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Processo n.º 111/2018. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Sociedade de Fomento Predial Socipré, Limitada.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Contrato de concessão por arrendamento. Lei de Terras. Caducidade. Culpa da concessionária. Acto vinculado. Direito à ilegalidade. Natureza do prazo de aproveitamento de terreno urbano.
Data da Sessão: 27 de Março de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Havendo fundamento para declarar a caducidade de concessão de terreno urbano, porque houve culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno no prazo fixado, tal constitui um acto vinculado para a Administração. Se esta, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.
II - O prazo de aproveitamento de terreno urbano concedido por arrendamento é um prazo imperativo, que pode ser suspenso ou prorrogado pelo Chefe do Executivo, em determinadas circunstâncias.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Sociedade de Fomento Predial Socipré, Limitada, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 15 de Maio de 2015, do Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão provisória por arrendamento de um terreno sito na Taipa, na Avenida Kwong Tung, designado por Lote BT 8, com a área de 3177 m2, por falta de aproveitamento, por incumprimento, no prazo fixado no contrato.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 19 de Julho de 2018, negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe Sociedade de Fomento Predial Socipré, Limitada, recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), imputando ao acto recorrido os seguintes vícios (e ao acórdão recorrido as correspondentes violações legais por não ter anulado o acto administrativo com tais fundamentos):
- Vício de forma por falta de fundamentação, por faltar uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a diferença do acto recorrido face à prática e aos critérios seguidos pelo Chefe do Executivo em casos semelhantes;
- Violação do disposto no artigo 167.º da Lei de Terras e no artigo 113.º n.º 1 do CPA, pois o acto do Chefe do Executivo não declara a caducidade da concessão, limitando-se a dizer que concorda com o parecer do Secretário;
- Vício de forma por falta de fundamentação;
- Défice de instrução do procedimento administrativo;
- Falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno
- Prazo de aproveitamento do terreno é indicativo e não imperativo.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
A recorrente é uma sociedade comercial com sede em Macau.
Pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial, II Série, n.º 50, de 17 de Dezembro de 1999, o Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas do, então, Governo de Macau, deferiu o pedido de transmissão dos lotes BT6, BT11, BT8, BT9 e BT12 situados na ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung (antiga estrada Governador Albano de Oliveira), nos termos do contrato acordado entre o Território de Macau, como primeiro outorgante, a sociedade transmitente “Fábrica de Artigos de Vestuário Estilo, Limitada”, como segundo outorgante, e as sociedades transmissárias Companhia de Investimento Predial Hamilton, Limitada, Companhia de Investimento Predial Pak Lok Mun, Limitada, Sociedade de Fomento Predial Socipré, Limitada, Sociedade de Fomento Predial Predific, Limitada e Companhia de Investimento Predial Hoi Sun, Limitada, como terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo outorgantes respectivamente.
Através desse mesmo despacho foi, ainda, deferido o pedido de revisão da concessão de cada um dos lotes, nos termos dos contratos acordados entre o Território de Macau como primeiro outorgante e cada uma das sociedades transmissárias como segundo outorgante.
Nos termos do artigo primeiro do referido contrato, constituiu objecto do mesmo:
1. A reversão a favor do primeiro outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, para integrar a via pública, da parcela de terreno com a área de 12.376 m2, assinalada pela letra “F” na planta n.º 128/89, emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC) em 11 de Março de 1996, que faz parte integrante do contrato (planta esta que foi publicada no Boletim Oficial n.º 36, II Série, de 6 de Setembro de 2000, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obra Públicas n.º 76/2000), a desanexar do terreno descrito na CRP sob o n.º 20670 a fls. 92v do livro B45 e inscrito a favor do segundo outorgante sob o n.º 7378 a fls. 86v do livro F8, com a área de 30.798 m2, assim reduzida para 18.422 m2;
2. A divisão dos 18.422m2 remanescentes em 5 (cinco) lotes, a desanexar da descrição n.º 20670, assinalados pela letra “A”, “B”, “C”, “D” e “E”, na mencionada planta, respectivamente, designados por lote BT6, lote BT11, lote BT8, lote BT9 e lote BT12, com a área de 2.795 m2, 2.209 m2, 3.177 m2, 7.731 m2 e 2.510 m2;
3. A transmissão pelo segundo outorgante (Fábrica de Artigos de Vestuário Estilo, Limitada), com autorização do primeiro outorgante (Território de Macau), do lote de terreno BT8, assinalado pela letra “C” na planta acima referida, pelo preço de $1.800.000,00 patacas para a quinta outorgante (Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada);
4. O aproveitamento do lote referido no ponto anterior seria efectuado nas condições definidas em contrato autónomo, titulado pelo Despacho acima referido.
Nos termos da cláusula primeira do contrato referido no ponto 4 do artigo anterior, constituía seu objecto a revisão da concessão, por arrendamento, respeitante do terreno com a área de 3.177 m2 situado na ilha da Taipa, assinalado pela letra “C” na planta anexa n.º 128/89, emitida pela DSCC em 11 de Março de 1996, e designado por lote BT8, a desanexar do terreno descrito na CRP sob o n.º 20670 a fls. 92v do livro B45.
Nos termos da cláusula segunda desse contrato, o arrendamento seria válido pelo prazo de 50 anos, contados a partir de 29 de Outubro de 1964, data da outorga da escritura pública da concessão inicial.
Nos termos da cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 3 pisos e 2 torres, com 32 (trinta e dois) pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades de utilização: (i) habitacional; (ii) comercial e (iii) estacionamento.
De acordo com a cláusula quinta do citado contrato, o aproveitamento do terreno deveria operar-se no prazo de 42 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial de Macau do Despacho que titulou o contrato (Despacho n.º 125/SATOP/99, publicado em 17 de Dezembro de 1999).
Ainda, de acordo com a mesma cláusula quinta, o segundo outorgante, a ora Recorrente, deveria, relativamente à apresentação dos projectos e início das obras, observar os seguintes prazos:
- 60 dias, contados da publicação do despacho que titulou o contrato, para a elaboração e apresentação do anteprojecto de obra (projecto de arquitectura);
- 90 dias, contados da notificação da aprovação do anteprojecto de obra, para elaboração e apresentação do projecto de obra (projectos de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais);
- 45 dias, contados da data da notificação da aprovação do projecto de obra, para o início das obras.
Estatuía-se ainda na referida cláusula quinta que:
- Para efeitos do cumprimento dos prazos referidos no número anterior, os projectos só se considerariam efectivamente apresentados quando completa e devidamente instruídos com todos os elementos;
- Para efeitos da contagem do prazo (de 42 meses) entendeu-se que, para a apreciação dos projectos, os Serviços competentes observariam um prazo de 60 dias;
- Caso os Serviços competentes não se pronunciassem no prazo de 60 dias, o segundo outorgante poderia dar início às obras projectadas 30 dias após comunicação por escrito à DSSOPT, sujeitando, todavia, os projectos a tudo o que se encontrava disposto no Regulamento Geral de Construção Urbana (RGCU) ou em quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeito a todas as penalidades previstas naquele RGCU, com excepção da estabelecida para a falta de licença. Todavia, a falta de resolução, relativamente ao anteprojecto de obra, não dispensava o segundo outorgante da apresentação do respectivo projecto de obra.
Nos termos da cláusula sexta do referido contrato ficou estabelecido o seguinte:
- Salvo motivos devidamente justificados e aceites pelo primeiro outorgante, pelo incumprimento dos prazos fixados na cláusula quinta, relativamente à apresentação dos projectos, início e conclusão das obras, o segundo outorgante ficou sujeito a multa que poderia ir até $5.000,00 (cinco mil) patacas, por cada dia de atraso até 60 dias; para além desse período e até ao máximo global de 120 dias, ficava sujeito a multa que poderia ir até ao dobro daquela importância;
- O segundo outorgante ficava exonerado da responsabilidade acima referida em casos de força maior ou de outros factos relevantes que estivessem, comprovadamente, fora do seu controlo, obrigando-se a comunicar, por escrito, ao primeiro outorgante, o mais rapidamente possível, a ocorrência dos referidos factos;
- Consideravam-se casos de força maior os que resultassem exclusivamente de eventos imprevisíveis e irresistíveis.
Na cláusula décima terceira do contrato ficou estabelecido que o mesmo caducaria, entre outros casos, findo o prazo da multa agravada previsto na cláusula sexta.
Por ofício de 17.5.2011, a concessionária foi notificada, em sede de audiência de interessados, do projecto de decisão no sentido da provável declaração de caducidade da concessão do terreno correspondente ao lote B8 por incumprimento das obrigações contratuais.
Em 30.5.2011, a concessionária apresentou a sua defesa por escrito.
O Departamento Jurídico da DSSOPT elaborou em 24.8.2011 o seguinte parecer:
“RELATÓRIO DA AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS, ELABORADO NOS TERMOS DO ARTIGO 98.º DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA), A QUE FOI SUBMETIDO O SENTIDO PROVÁVEL DE DECISÃO FINAL RELATIVO À CONCESSÃO, POR ARRENDAMENTO, DO TERRENO COM A ÁREA DE 3.177 m², SITUADO NA ILHA DA TAIPA, DESIGNADO POR LOTE BT8, TITULADO PELO DESPACHO n.º 125/SATOP/99
I. Enquadramento
Por despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Novembro de 2010, foi aprovada a proposta da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) constante do ponto 5 da informação n.º 217/DSODEP/2010, de 3 de Novembro de 2010, de iniciar o procedimento de declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da concessionária Sociedade de Fomento Predial Socipré, Limitada, do terreno situado na ilha da Taipa, designado por lote BT8, titulado pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, por incumprimento das cláusulas quinta, sétima e oitava do contrato de revisão da concessão, e decidido submeter o processo à Comissão de Terras, para análise e emissão de parecer.
Reunida em sessões de 19 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2011, a Comissão de Terras, após análise do processo n.º 43/2010, e em concordância com a proposta da entidade concedente, propõe a declaração de caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei de Terras, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo, ou a declaração de rescisão do contrato, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato e na alínea c) do n.º 1 do artigo 169º da referida Lei, e a consequente reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
Propõe ainda aquela Comissão que, de acordo com o disposto no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, as prestações do prémio pagas pela concessionária sejam declaradas perdidas a favor da RAEM, e que nos termos dos artigos 93º e 94º do CPA, a concessionária seja notificada para, no prazo de dez dias a contar da data da notificação, se pronunciar por escrito sobre o sentido provável da decisão.
Submetido o parecer da Comissão de Terras a homologação do Chefe do Executivo, decidiu esta entidade, por despacho de 24 de Março de 2011, que antes da tomada da decisão final neste procedimento de declaração de caducidade da concessão deveria ser realizada a audiência da concessionária e solicitado parecer ao Ministério Público,
Nos termos do disposto nos artigos 93º e 94º CPA, a DSSOPT, através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, submeteu o sentido provável da decisão (declaração de caducidade da concessão) a audiência prévia do interessado, tendo este disposto de um prazo de 10 dias a contar da data da notificação – 18 de Maio de 2011 – para se pronunciar por escrito.
No âmbito deste procedimento, foi recebida, dentro do prazo limite – 30 de Maio de 2011 – resposta da concessionária Sociedade de Fomento Predial Socipré, Limitada (em anexo ao presente relatório).
O presente relatório apresenta uma síntese dessa resposta e o entendimento da DSSOPT sobre as questões levantadas. Dado o carácter sintético deste documento, a sua análise não dispensa a consulta da referida resposta.
II. Síntese da resposta recebida
Na resposta à audiência prévia recebida pela DSSOPT, em 30 de Maio de 2011, a concessionária alega, em síntese, o seguinte:
1. A crise financeira asiática de 1997 e o aparecimento da SARS em 2003 tiveram reflexos negativos na situação financeira de Macau, originando uma crise no mercado imobiliário, diminuindo a oferta e a procura de imóveis;
2. Este ambiente económico de Macau e a crise no mercado imobiliário constituíram impedimento para a realização do aproveitamento do terreno;
3. A concessionária, em 17 de Janeiro de 2002, apresentou um requerimento ao Governo de Macau, explicando que não podia aproveitar o terreno e solicitando um alargamento do prazo para efectuar o pagamento das duas prestações do prémio que se encontravam em falta, pelo que o Governo deve analisar esse pedido;
4. Assim sendo, a concessionária não concorda com o que foi exposto nos pontos 4.1 e 4.2 da Informação n.º 217/DSODEP/2010, ao referir que a concessionária não realizou o aproveitamento do terreno, não pagou o prémio e não realizou os encargos especiais, bem como não apresentou justificação para o não pagamento do prémio;
5. Até 23 de Março de 2010 o Governo (entidade concedente) nunca avisou nem solicitou qualquer justificação para o incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno e do não pagamento do prémio, nem aplicou a multa estipulada na cláusula 6ª do contrato.
6. Por outro lado, os critérios para o tratamento de terrenos não aproveitados, estabelecidos na informação n.º 095/DSODEP/2010, nunca foram publicados no Boletim Oficial da RAEM, nos termos do artigo 3º da Lei n.º 3/1999 e n.º 1 do artigo 4º do Código Civil, apenas servem para instruções internas, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos externos nem vinculam terceiros (incluindo a concessionaria);
7. Dada a natureza do contrato de concessão (contrato administrativo) e a cláusula 16º do contrato estipular que “o presente contrato rege-se, nos casos omissos, pela Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho e demais legislação aplicável;
8. Relativamente a outra legislação aplicável, o Código do Procedimento Administrativo (CPA) é uma delas. O artigo 167º do CPA diz que o Governo pode: “rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento da justa indemnização (alínea c) do artigo 167º)” e “aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato” (alínea e) do artigo 167º). Além disso, nos termos do artigo 176º do CPA, os princípios gerais de direito administrativo são aplicáveis ao contrato administrativo;
9. Em Macau, as regras gerais acima referidas estão concretizadas no Código Civil, no n.º 1 do artigo 808º, podendo a mora do devedor transformar-se em incumprimento definitivo:
- se o credor perder o interesse na prestação;
- se o devedor não cumprir no prazo fixado pelo credor.
10. A concessionária efectuou na Direcção de Serviços de Finanças (DSF) o pagamento do prémio e dos correspondentes juros de mora, por isso resolveu o problema do atraso no pagamento do prémio, isto é, o incumprimento da cláusula 7ª do contrato, deixando, por isso, de se verificar o facto previsto na alínea d) da cláusula 14ª do contrato, que prevê a rescisão do contrato pelo incumprimento do pagamento do prémio;
11. Quanto ao facto de a concessionária, desde 17/12/99, nunca ter dado cumprimento ao aproveitamento do terreno previsto no contrato, nomeadamente não ter apresentado atempadamente o projecto de obra, é de referir que já se passaram 11 anos e a DSSOPT, enquanto entidade fiscalizadora, nunca desencadeou qualquer procedimento de aplicação de multa por incumprimento dos prazos de aproveitamento fixados na cláusula 5ª do contrato.
12. De acordo com o estipulado no contrato e no artigo 166º da Lei de Terras, ou nos termos do mecanismo vigente e referido no projecto da Lei de Terras, a DSSOPT primeiro deve aplicar a multa, e só depois de verificar que se mantém o incumprimento é pode declarar a caducidade da concessão;
13. Desse modo, a DSSOPT carece de condições para iniciar o mecanismo de declaração de caducidade da presente concessão;
14. Mesmo que não se concorde que “iniciar o procedimento de aplicação de multa” é o pressuposto da declaração de caducidade prevista na alínea a) do n.º 1 da cláusula 13ª do contrato (isto é apenas uma hipótese, não sendo a posição da concessionária), a Administração deve cumprir com as disposições do n.º 1 do artigo 808º do Código Civil;
15. Na verdade, a Administração nunca demonstrou que perdeu o interesse na realização da prestação;
16. Além disso, o ofício de 23/3/2010 da DSSOPT não pode produzir os efeitos da interpelação para cumprir a prestação no período complementar previsto no n.º 1 do artigo 808º do Código Civil;
17. A concessionária, depois de receber o referido ofício tentou apresentar no serviço competente o projecto de obra, mas por motivos que não lhe podem ser imputáveis não o conseguiu fazer, nomeadamente pelas seguintes razões;
a) O serviço competente (DSCC) suspendeu a emissão da PAO para o terreno em questão, alegando que estava em curso um novo planeamento para o local;
b) Como já foi referido no requerimento dirigido à DSSOPT em 21/4/2010, existiram dificuldades para a desocupação do terreno;
18. Por isso a concessionária não pode ter culpa na situação causada por terceiros, não lhe podendo ser imputável culpa no incumprimento do prazo de aproveitamento;
19. Além disso, a Administração ao longo de 11 anos nunca avisou nem interpelou a concessionária sobre o atraso no aproveitamento do terreno previsto na alínea a) do n.º 1 da cláusula 13ª do contrato, por isso, ao pretender agora declarar a caducidade da concessão está claramente a violar as regras gerais do direito civil, principalmente o princípio da boa fé que deve ter o credor;
20. A concessionária nunca iniciou o aproveitamento do terreno ou alterou a finalidade do mesmo, pelo que não se verifica o pressuposto da interrupção do aproveitamento;
21. Ou seja, neste processo não se verificaram as situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 da cláusula 13ª do contrato (isto é, alteração não consentida da finalidade e interrupção do aproveitamento), não existindo desse modo fundamentos de facto para se desencadear o procedimento de declaração de caducidade previsto nas referidas alíneas;
22. Nestes termos, mesmo que, por mera hipótese, seja declarada a declaração de caducidade da concessão (com a qual a concessionária discorda), o prémio e os juros pagos devem ser devolvidos à concessionária;
23. É ainda de salientar que a Lei de Terras e o contrato de concessão não estipulam que a caducidade da concessão provisória resulte ou cause consequências para o concessionária que efectuou o pagamento do prémio e dos juros de mora, e nos termos do artigo 13º do Regulamento Administrativo 16/2004, “no caso de ser declarada a caducidade da concessão, o concessionário perde, a favor da Região Administrativa Especial de Macau, a totalidade das prestações do prémio já pagas”. No entanto, uma vez que aquele artigo está inserido num regulamento administrativo que tem como objectivo concretizar o n.º 2 do artigo 48º da Lei de Terras, onde apenas se refere “o método de determinação do montante do prémio, bem como o seu processamento e liquidação são objecto de diploma complementar do Governador”, não regulamenta a posse do prémio após a declaração de caducidade da concessão. A Lei de Terras não menciona nada sobre o prémio no caso de ser declarada a caducidade da concessão;
24. Assim, de acordo com estipulado no artigo 6º e n.º 1 do artigo 103º da Lei Básica, “a Região Administrativa Especial de Macau protege, em conformidade com a lei, o direito das pessoas singulares e colectiva à aquisição da propriedade (…)”, mas agora, através de um regulamento administrativo, determina-se que o prémio e os juros pagos pela concessionária ficam para a RAEM após a declaração de caducidade da concessão, pelo que o estipulado no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004 não tem qualquer validade, uma vez que apenas está exarado num regulamento administrativo e não numa lei emanada da Assembleia Legislativa, contrariando assim o estipulado no artigo 103º da Lei Básica e na alínea 18) do artigo 6º da Lei n.º 13/2009.
Terminando com o seguinte pedido:
Nestes termos, solicita que a Administração avalie e tenha em consideração os diversos factos e fundamentos jurídicos apresentados, aceite a resposta à audiência escrita e concordando com as razões apresentadas:
a) Termine com o procedimento de declaração de caducidade da concessão;
b) Dispense a concessionária da aplicação da multa prevista no n.º 1 da cláusula 6ª do contrato;
c) Prorrogação do prazo de aproveitamento até 29/10/2014;
d) Aprovação do anteprojecto de obra apresentado em 11/5/2011.
III. Entendimento da DSSOPT
Relativamente à alegação de que a crise financeira asiática de 1997 e o aparecimento da SARS em 2003 constituíram um impedimento para o realização do aproveitamento do terreno, convém, recordar que quando, em 1999, a concessionária (enquanto sociedade transmissária do lote “BT8”) aceitou os termos da revisão do contrato titulado pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, já o mercado imobiliário se encontrava em crise e, apesar disso, se aceitou aquela revisão é porque já detinha capacidade financeira para avançar com o projecto de aproveitamento fixado no contrato, caso contrário, dada a conjuntura económica/financeira desfavorável, não se teria proposta à realização de tal empreendimento.
Do mesmo modo, não pode ser aceite pela DSSOPT como justificação para a não realização do aproveitamento do terreno, o argumento de que aparecimento da SARS em 2003 criou um ambiente desfavorável no mercado imobiliário, pois se a concessionária tivesse cumprido o prazo de aproveitamento estipulado no contrato de concessão, a obra já estaria concluída quando se começaram a fazer sentir os primeiros efeitos colaterais da epidemia da gripe causada pelo vírus da SARS, isto é, se tivesse cumprido em tempo a principal obrigação do contrato de concessão, como era seu dever, e se tivesse realizado as obras nos prazos contratualmente estipulados, o aproveitamento estaria concluído até 16 de Junho 2003, antes do impacto negativo causado pela SARS nas economias asiáticas.
Como é evidente, a concessionária ao aceitar aquela revisão da concessão do terreno denominado lote BT8 e acordar a realização de determinado aproveitamento, deve estar ciente que qualquer investimento anda associado a um certo grau de risco que, normalmente, se agrava com a ocorrência de crises (financeiras, políticas, sociais, etc,), pelo que, a entidade concedente depreende que se a concessionária celebrou o contrato é porque possuída capacidade financeira ou garantias de financiamento para concretizar a pretendida obra.
Por outro lado, a ser verdade que a concessionária não apresentou os projectos e não iniciou as obras por dificuldades financeiras, porque é que não o veio demonstrar na fase prevista para a execução das mesmas, solicitando à DSSOPT, por esse motivo, a prorrogação do prazo de aproveitamento?
É que de uma forma geral e em casos devidamente justificados pelos concessionários podem ser prorrogados os prazos de aproveitamento estabelecidos nos contratos de concessão.
A concessionária, em requerimento apresentado em 15 de Janeiro de 2002, isto é, decorridos 25 dos 42 meses do prazo global de aproveitamento do terreno, submeteu um pedido ao Governo solicitando que lhe fosse concedido uma “ampla moratória, isenta de qualquer penalização” para o pagamento das duas prestações do premio que ainda se encontravam por liquidar, mas nada refere quanto a uma possível prorrogação daquele prazo de aproveitamento do terreno, quanto, na verdade, até sabia que não iria cumprir esse prazo, pois só restavam 17 meses para o seu termo.
Acentue-se que, no ponto 3 daquele requerimento, a concessionária menciona que “As condições económicas actuais, aliadas ao excesso de oferta prevalecente no Mercado Imobiliário, desaconselham, pelo menos por enquanto, o aproveitamento do terreno…”, mas não fez qualquer pedido expresso no sentido de ser prorrogado o prazo de aproveitamento.
Por isso, estamos de acordo com a concessionária, quando refere que o ponto 4.2 da Informação n.º 217/DSODEP/2010 não traduz exactamente o que se passou relativamente ao incumprimento dos prazos de pagamento do prémio fixados na cláusula sétima do contrato, porque efectivamente esta veio apresentar justificação para o não pagamento das duas prestações do prémio que ainda se encontravam por liquidar.
Na verdade, os prazos de pagamento da 1ª prestação do prémio, no montante de “11.000.000,00 (onze milhões) patacas e da 2ª prestação no montante de “3.464.066,00 (três milhões quatrocentas e sessenta e quatro mil e sessenta e seis) patacas, venceram-se em 17 de Janeiro e 17 de Dezembro de 2000, respectivamente, e a concessionária apenas dois anos depois, em 15 de Janeiro de 2002, veio apresentar justificação para o incumprimento e solicitar um alargamento do prazo de pagamento.
No entanto, tal como a concessionária teve oportunidade de constatar aquando da consulta do respectivo processo na DSSOPT, tendo em consideração a informação fornecida pela DSF, no ofício n.º 10009/DGP/DC/02, de 31 de Janeiro de 2002, de que não existiam instruções superiores no sentido de serem alterados os procedimentos de liquidação dos prémios das concessões, e a análise expendida na informação n.º 022/DSODEP/2002, de 7 de Março, foi proposto o indeferimento do pedido da concessionária constante do referido requerimento, tendo em conta que o contrato de revisão da concessão do lote BT8 “teve um tratamento especial que levou à fixação de um prémio inferior ao que resultaria da aplicação dos critérios em vigor à data da publicação do despacho no Boletim Oficial e porque o período decorrido entre o início do processo e a data da publicação do despacho é imputado à Fábrica de Artigos de Vestuário Estilo, Limitada, e às sociedades transmissárias que por várias vezes impediram a publicação do despacho…”.
De todo o modo, apesar de ser evidente que aquele pedido não reunia condições legais ou contratuais para ser deferido, por razões que se desconhecem, não foi produzido nem comunicado à concessionário um acto expresso de indeferimento, de acordo com as exigências do princípio da decisão e do dever de notificação, previstos, respectivamente, nos artigos 11º e 68º do CPA.
Segundo o princípio da decisão (cf. artigo 11º do CPA), a Administração tem o dever de agir, está obrigada a apreciar, a responder ou tomar uma decisão, relativamente às pretensões formuladas pelos particulares.
Ora, tendo em conta que a DSSOPT não respondeu ao requerimento da concessionária, e esta não voltou a insistir no pedido, só lhe resta presumir indeferida a sua pretensão, decorrido que está o prazo previsto no n.º 2 do artigo 102º do CPA - noventa dias -, formando-se o denominado acto tácito de indeferimento.
Assim sendo, não vemos quaisquer razões que possam excluir ou atenuar a culpa da concessionária pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno estipulado no contrato de concessão.
Tem razão a concessionária ao referir que a DSSOPT, enquanto entidade fiscalizadora, esteve 11 anos sem nunca ter solicitado qualquer justificação para o incumprimento das obrigações, nem desencadeado o procedimento de aplicação da multa prevista na cláusula sexta do contrato, mas ocorre-nos perguntar em que medida a alegada passividade da Administração pode contribuir para a exoneração da sua responsabilidade pelo incumprimento das obrigações contratuais, nomeadamente pelo incumprimento dos prazos de aproveitamento do terreno?
É que nem do contrato nem da Lei de Terras, ou de outra lei aplicável, decorre a obrigação de a DSSOPT avisar ou solicitar justificação sobre o incumprimento contratual da concessionária, ou que a falta de fiscalização constitua uma causa de exclusão ou atenuante da responsabilidade da concessionária por esse incumprimento.
Atente-se que a cláusula décima segunda do contrato mais não faz do que atribuir poderes de fiscalização à DSSOPT, um dos poderes de autoridade que a Administração beneficia na execução de qualquer contrato administrativo (cf. alínea d) do artigo 167º do CPA), e impor à concessionaria o correlativo dever de apoio e colaboração, permitindo o acesso ao terreno e às obras aos representantes dos Serviços da Administração – DSSOPT – que desempenham funções de fiscalização.
Por outro lado, de acordo com a própria qualificação da concessionária, se estamos na presença de um contrato de direito administrativo, cujo regime jurídico é traçado pelo direito administrativo, ou seja, é regido, primariamente, por regras e princípios de direito público, apenas se aplicando, supletivamente, os princípios e regras gerais dos contratos e outras disposições de direito privado, a situações que não estejam previstas no contrato ou na Lei de Terras, não entendemos como pretende a concessionária fazer valer regras de relações jurídicas privadas, nomeadamente aquelas relativas ao não cumprimento das obrigações (artigos 779º a 806º do Código Civil).
Não pode a concessionária olvidar que, no âmbito dos contratos administrativos, a Administração surge sobretudo investida de poderes de autoridade, designadamente os poderes previstos no artigo 167º do CPA, de que os particulares não beneficiam no âmbito dos contratos de direito privado que entre si celebram, onde vigora o princípio da igualdade entre as partes.
E que a matéria de extinção do contrato de concessão (por caducidade ou rescisão) está expressamente prevista quer no contrato (cláusulas décima terceira e décima quarta) quer na Lei de Terras (artigos 166º a 169º), pelo que o incumprimento deste contrato de concessão deve ser aferido à luz do regime previsto naquelas cláusulas e normas, não sendo necessário recorrer supletivamente a outra legislação aplicável.
No entanto, não deixaremos de analisar a argumentação por si apresentada atinente à mora e ao incumprimento definitivo do devedor.
O regime do cumprimento das obrigações, sejam elas de fonte legal ou contratual (neste caso, de fonte contratual), obedece principalmente a três princípios gerais que têm referência na lei: o princípio da pontualidade (artigo 400º do Código Civil), da integralidade (n.º 1 do artigo 753º) e da boa fé (n.º 2 do artigo 752º).
Ora, certo é que a concessionária, desde a data da outorga do contrato, em Dezembro de 1999, relativamente aos prazos de aproveitamento fixados na cláusula quinta do contrato, nunca respeitou o mais importante daqueles princípios, a regra da pontualidade, que exige que um contrato deva ser cumprido a tempo e que esse cumprimento coincida ponto por ponto com a prestação a que o devedor se encontra adstrito.
Além disso, durante todo esse período de tempo (11 anos), a concessionária não submeteu qualquer projecto para apreciação da DSSOPT e não pagou as duas prestações do prémio em falta, em suma, não cumpriu com a principal obrigação contratual (realização do aproveitamento), e apenas em Janeiro de 2002 é que veio apresentar uma justificação para o não pagamento das duas prestações do prémio que se tinham vencido em 2000.
Ora, não tendo a Administração respondido ao seu pedido apresentado em 15 de Janeiro de 2002, deveria a concessionária insistir junto da DSSOPT para obter uma resposta, pois tratava-se de um assunto do seu interesse.
Não o tendo feito, somos levados a considerar que o comportamento da concessionária até à data em que recebeu o ofício da DSSOPT (n.º 186/6321.02/DSODEP/2010, de 23 de Março de 2010) a solicitar esclarecimentos sobre a situação de incumprimento, além de ser demonstrativo da total falta de interesse no aproveitamento do terreno, revela ainda uma conduta contrária aos ditames da boa fé, exigida a ambas as partes no cumprimento dos contratos, traduzida no dever de agir segundo um comportamento de empenho, lealdade e correcção, prevista no n.º 2 do artigo 752º do Código Civil, e também exigida aos particulares nas suas relações com a Administração, prevista no artigo 8º do CPA.
O contexto por excelência do principio da boa fé é o direito privado, mas no direito público, principalmente no direito administrativo, o âmbito da sua aplicação foi estendido às relações que se estabelecem entre a Administração e os particulares, por isso, como estamos no âmbito de um contrato administrativo, ou, pelo menos, no âmbito de relações de um contrato administrativo, ou, pelo menos, no âmbito de relações entre a Administração e um particular (concessionária), é este princípio da boa fé aqui aplicável às duas partes, no campo das relações administrativas, que exige que “… A Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo regras da boa fé” (cf. artigo 8º do CPA).
O contexto por excelência do principio da boa fé é o direito privado, mas no direito público, principalmente no direito administrativo, o âmbito da sua aplicação foi estendido às relações que se estabelecem entre a Administração e os particulares, por isso, como estamos no âmbito de um contrato administrativo, ou, pelo menos, no âmbito de relações entre a Administração e um particular (concessionária), é este princípio da boa fé aqui aplicável às duas partes, no campo das relação administrativas, que exige que “… A Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo regras da boa fé” (cf. artigo 8º do CPA).
É fundamental notar que a boa fé exige por um lado a obrigação de lealdade, e por outro a obrigação de cooperação, significando então que, não só as partes devem abster-se de comportamentos desleais e incorrectos, como também devem promover a cooperação entre elas.
Sobre isto, veja-se o princípio da colaboração mútua entre as partes intervenientes patente no CPA: o interessado deverá “prestar a sua colaboração para o conveniente esclarecimento dos factos e a descoberta da verdade” (cf. n.º 2 do artigo 62º do CPA).
Por outro lado, mostrando-se inquestionável que a concessionária não realizou e nem sequer iniciou o aproveitamento do terreno, bem como não pagou as prestações do prémio, nos prazos contratualmente fixados, nem se dignou a apresentar uma justificação, na sua resposta à audiência prévia, ao invés de tentar demonstrar que a Administração ao pretender declarar a caducidade da concessão está de má fé, deveria a mesma preocupar-se em apresentar razões convincentes que comprovassem que a falta de cumprimento do aproveitamento do terreno não procede de culpa sua, e assim elidir a presunção de culpa que recai sobre si.
De referir que na responsabilidade contratual já uma presunção de culpa do devedor (cf. n.º 1 do artigo 788.º do Código Civil), que para a ilidir terá que provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
No entanto, além de não conseguir provar que não foi negligente, que se esforçou por cumprir o aproveitamento do terreno e que usou de todas as cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso usaria um bom pai de família, não alegou nem demonstrou que no caso concreto se verificaram circunstâncias, especiais ou excepcionais, que excluíssem a censurabilidade da sua conduta, ainda pretende fazer crer que perante tal incumprimento, por factos a si imputáveis, a Administração carece de condições para declarar a caducidade da concessão por não ter lançado mão do poder de aplicar as sanções previstas no contrato, nomeadamente a não aplicação da multa prevista pelos atrasos verificados na apresentação do projecto, início e conclusão das obras.
Alicerçando todo o seu raciocínio no facto de a Administração não a ter avisado do incumprimento, não ter solicitado qualquer justificação para esse incumprimento e não ter aplicado qualquer multa.
Também concordamos que a Administração deveria ter desencadeado o procedimento de aplicação da multa prevista pelo incumprimento dos prazos parcelares do aproveitamento fixado na cláusula quinta do contrato, mas uma análise atenta do contrato e da Lei de Terras, não nos permite retirar a conclusão que a concessionária pretende, isto é, que a aplicação da multa seja uma condição sine qua non do procedimento de declaração de caducidade da concessão, ou que primeiro tenha que aplicar a multa e só depois, se o incumprimento persistir, é que pode declarar a caducidade.
O mesmo se diga da aludida falta de interpelação da concessionária para cumprir, falta essa que a concessionária considera violadora do principio da boa fé que deve nortear o comportamento do credor.
É evidente que tratando-se de obrigações certas e com prazo de cumprimento estabelecido no contrato, como são as obrigações em questão, não estão sujeitas a qualquer actuação do credor (entidade concedente), designadamente a comunicação à concessionária (interpelação do devedor pelo credor) da sua decisão de lhe exigir o cumprimento da obrigação.
Como se sabe, a regra geral é a de as obrigações não terem prazo certo estipulado, as designadas obrigações puras, em que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (cf. n.º 1 do artigo 794º do Código Civil).
Só que, no caso em análise, para as obrigações de realizar o aproveitamento do terreno e de pagamento do prémio, as partes – Administração e concessionária – estabeleceram um prazo de cumprimento, pelo que, neste caso, estamos perante obrigações com prazo certo, as quais se caracterizam por o decurso do prazo constituir o devedor em mora independentemente de interpelação (cf. alínea a) do n.º 2 do artigo 794º do Código Civil).
Assim sendo, cai por terra toda a argumentação expendida pela concessionária relativamente à falta de interpelação por parte da Administração à concessionária para cumprir as obrigações.
Segundo a concessionária, a Administração também não cumpriu com o disposto no n.º 1 do artigo 808º do Código Civil (julgamos que a concessionária, por lapso, se referiu ao artigo 808º, mas queria referir-se ao artigo 797º, pois quando o contrato de concessão foi celebrado, em Dezembro de 1999, já não vigorava o Código Civil de 1966, cujo artigo 808º praticamente corresponde ao artigo 797º do actual Código Civil, que entrou em vigor no dia 1 de Novembro de 1999).
De acordo com as alíneas a) e b) do n.º 1 daquele artigo, a obrigação considera-se, para os efeitos previstos no artigo 790º (impossibilidade do cumprimento imputável ao devedor), definitivamente não cumprida, se em consequência da mora, “o credor perder o interesse que tinha na prestação” ou “a prestação não for realizada dentro do prazo que, por interpelação, for razoavelmente fixado pelo credor”.
Ou seja, segundo aquele normativo, só a conversão da mora em incumprimento definitivo seria susceptível de conferir ao credor o direito de resolver o contrato com fundamento em incumprimento do devedor.
De facto, na generalidade das situações contratuais, para que um contrato possa se resolvido torna-se necessário verificar-se o incumprimento definitivo, o que acontece quando o credor, em consequência da mora, perca o interesse que tinha na prestação, ou que esta não seja realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, contudo, no caso em apreço, o que a Administração pretende é declarar a caducidade do contrato de concessão, com um regime especial previsto no contrato e na Lei de Terras, e não accionar o direito de resolução de um contrato, previsto no n.º 2 do artigo 790º.
Assim sendo, não tem razão a concessionária ao pretender ver aqui aplicado o artigo 797º do Código Civil, dado não estarmos perante uma situação de resolução do contrato por incumprimento da concessionária.
A ser assim, ao pretender chamar à colação aquelas normas do direito civil, então não poderá a concessionaria fazer tábua rasa das regras previstas nos artigos 787º e no n.º 1 do artigo 793º, segundo as quais, o devedor, pela simples mora ou pelo incumprimento, está obrigado a indemnizar o credor pelos prejuízos ou danos que causa ao credor.
Assim, a concessionária deveria assumir a responsabilidade por danos causados ao interesse público resultantes do incumprimento de obrigações assumidas no contrato de concessão, nomeadamente por ter ficado durante 11 anos na posse de um terreno que não está a cumprir a sua função social e que poderia ter sido devidamente aproveitado por outro particular interessado.
Tendo em conta o período de tempo (11 anos) em que a concessionária esteve na posse de um terreno propriedade da RAEM, sem qualquer aproveitamento, e dada a escassez de terrenos na RAEM, não é necessário grande esforço para se apurar os prejuízos ou danos sofridos pela Administração em consequência do incumprimento, nomeadamente pelo facto de existirem outros particulares interessados no aproveitamento dos terrenos da RAEM.
Por outro lado, as modalidades de extinção do contrato de concessão estão especialmente previstas no contrato e na Lei de Terras: a caducidade e a rescisão, bem como os respectivos pressupostos (cf. cláusulas décima terceira e décima quarta do contrato e artigos 166º e 169º da Lei de Terras), não sendo necessário, no caso em análise, recorrer às regras gerais do direito civil, nomeadamente das previstas nos artigos 790º e 797º do Código Civil, que prevêem o direito de resolução do contrato fundado na mora do devedor, se em consequência dela, o credor perder o interesse na prestação.
Não obstante ambas serem modalidades de cessação de um contrato, no presente caso, não está em causa a hipótese de resolução do contrato, prevista no artigo 426º do Código Civil, mas sim a declaração de caducidade do contrato de concessão, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1, ex vi do n.º 2 do artigo 166º da Lei de Terras, sendo certo que se a pretensão fosse a resolução do contrato, teria sentido o raciocínio da concessionária relativamente à mora do devedor ter que se converter em não cumprimento definitivo.
Se atentarmos nos regimes da caducidade e da rescisão, facilmente se conclui que as duas causas de extinção do contrato se verificam quando o concessionário não cumpre, ou não cumpre rigorosamente, as cláusulas do contrato, ficando a entidade concedente com o direito de extinguir o contrato, a título de aplicação de uma sanção ao concessionário faltoso.
Deste modo, tal como é mencionado pela concessionária, a caducidade prevista no contrato e na Lei de Terras é uma caducidade-sanção, não corresponde à caducidade em sentido estrito ou preclusiva, que se traduz na fixação de um prazo peremptório para o exercício de um direito, sob pena de preclusão, seja qual for a razão para o seu não exercício.
A caducidade do contrato de concessão ora em análise assume a natureza de caducidade-sanção, que se verifica pelo não cumprimento por parte da concessionária de obrigações a que se vinculou contratualmente, decorrentes designadamente do dever de aproveitamento do terreno concedido nos prazos e nas condições fixadas (cf. cláusulas terceira, quinta e alínea a) do n.º 1 da décima terceira do contrato e artigo 103º da Lei de Terras).
Na situação de caducidade-sanção “O objectivo primordial do legislador, neste caso, não é a extinção ou a perda do direito resultante da concessão em virtude de não ter sido exercido dentro do limite temporal fixado, por razões de certeza e segurança jurídicas, ditadas pela necessidade de estabilizar as situações a que respeita, mas si sancionar um comportamento faltoso do concessionário, e evitar que essa situação de incumprimento, lesiva do interesse público subjacente à concessão e que põe em causa a sua manutenção, se prolongue no tempo.
Com efeito, quando, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º, por remissão do seu n.º 2, da alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo, se sanciona a caducidade, nomeadamente a falta de aproveitamento do terreno ou o seu início nos prazos fixados (cf. alínea a) do n.º 1 e alínea a) do n.º 3, ambos do artigo 166º), o que se pretende, fundamentalmente, é evitar que o terreno se mantenha na posse do concessionário numa situação contrária ao interesse público subjacente à concessão, que exige que o terreno se transforme numa unidade socioeconómica produtiva e também contrária ao interesse geral urbanístico.
Refira-se, a este propósito que foi desde sempre preocupação do legislador a execução efectiva e célere do aproveitamento dos terrenos concedidos, de forma que a utilização dos terrenos disponíveis, que são um bem escasso, contribuam para o crescimento económico da Região Administrativo Especial de Macau (RAEM), para o progresso social e para a melhoria das condições de vida da população”.
Refere a alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato de concessão, uma das três situações, cuja verificação determina a caducidade do contrato:
a) Findo o prazo da multa agravada previsto na cláusula sexta – e que se subsume às situações em que decorreram 120 (60+60) dias desde a data em que a concessionária deveria ter apresentado o projecto de arquitectura (60 dias após a data da publicação do despacho que titula o contrato).
Deste modo, tendo o referido despacho sido publicado em 17 de Dezembro de 1999, a concessionária deveria ter apresentado o projecto de arquitectura até 15 de Fevereiro de 2000, não o tendo feito ficaria sujeita a multa de $5.000,00 patacas por cada dia de atraso, nos primeiros 60 dias, e até ao máximo global de 120 dias, ficaria sujeita a multa diária que poderia ir até ao dobro daquele valor, ou seja, $10.000,00 patacas.
Assim sendo, o prazo da multa agravada terminou em 15 de Junho de 2000, o que significa que a partir dessa data mostram-se verificados os pressupostos legais e contratuais para a Administração declarar a caducidade do contrato.
Por isso é que, nesta sede de análise das justificações apresentadas para o incumprimento do prazo de aproveitamento e de apuramento da responsabilidade por esse mesmo incumprimento, se mostra totalmente irrelevante toda a argumentação da concessionária atinente ao facto de ter tentado apresentar o projecto de obra no serviço competente e de ter pago as prestações do prémio em dívida, na medida em só o fez depois de ter recebido o ofício da DSSOPT n.º 186/6321.02/DSODEP/2010, de 23 de Março de 2010.
É relevante reter-se que apenas está em causa a avaliação do comportamento da concessionária no período de tempo decorrido entre a celebração do contrato de revisão da concessão (17 de Dezembro de 1999) e a data de recepção daquele ofício da DSSOPT (23 de Março de 2010), não cabendo aqui qualquer apreciação da sua conduta após ter recebido aquele ofício.
E, como já foi referido na informação n.º 63/DJUDEP/2010, de 29 de Outubro, caso se verifique o incumprimento das obrigações contratuais, à entidade concedente (Administração) não resta outra alternativa que não seja extinguir a presente concessão, e fazer reverter o terreno à sua posse, através da declaração de caducidade do contrato, por verificação de uma das causas previstas na cláusulas da caducidade – findo o prazo da multa agravada previsto na cláusula sexta – (cf. alínea a) do número um da clausula décima terceira) e por falta de aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais (cf. alínea a) do n.º 1 ex vi do n.º 2 do artigo 166º da Lei de Terras.)
Só que, no âmbito das concessões de terrenos, a caducidade só começa a produzir efeitos com a emissão de um despacho do Chefe do Executivo que a declare, a publicar em Boletim Oficial (cf. artigo 167º da Lei de Terras).
Nessa medida, a declaração de caducidade não tem efeitos meramente declarativos, mas sim constitutivos, significando que os efeitos da caducidade se produzem com a emissão da declaração de caducidade e não na data em que ocorreu o facto (ex nunc) que lhe deu origem, isto é, a extinção da concessão não ocorre com a verificação das circunstâncias previstas na lei ou nos contratos, mas está associada à emissão de um acto administrativo – despacho do Chefe do Executivo – válido e eficaz que se pronuncie pela caducidade do contrato.
A Administração dispõe de alguma discricionariedade na verificação e avaliação dos pressupostos que preenchem o incumprimento, podendo, perante cada caso concreto, e fazendo um juízo de ponderação de interesses, aceitar ou não como válidos os argumentos apresentados, o mesmo não acontece com a decisão de declarar a caducidade desta concessão, que é vinculada, exigida quer pela lei quer pelos princípios gerais que regem a actividade administrativa, caso ocorra alguma das circunstâncias, imputáveis ao concessionário, e previstas no contrato de concessão e na Lei de Terras, não podendo a entidade concedente deixar de fazê-lo por razões de conveniência ou oportunidade, em respeito pelos princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da legalidade.
A obrigatoriedade de a entidade concedente declarar a caducidade da concessão, desde que verificados os seus pressupostos, resulta do próprio regime da caducidade previsto na Lei de Terras e no contrato, sobretudo por que, nas normas que a provêem o legislador utilizou a expressão “caducam” (cf. n.ºs 2 e 3 do artigo 166º da Lei de Terras e n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato) e não a expressão “podem caducar”, ao invés do que fez com a rescisão, onde utilizou expressão “podem ser rescindidas” (cf. n.º 1 do artigo 169º da Lei de Terras e n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato).
Relativamente aos critérios estabelecidos para a classificação das situações de incumprimento dos prazos de aproveitamento dos terrenos concedidos, constantes da informação n.º 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio de 2010, aprovados por despacho do Chefe do Executivo, e a apontada falta de publicação, evidentemente que os mesmos não foram, nem tinham que ser, publicados no Boletim Oficial, porquanto trata-se de meras regras internas (acto interno) direccionadas ao Departamento da DSSOPT com competências no âmbito da gestão de solos (DSO), com o objectivo de orientar e auxiliar os técnicos na elaboração de informações burocráticas sobre o tratamento de terrenos não aproveitados, não tendo nem pretendendo ter carácter de acto normativo (lei, regulamento administrativo, ordem executiva ou despacho regulamentar externo), nem mesmo qualquer propósito de vincular os concessionários ou produzir efeitos jurídicos externos.
Deste modo, a observação da concessionária relativamente à publicidade imposta pelo artigo 3º da Lei n.º 3/1999 e n.º 1 do artigo 4º do Código Civil, só teria razão de ser se estivéssemos perante um acto normativo, sendo certo que, nos termos daquelas disposições, a falta de publicidade dos actos normativos implica a sua ineficácia jurídica.
Atente-se que, contrariamente ao que defende a concessionária, não foi com base naqueles critérios nem com o fundamento na sua violação que se propôs a declaração de caducidade da concessão, mas sim por incumprimento contratual, concretamente a falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, por motivos imputáveis à concessionária, incumprimento que se encontra claramente previsto e sancionado com a caducidade, tanto no contrato de concessão como na Lei de Terras (cf. cláusulas quinta, sexta, alínea a) do n.º 1 da clausula decima terceira do contrato e alínea a9 do n.º 1 ex vi do n.º 2 do artigo 166º da Lei de Terras.
Da mesma forma, mostra-se totalmente descabida a alegação que a pretendida declaração de caducidade da concessão possa colidir ou por em causa o direito à propriedade privada, protegido por lei, nomeadamente pelos artigos 6º e 103º da Lei Básica, pois a concessionária é arrendatária e não proprietária do terreno, não cabendo aqui a aplicação daquelas normas da Lei Básica.
Evidentemente que “o direito de propriedade, na sua expressão de propriedade privada é um instituto jurídico garantido pela Lei Básica da RAEM (art. 6º)”, mas não descortinamos em que medida a pretendida declaração de caducidade da concessão e a consequente reversão do terreno à posse da RAEM, possa bulir com um direito (de propriedade) que nem sequer existe na esfera jurídica da concessionária.
É que nas concessões por arrendamento de terrenos no direito de terras de Macau, os concessionários, com a celebração do contrato, adquirem o direito de construir e, após a realização do aproveitamento, o direito de propriedade sobre as construções (cf. artigo 1º do Decreto-Lei n.º 51/83/M, de 26 de Dezembro), mas não se tornam proprietários dos terrenos, que continuam a pertencer à RAEM.
“Em Macau, o direito de concessão por arrendamento de terrenos urbanos e de interesse urbano pertencentes ao domínio privado do Território de Macau confere poderes de construção e de transformação de obras ou edifícios, que se tornam propriedade do concessionário (Decreto-Lei n.º 51/83/M, de 26/12, art. 1º).
O concessionário, proprietário das construções, tem o direito de as alienar, de constituir a propriedade horizontal em edifícios aprovados com esse fim, e de alienar ou onerar as respectivas fracções autónomas.
Pode ainda hipotecar não só o direito resultante da concessão que lhe dá o poder de construir sobre terreno alheiro, mas também a propriedade dos edifícios (art. 1º, 2 do cit. Dec. – Lei n.º 51/83/M).
Assim, à semelhança do que acontece no direito de superfície, há um direito de propriedade sobre as construções emergente do poder de construir inerente ao direito de concessão por arrendamento, configurado com um verdadeiro direito real.
Este direito de propriedade de construções constitui excepção ao princípio da especialidade, porque, sobre uma parte não desconexionada do solo – a obra –, passa a haver um direito real diferente do direito de propriedade que a pessoa colectiva RAEM tem sobre esse solo”.
Aliás, mesmo que o conteúdo do direito resultante da concessão por arrendamento do referido terreno abrangesse o direito de propriedade desse terreno, continuaria a não existir qualquer violação daquelas normas da Lei Básica, pois como bem refere a concessionária, “os limites ou privações do direito de propriedade devem ter fundamento legal”.
Isso mesmo resulta do conteúdo do direito de propriedade, previsto no artigo 1229º do Código Civil, “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Ora, os efeitos da declaração de caducidade da concessão, nomeadamente a reversão do terreno à posse da entidade concedente, estão previstos na Lei de Terras (cf. artigo 168º), pelo que mesmo que estivéssemos perante uma limitação ou privação do direito de propriedade, o que não acontece no caso que nos ocupa, essa situação ocorreria dentro dos limites da lei.
Por outro lado, restando dúvidas quanto à titularidade (do Estado) do direito de propriedade sobre o terreno que, desde de Dezembro de 1999, está na posse da concessionária, totalmente abandonado, sem qualquer aproveitamento, numa situação que fere gravemente o interesse público que presidiu à decisão de conceder aquele terreno, mostra-se necessário elucidar a concessionária que, nos termos da alínea 4) do n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 1/1999 (Lei da Reunificação), “As normas legais relativas ao direito de propriedade sobre terrenos são interpretadas nos termos do artigo 7º da Lei Básica da Região Administração Especial de Macau”.
O artigo 7º daquela Lei prescreve o seguinte: “Os solos e os recursos naturais na Região Administrativa Especial de Macau são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau. O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da Região Administrativa Especial de Macau.”
No Acórdão de 16 de Fevereiro de 2011, no Processo n.º 71/2010, o Tribunal de Última Instância (TUI), relativamente ao artigo 7º da Lei Básica, entendeu que “Desta norma resulta que foi estabelecido pela Lei Básica o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da Região cabem respectivamente ao Estado e ao Governo da Região. No entanto, a fim de respeitar e proteger os poucos terrenos da propriedade privada já existentes em Macau, é admitida excepção a este princípio, isto é, continuar a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existentes.
Há um requisito para a excepção, que consiste em que os terrenos de propriedade privada devem ser “reconhecidos, de acordo com a lei, antes do estabelecimento da RAEM.”
Uma vez que após o estabelecimento da Região, todos os terrenos situados no âmbito territorial da Região são de propriedade do Estado, excepto os que foram reconhecidos como propriedade privada nos termos da lei antes do estabelecimento da Região. Em consequência, não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do art.º 7º da Lei Básica”.
A norma ínsita no 1º parágrafo do artigo 120º da Lei Básica, ao prescrever que “A Região Administrativa Especial de Macau reconhece e protege, em conformidade com a lei, os contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau que se prolonguem para além de 19 de Dezembro de 1999, bem como os direitos deles decorrentes”, traduz o princípio da manutenção dos contratos de concessão e dos direitos deles resultantes, após o estabelecimento da RAEM.
Ora, o regime da caducidade das concessões, como modalidade de cessação do contrato de concessão, previsto no artigo 166º da Lei de Terras, enquanto sanção pelo incumprimento de obrigações contratuais, nomeadamente do aproveitamento do terreno, não foi criado após o estabelecimento da RAEM (em 20 de Dezembro de 1999), ou “inventado” pela Administração para o aplicar ao caso da concessionária, pois já vigora, sem qualquer alteração, no ordenamento jurídico de Macau desde 20 de Junho 1980, data da entrada em vigor da Lei de Terras, e foi aceite pela concessionária aquando da outorga do contrato de concessão.
Posto isto, não alcançamos em que medida a declaração de caducidade da concessão possa violar aquele princípio, segundo o qual os contratos celebrados pelo anterior governo de Macau permanecem válidos e são reconhecidos e protegidos pelo Governo da RAEM, isto é, que após o estabelecimento da RAEM, o Governo deve, de acordo com a lei, reconhecer e proteger os direitos e as obrigações emergentes desses contratos.
É que aquele princípio garante a continuidade dos contratos de concessão, nas condições neles estipuladas, mas isso não significa que a Administração, perante a verificação dos pressupostos da caducidade, não possa fazer cessar esses contratos.
Bem pelo contrário, verificados os respectivos pressupostos, a Administração não tem a faculdade de optar entre caducar ou não caducar a concessão, está obrigada a declarar a caducidade, pois a decisão não é discricionária.
Por último, diz ainda a concessionaria que efectuou o pagamento das duas prestações do prémio em falta e os respectivos juros de mora e, com isso, resolveu o problema do incumprimento da cláusula sétima do contrato.
E a este respeito, diremos, desde logo, que a concessionária mais não fez do que cumprir com uma das suas obrigações contratuais, pois como bem sabe, o prémio é devido pela concessão ou revisão da concessão do terreno, independentemente de aquela vir ou não a realizar o respectivo aproveitamento.
E, a verdade é que através do Despacho 125/SATOP/99 foi efectuada a revisão da concessão, por arrendamento, respeitante ao terreno com a área de 3.177m2, situado na ilha da Taipa, designado por lote BT8, ficando o segundo outorgante (concessionária) sujeito ao pagamento do montante de $23.723.794,00 (vinte e três milhões setecentas e vinte e três mil setecentas e noventa e quatro) patacas, a título de prémio do contrato.
A Lei de Terras nas situações em que seja declarada a caducidade das concessões provisórias não faz, nem tinha sentido que o fizesse, qualquer referência ao destino do prémio pago pelo concessionário, precisamente porque o pressuposto mais lógico é que perante um cenário de caducidade da concessão não se colocaria a hipótese de o prémio ainda estar em dívida, já que pelo menos metade do seu valor deveria ter sido liquidado trinta dias após a publicação do despacho que titula a revisão. Por isso é que, apesar da declaração de caducidade, o pagamento do prémio continua a ser exigido, uma vez que é devido pela outorga do contrato.
Refira-se que a Lei de Terras, no artigo 59º, ao permitir que nos contratos de concessão por arrendamento sejam introduzidas cláusulas especiais, como é a relativa à fixação do prémio (cláusula sétima do contrato), está a definir o prémio como uma condição ou direito especial, por oposição a cláusula ou condição geral de um contrato, como é a renda anual devida pela concessão (cf. artigos 51º a 53º da Lei de Terras).
E, quanto a nós, o legislador ao prever a fixação de um prémio como um direito especial da Administração, teve em mente que esse prémio era devido pela outorga do contrato, apesar de remeter para diploma complementar o método de determinação o seu processamento e liquidação (cf. n.ºs 2 e 3 do artigo 48º ex vi do n.º 2 do artigo 59º, ambos da Lei de Terras).
Repare-se que se o legislador, no n.º 3 do artigo 169º da Lei de Terras, teve o cuidado de prever que com a rescisão do contrato por falta de pagamento da renda, nos prazos estipulados, o concessionário continua com a obrigação de pagar a dívida relativa às rendas, por conta da caução ou em execução fiscal, ou dito de outra forma, a dívida referente às rendas não se extingue com a rescisão do contrato de concessão, e nada disse sobre a dívida relativa ao prémio, foi porque, na verdade, não era previsível a hipotética situação de rescisão ou de caducidade do contrato, sem o prémio estar totalmente liquidado, pois, normalmente, o prémio é pago de uma só vez, trinta dias após a publicação no Boletim Oficial do despacho que titula a concessão ou a revisão da concessão, só sendo admitido o pagamento em prestações semestrais quando o montante do prémio é muito elevado.
Se a concessionária não aproveitou o terreno e não retirou mais-valias, foi porque não quis, ou pelo menos, não deixou de o aproveitar por faco imputável à Administração, daí que faça todo o sentido que, mesmo sendo declarada a caducidade da concessão, seja devido o prémio do contrato.
Além do mais, em nada nos surpreende o facto de a concessionária vir, agora, tentar utilizar a seu favor o facto de ter efectuado o pagamento das duas prestações do prémio em falta, pois é evidente que só procedeu ao seu pagamento em desespero de causa, quando se deparou com o cenário de declaração de caducidade, e não com o intuito de cumprir uma das suas obrigações contratuais.
Note-se que mesmo depois de a concessionária ter recebido o ofício da DSSOPT n.º 186/6321.02/DSODEP/2010, de 23 de Março de 2010, necessitou de dez meses para se “lembrar” que estava em dívida com a RAEM relativamente ao prémio, na medida em que apenas em Janeiro de 2011 é que solicitou à DSF informação sobre o montante em dívida a título de prémio do contrato.
No entanto, mesmo sabendo que não era do desconhecimento da concessionária, a DSSOPT, em reunião realizada com representantes daquela, teve o cuidado de informar que:
1 – Não existe fundamento legal para a Administração se recusar a receber as prestações do prémio em dívida, acrescidas dos respectivos juros de mora;
2 – O pagamento do prémio e juros de mora não impede que seja declarada a caducidade concessão no caso de se verificar qualquer facto originador dessa caducidade;
3 – Declarada a caducidade, a concessionária perde a favor da RAEM a totalidade das prestações de prémio pagas.
Também essa mesma informação foi transmitida pela DSSOPT à DSF, através do ofício n.º 250/6320.02 e outro/DSODEP/2011, de 12 de Abril.
Pelo que, tendo efectuado na DSF, de livre e espontânea vontade, o pagamento das duas prestações do prémio e dos correspondentes juros de mora referentes à revisão da concessão, sem desconhecer que nos termos do artigo 13º da Portaria acima mencionada, “No caso de ser declarada a caducidade da concessão, o concessionária perde, a favor da Região Administrativa Especial de Macau, a totalidade das prestações do prémio já pagas”, comprovada está, uma vez mais, a má fé da concessionária em todo este processo de declaração de caducidade, violando assim o dever de agir segundo as regras da boa fé impostas pelo artigo 8º do CPA.
E não se diga que o disposto no artigo 13º daquela Portaria, e agora, no Regulamento Administrativo n.º 16/2004, “não é aplicável porque apenas está exarado num regulamento administrativo e não numa lei da Assembleia Legislativa”, o que contraria o disposto no artigo 103º da Lei Básica e na alínea 18) do artigo 6º da Lei 13/2009.
Se bem entendemos o raciocínio da concessionária, esta considera que é ilegal a norma que estabelece que declarada a caducidade da concessão, o concessionário não tem direito à devolução das prestações do prémio já pagas (artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004), porque contraria o disposto no artigo 103º da Lei Básica, que diz “A Região Administrativa especial de Macau protege, em conformidade com a lei, o direito das pessoas singulares e colectivas à aquisição, uso, disposição e sucessão por herança da propriedade e o direito à sua compensação em caso de expropriação legal” e por ter sido determinada por um regulamento administrativo e não por lei.
Isto porque, segundo a concessionária, se trata de uma matéria que cai no âmbito das matérias previstas na alínea 18) do artigo 6º da Lei n,º 13/2009, ou seja, diz respeito aos regimes da propriedade, da requisição e da expropriação por utilidade pública.
Mas sem qualquer razão.
Em primeiro lugar, porque nos parece que o disposto no artigo 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004 não extravasa o âmbito das matérias cuja regulamentação foi remetida, pelo n.º 2 do artigo 48º da Lei de Terras, para diploma complementar do Governo, ou seja, todas as questões relacionadas com o prémio.
Com aquela norma apenas se pretendeu clarificar uma situação que já resultava da própria Lei de Terras e das regras gerais, não tendo a mesma introduzido qualquer alteração ao regime vigente.
Segundo, porque aquela norma em nada contende com a protecção do direito de propriedade privada, nas suas componentes de direito de adquirir bens; direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; direito de os transmitir e direito de não ser privado deles, prevista no artigo 6º e concretizada pelo artigo 103º, ambos da Lei Básica.
Por fim, mesmo que aquele normativo tratasse de matéria relacionada com os regimes da propriedade, da requisição ou da expropriação, o que não é o caso, não nos podemos esquecer que aquando da elaboração da Portaria n.º 230/93/M, de 16 de Agosto, e do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, não vigorava a Lei n.º 13/2009, que veio estabelecer o regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas, pelo que mal se percebe que a concessionária venha dizer que aquele artigo viola a alínea 18) do artigo 6º desta Lei.
Além do mais, de acordo com a disposição transitória prevista no artigo 10º da Lei n.º 13/2009, “Os regulamentos administrativos publicados antes da entrada em vigor da presente lei, ainda que não observam o regime nesta estabelecido, continuam a produzir efeitos jurídicos até à sua alteração, suspensão ou revogação através de diplomas legais”.
As consequências da falta de pagamento do prémio estão previstas no contrato de concessão, na alínea d) do n.º 1 da cláusula decima quarta, segundo a qual a falta de pagamento do prémio pode implicar a rescisão do contrato, mas não a sua caducidade.
Assim sendo, com o pagamento do prémio deixa de se verificar uma das causas da rescisão do contrato, mas esse facto nada tem que ver com as causas da declaração de caducidade, nomeadamente o incumprimento do aproveitamento do terreno, que persiste por culpa exclusiva da concessionária, na medida em que esta, apesar de ter tentado, não foi capaz de demonstrar que não foi negligente, e assim, afastar a presunção de culpa que recai sobre si.
IV – Conclusões
Face ao exposto, não tendo a concessionária, na sua resposta à audiência dos interessados, logrado afastar a presunção de culpa que onera o seu comportamento faltoso, consubstanciado na inexecução da obra que constitui o aproveitamento do terreno denominado lote BT8, objecto da concessão, deve a Administração manter o sentido da sua decisão de declarar a caducidade da concessão, comunicada à concessionária através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011.
À consideração superior.
Macau, 16 de Agosto de 2011.”
Reunida em sessão de 15.12.2011, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“Proc. n.º 43/2010 – Proposta de declaração da caducidade da concessão provisória, por arrendamento, do terreno com a área de 3.177m2, situado na ilha de Taipa, na Avenida Kwong Tung, na Baixa da Taipa, designado por lote BT8, a favor da Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, pelo incumprimento do aproveitamento do terreno no prazo fixado. A concessão provisória é titulada pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, cuja caducidade determina a reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
I
1. De acordo com o despacho do Chefe do Executivo, através da informação n.º 217/DSODEP/2010 da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), foi aprovada a proposta de iniciar o procedimento de declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da concessionária Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, do terreno com a área de 3.177m2, situado na ilha da Taipa, designado por lote BT8, titulado pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, por incumprimento das cláusulas quinta, sétima e oitava do contrato do concessão e decidido submeter o processo à Comissão de Terras, para análise e parecer.
2. Reunida em sessões de 19 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2011, a Comissão de Terras, pelo parecer n.º 30/2011, 2 em concordância com a proposta da entidade concedente, propôs a declaração de caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei de Terras, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo, ou a declaração de rescisão do contrato, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato e na alínea c) do n.º 1 do artigo 169º da referida Lei, e a consequente reversão do terreno. Livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
3. Propôs ainda aquela Comissão que, (igual a p. 43) nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a concessionária seja notificada para, no prazo de dez dias a contar da data da notificação, se pronunciar por escrito sobre o sentido provável da decisão.
4. Submetido o parecer da Comissão de Terras a homologação do Chefe do Executivo, decidiu esta entidade, por despacho de 24 de Março de 2011, que antes da tomada da decisão final neste procedimento de declaração de caducidade da concessão deveria ser realizada a audiência da concessionária e solicitado parecer ao Ministério Público.
5. Nos termos do disposto nos artigos 93º e 94º do CPA, a DSSOPT, através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, submeteu o sentido provável da decisão (declaração de caducidade da concessão) a audiência prévia do interessado, tendo este disposto de um prazo de 10 dias a contar da data da notificação – 18 de Maio de 2011 – para se pronunciar por escrito.
II
6. A concessionária apresentou em 30 de Maio de 2011 a sua resposta escrita, as quais fazem parte integrante deste parecer e dão-se aqui como reproduzidas, para todos os efeitos legais.
7. Assim, recebida a resposta da concessionária, foi produzido pelo Departamento Jurídico da DSSOPT um relatório, datado de 24 de Agosto de 2011, que faz parte integrante do presente parecer e dá-se aqui como reproduzido para todos os efeitos legais.
8. O referido relatório conclui propondo que seja mantido o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão, comunicada à concessionária através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, tendo em conta que a concessionária, na sua resposta à audiência dos interessados, não logrou afastar a presunção de culpa que onera o seu comportamento faltoso, consubstanciado na inexecução da obra que constitui o aproveitamento do terreno denominado lote BT8, objecto da concessão.
9. Em cumprimento do despacho do director da DSSOPT, de 25 de Agosto de 2011, o referido relatório foi enviado ao DSODEP para tramitação subsequente.
10. O DSODEP elaborou a informação n.º 233/DSODEP/2011, de 2 de Setembro de 2011, na qual propõe superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, proposta esta que mereceu a concordância da subdirectora e do director da referida Direcção de Serviços.
11. Sobre esta informação o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu despacho em 6 de Outubro de 2011, ordenando o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer.
III
Reunida em sessão de 15 de Dezembro de 2011, a Comissão de Terras, analisado o processo e tendo em consideração o teor do relatório sobre a audiência dos interessados, datado de 24 de Agosto de 2011, é de parecer que deve ser declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote BT8, com os fundamentos de facto e de direito constantes do sobredito relatório, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei de Terras, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo.
Contudo, esta Comissão entende que deve sublinhar que nos procedimentos sobre o incumprimento dos contratos de concessão dos terrenos com as áreas de 15.823m2, 8.124m2 e 13.517m2, situados na ilha da Taipa, junto à estrada Governador Albano de Oliveira, titulados pelos Despacho n.º 173/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 53, II Série, de 31 de Dezembro de 1997, Despacho n.º 13/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 10, II Série, de 11 de Março de 1998 e Despacho n.º 32/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, II série, de 29 de Abril de 1998, a decisão foi no sentido de não declarar a caducidade da concessão e, por conseguinte, de conceder um novo prazo para execução do respectivo aproveitamento, apesar de se considerar o não cumprimento do contrato imputável às concessionárias.”
Posteriormente, o Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu, em 14 de Maio de 2015, o seguinte parecer:
“Proc. n.º 43/2010 – Proposta de declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento, do terreno com a área de 3.177m2, situado na ilha de Taipa, na Avenida Kwong Tung, na Baixa da Taipa, designado por lote BT8, a favor da Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, pelo incumprimento do aproveitamento do terreno no prazo fixado. A concessão provisória é titulada pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, cuja caducidade determina a reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
1. De acordo com o despacho do Chefe do Executivo, através da informação n.º 217/DSODEP/2010 da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), foi aprovada a proposta de iniciar o procedimento de declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da concessionária Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, do terreno com a área de 3.177m2, situado na ilha da Taipa, designado por lote BT8, titulado pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, por incumprimento das cláusulas quinta, sétima e oitava do contrato da concessão e decidido submeter o processo à Comissão de Terras, para análise e parecer.
2. Reunida em sessões de 19 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2011, a Comissão de Terras, pelo parecer n.º 30/2011, e em concordância com a proposta da entidade concedente, propôs a declaração de caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei de Terras, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo, ou a declaração de rescisão do contrato, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato e na alínea c) do n.º 1 do artigo 169º da referida Lei, e a consequente reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
3. Propôs ainda aquela Comissão que, de acordo com o disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, as prestações do prémio pagas pela concessionária sejam declaradas perdidas a favor da RAEM, nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a concessionária seja notificada para, no prazo de dez dias a contar da data da notificação, se pronunciar por escrito sobre o sentido provável da decisão.
4. Submetido o parecer da Comissão de Terras a homologação do Chefe do Executivo, decidiu esta entidade, por despacho de 24 de Março de 2011, que antes da tomada da decisão final neste procedimento de declaração de caducidade da concessão deveria ser realizada a audiência da concessionária e solicitado parecer ao Ministério Público.
5. Nos termos do disposto nos artigos 93º e 94º do CPA, a DSSOPT, através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, submeteu o sentido provável da decisão (declaração de caducidade da concessão) a audiência prévia do interessado, tendo este disposto de um prazo de 10 dias a contar da data da notificação – 18 de Maio de 2011 – para se pronunciar por escrito.
6. A concessionária apresentou em 30 de Maio de 2011 a sua resposta escrita.
7. Assim, recebida a resposta da concessionária, foi produzido pelo Departamento Jurídico da DSSOPT um relatório, datado de 24 de Agosto de 2011.
8. O referido relatório conclui propondo que seja mantido o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão, comunicada à concessionária através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011. Tendo em conta que a concessionária, na sua resposta à audiência dos interessados, não logrou afastar a presunção de culpa que onera o seu comportamento faltoso, consubstanciado na inexecução da obra que constitui o aproveitamento do terreno denominado lote BT8, objecto da concessão.
9. Em cumprimento do despacho do director da DSSOPT, o referido relatório foi enviado ao DSODEP para tramitação subsequente.
10. O DSODEP elaborou a informação n.º 233/DSODEP2011, de 2 de Setembro de 2011, na qual propõe superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, proposta esta que mereceu a concordância da subdirectora e do director da referida Direcção de Serviços.
11. Sobre esta informação o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu despacho em 6 de Outubro de 2011, ordenando o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer.
12. Reunida em sessão de 15 de Dezembro de 2011, a Comissão de Terras, analisado o processo e tendo em consideração o teor do relatório sobre a audiência dos interessados, datado de 24 de Agosto de 2011, é de parecer que deve ser declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote BT8.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
Sobre este parecer, lavrou o Exm.º Chefe do Executivo, em 15 de Maio de 2015, o seguinte despacho: “Concordo.”
Houve crise económica em Macau entre 1997 e 2004.
Até ao momento, o terreno em causa ainda não foi aproveitado.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.

2. Vícios de forma
Relativamente aos seguintes vícios:
- Vício de forma por falta de fundamentação, por faltar uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a diferença do acto recorrido face à prática e aos critérios seguidos pelo Chefe do Executivo em casos semelhantes;
- Violação do disposto no artigo 167.º da Lei de Terras e no artigo 113.º n.º 1 do CPA, pois o acto do Chefe do Executivo não declara a caducidade da concessão, limitando-se a dizer que concorda com o parecer do Secretário;
- Vício de forma por falta de fundamentação;
Damos por reproduzida a fundamentação exarada no acórdão proferido a 7 de Março de 2018, no Processo n.º 1/2018.
Acresce, ainda que:
Não falta a exposição dos factos que determinaram a decisão. No acto recorrido e nos documentos para os quais remete indica-se que a caducidade foi declarada porque a recorrente não aproveitou o terreno no prazo concedido: 42 meses.
Não falta a exposição das razões de direito que determinaram a decisão. Ainda que possam não terem sido indicadas as normas vigentes ao tempo do acto (recorde-se que o procedimento administrativo com vista à declaração de caducidade começou na vigência da anterior Lei de Terras), do mesmo acto resulta muito claramente que a caducidade foi declarada porque a recorrente não aproveitou o terreno no prazo concedido: 42 meses.
Ora, a fundamentação do acto administrativo visa que os destinatários se apercebam claramente o que esteve na base do mesmo acto e o respectivo enquadramento jurídico, o que foi atingido, dado que a recorrente nunca mostrou dúvidas no conhecimento das razões porque foi declarada a caducidade da concessão.
Por fim, o acto não tinha que indicar matéria de outros actos administrativos que, de acordo com a recorrente, não terão conduzido ao mesmo fim.
Como se verá adiante, havia fundamento para declarar a caducidade porque houve culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno no prazo fixado.
Tem este Tribunal considerado que esta declaração de caducidade, com este fundamento, constitui um acto vinculado para a Administração. Se esta, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária dos autos, sem prejuízo de poder haver consequências dessas alegadas omissões. Os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.

3. Défice de instrução
A recorrente imputa ao acto administrativo défice de instrução na medida em que diz não vislumbrar nos autos prova de que vários documentos do processo tenham sido dados a conhecer, em 2012, ou mais tarde, ao Gabinete do Chefe do Executivo; e que texto do Parecer do Secretário, sobre o qual recaiu o acto recorrido também não inclui a parte dispositiva do parecer da Comissão de Terras, onde se chamava a atenção para o paralelismo com as decisões tomadas noutros processos no sentido de não declarar a caducidade da concessão.
Mas a recorrente não demonstra que tenha havido sonegação de documentos do processo por parte dos Serviços, a quem tinha competência para decidir. Ou mesmo, não demonstra sequer que aquando da decisão, a mencionada entidade não tivesse perante si todo o processo administrativo.
Por outro lado, a prática administrativa de levar ou não todo o processo à entidade competente para decidir é uma questão interna da Administração, não constituindo qualquer défice de instrução. A entidade competente para decidir, perante um parecer, no sentido de proferir decisão pode ou não ter a iniciativa de pedir todo o processo administrativo, no caso de este não ter sido remetido, o que se desconhece se aconteceu no caso dos autos. Como se disse, é uma questão interna do foro burocrático, sem relevância externa
Improcede a questão suscitada.

4. Prazo de aproveitamento do terreno: imperativo ou indicativo
Quanto à questão de saber se o prazo de 42 meses de aproveitamento do terreno era ou não um prazo essencial, ou meramente indicativo, damos por reproduzida a fundamentação exarada no acórdão proferido 7 de Março de 2018, no Processo n.º 1/2018.

5. Falta de culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno
Alega a recorrente que tanto no período inicial dos 42 meses, como posteriormente, que os Serviços não foram solícitos a praticar os actos indispensáveis à boa execução do programa contratual, designadamente a demora na apreciação técnica dos projectos, em especial o projecto de obra que deu entrada em Maio de 2011.
Mas a recorrente não demonstrou que os Serviços inviabilizaram o cumprimento do prazo de aproveitamento. Para a apreciação dos projectos é sempre preciso algum tempo, para o qual o próprio contrato previa prazos.
O prazo de aproveitamento terminou em Junho de 2003.
Até 2011 nada fez a recorrente.
Antes, andou a apresentar justificações para o não desenvolvimento, como a crise asiática e a SARS.
Mas, como se diz no parecer dos Serviços, com o qual se concorda:
“Relativamente à alegação de que a crise financeira asiática de 1997 e o aparecimento da SARS em 2003 constituíram um impedimento para o realização do aproveitamento do terreno, convém, recordar que quando, em 1999, a concessionária (enquanto sociedade transmissária do lote “BT8”) aceitou os termos da revisão do contrato titulado pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, já o mercado imobiliário se encontrava em crise e, apesar disso, se aceitou aquela revisão é porque já detinha capacidade financeira para avançar com o projecto de aproveitamento fixado no contrato, caso contrário, dada a conjuntura económica/financeira desfavorável, não se teria proposta à realização de tal empreendimento.
Do mesmo modo, não pode ser aceite pela DSSOPT como justificação para a não realização do aproveitamento do terreno, o argumento de que aparecimento da SARS em 2003 criou um ambiente desfavorável no mercado imobiliário, pois se a concessionária tivesse cumprido o prazo de aproveitamento estipulado no contrato de concessão, a obra já estaria concluída quando se começaram a fazer sentir os primeiros efeitos colaterais da epidemia da gripe causada pelo vírus da SARS, isto é, se tivesse cumprido em tempo a principal obrigação do contrato de concessão, como era seu dever, e se tivesse realizado as obras nos prazos contratualmente estipulados, o aproveitamento estaria concluído até 16 de Junho 2003, antes do impacto negativo causado pela SARS nas economias asiáticas”.
Quanto à influência da crise asiática e de qualquer crise económica em Macau em 2003, remetemos para o que escrevemos no acórdão de 5 de Dezembro de 2018, no Processo n.º 88/2018.
Improcede a questão colocada.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.
Notifique a recorrente com certidões dos acórdãos de 7 de Março e 5 de Dezembro de 2018, respectivamente, nos Processos n.os 88/2018 e 1/2018.
Macau, 27 de Março de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa



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Processo n.º 111/2018

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Processo n.º 111/2018