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Processo n.º 107/2018. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Raimundo Ho.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Caducidade parcial de concessão por arrendamento. Interesse em agir.
Data da Sessão: 6 de Março de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Nada obsta à declaração de caducidade parcial de concessão por arrendamento se o lote em causa é composto por parcelas distintas e apenas algumas não foram aproveitadas no prazo previsto.
II - Falta ao recorrente do recurso contencioso interesse em agir para defender a impossibilidade de caducidade por o terreno pertencer ao domínio público viário. Se o terreno não integrava a sua concessão não teria nenhum interesse em impugnar a respectiva declaração de caducidade.
  O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Raimundo Ho interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 26 de Abril de 2016, do Chefe do Executivo, que declarou a caducidade parcial da concessão provisória por arrendamento de um terreno sito na Ilha da Taipa, entre a subestação da CEM e o Aterro de Pac On, descrito sob o n.º 21676, a fls. 198 v. na Conservatória do Registo Predial, por decurso do prazo da concessão.
No decurso do recurso contencioso, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 16 de Fevereiro de 2017, indeferiu a reclamação do despacho que julgou parte ilegítima os contra-interessados indicados na petição de recurso contencioso, bem como decidiu não inquirir testemunhas.
Recorreu deste acórdão Raimundo Ho, alegando que:
- Os promitentes-compradores de moradias para habitação têm interesse na decisão do recurso contencioso;
- Viola a lei não inquirir testemunhas arroladas pelo recorrente.
O TSI, por acórdão de 12 de Julho de 2018, negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformado, interpõe Raimundo Ho recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
I. A decisão do não conhecimento dos vícios identificados nas alíneas a) a g) a fls. 535 a 535v do acórdão recorrido constituiu para o Recorrente uma decisão-surpresa por violação da garantia do contraditório, isto por o Recorrente não ter sido notificado para se pronunciar quanto à questão da extemporâneadade dos vícios alegados nas suas alegações facultativas suscitada pela Entidade Recorrida e pelo Ministério Público.
Trata-se de uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve (artigo 147.°, n.º 1, do CPC), que, por apenas se consumar com a prolação do acórdão recorrido, se lhe comunica, sendo por isso consumida por uma nulidade por excesso de pronúncia, dado que, sem a prévia audição das partes, não é lícito ao Tribunal, por força do artigo 3.°, n.º 3, do CPC, decidir sobre questões que nunca estiveram em discussão no processo.
II - Sem prescindir, não deverá manter-se a decisão do não conhecimento dos "novos" vícios a que se referem as alíneas a) a g) de fls. 535 a 535v do acórdão recorrido, isto porque o que o Recorrente fez nas suas alegações facultativas foi enquadrar, sob uma nova perspectiva, os factos que alegara na petição de recurso, conforme de resto resulta do cotejo do teor das alegações facultativas com o da petição de recurso feito no quadro para o efeito reproduzido corpo destas alegações.
III - A decisão de não conhecer das questões de direito suscitadas nas alegações facultativas e de concluir pela inoperatividade automática da invocação da violação dos princípios gerais do Direito Administrativo previstos nos artigos 5.°, 7.° e 8.° do CPA no âmbito da actividade vinculada da Administração fez com que o Tribunal a quo apenas considerasse relevantes os factos assentes nos pontos 1 a 20 enunciados a fls. 531v a 534 do acórdão recorrido e se escusasse de apurar se os outros factos alegados pelo Recorrente no recurso contencioso eram verdadeiros ou falsos.
Devia o Tribunal a quo ampliado o julgamento de modo a apreciar também outros pontos controvertidos da matéria de facto, designadamente os factos indicados nas alíneas g), h), i), u), w) a hh), yyyy), zzzz) , aaaaaa) a dddddd), ffffff), gggggg) das conclusões da petição de recurso, e não apenas aqueles tidos por relevantes em função da única solução de direito por si preconizada como possível no caso concreto.
IV - Não é possível cindir/reduzir unilateralmente o objecto da concessão através da declaração de caducidade de alguma ou de algumas das suas parcelas.
V - Não podia ter a entidade recorrida ter declarado a caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º 29/1989, com a área de 3 304 m2, por tal parcela corresponder à Rua de Choi Long que nela foi construída e, nessa medida, estar fora do comércio jurídico, não podendo por isso ser objecto de direitos privados.
VI - Na perspectiva do Tribunal a quo, a audiência prévia deixa de ter qualquer relevância, por a declaração de caducidade constituir uma actividade administrativa vinculada.
Sucede que o Tribunal a quo não fundou a sua decisão num juízo de prognose póstuma reportado ao caso concreto.
VII - Segundo o Tribunal a quo a violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé nunca é operante no exercício do poder vinculado.
Mas para que assim fosse era necessário, na esteira do decidido no Acórdão do TUI de 14 de Dezembro de 2011, proferido no Processo n.º 54/2011, e por identidade de razão, que o Despacho do Chefe do Executivo 26 de Abril de 2016 tivesse sido a única decisão possível no caso concreto, por não dispor a Administração de qualquer margem de decisão.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. Através do Despacho n.º 42/SAES/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, nº 13, de 30 de Março de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 9,180m2, situado na Ilha da Taipa, entre o Pac On e a subestação eléctrica da CEM, designado por lote “PO2”, em parte conquistado ao mar, a favor de Raimundo Ho.
2. A referida concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 12 de Junho de 1987.
3. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento seria válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública, ou seja até 11 de Junho de 2012.
4. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a execução de obras de infra-estruturas e a construção de 14 moradias unifamiliares de 3 pisos cada, um clube, uma piscina e instalações para ténis, destinados ao uso exclusivo dos residentes.
5. O prazo de aproveitamento do terreno foi estipulado em 36 meses, contados a partir da data da publicação do Despacho n.º 42/SAES/87, ou seja, de 30 de Março de 1987 até 29 de Março de 1990.
6. Posteriormente, através do Despacho n.º 101/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 31, de 03 de Agosto, foi autorizada a alteração do aproveitamento do terreno, para ser aproveitado com a construção das infra-estruturas, 14 moradias unifamiliares de 3 pisos cada, 7 moradias unifamiliares de 2 pisos cada, uma piscina, campo de ténis e instalações de apoio, passando a área do terreno concedido a ser revista para 11,650m2.
7. O lote “PO2” é composta por 6 parcelas, a saber: “A”, “B”. “C”, “D1”, “D2” e “E”, devidamente demarcadas, assinaladas e individualizadas na planta cadastral, tendo cada uma finalidade e utilidade próprias.
8. A parcela “A” é área de habitação unifamiliar.
9. A parcela “B” é área de construção do edifício de classe MA.
10. A parcela “C” representa a área destinada a infraestruturas urbanas a executar pelo concessionário, e a reverter ao domínio público.
11. As parcelas “D1” e “D2” são área destinada a zona verde e a reverter do domínio público.
12. A parcela “E” deverá ser demolido o posto de transformação eléctrica após a conclusão do edifício na parcela “B”, e a respectiva parcela de terreno será integrado no domínio público.
13. Por força desta revisão, o prazo de aproveitamento do terreno foi prorrogado por mais 30 meses, contados a partir de 30 de Março de 1990 até 29 de Setembro de 1992, e o concessionário deveria elaborar e apresentar, no prazo de 90 dias contados a partir da data da publicação do mencionado despacho de revisão, o projecto de obra (projectos de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais) e deveria iniciar as respectivas obras no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da aprovação do projecto de obra.
14. O prémio do contrato no valor de $4,230,000.00 patacas e o prémio adicional no valor de $2,070,654.00 patacas foram integralmente liquidados em prestações pelo concessionário.
15. Constituíam encargos especiais a suportar exclusivamente pelo concessionário:
1. A desocupação do terreno e remoção de todas as construções e materiais aí existentes;
2. Executar, nos termos dos projectos aprovados pela Administração, todas as infra-estruturas, nomeadamente rede geral de esgotos, rede geral de abastecimento e distribuição de água, bem como redes gerais de energia e iluminação pública, incluindo os postos de transformação considerados necessários;
3. Garantir, durante um ano, contado a partir da data da sua conclusão, a boa execução e qualidade de materiais aplicados nas infra-estruturas do terreno, correndo por conta do concessionário todos os encargos com as correcções e substituições a efectuar ao abrigo desta garantia;
4. Executar, à sua própria custa, os projectos e obras correspondentes, respeitantes a quaisquer alterações relativas às infra-estruturas que, porventura, o concessionário reconheça necessário efectuar depois de aprovados os projectos pela Administração;
5. Entregar à Administração, logo que concluídos e considerados aceites por esta, todos os arruamentos, zonas verdes públicas, com todas as respectivas infra-estruturas;
6. Reparar, durante o período de execução das obras de aproveitamento do terreno, todos os estragos e quaisquer danos provocados pelo concessionário, nomeadamente pelo transporte de materiais nos arruamentos, zonas verdes públicas que, nos termos do contrato, deverão ser entregues à Administração.
16. A construção das 14 moradias unifamiliares referidas na alínea b) do n.º 1 da cláusula terceira do contrato de revisão da concessão viria a ficar concluída em 05 de Fevereiro de 1991, conforme atesta a licença de utilização n.° 77/91, emitida em 02 de Abril do mesmo ano.
17. Com excepção da área onde se encontravam implantadas as referidas moradias unifamiliares na parcela “A”, a restante área do terreno concedido nunca foi aproveitada.
18. Reunida em sessão de 21 de Janeiro de 2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 6/2016, que aqui se dá por reproduzido, e no qual concluiu nos seguintes termos: «Reunida em sessão de 21 de Janeiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração os pareceres e propostas constantes nas informações n. Os 304/DSODEP/2011, de 29 de Dezembro, 34/DJUDEP/2012, de 22 de Junho, 26/GTJ/2012, de 21 de Agosto, 241/DSODEP/2012, de 05 de Outubro, 033/DSODEP/2013, de 21 de Janeiro, 001/DSODEP/2013, de 30 de Maio, nas propostas n.ºs 121/DJUDEP/2015, de 04 de Setembro, 306/DSODEP/2015, de 3 de Dezembro, bem como o despacho do STOP, de 09 de Novembro de 2012 e 04 de Dezembro de 2015, exarados na informação n.° 241/DSODEP/2012 e proposta n.° 306/DSODEP/2015, e o despacho do Chefe do Executivo, de 14 de Novembro de 2012, exarado na informação n.° 241/DSODEP/2012, considera que muito embora o presente procedimento tenha sido iniciado para a Administração verificar e apreciar se o incumprimento do contrato de concessão seria imputável ao concessionário e, por conseguinte, causa da caducidade-sanção legal e contratualmente prevista, tendo em 11 de Junho de 2012 terminado o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento) sem que o aproveitamento de parte do terreno, com a área de 7,590m2, tenha sido executado, verifica-se a caducidade parcial da concessão pelo decurso daquele prazo, a qual deve ser declarada por despacho do Chefe do Executivo».
19. Em 15 de Fevereiro de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer que aqui se dá por reproduzido e que concluiu nos seguintes termos: «Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade parcialda concessão do referido terreno».
20. Em 26 de Abril de 2016, a Entidade Recorrida declarou a caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno correspondente às parcelas demarcadas e assinaladas com as letras «B», «C», «D1», «D2» e «E» na respectiva planta cadastral n.º 29/1989, que faz parte integrante do lote «PO2» e do qual deve ser desanexado, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21676 a fls. 198v do livro B61, situado na ilha da Taipa, entre a subestação da CEM e o aterro do Pac On, a que se refere o Processo n.º 54/2015 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e com os fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas referido no artigo anterior.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.

2. Recurso do acórdão interlocutório de 16 de Fevereiro de 2017
São duas as questões suscitadas.
Alega o recorrente que os promitentes-compradores de moradias para habitação no lote cuja caducidade foi declarada, têm interesse na decisão do recurso contencioso.
É certo. Só que têm o mesmo interesse do recorrente, na anulação do acto recorrido. Ora, nos termos do artigo 39.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, têm legitimidade para intervir no processo como contra-interessados, as pessoas a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar. O que não é caso. O provimento do recurso só os beneficiaria.
A segunda questão não tem melhor sorte.
Os factos que o recorrente visava demonstrar com inquirição de testemunhas são irrelevantes para a decisão, de acordo com jurisprudência uniforme do TUI e do TSI sobre a caducidade das concessões de terrenos por decurso do prazo, para a qual remetemos e sobre a qual nos voltaremos a pronunciar no recurso do mérito, a final.
Daí que a decisão que indeferiu a inquirição seja de manter, independentemente da sua fundamentação.

3. Decisão surpresa
Alega o recorrente que a decisão do não conhecimento dos vícios identificados nas alíneas a) a g) a fls. 535 a 535v do acórdão recorrido constituiu para o Recorrente uma decisão-surpresa por violação da garantia do contraditório, isto por o Recorrente não ter sido notificado para se pronunciar quanto à questão da extemporâneidade dos vícios alegados nas suas alegações facultativas suscitada pela Entidade Recorrida e pelo Ministério Público. Acrescenta a recorrente que se trata de uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve (artigo 147.°, n.º 1, do CPC), que, por apenas se consumar com a prolação do acórdão recorrido, se lhe comunica, sendo por isso consumida por uma nulidade por excesso de pronúncia, dado que, sem a prévia audição das partes, não é lícito ao Tribunal, por força do artigo 3.°, n.º 3, do CPC, decidir sobre questões que nunca estiveram em discussão no processo.
A nulidade processual, a existir, questão que não tem de ser apreciada, deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias a contar da notificação do acórdão recorrido (artigos 107.º e 101.º do Código de Processo Civil) – que ocorreu por carta registada de 17 de Julho de 2018 – dado que a partir de tal notificação o recorrente ficou a saber não ter sido notificado para se pronunciar sobre o não conhecimento dos novos vícios das alegações facultativas. Tal prazo terminou a 30 de Julho de 2018 e o recorrente só nas alegações de recurso, apresentadas a 11 de Outubro de 2018, suscitou a questão que é, assim, intempestiva. Por a nulidade processual, a existir, não ser conhecimento oficioso, não há qualquer excesso de pronúncia do acórdão recorrido quando decidiu sobre a intempestividade.

4. A causa de pedir da petição e os novos vícios das alegações facultativas
Entende o recorrente que não deverá manter-se a decisão do não conhecimento dos "novos" vícios a que se referem as alíneas a) a g) de fls. 535 a 535v do acórdão recorrido, isto porque o que o Recorrente fez nas suas alegações facultativas foi enquadrar, sob uma nova perspectiva, os factos que alegara na petição de recurso, conforme de resto resulta do cotejo do teor das alegações facultativas com o da petição de recurso feito no quadro para o efeito reproduzido corpo destas alegações.
Vejamos se é assim.
a) a existência da causa impeditiva da caducidade dos direitos resultantes da concessão, derivada do Despacho n.º101/SATOP/92;
b) o erro da Administração na determinação do termo inicial do prazo de caducidade;
Os vícios não foram arguidos na petição de recurso contencioso, tendo o recorrente apenas alegado dois factos sem fundar aí a invocação de qualquer vício.
c) a impossibilidade objectiva da prestação em virtude da alteração da parcela «C» da planta cadastral n.º 29/1989 com a área de 3304 metros quadrados;
O vício não foi arguido na petição de recurso contencioso, tendo o recorrente apenas alegado factos para fundar a invocação da violação do princípio da boa fé, vício que foi apreciado.
d) o novo plano de aproveitamento e a subsequente impossibilidade do aproveitamento;
O vício não foi arguido na petição de recurso contencioso, tendo o recorrente apenas alegado factos sem fundar aí a invocação de qualquer vício.
e) a mora não imputável ao concessionário, ora recorrente;
O vício não foi arguido na petição de recurso contencioso, tendo o recorrente apenas alegado factos para fundar a invocação da violação do princípio da boa fé, vício que foi apreciado.
f) o erro nos pressupostos de facto e de direito da declaração da caducidade parcial da concessão;
O vício não foi arguido na petição de recurso contencioso, tendo o recorrente apenas alegado factos para fundar a invocação da impossibilidade legal da caducidade parcial e da violação do princípio da boa fé, vícios que foram apreciados.
g) o erro nos pressupostos de facto e de direito, decorrente de um deficit de instrução.
O vício não foi arguido na petição de recurso contencioso, tendo o recorrente apenas alegado factos para fundar a invocação da violação do princípio da proporcionalidade.
Em suma, improcede o vício suscitado, dado que, ao contrário da situação a que se refere o acórdão deste Tribunal, de 19 de Novembro de 2014, no Processo n.º 112/2014, no caso dos autos, apenas uma parte dos factos relevantes para apreciaçáo dos novos vícios, tinham sido alegados na petiçáo de recurso contencioso.

5. Insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito
Alega o recorrente que a decisão de não conhecer das questões de direito suscitadas nas alegações facultativas e de concluir pela inoperatividade automática da invocação da violação dos princípios gerais do Direito Administrativo previstos nos artigos 5.°, 7.° e 8.° do CPA no âmbito da actividade vinculada da Administração fez com que o Tribunal a quo apenas considerasse relevantes os factos assentes nos pontos 1 a 20 enunciados a fls. 531v a 534 do acórdão recorrido e se escusasse de apurar se os outros factos alegados pelo Recorrente no recurso contencioso eram verdadeiros ou falsos. Diz ainda o recorrente que devia o Tribunal a quo ampliado o julgamento de modo a apreciar também outros pontos controvertidos da matéria de facto, designadamente os factos indicados nas alíneas g), h), i), u), w) a hh), yyyy), zzzz) , aaaaaa) a dddddd), ffffff), gggggg) das conclusões da petição de recurso, e não apenas aqueles tidos por relevantes em função da única solução de direito por si preconizada como possível no caso concreto.
Mas não é assim, já que à data do acórdão recorrido havia jurisprudência consolidada do Tribunal de Última Instância, proferida por unanimidade, concluindo que o decurso do prazo de concessão sem esta se ter transformado em definitiva leva à caducidade inexorável da mesma. Daí que a produção de prova seria totalmente inútil.

6. Caducidade parcial da concessão
Para o recorrente, não é possível cindir/reduzir unilateralmente o objecto da concessão através da declaração de caducidade de alguma ou de algumas das suas parcelas.
No caso dos autos:
Através do Despacho n.º 101/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 31, de 03 de Agosto, foi autorizada a alteração do aproveitamento do terreno, para ser aproveitado com a construção das infra-estruturas, 14 moradias unifamiliares de 3 pisos cada, 7 moradias unifamiliares de 2 pisos cada, uma piscina, campo de ténis e instalações de apoio, passando a área do terreno concedido a ser revista para 11,650m2.
O lote “PO2” é composta por 6 parcelas, a saber: “A”, “B”. “C”, “D1”, “D2” e “E”, devidamente demarcadas, assinaladas e individualizadas na planta cadastral, tendo cada uma finalidade e utilidade próprias.
A parcela “A” é área de habitação unifamiliar.
A parcela “B” é área de construção do edifício de classe MA.
A parcela “C” representa a área destinada a infraestruturas urbanas a executar pelo concessionário, e a reverter ao domínio público.
As parcelas “D1” e “D2” são área destinada a zona verde e a reverter do domínio público.
Na parcela “E” deverá ser demolido o posto de transformação eléctrica após a conclusão do edifício na parcela “B”, e a respectiva parcela de terreno será integrado no domínio público.
A construção das 14 moradias unifamiliares referidas na alínea b) do n.º 1 da cláusula terceira do contrato de revisão da concessão viria a ficar concluída em 05 de Fevereiro de 1991, conforme atesta a licença de utilização n.° 77/91, emitida em 02 de Abril do mesmo ano.
Com excepção da área onde se encontravam implantadas as referidas moradias unifamiliares na parcela “A”, a restante área do terreno concedido nunca foi aproveitada.
Atentos os factos expostos, em que só uma parte do lote concedido foi aproveitado no período da concessão provisória, três soluções seriam possíveis:
a) Operar-se a caducidade da totalidade da concessão;
b) Não se operar a caducidade da concessão, mesmo que o concessionário nunca aproveitasse o terreno na totalidade;
c) Operar-se a caducidade do terreno nas parcelas que estão delimitadas e que não foram aproveitadas no prazo da concessão, não se declarando a caducidade na parcela que foi aproveitada e cuja utilização está licenciada.
A tese do recorrente aponta para a solução b), que é a única inaceitável, tendo em conta o interesse público subjacente à concessão de terrenos públicos, dada a escassez de terrenos em Macau. O incumprimento no aproveitamento do terreno não poderia ser premiado, mesmo que a concessionária não pudesse ou não quizesse aproveitar o terreno.
A solução da alínea a) também não seria inteiramente justa, dado que uma das parcelas foi aproveitada e as moradias, porventura, vendidas a terceiros.
A solução encontrada, a da alínea c), é justa. Só opera caducidade da parte não aproveitada. E é legal. Embora a Lei de Terras não trate expressamente da caducidade parcial de terrenos, ela tem apoio na figura da redução do negócio jurídico, prevista no artigo 285.º do Código Civil, segundo o qual a nulidade ou a anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada, norma esta que se filia no princípio geral do aproveitamento dos actos jurídicos, que o Direito Administrativo bem conhece, com o princípio geral do aproveitamento dos actos administrativos proferidos no uso de poderes vinculados.
Assim, nada obstava à declaração da caducidade parcial da concessão.

7. Impossibilidade jurídica da declaração da caducidade da parcela C

Alega o recorrente que não podia ter a entidade recorrida declarado a caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º 29/1989, com a área de 3 304 m2, por tal parcela corresponder à Rua de Choi Long que nela foi construída e, nessa medida, estar fora do comércio jurídico, não podendo por isso ser objecto de direitos privados.
Contudo, o acórdão recorrido concluíu que tal facto não era exacto, tendo-o feito com base no exame de documentos constantes do processo instrutor.
A circunstância de o facto não ter sido impugnado por parte da entidade recorrida, na sua contestação não implica sua confissão, já que o acórdão recorrido considerou que o facto alegado na petição estava contraditado pelos documentos que indicou, por via da remissão para o parecer do Ministério Público (artigo 54.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Nenhum desses factos constituía prova plena, pelo que vigora o princípio da livre apreciação da prova.
Como decidimos no acórdão de 16 de Maio de 2018, no Processo n.º 40/2018, o TUI só conhece de matéria de direito, no recurso jurisdicional administrativo (artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que não lhe cabe apreciar matéria de facto, em que não está em causa nenhuma violação de norma legal ou princípio jurídico, mas a livre apreciação da prova por parte do acórdão recorrido, insindicável pelo TUI.
Por outro lado, falta ao recorrente interesse em agir para defender a impossibilidade de caducidade por o terreno pertencer ao domínio público viário. Se o terreno não integrava a sua concessão não teria nenhum interesse em impugnar a respectiva declaração de caducidade.
Ao contrário do que alega o recorrente o acórdão do TSI de 16 de Fevereiro de 2017 ( e não de 16 de Dezembro de 2017) não se pronunciou sobre esta questão, mas sobre a irrecorribilidade do acto, por não produzir efeitos externos numa situação individual e concreta.

8. Falta de audiência prévia. Violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. Omissão de um juízo de prognose póstuma
Relativamente a estas matérias remetemos para os nossos acórdãos de 23 de Maio, 6 de Junho e 31 de Julho todos de 2018, respectivamente, nos Processos n.os 7/2018, 43/2018 e 31/2018, onde abordamos as questões suscitadas, que aqui damos por reproduzidas.
Ao contrário do que alega o recorrente, o acórdão recorrido concluiu que o acto recorrido constituía a única decisão possível no caso concreto, por não dispor a Administração de qualquer margem de decisão.
Improcedem os vícios suscitados.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento aos recursos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 2 UC para o recurso interlocutório e de 18 UC para o recurso sobre o mérito.
Macau, 6 de Março de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa







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Processo n.º 107/2018

23
Processo n.º 107/2018