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Processo n.º 8/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Secretário para a Segurança.
Recorrido: A.
Assunto: Penas disciplinares. Demissão ou aposentação compulsiva. Inviabilização da manutenção da relação funcional. Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau. Discricionariedade. Princípios gerais do Direito Administrativo. Princípio da proporcionalidade. Sindicância judicial.
Data do Acórdão: 27 de Março de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – A conclusão da inviabilização da manutenção da relação funcional é tirada pela Administração em todos os casos em que enquadre a conduta do arguido numa daquelas punidas com as penas de demissão ou aposentação compulsiva, a concretizar por juízos de prognose efectuados com uma ampla margem de decisão.
II – As condutas previstas no artigo 240.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau são punidas apenas com a pena de demissão.
III - A aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
IV – No âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.
V - A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, Subchefe do Corpo de Bombeiros, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 19 de Dezembro de 2016, do Secretário para a Segurança, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 13 de Setembro de 2018, concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido por erro manifesto e violação do princípio da proporcionalidade na escolha da pena.
Inconformado, interpõe o Secretário para a Segurança recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), tendo imputado ao acórdão recorrido violação do disposto no artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e do exercício do poder discricionário do órgão decisor, defendendo não se estar perante qualquer erro na punição com a pena de demissão.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
Os factos jurídico-penais provados imputados ao então recorrente (arguido no processo penal e ora recorrido):
1. Mais ou menos a partir de Março de 2010, o arguido A e uma senhora de apelido X (adiante designada por parte feminina) conheceram-se, tiveram encontro e depois passaram a namorar.
2. Em Fevereiro de 2011, a parte feminina propôs separação com o arguido A, porém depois da separação continuavam a ter encontro e relação sexual.
3. Em 29/05/2011, o arguido estava na sua residência sita na [Endereço (1)], ele e a parte feminina praticaram acto sexual, na altura, o arguido A tinha previamente posto em funcionamento a câmara do computador portátil no quarto para filmar e gravar a ocorrência da prática sexual de ambos.
4. Durante o acto, a parte feminina descobriu que A usou o Laptop para filmar a prática sexual de ambos, pelo que pediu ao arguido A para apagar a gravação, na altura, A fingiu aceitar o pedido, mas na verdade ele não apagou a gravação.
5. Em 11/06/2011, o arguido encontrava na sua residência sita na [Endereço (1)], ele e a parte feminina praticaram acto sexual, na altura, o arguido A, tinha previamente posto em funcionamento a câmara do IPhone no quarto para filmar e gravar a ocorrência da prática sexual de ambos.
6. Em 19/06/2011, o arguido encontrava na sua residência sita na [Endereço (1)], ele e a parte feminina praticaram acto sexual, na altura, o arguido A, tinha previamente posto em funcionamento a câmara do IPhone no quarto para filmar e gravar a ocorrência da prática sexual de ambos.
7. Dessas três filmagens, o arguido A não obteve consentimento da parte feminina, esta conduta foi contra a vontade da parte feminina.
8. Em 04/08/2011, o pessoal da PJ foi à residência do arguido A e encontrou um Memory Stick PRO Duo (vide auto de busca e apreensão de fls. 26 a 27 doa sutos).
9. Feito o exame pericial através do computador da Divisão de Informática Forense da PJ, tal memory stick consta 3 filmagens apagadas (vide relatório de Exame e análise forense de dados de computador de fls. 56 a 60 dos autos).
10. Os 3 arquivos apagados tratam-se das supracitadas 3 gravações do acto sexual entre A e a parte feminina (vide fls. 42 dos auto de visionamento).
11. O arguido praticou livre, consciente, voluntariamente e com dolo a conduta supracitada.
12. O arguido bem sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Ao então recorrente (ora recorrido) foi aplicada a seguinte decisão condenatória.
1. Arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 3 crimes de “gravações ilícitas” p.p.p. alínea a) do n.º 2 do artº 191º do CP, condena a pena de 6 meses de prisão por cada um dos crimes, em cúmulo das 3 penas, a pena única de 1 ano de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos, com condição no prazo de 3 meses contados a partir do trânsito em julgado da sentença, cumprir a responsabilidade no pagamento à vítima da indemnização fixada.
2. Condena o arguido no pagamento à vítima no valor de cem mil patacas pelos danos morais (MOP$100,000), acrescidos de juros de mora à taxa legal, contados a partir da data da sentença, até integral pagamento.
Na sequência da condenação penal, foi instaurado um processo disciplinar contra o então recorrente (ora recorrido) em que a Entidade, ora recorrente, proferiu o seguinte despacho punitivo:
Despacho n° XX/SS/2016
Processos disciplinares nºs X/XX/XX/XXX e XX/XX/XXXX-X/XXXXX
Arguido Subchefe n °XXXXXX A, do CB
Nos presentes autos vem suficientemente provado que o arguido, Subchefe no XXXXXX, A do Corpo de Bombeiros, foi condenado por sentença do Tribunal Judicial de Base, de 19 de Dezembro de 2013, transitada em julgado na sequência do Acórdão do Tribunal de Última Instância datado de 15 de Abril de 2015, proferido no Processo n ° 128/2014, pela prática de crime de gravações fotografias ilícitas previsto e punido nos termos da al. a) do nº 2 do artigo 191º do Código penal, a que o Tribunal fez corresponder a pena de um ano de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de dois anos e, ainda, a indemnização à vitima da sua conduta, no montante de MOPS100,000.00 (cem mil).
Os factos constantes da sentença judicial e reproduzidos na acusação, peças processuais que se dão aqui por inteiramente integradas, designadamente quanto ao circunstancialismo de modo e de tempo em que ocorreram, tiveram como vítima uma ex-namorada do arguido e foram praticados, não obstante o apelo desta para que de tal se abstivesse.
Com esta conduta ilícita, o arguido violou de forma grave o dever de aprumo a que se refere o artigo 12º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, na formulação concreta dos respectivos nos 1 e 2, alíneas f) e o), resultando desse comportamento desprestigio para a corporação militarizada a que pertence, o Corpo de Bombeiros, cuja imagem que se pretende seja reflectida na sociedade em geral e em cada um dos cidadãos, foi profundamente lesada.
A conduta do arguido torna insustentável a manutenção do vínculo funcional às forcas de segurança que o Corpo de Bombeiros integra, porquanto a instituição não pode comportar no seu seio elementos que revelem tão grande desprezo por valores fundamentais para boa e sadia estrutura da sociedade.
Assim não obstante as circunstancias que atenuam a conduta, designadamente o bom comportamento e o reconhecimento do mérito, previstas, respectivamente, nas alíneas b) e h) do n.º 2 do artigo 200.º do citado Estatuto, a verdade é que a intensidade da culpa, aferida pelo juízo de censura ético-jurídica que a sociedade faz recair sobre os factos, a sua gravidade objectiva e a intensidade como a conduta resulta agravada pela circunstância da al. d) do nº 2 do artigo 201º tornam o arguido incapaz e indigno para se manter em funções, bem como afastam a faculdade de aplicação de pena mais branda, como a de Aposentação Compulsiva.
Foi ouvido o Conselho e Justiça e Disciplina, nos termos do artigo 318º nº 1 al e) do EMFSM.
Nestes termos, no uso da competência que me advém das disposições conjugadas do Anexo G o artigo 211º do EMFSM, como referência ao nº 1 da Ordem Executiva n° 111/2014, PUNO o arguido, Subchefe n° XXXXXX, A do CB, com a pena de DEMISSÃO nos a do EMFSM, termos da al. n) do nº 2 do artigo 238º, e com os efeitos constantes o artigo 228º, todos do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
A matéria referente ao processo XX/XX/XXXX-X/XXXXX, é arquivada por prevalecer a circunstância dirimente alínea b) do artigo 202º do EMFSM) em que se traduz a justificação, outorgada pelos Serviços de Saúde, relativa aos efeitos do medicamento ministrado ao arguido, susceptíveis de lhe perturbar o sono.
Este é o acto recorrido.


III – O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de saber se o acórdão recorrido incorreu nas violações legais imputadas pelo recorrente.

2. Violação do artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso
Não se vislumbra, por parte do acórdão recorrido, qualquer violação do princípio de que o recurso contencioso é de mera legalidade, tendo por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica.

3. Princípio da proporcionalidade
Está em causa concluir se o acto administrativo, que aplicou a pena de demissão ao ora recorrido, violou o princípio da proporcionalidade e adequação.
O fundamento para a punição do acto administrativo foi a condenação do agente, por sentença transitada em julgado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 3 crimes de “gravações e fotografias ilícitas” previstos e puníveis pelo artigo 191.º do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão por cada um dos crimes, e em cúmulo das 3 penas, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos.
O crime é punido com a penalidade de prisão até 2 anos (e não até 1 ano, como se diz no acórdão recorrido) ou com multa até 240 dias.
Recordamos aqui o que decidimos no acórdão de 4 de Novembro de 2015, proferido no Processo n.º 71/2015, em que se conheceu da punição, com a pena de demissão, de um agente das Forças de Segurança:
«De acordo com os artigos 238.º a 240.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM):
“Artigo 238.º
(Aposentação compulsiva e demissão)
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
i) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
l) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores:
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
Artigo 239.º
(Aposentação compulsiva)
1. A pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
2. Em qualquer caso, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o militarizado reunir, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço, sem o que lhe será aplicada a pena de demissão.
Artigo 240.º
(Demissão)
A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º”.


Temos entendido que a inviabilização da manutenção da relação funcional, como um conceito indeterminado, é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva, sendo uma cláusula geral e não um facto que tenha de ser objecto de prova (acórdão de 21 de Janeiro de 2015, Processo n.º 26/2014, entre vários).
E também que o preenchimento da cláusula geral de inviabilidade da manutenção da relação funcional constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados com uma ampla margem de decisão (acórdão de 29 de Junho de 2005, Processo n.º15/2005, entre muitos).
Esta jurisprudência é de manter.
Assim, a conclusão da inviabilização da manutenção da relação funcional deve ser tirada pela Administração em todos os casos em que enquadre a conduta do arguido numa daquelas punidas com as penas de demissão ou aposentação compulsiva, a concretizar por juízos de prognose efectuados com uma ampla margem de decisão.

Princípio da proporcionalidade
Não obstante, vejamos se a Administração violou o princípio da proporcionalidade ao punir o arguido com a pena de demissão.
Este Tribunal já se pronunciou algumas vezes sobre os poderes da Administração no âmbito do seu poder disciplinar, designadamente na escolha da pena e da medida da pena.
Igualmente, já nos pronunciámos sobre o conteúdo dos poderes discricionários da Administração e dos poderes dos tribunais na sua sindicância.
Também já decidimos sobre o conteúdo do princípio da proporcionalidade e de que maneira a Administração pode afectar as posições dos particulares.
Vamos recordar alguns desses momentos, cuja pronúncia aqui reiteramos.
Em primeiro lugar, é jurisprudência firme deste Tribunal que a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade (entre outros, os acórdãos de 28 de Julho de 2004 e 21 de Janeiro de 2015, respectivamente, nos Processos n. os 27/2003 e 26/2014).
Temos, também, entendido, sem discrepâncias, que no âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro (acórdãos de 19 de Novembro de 2014 e 28 de Janeiro de 2015, respectivamente, nos Processos n. os 112/2014 e 123/2014).
Por outro lado, também em abundantíssima jurisprudência, temos reiterado que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem (entre muitos, os acórdãos de 21 de Janeiro de 2015, 13 de Novembro de 2013, 14 de Dezembro de 2012 e 25 de Julho de 2012, respectivamente, nos Processos n. os 20/2014, 23/2013, 69/2012 e 8/2012)».
Sobre o conteúdo do princípio da proporcionalidade, dissemos o seguinte no nosso acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000:
   «O CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu artigo 5.º, n.º 2, estabelecendo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
   Não cabe aqui fazer a história da génese do princípio ou a sua fundamentação filosófica.
   Como refere VITALINO CANAS1 o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
   A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio.
   A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa?
   Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária.
   O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva.
   “A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito”2 3.
   O CPA determina no artigo 6.º que “no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”».
Explicam, também, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM 4que “o princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso, constitui um limite interno da discricionariedade administrativa, que implica não estar a Administração obrigada apenas a prosseguir o interesse público – a alcançar os fins visados pelo legislador -, mas a consegui-lo pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares.

O princípio da proporcionalidade da actuação administrativa (colidente com posições jurídicas dos administrados) exige que a decisão seja:
- adequada (princípio da adequação): a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada, apta, à prossecução do interesse público visado;
- necessária (princípio da necessidade): a lesão daquelas posições tem que se mostrar necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado);
- proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito): a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício)”.

4. O caso dos autos
O ora recorrido foi punido com a demissão por ter sido condenado judicialmente pela prática de três crimes.
A tais crimes cabia a penalidade de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Foi o ora recorrido punido judicialmente com a pena de 6 meses de prisão por cada um dos 3 crimes, e em cúmulo das 3 penas, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos.
Os crimes foram praticados fora do exercício das funções.
Sendo subchefe, estava integrado na segunda categoria mais da carreira de base, a inferior (Anexo B a que se refere o n.º 1 do artigo 30.º do Regulamento Administrativo n.º 24/2001).
O ora recorrido tem louvores ou condecorações e bom comportamento anterior.
Os factos têm alguma gravidade. Se não tivessem não eram criminalmente punidos. Mas os crimes não particularmente graves, visto que puníveis apenas com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
O princípio da proporcionalidade postula a proibição do excesso.
Sopesando as vantagens e os inconvenientes da aplicação da pena de demissão, afigura-se-nos que esta aplicação não é necessária para atingir os fins de reposição do prestígio das Forças de Segurança abalado com a conduta do ora recorrido, tendo em conta que a experiência de um bombeiro com largos anos de serviço é certamente um bem inestimável para a população, sendo que há outras penas que podem contribuir para aquele desiderato.
Somos, pois, de opinião que a aplicação da pena de demissão é, no caso, excessiva e, portanto, desproporcionada, tanto para os interesses do particular como para o interesse público.
Daí que se conclua que o acto punitivo deve ser anulado por violação do princípio da proporcionalidade, negando-se provimento ao recurso jurisdicional.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Sem custas.
Macau, 27 de Março de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa


1 VITALINO CANAS, Princípio da Proporcionalidade, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol VI, Lisboa, 1994, p. 616, que se seguirá de perto na exposição subsequente.
     2 VITALINO CANAS, ob. cit., p. 628.
     3 Sobre o emprego no princípio da proporcionalidade da contabilização custos-benefícíos (ou vantagens) pelo Conselho de Estado francês, cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 75, que enumera, a p. 114 e segs. da mesma obra, os elementos do princípio em termos semelhantes aos traçados acima.
     4 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, p. 103 e 104.
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