acordo, assim, o arguido A indivou que em 31 de Dezembro de 2008 já pagou ao arguido B por ele próprio um sinal no valor de HKD$2.250.000,00, para comprar pelo preço de HKD$9.000.000,00 o terreno referido de “escritura de papel de seda” situado na ilha de Coloane junto ao entroncamento entre a Estrada de Hac Sá e a Avenida de Luíz de Camões (vide a fls. 63 dos autos), solicitou aos outros sócios a participação de capital para realizar a transacção, os sócios opuseram, deste modo, o arguido A repetiu o velho truque, levou os sócios a ir fazer “visita in loco” e persuadiu-os de que a integração e o desenvolvimento dos dois terrenos em conjunto gerariam maior espaço e mais lucros futuros.
28. No fim, por recomendação e persuasão do arguido A, os sócios concordaram em comprar o terreno referido de “escritura de papel de seda” situado na ilha de Coloane junto ao entroncamento entre a Estrada de Hac Sá e a Avenida de Luíz de Camões e realizar juntos o 2º pagamento. No momento, para evitar mudança, o arguido A solicitou a I emitir no primeiro em Janeiro de 2009 um cheque no valor de HKD$2.250.000,00 a favor do arguido C, mas na verdade na conta de I não havia dinheiro suficiente para pagamento, assim, o arguido A alegou que o cheque só serviu para dilação, persuadiria o arguido C a não efectivar as responsabilidades penais de emissão de cheque sem provisão, portanto, I emitiu o respectivo cheque.
29. Em seguida, sendo solicitado o pagamento pelo arguido A e I, em 17 de Fevereiro de 2009, os sócios transferiram uma quantia total de HKD$2.250.000,00 à conta de cheque de I. No dia seguinte, o arguido A, E, I e o arguido C foram encontrar-se no Escritório de Advogados L, na altura, E e o arguido A, em representação da [Limitada], celebraram com o arguido C um “contrato-promessa de transmissão dos direitos” do terreno de “escritura de papel de seda” situado na ilha de Coloane junto ao entroncamento entre a Estrada de Hac Sá e a Avenida de Luíz de Camões, o qual foi também elaborado por N (vide as fls. 58 a 59 dos autos), só até àquele momento, o arguido deu ao C o cheque previamente emitido por I, mas não anteriormente o deu ao arguido C para dilação como afirmou aos outros sócios, além disso, foi anulado o contrato de compra do 2º terreno, celebrado em 31 de Dezembro de 2008 pelo arguido A em seu próprio nome com o arguido C (vide as fls. 964 a 965 dos autos).
30. Em 21 de Abril de 2009, a DSSOPT publicou nos jornais de Macau um edital, indicou que o terreno comprado referido pertence ao Governo e estava ilegalmente ocupado, ordenou à [Limitada] desocupar o terreno referido e remover todos os objectos nele guardados.
31. Os ofendidos ficaram muito preocupados depois de conhecer o edital referido no mesmo dia, o arguido A acompanhou imediatamente E e I para ir consultar a situação a N no Escritório de Advogados L, na altura, N mentiu de novo, justificou que o Governo ainda não sabia claramente a situação, a “escritura de papel de seda” do terreno já foi autenticada pelo Governo, foi pago o imposto de terras, ou seja “contribuição predial”, o vendedor já apresentou ao Governo 2 anos antes o pedido de desenvolvimento do projecto de construção, portanto, uma vez paga integralmente a quantia restante, o projecto seria transmitido à [Limitada]. N afirmou que iria enviar carta à DSSOPT para justificação e acalmou as pessoas, assim, foi temporariamente clareada a dúvida.
32. Em 28 de Abril de 2009, E, F, o arguido A e J, em representação da [Limitada], celebraram com o arguido B no Escritório de Advogados L um “contrato-promessa de transmissão dos direitos do terreno”, que foi elaborado por N, além disso, D, na qualidade de fiscalizador da Associação de Mútuo Auxílio de Hac Sa, e N assinaram o contrato como testemunha (vide as fls. 24 a 25 dos autos, o qual é datado do dia de celebração do contrato de compra do 2º terreno pelos arguidos A e C, ou seja 13 de Dezembro de 2008 (sic.)).
33. Em 15 de Maio de 2009, E pagou por cheque uma quantia de HKD$1.125.000,00 ao arguido A para compra do 2º terreno.
34. Em 18 de Maio de 2009, as pessoas transferiram dinheiro ao arguido A, e depois, emitiu este uma livrança no valor de HKD$4.500.000,00 ao arguido B para completar a transacção do 2º terreno.
35. Na transacção de compra do terreno de “escritura de papel de seda”, realizada por burla dos arguidos A, B e C, os ofendidos sofreu perda no valor seguinte:
- E perdeu uma quantia total de HKD$1.125.000,00 (o título de pagamento cfr. a cópia de cheque bancário constante da fls. 1108);
- H perdeu uma quantia total de HKD$1.125.000,00 (o título de pagamento cfr. a cópia de cheque bancário constante das fls. 839 a 840);
- Em vista da relação de professor e estudante com E, foi transmitida a F uma metade da quota dele, ou seja 1/8, assim, pagou uma quantia total de CNY$1.000.000,00, equivalente a HKD$1.125.000,00 segundo a taxa de câmbio daquela altura (o título de pagamento cfr. o recibo de transferência bancária constante da fls. 849 e a declaração constante da fls. 850);
36. Por conseguinte, num determinado dia, o arguido A comunicou aos sócios que foi aberta a conta de fornecimento de água e electricidade do terreno e levou-os a ir inspeccionar a instalação.
37. Entretanto, os ofendidos descobriram imediatamente que, de facto, só estava conectado com a fonte de energia do estaleiro de obra ao lado, isto é, nunca se procedeu às formalidades de abertura da conta de fornecimento de água e electricidade.
38. Além disso, em 19 de Junho de 2009, a DSSOPT publicou de novo um edital, emitiu a notificação de decisão final à [Limitada], ordenou a essa Sociedade desocupar os terrenos referidos dentro de 15 dias do dia de publicação do edital, remover todos os objectos, materiais e equipamentos nele guardados, devolver os terrenos ao Governo da RAEM, sem direito a qualquer indemnização (vide a fls. 55 dos autos).
39. Após arrecadados coercivamente os dois terrenos pelo Governo com fundamento em cavação de montanha e ocupação de terra ilegais, as pessoas constituíram advogados imediatamente para pedir ao tribunal suspender o procedimento de arrecadação, mas não foi aprovado.
40. Os arguidos A, B e C realizaram juntos o plano referido livre, voluntaria e conscientemente, mediante distribuição de tarefas e cooperação, em conjugação de intenções, induziram por truque os 4 ofendidos E, G, H e I em acreditar por erro que os dois terrenos de “escritura de papel de seda” pertencentes ao bem do domínio público da RAEM podiam ser vendidos para desenvolvimento de projectos, levaram-nos enganosamente por 2 vezes a investir nos terrenos para enriquecimento ilegítimo destes próprios e de outrem, os dois ofendidos G e I só investiram no 1º terreno por falta de dinheiro, enquanto que os outros dois ofendidos E e H investiram por 2 vezes para comprar os 2 terrenos; na transacção do 1º terreno de “escritura de papel de seda”, os assistentes e ofendidos E, G, H, K, I, F e J foram enganados e pagaram dinheiro de valor consideravelmente elevado; em seguida, na transacção do 2º terreno de “escritura de papel de seda” os ofendidos E, F e H foram enganados de novo e pagaram dinheiro de valor consideravelmente elevado.
41. A conduta dos 1º a 3º arguidos conduziu directamente à perda pecuniária de valor consideravelmente elevado dos ofendidos referidos.
42. Os 1º a 3º arguidos sabiam bem que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
Mais se provou:
- Conforme o CRC, os 4 arguidos são primários.
- O 1º arguido declarou que, é comerciante de bens imóveis, auferindo mensalmente o salário no valor de MOP$500.000,00 a MOP$600.000,00, tem a seu cargo os pais e 6 filhos, tem como habilitação académica o 1º ano da escola secundária.
- O 4º arguido declarou que, está desempregado, auferindo a cada 3 meses a pensão de velhice no valor de cerca de MOP$5.000,00, não tem encargo familiar e económico, tem como habilitação académica o 3º ano da escola primária.
Factos não provados:
- Outros factos relevantes descritos na petição inicial, e desconformes aos provados, são os seguintes:
- O 4º arguidos D realizou com os outros o plano referido livre, voluntaria e conscientemente, mediante distribuição de tarefas e cooperação, em conjugação de intenções, induziu por truque os 4 ofendidos E, G, H e I em acreditar por erro que os dois terrenos de “escritura de papel de seda” pertencentes ao bem do domínio público da RAEM podiam ser vendidos para desenvolvimento de projectos, levou-os enganosamente por 2 vezes a investir nos terrenos para enriquecimento ilegítimo destes próprios e de outrem.
- A conduta do 4.º arguido conduziu directamente à perda pecuniária de valor consideravelmente elevado dos ofendidos referidos.
- O 4º arguido sabia bem que a sua conduta era proibida e punida pela lei.

3. O direito
Há que apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes e pelos assistentes.

3.1. Impedimento dos juízes
A questão de impedimento dos Exmo.s Juízes Dr. Choi Mou Pan e Dr. Lai Kin Hong foi colocada nas reclamações apresentadas pelos recorrentes do acórdão de 7 de Junho de 2018.
Alegam os recorrentes que, como não foram notificados do despacho de fls. 3899 dos autos proferido pelo Dr. Choi Mou Pan no exame preliminar do processo, eles ficaram impedidos de requerer o impedimento dos Juízes que compõem o Tribunal Colectivo.
Na óptica dos recorrentes, nos termos do n.º 2 do art.º 30.º do CPP, o arguido pode requerer a declaração de impedimento dos juízes em qualquer estado do processo; e dado que os Dr.s Choi Mou Pan e Lai Kin Hong já tinham tido intervenção no recurso anterior interposto pelos assistentes do 1.º acórdão do TJB que decidiu absolver os recorrentes da prática dos crimes de burla de valor consideravelmente elevado, tendo determinado o reenvio do processo para novo julgamento (fls. 1570 a 1588v e 1856 a 1872v dos autos), não podiam intervir depois na prolação do acórdão objecto do presente recurso, ao abrigo do art.º 29.º do CPP.
Não se nos afigura assistir razão aos recorrentes.
Ora, constata-se nos autos que, por declaração de impedimento da Exma. Juiza Dra. Tam Hio Wa, passou o Exmo. Dr. Choi Mou Pan a intervir no processo, como Juiz-Relator, o que foi dado conhecimento aos recorrentes por carta registada, sendo que nas respectivas cartas de notificação foi o Dr. Choi Mou Pan expressamente indicado como Relator do processo (fls. 3888 a 3889). O mesmo acontece nas notificações posteriores feitas pelo TSI aos recorrentes (fls. 3903 a 3904, respeitantes às declarações de impedimento de 2 Juízes membros primitivos do Tribunal Colectivo).
Mesmo sendo verdade a alegação dos recorrentes sobre a não notificação do despacho de fls. 3899 dos autos proferido pelo Dr. Choi Mou Pan no exame preliminar do processo, os recorrentes nem por causa disso ficaram impedidos de requerer o impedimento do Juiz, já que tomaram conhecimento, antes e depois desse despacho, da intervenção do mesmo Juiz como Relator.
Em segundo lugar, não é exacta a interpretação dos recorrentes sobre o n.º 2 do art.º 30.º do CPP, segundo o qual a declaração de impedimento do juiz pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pela parte civil “logo que sejam admitidos a intervir no processo, em qualquer estado deste”.
A previsão da norma é muito clara: mesmo que a declaração de impedimento possa ser requerida em qualquer estado do processo, o momento próprio para o efeito é logo depois de o requerente ser admitido a intervir no processo.
E se a intervenção no processo do requerente for anterior à do juiz cujo impedimento pretende, a respectiva declaração deve ser requerida logo que haja percepção de que existe impedimento, ou seja, logo que o requerente tenha conhecimento de situação em que se deve declarar o impedimento.
No caso concreto, uma vez que a intervenção do Dr. Choi Mou Pan foi dada conhecimento aos recorrentes antes da notificação do acórdão, a declaração de impedimento podia e devia ter sido requerida antes.
Seja como for, não têm razão os recorrentes ao defender a declaração de impedimento do Dr. Choi Mou Pan e do Dr. Lai Kin Hong.
Nos termos do art.º 29.º do CPP, “nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido”.
A previsão que nos interessa é que nenhum juiz pode intervir em recurso interposto duma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado.
Trata-se do impedimento decorrente da participação em processo e que se prende com a necessidade de acautelar a imparcialidade do juiz, evitando a intervenção no processo do juiz que já adquire “pré-juízo”.
E “tem como escopo assegurar a pureza e a verdade das decisões judiciais, impedindo que o juiz, em outra fase ou instância do processo, possa ser influenciado ou condicionado por anterior participação nele”.1
No caso vertente, como está em causa a apreciação do recurso, há de ver se os Dr.s Choi Mou Pan e Lai Kin Hong estão impedidos de intervir no recurso em que foi proferido o 2.º acórdão do TSI, uma vez que tinham participado na decisão anterior que determinou o reenvio do processo para novo julgamento (1.º acórdão do TSI).
Decorre dos autos que os Dr.s Choi Mou Pan e Lai Kin Hong intervieram na apreciação do recurso interposto pelos assistentes do acórdão absolutório do TJB (1.º acórdão do TJB), que conduziu à prolação do acórdão em 17 de Dezembro de 2015 (1.º acórdão do TSI), que por sua vez determinou o reenvio do processo para novo julgamento, após o qual o TJB condenou os recorrentes pela prática dos crimes de burla de valor consideravelmente elevado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva e no pagamento de indemnização aos ofendidos (2.º acórdão do TJB).
E nos recursos interpostos deste 2.º acórdão do TJB também tiveram intervenção os Dr.s Choi Mou Pan e Lai Kin Hong, sendo o primeiro o Juiz relator do acórdão (2.º acórdão do TSI), que decidiu negar provimentos aos recursos e manter o acórdão recorrido.
Interpretada literalmente o art.º 29.º do CPP, é evidente não estar em causa a situação em que se impõe o impedimento dos juízes, já que os dois Juízes não tiveram intervenção no julgamento de 1.ª instância nem proferiram o acórdão objecto dos recursos interpostos para TSI.
Alegam os recorrentes que, mesmo sem participação no 2.º acórdão do TJB, os dois Juízes visados tomaram já posição em relação às questões cruciais para o juízo de facto conclusivo suscitadas no recurso interposto desse acórdão, pelo que deveriam ter sido impedidos de na apreciação desse recurso, sob pena de violar o art.º 311.º n.º 1, al. e) do CPC ex vi art.º 4.º do CPP.
Desde logo, é duvidosa a aplicação no presente recurso penal do regime de impedimento previsto no CPC, já que o CPP contém disposições próprias para o processo penal.
Independentemente da discussão sobre a aplicação ou não do art.º 311.º n.º 1, al. e) do CPC, certo é que os elementos constantes dos autos, nomeadamente o teor dos dois acórdãos do TSI, não apoia a afirmação dos recorrentes.
No 1.º acórdão, por considerar verificado o vício de contradição insanável da fundamentação (contradição entre os factos provados e não provados), o TSI decidiu reenviar os autos para novo julgamento sobre todo o objecto do processo, após o qual será proferida a decisão, na qual se deverá tomar em consideração a aplicação do disposto no art.º 74.º do CPP, com arbitramento oficioso da indemnização por danos causados aos ofendidos, ainda que seja absolutória a sentença.
Realizado de novo o julgamento, O Tribunal Colectivo do TJB proferiu o acórdão condenatório e, aplicando art.º 74.º do CPP, fixou as quantias indemnizatórias.
É de salientar que, mesmo não havendo determinação do TSI, deve o TJB considerar sempre a aplicação do art.º 74.º, arbitrando oficioso a reparação pelos prejuízos sofridos pelos ofendidos, se entender verificados os pressupostos para o efeito.
Nos recursos interpostos do 2.º acórdão do TJB, o TSI apreciou as questões suscitadas pelos recorrentes e analisou os elementos constitutivos do crime de burla, com integração dos factos considerados provados pelo TJB no tipo legal do crime, tendo concluído pela bondade do acórdão condenatório recorrido.
E no que respeita à aplicação do art.º 74.º do CPP e à fixação das indemnizações, as questões colocadas pelos recorrentes, incluindo o não preenchimento dos pressupostos para a sua aplicação, a falta de legitimidade dos assistentes em serem reparados e o enriquecimento sem causa, também foram apreciadas pelo TSI.
Vistos os acórdãos proferidos nos autos e as motivações do recurso apresentadas para o TSI, não é de dizer que os dois Juízes visados tomaram já no 1.º acórdão do TSI posição sobre as questões suscitadas nos recursos interpostos do 2.º acórdão do TJB.
Daí que não há fundamento para a declaração de impedimentos dos Juízes.
Improcede o recurso, nesta parte.

3.2. Indemnizações cíveis
No que concerne ao arbitramento oficioso das indemnizações, imputam os recorrentes os vícios de nulidade do acórdão, de contradição insanável da fundamentação, de violação do art.º 74.º n.º 1, al.s b) e c) do CPP e dos art.ºs 335.º e 209.º (ou 210.º) do CC, colocando ainda a questão de enriquecimento sem causa, etc..
Vejamos.

3.2.1. Invoca o recorrente A as nulidades do acórdão recorrido, ao abrigo das al.s b) e d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, e a contradição insanável da fundamentação.
Na óptica do recorrente, o Tribunal a quo não especificou os fundamentos jurídicos com base nos quais foi arbitrada indemnização ao ofendido K.
Ora, o Tribunal recorrido expôs a sua posição sobre “a legitimidade dos ofendidos em serem indemnizados”, questão esta que foi expressamente identificada antes da sua pronúncia; e não obstante a consignação feita no acórdão recorrido no sentido de que os “assistentes” sofreram efectivamente danos causados pela conduta imputada aos recorrentes, afigura-se-nos que aqui se quis dizer “ofendidos”, havendo lapso no escrito (fls. 104 do acórdão recorrido).
Daí que não assiste razão ao recorrente, já que K é um dos ofendidos e sofreu danos, conforme a factualidade assente.
E não se vislumbra a contradição alegada pelo recorrente entre a decisão sobre a indemnização ao ofendido K e os fundamentos.
No que respeita à al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, alega o recorrente que o Tribunal recorrido não demonstrou a sua posição quanto às questões que devia conhecer e violou o princípio da economia processual.
Consultadas a motivação do recurso apresentada pelo recorrente e o acórdão ora posto em causa, é de dizer que o Tribunal recorrido tomou decisão sobre todas as questões colocadas à sua apreciação, não se descortinando o vício de omissão de pronúncia.
Na realidade e relativamente à legitimidade dos ofendidos em serem indemnizados, com citação do art.º 477.º do CC e do art.º 74.º do CPP, o Tribunal recorrido considera verificados os pressupostos para arbitramento oficioso de reparação aos ofendidos, afastando a hipótese colocada pelo recorrente de pagar indemnização à [Limitada].

3.2.2. Imputam os recorrentes a violação do disposto nas al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 74.º do CPP.
Ora, o art.º 74.º do CPP dispõe o seguinte:
Artigo 74.º
(Arbitramento oficioso de reparação)
1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal respectivo ou em acção cível separada, nos termos dos artigos 60.º e 61.º, o juiz arbitra na sentença, ainda que absolutória, uma quantia como reparação pelos danos causados, quando:
a) Ela se imponha para uma protecção razoável dos interesses do lesado;
b) O lesado a ela se não oponha; e
c) Do julgamento resulte prova suficiente dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar, segundo os critérios da lei civil.
2. No caso previsto no número anterior o juiz assegura, no que concerne à produção de prova, o respeito pelo contraditório.
3. À sentença que arbitrar a reparação é correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.
Segundo as al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 74.º, o arbitramento oficioso de reparação pressupõe a não oposição do lesado e a existência de prova suficiente dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar, segundo os critérios da lei civil.
Quanto à não oposição do lesado, alegam os recorrentes B e C que, ao abrigo dos art.ºs 209.º e 210.º do CC, o ofendido K nunca manifestou, de forma expressa ou tácita, qualquer declaração de vontade, muito menos a declaração de não se opor à quantia arbitrada, sendo que este ofendido não participou em qualquer fase do presente processo e o seu silêncio não pode ser considerado como não oposição ao arbitramento oficiosos de reparação.
Os art.ºs 209.º e 210.º do CC referem-se, respectivamente, à declaração negocial expressa ou tácita e ao silêncio como meio declarativo (no sentido de o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção).
No caso vertente, o que está em causa não é nenhuma declaração negocial no sentido própria, sendo exigida apenas uma simples não oposição do lesado para que o tribunal possa arbitrar uma quantia como reparação pelos danos causados.
Conforme a factualidade assente, K sofreu danos na quantia de HKD$1.281.350,00, pelo que o TJB atribuiu oficiosamente a mesma quantia como reparação.
Não é verdade a alegação dos recorrentes quanto à não participação de K em qualquer fase do presente processo e à não manifestação de qualquer declaração de vontade.
Na realidade, ainda antes da audiência de julgamento o ofendido K (conjuntamente com os assistentes) manifestou expressamente a sua intenção de ser indemnizado, pedindo ao tribunal que arbitrasse oficiosamente a reparação pelos danos causados (fls. 1461 dos autos).
No que concerne à violação da al. c) do n.º 1 do art.º 74.º, defendem os recorrentes que, como resulta dos factos provados n.ºs 22 a 25, 31 e 32, as relações jurídicas respeitantes à compra e venda de 2 terrenos por “escritura em papel de seda” foram estabelecidas entre a [Limitada] e o recorrente B, não sendo os sócios dessa sociedade sujeitos das relações jurídicas, pelo que foi a sociedade que sofreu os danos causados pelos actos ilícitos dos recorrentes, que é a pessoa que tem realmente legitimidade para ser indemnizada, em vez dos ofendidos a favor dos quais foi arbitrada a reparação.
Ora, conforme a factualidade assente, depois da celebração do contrato-promessa de transmissão dos direitos do 1.º terreno em 3 de Junho de 2008, foi constituída em Julho de 2008 a [Limitada], alegadamente para o desenvolvimento do terreno.
Em 28 de Agosto de 2008, E, G, o arguido A e J, em representação da [Limitada], celebraram com o arguido B um “acordo suplementar”, pelo qual foi transmitido à Sociedade referida o direito de compra do terreno de “escritura de papel de seda”.
E em Fevereiro de 2009, E e o arguido A, em representação da [Limitada], celebraram com o arguido C um contrato-promessa de transmissão dos direitos do 2.º terreno.
Não obstante a celebração formal dos negócios jurídicos entre a sociedade e os recorrentes, certo é que foram os ofendidos, e não a sociedade, quem pagou realmente os preços de compra dos dois terrenos em causa, tal como se constata nos documentos juntos aos autos e na matéria de facto provada, factualidade esta que não foi posta em causa pelos recorrentes.
Concluindo, são os ofendidos aos quais foi arbitrada a reparação que sofreram directa e realmente os prejuízos, daí que têm direito à indemnização, nos termos do art.º 477.º do CC.
Não se vislumbra violado o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 74.º do CPP.
Quanto à hipótese, colocada pelos recorrentes, de instauração de uma acção cível a pedir ao tribunal declarar nulos os dois contratos de compra e venda dos terrenos e de eventual restituição do preço de compra à sociedade em causa, não constitui, a nosso ver, obstáculo ao arbitramento oficioso por ora de reparação aos ofendidos.

3.2.3. Invocam ainda os recorrentes a figura de enriquecimento sem causa, alegando que, em relação ao primeiro terreno, como os ofendidos E e G já recuperaram o sinal e o preço de alienação que tinham pago, no valor de HKD 1.500.000,00 cada, não podem eles voltar a ter uma indemnização de HKD 2.187.500,00, sem ter feito o respectivo desconto, sob pena de enriquecimento sem causa.
Sustentam também os recorrentes que, mesmo que assim não se entenda, dado que o tribunal não conseguiu provar o montante do sinal ou do preço de alienação que os ofendidos receberam, não é possível confirmar o valor de indemnização oficiosamente arbitrado, daí que a contrario sensu do art.º 74.º n.º 1, al. c) do CPP, não devia ter sido arbitrada a indemnização.
Ora, a alegada recuperação do sinal ou recebimento do preço de alienação pelos ofendidos não tem mínimo suporte na matéria de facto provada, sendo que nem do ponto 20 indicado pelos recorrentes nem de outros factos provados resulta que os ofendidos recuperaram o sinal já pago ou receberam o preço de alienação, pelo que improcede o vício imputado pelos recorrentes.
E não tem cabimento a invocada violação do art.º 335.º do CC, que prevê o ónus da prova, pois não se vê como foi violado tal disposto.

3.2.4. Questiona o recorrente A a decisão do TSI que não tomou conhecimento da questão colocada sobre o arbitramento oficioso de reparação também à testemunha J que sofreu também danos.
Ora, tal como entende o Tribunal recorrido, também nos afigura que o recorrente não tem legitimidade nem interesse em suscitar a questão, pois a não determinação da indemnização ao referido indivíduo não se mostra, evidentemente, desfavorável aos recorrentes.

3.3. Litigância de má fé
A questão foi suscitada pelos assistentes.
Na sua óptica, como não podendo invocar os mesmos fundamentos suscitados no anterior recurso para interpor o recurso para o Tribunal de Última Instância, os ora recorrentes passam a apresentar a reclamação, de tal modo a solicitar que fosse julgado nulo o acórdão por existir o impedimento dos dois juízes do Tribunal de Segunda Instância e interpor o recurso para o TUI, com a finalidade de adiar infundadamente o trânsito em julgado do acórdão do presente processo, pelo que devem ser punidos com pena de multa por litigância de má fé.
Alegam ainda que, quanto à intervenção do Dr. Choi Mou Pan como relator do processo, deviam os recorrentes agir imediatamente, logo depois da notificação do despacho de declaração de impedimento da Dra. Tam Hio Wa e da substituição desta pelo Dr. Choi Mou Pan, e não como sucedeu nos presentes autos, a fim de atrasar o processo.
Nos termos do art.º 385.º n.º 2, al. d) do CPC, “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver feito do processo ou de meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Ora, atentas as circunstâncias verificadas nos autos, não parece evidente a má fé imputada pelos assistentes.
Por um lado, a questão de impedimento foi suscitada não só em relação ao Dr. Choi Mou Pan mas também ao Dr. Lai Kin Hong, sendo que não se constata nos autos que a intervenção deste Juiz foi notificada aos recorrentes (nem aos assistentes) antes, daí que só com a notificação do 2.º acórdão do TSI que os recorrentes tiveram conhecimento da sua participação no processo.
Por outro lado, não obstante a inadmissibilidade do recurso para o TUI da parte decisória penal do 2.º acórdão do TSI, da parte respeitante ao pagamento de indemnização civil do mesmo acórdão é admissível o recurso, recurso este que foi interposto e admitido.
Daí que não se pode dizer, com certeza, que os recorrentes fizeram de meios processuais um uso manifestamente reprovável, com finalidade de protelar o trânsito em julgado do acórdão do TSI.
É de indeferir o pedido de condenação em litigância de má fé.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar improcedentes os recursos jurisdicionais e indeferir o pedido de condenação em litigância de má fé.
Custas dos recursos jurisdicionais pelos recorrentes.
Os assistentes suportarão as custas devidas por pedido de condenação em litigância de má fé, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

Macau, 6 de Março de 2019

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Manuel Leal-Henriques, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Vol. I, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2013, p. 209.
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1
Processo n.º 84/2018