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Processo n.º 11/2019. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Penas disciplinares. Demissão ou aposentação compulsiva. Inviabilização da manutenção da relação funcional. Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau. Discricionariedade. Princípios gerais do Direito Administrativo. Princípio da proporcionalidade. Sindicância judicial.
Data do Acórdão: 4 de Abril de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – A conclusão da inviabilização da manutenção da relação funcional é tirada pela Administração em todos os casos em que enquadre a conduta do arguido numa daquelas punidas com as penas de demissão ou aposentação compulsiva, a concretizar por juízos de prognose efectuados com uma ampla margem de decisão.
II – As condutas previstas no artigo 240.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau são punidas apenas com a pena de demissão.
III - A aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade
IV – No âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.
V - A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, Chefe assistente do Corpo de Bombeiros, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 8 de Agosto de 2016, do Secretário para a Segurança, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 18 de Outubro de 2018, negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), tendo imputado as seguintes violações legais ao acto administrativo e ao acórdão recorrido, a este na medida em que não reconheceu as primeiras:
- Falta de fundamentação do acto administrativo, na medida em que não se percebe que factos se imputam ao recorrente que podem causar danos na imagem do Corpo de Bombeiros, não concretizou a influência das agravantes a que alude, não fundamentou a escolha da pena, nem indicou os motivos que fazem com que o vínculo funcional não se possa manter;
- Violação do princípio da proporcionalidade e adequação.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
i) Em 7 de Abril de 2019 foi deduzida contra o ora recorrente a seguinte acusação no processo disciplinar contra ele instaurado:
Corpo de Bombeiros
- Acusação -
Processo Disciplinar n.º X/XX/XX/XXX
Arguido: A, chefe assistente, n.º XXXXXX
----- Nos termos do artigo 274.º n.º 2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro (doravante designado simplesmente por “Estatuto”), o arguido A, chefe assistente, n.º XXXXXX, é acusado do seguinte:---------------------------------------------------------------------
(I)
Dos factos
(1)
--- Conforme o conteúdo do acórdão proferido pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base em 30 de Outubro de 2015, foram provados os seguintes factos (cfr. fls. 131 a 132 dos autos):--------------------------------
1. Em Julho de 2005, o arguido e a vítima conheceram-se em Macau e começaram a namorar desde então.-------------------------------------------
2. Em Julho de 2008, o arguido foi a Beijing para procurar a vítima. Na altura, o computador portátil da vítima (de marca IBM, modelo T43) estava danificado, pelo que, a vítima entregou tal computador portátil ao arguido para que este o levasse para Macau para reparação.----------
3. Depois de regressar a Macau, o arguido recuperou, através de um programa informático, algumas fotografias da vida privada e ficheiros documentais já eliminados, incluindo as fotografias da vida privada da vítima e do marido dela (algumas são as fotografias de corpo nu do marido da vítima), e os endereços electrónicos dos colegas, amigos e professores da vítima.------------------------------------------------------
4. Depois de ver as fotografias da vítima e do marido dela, o arguido questionou à vítima através do telefone e do QQ (meio de comunicação imediata da Tencent) porque ela estava com o marido dela.------------------------------------------------------------------------------
5. A vítima manifestou ao arguido que a relação de namoro entre ela e o arguido já tinha terminado.----------------------------------------------------
6. Por volta de 10 de Setembro de 2008, através do QQ (meio de comunicação imediata da Tencent), o arguido exigiu que a vítima lhe devolvesse mais de quarenta mil RMB que ele tinha gastado com ela.----------------------------------------------------------
7. Em 22 de Setembro de 2008, a vítima transferiu, do [Banco (1)], um montante de $4.550,00 euros para a conta do arguido no [Banco (2)] (conta n.º XXXXXXXXX).---------------------
8. Além disso, a vítima pediu que o arguido devolvesse imediatamente o seu computador e os dados informáticos, tendo manifestado expressamente que não autorizava o arguido a abrir e publicar quaisquer ficheiros e fotografias existentes no seu computador nem consentia que as pessoas que ela conhece soubessem as referidas fotografias ou documentos.----------------------------------------------------
9. Em 25 de Novembro de 2009, pelas 11h04 da noite, o arguido enviou, mediante o endereço electrónico xxxxxxxxxxxx@gmail.com, um e-mail titulado “My husband is superman!!!”, para a caixa de correio electrónico da vítima xxxxxxxx@gmail.com, ao qual anexou um ficheiro denominado “My husband is superman.docx”, cujo autor é A, contendo no referido ficheiro as fotografias da vida privada da vítima e do marido dela.------------------------------------------
10. Em 2 de Dezembro de 2009, pelas 10H50 e 10H52 da manhã, o arguido enviou mais uma vez mediante o endereço electrónico xxxxxxxxxxxx@gmail.com dois e-mails titulados “My husband is superman!!!” para a caixa de correio electrónico da vítima xxxxxxxx@gmail.com e as dos vários amigos da vítima, contendo nos quais as fotografias da vida privada da vítima e do marido dela e as fotografias sozinhas do marido da vítima (de meio corpo nu).----------------------------------------------------------------
11. Pelas 11H18 da manhã do mesmo dia, o arguido enviou mais uma vez mediante o endereço electrónico xxxxxxxxxxxx@gmail.com um e-mail titulado “I love big bird” para a caixa de correio electrónico da vítima xxxxxxxx@gmail.com, e as dos vários amigos da vítima, contendo no qual uma fotografia da vítima e do marido dela e duas fotografias de corpo nu do marido da vítima.-------------------------------------
12. Sem o consentimento da vítima e do marido dela, o arguido recuperou e obteve os dados informáticos existentes no computador da vítima e publicou as fotografias da vida privada deles através da internet, o que violou a intimidade da vida privada deles.-------
13. O arguido, agindo de forma livre, voluntária e consciente, praticou dolosamente as condutas acima referidas.-----------------------------------
14. O arguido sabia perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.------------------------------------------------------------------
15. Conforme o CRC, o arguido é primário.-------------------------------------
(2)
----- O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base proferiu o acórdão em 30 de Outubro de 2015 e condenou: o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos p. e p. pelo artigo 5.º n.º 2 da Lei n.º 11/2009 (Lei de Combate à Criminalidade Informática) na multa de 120 dias e pela prática, na forma continuada, de um crime de devassa da vida privada p. e p. pelo artigo 186.º n.º 1 alíneas b) e d) do Código Penal na multa de 120 dias, e em cúmulo jurídico, condenou o arguido na multa de 180 dias, à taxa diária de MOP$200,00, perfazendo MOP$36.000,00 (o conteúdo do acórdão e o conteúdo da sua tradução dão-se aqui por integralmente reproduzidos, cfr. fls. 113 a 124 e 128 a 136 dos autos).---------------------------------------------------------------
(3)
--- O aludido acórdão já transitou em julgado em 11 de Novembro de 2015 (cfr. fls. 113 dos autos).-----------------------------------------------------
(4)
--- Nos termos do artigo 263.º n.º 2 do Estatuto, “A condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado.”---------------------------------------------
(II)
Infracção disciplinar
(1)
----- As aludidas infracções disciplinares do arguido violaram o artigo 12.º n.ºs 1 e 2 alíneas f) e o) do Estatuto.---------------------------------------
(2)
Circunstâncias agravante e atenuante
----- O arguido tem a circunstância atenuante da responsabilidade disciplinar prevista no artigo 200.º n.º 2 alínea h) do Estatuto.---------------
----- O arguido tem as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 201.º n.º 2 alíneas d), f) e h) do Estatuto.----
(3)
Pena
----- As condutas ilícitas e as infracções disciplinares do arguido não só levam a que a Administração perca a confiança nele depositada, como também levam a que o arguido perca a fé pública para exercer funções públicas, nomeadamente as funções nas corporações da segurança. Nos termos do artigo 232.º em conjugação do artigo 238.º n.ºs 1 e 2, alíneas a) e n), todos do Estatuto, deve o arguido ser punido na pena de demissão.--
  

ii) É o seguinte o acto recorrido:
  Despacho do Secretário para a Segurança nº XX/XX/2016
Assunto: Processo disciplinar
Processo n.º: X/XX/XX/XXX
Arguido: A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº XXXXXX
Analisados os dados constantes do presente processo disciplinar, há prova suficiente de que o arguido, A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº XXXXXX, praticou as infracções disciplinares descritas na acusação (cfr. fls. 196 a 199 do processo), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. A fim de melhor fundamentar a decisão, transcrevem-se em síntese os actos acusados:
Em Julho de 2008, o arguido deslocou-se a Pequim à procura da ofendida. Na altura, o computador da ofendida avariou-se, portanto entregou o computador ao arguido para ele levá-lo para Macau para arranjar.
À volta do dia 10 de Setembro de 2008, o arguido exigiu, mediante o programa de mensagem QQ, à ofendida que lhe devolvesse o dinheiro, no valor de 40 mil e tal renminbi, que ele gastou nela no passado.
Em 22 de Setembro de 2008, a ofendida enviou um montante de 4.550 euros à conta bancária do arguido no [Banco (2)], através do [Banco (1)].
Ao mesmo tempo, a ofendida exigiu ao arguido que lhe devolvesse, de imediato, o computador e os respectivos dados, dizendo categoricamente não permitir que o arguido abrisse ou divulgasse qualquer documento e fotografia contidos no computador e não consentir que as pessoas que ela conhecia tivessem conhecimento dessas fotografias ou documentos.
Em 25 de Novembro de 2009, pelas 23h04, o arguido mandou um e-mail intitulado “My husband is superman” à conta de e-mail da ofendida, enviando, em anexo, um ficheiro intitulado “My husband is superman.docx”, cujo elaborador era “A”. Do ficheiro constavam as fotografias da vida privada da ofendida e seu marido.
Em 2 de Dezembro de 2009, pelas 10h50 e 10h52, o arguido mandou outra vez dois e-mails intitulados “My husband is superman!!!” à conta de e-mail da ofendida e às contas de e-mail de vários amigos dela, dos quais constavam as fotografias da vida privada da ofendida e seu marido e as do marido da ofendida (de meio corpo nu).
No mesmo dia, pelas 11h18, o arguido mandou outra vez um e-mail intitulado “I love big bird” à conta de e-mail da ofendida e às contas de e-mail de vários amigos dela, do qual constavam uma fotografia conjunta da ofendida e seu marido e as duas fotografias do seu marido de corpo nu.
O arguido, sem ter o consentimento da ofendida e seu marido, recuperou e obteve os dados no computador pertencente à ofendida e publicou na internet as fotografias da vida privada dos dois, devassando a vida privada deles.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, praticando deliberadamente os actos acima descritos.
Os actos praticados pelo arguido também constituem actos criminosos. Por acórdão do Tribunal Judicial de Base, proferido em 30 de Outubro de 2015, o arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”, p.p. pelo artº 5º, nº 2 da Lei nº 11/2009 (Lei de combate à criminalidade informática), na pena de multa de 120 dias, e, na forma continuada de um crime de “devassa da vida privada”, p.p. pelo artº 186º, nº 1, als. b) e d) do CPM, na pena de multa de 120 dias. Em cúmulo jurídico das referidas penas, foi condenado na pena de multa de 180 dias. Tal decisão transitou em julgado em 11 de Novembro de 2015.
Nos termos do artº 263º, nº 2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo DL nº 66/94/M, de 30 de Dezembro (adiante designado por “EMFSF”), “a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado.” Portanto, as infracções disciplinares elencadas na acusação foram suficientemente provadas.
Os referidos actos do arguido violaram o dever de aprumo consagrado no artº 12º, nº 1 e nº 2, als. f) e o) do EMFSF, prejudicando gravemente a dignidade da função e o prestígio das FSM. Sendo o chefe assistente do Corpo de Bombeiro, a conduta do arguido levou com que a autoridade administrativa perdesse confiança nele, além disso, resultou na perda do direito a trabalhar na função pública, designadamente a credibilidade das Forças da Segurança (sic), razão pela qual não podemos manter a relação funcional com o arguido.
O arguido tem as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade previstas no artº 200º, nº 2, al. h), e no artº 201º, nº 2, als. d) e f), ambos do EMFSF.
Nestes termos, tendo ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina e atendendo às circunstâncias atenuantes e agravantes acima mencionadas, decido, no uso das competências conferidas pela Ordem Executiva nº 111/2014, Regulamento Administrativo nº 6/1999 (artº 4º, nº 2) e EMFSF (artº 211º) e nos termos do artº 232º e artº 238º, nº 1 e nº 2, als. a) e n) do EMFSF, a aplicação da pena de demissão ao arguido, A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº XXXXXX.

III – O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de saber se o acórdão recorrido incorreu nas violações legais imputadas pelo recorrente.

2. Falta de fundamentação
Considera o recorrente que o acto administrativo de demissão enferma de falta de fundamentação, na medida em que não se percebe que factos se imputam ao recorrente que podem causar danos na imagem do Corpo de Bombeiros, não concretizou a influência das agravantes a que alude, não fundamentou a escolha da pena, nem indicou os motivos que fazem com que o vínculo funcional não se possa manter.
Quanto à primeira asserção (desconhecimento dos factos que se imputam ao recorrente que podem causar danos na imagem do Corpo de Bombeiros) estes factos foram o que estiveram na base da sua condenação penal, com fundamento na obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos e na devassa da vida privada da ex-namorada.
Quanto à alegada não concretização das agravantes, referindo-se estas a ser a infracção comprometedora da honra, do brio ou do decoro pessoal ou da instituição e a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, à disciplina, ao interesse geral ou a terceiros, nos casos em que o militarizado devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta, temos que aquelas infracções comprometem de facto o seu brio e decoro pessoal e os resultados prejudiciais a terceiros ferem-se a ter enviado fotografias aos amigos da ex-namorada, prejudicando esta.
Por fim, o acto punitivo fundamentou a medida da pena e indicou que tinha havido perda de confiança dos seus superiores relativamente ao recorrente.
O acto está, portanto, fundamentado.

3. Princípio da proporcionalidade e adequação
Está em causa concluir se o acto administrativo, que aplicou a pena de demissão ao recorrente, violou o princípio da proporcionalidade e adequação.
O fundamento para a punição foi a condenação do agente, por sentença transitada em julgado, de um crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”, previsto e punível pelo artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 11/2009 (Lei de combate à criminalidade informática), na pena de multa de 120 dias, e, na forma continuada de um crime de “devassa da vida privada”, previsto e punível pelo artigo 186.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código Penal, na pena de multa de 120 dias. Em cúmulo jurídico das referidas penas, foi condenado na pena única de 180 dias de multa, à quantia diária de MOP$200,00, ou seja, em MOP$36.000,00.
Ambos os crimes são punidos com a penalidade de prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias.
Recordamos aqui o que decidimos no acórdão de 4 de Novembro de 2015, proferido no Processo n.º 71/2015, em que se conheceu da punição, com a pena de demissão, de um agente das Forças de Segurança:
«De acordo com os artigos 238.º a 240.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM):
“Artigo 238.º
(Aposentação compulsiva e demissão)
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
a) Agredir, injuriar ou desrespeitar gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em local de serviço ou em público;
b) Usar de poderes de autoridade não conferidos por lei ou abusar dos poderes inerentes às suas funções excedendo os limites do estritamente necessário, quando seja indispensável o uso dos meios de coerção ou de quaisquer outros susceptíveis de ofenderem os direitos do cidadão;
c) Encobrir criminosos ou prestar-lhes qualquer auxílio que possa contribuir para frustrar ou dificultar a acção da justiça;
d) Por virtude de falsas declarações causar prejuízo a terceiros ou favorecer o descaminho de armamento;
e) Praticar ou tentar praticar acto demonstrativo da perigosidade da sua permanência na instituição ou acto de desobediência grave ou de insubordinação, bem como de incitamento à desobediência ou insubordinação colectiva;
f) Praticar de forma frustrada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
g) Tomar parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer serviço da Administração Pública;
h) Violar segredo profissional ou cometer inconfidência de que resulte prejuízo para o Território ou para terceiros;
i) Se constituir na situação de ausência ilegítima durante 5 dias seguidos ou 10 interpolados, dentro do mesmo ano civil;
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
l) Abusar habitualmente de bebidas alcoólicas ou consumir ou traficar estupefacientes ou substâncias psicotrópicas;
m) For cúmplice ou encobridor de qualquer crime previsto nas alíneas anteriores:
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o seu autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função.
Artigo 239.º
(Aposentação compulsiva)
1. A pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
2. Em qualquer caso, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o militarizado reunir, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço, sem o que lhe será aplicada a pena de demissão.
Artigo 240.º
(Demissão)
A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º”.


Temos entendido que a inviabilização da manutenção da relação funcional, como um conceito indeterminado, é uma conclusão a extrair dos factos imputados ao arguido e que conduz à aplicação de uma pena expulsiva, sendo uma cláusula geral e não um facto que tenha de ser objecto de prova (acórdão de 21 de Janeiro de 2015, Processo n.º 26/2014, entre vários).
E também que o preenchimento da cláusula geral de inviabilidade da manutenção da relação funcional constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados com uma ampla margem de decisão (acórdão de 29 de Junho de 2005, Processo n.º15/2005, entre muitos).
Esta jurisprudência é de manter.
Assim, a conclusão da inviabilização da manutenção da relação funcional deve ser tirada pela Administração em todos os casos em que enquadre a conduta do arguido numa daquelas punidas com as penas de demissão ou aposentação compulsiva, a concretizar por juízos de prognose efectuados com uma ampla margem de decisão.

Princípio da proporcionalidade
Não obstante, vejamos se a Administração violou o princípio da proporcionalidade ao punir o arguido com a pena de demissão.
Este Tribunal já se pronunciou algumas vezes sobre os poderes da Administração no âmbito do seu poder disciplinar, designadamente na escolha da pena e da medida da pena.
Igualmente, já nos pronunciámos sobre o conteúdo dos poderes discricionários da Administração e dos poderes dos tribunais na sua sindicância.
Também já decidimos sobre o conteúdo do princípio da proporcionalidade e de que maneira a Administração pode afectar as posições dos particulares.
Vamos recordar alguns desses momentos, cuja pronúncia aqui reiteramos.
Em primeiro lugar, é jurisprudência firme deste Tribunal que a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade (entre outros, os acórdãos de 28 de Julho de 2004 e 21 de Janeiro de 2015, respectivamente, nos Processos n. os 27/2003 e 26/2014).
Temos, também, entendido, sem discrepâncias, que no âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro (acórdãos de 19 de Novembro de 2014 e 28 de Janeiro de 2015, respectivamente, nos Processos n. os 112/2014 e 123/2014).
Por outro lado, também em abundantíssima jurisprudência, temos reiterado que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem (entre muitos, os acórdãos de 21 de Janeiro de 2015, 13 de Novembro de 2013, 14 de Dezembro de 2012 e 25 de Julho de 2012respectivamente, nos Processos n. os 20/2014, 23/2013, 69/2012 e 8/2012)».
Sobre o conteúdo do princípio da proporcionalidade, dissemos o seguinte no nosso acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000:
   «O CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu artigo 5.º, n.º 2, estabelecendo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
   Não cabe aqui fazer a história da génese do princípio ou a sua fundamentação filosófica.
   Como refere VITALINO CANAS1 o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
   A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio.
   A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa?
   Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária.
   O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva.
   “A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito”2 3.
   O CPA determina no artigo 6.º que “no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”».
Explicam, também, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM 4que “o princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso, constitui um limite interno da discricionariedade administrativa, que implica não estar a Administração obrigada apenas a prosseguir o interesse público – a alcançar os fins visados pelo legislador -, mas a consegui-lo pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares.

O princípio da proporcionalidade da actuação administrativa (colidente com posições jurídicas dos administrados) exige que a decisão seja:
- adequada (princípio da adequação): a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada, apta, à prossecução do interesse público visado;
- necessária (princípio da necessidade): a lesão daquelas posições tem que se mostrar necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado);
- proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito): a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício)”.

4. O caso dos autos
O recorrente foi punido com a demissão por ter sido condenado judicialmente pela prática de dois crimes.
A tais crimes cabia a penalidade de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Foi o recorrente punido judicialmente com a pena de multa de 120 dias por cada um dos crimes e em cúmulo jurídico das referidas penas, foi condenado na pena única de 180 dias de multa, à quantia diária de MOP$200,00, ou seja, em MOP$36.000,00.
De acordo com o disposto no artigo 64.º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Quer isto dizer que o Tribunal considerou que a punição do recorrente com uma pena de multa realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Os crimes foram praticados fora do exercício das funções.
Sendo chefe assistente, estava integrado na categoria mais baixa (a quarta) da carreira superior (Anexo B a que se refere o n.º 1 do artigo 30.º do Regulamento Administrativo n.º 24/2001).
O recorrente tem louvores ou condecorações. Sabemos isso pela referência do acto punitivo à alínea h) do n.º 2 do artigo 200 do EMFSM, embora do mesmo não esclareça que prémios em concreto ele teve.
Os factos têm alguma gravidade. Se não tivessem não eram criminalmente punidos. Mas os crimes não são particularmente graves, visto que puníveis apenas com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
De qualquer maneira, não consta que as fotografias da ex-namorada com o marido desta, enviadas digitalmente a amigos dela, fossem sensíveis.
O princípio da proporcionalidade postula a proibição do excesso.
Sopesando as vantagens e os inconvenientes da aplicação de uma pena expulsiva, afigura-se-nos que esta aplicação não é necessária para atingir os fins de reposição do prestígio das Forças de Segurança abalado com a conduta do recorrente, tendo em conta que a experiência de um bombeiro com largos anos de serviço é certamente um bem inestimável para a população, sendo que há outras penas que podem contribuir para aquele desiderato.
Somos, pois, de opinião que a aplicação de uma pena expulsiva é, no caso, excessiva e, portanto, desproporcionada, tanto para os interesses do particular como para o interesse público.
Daí que se conclua que o acto punitivo deve ser anulado por violação do princípio da proporcionalidade.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso jurisdicional e anulam o acto recorrido.
Sem custas.
Macau, 4 de Abril de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa



1 VITALINO CANAS, Princípio da Proporcionalidade, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol VI, Lisboa, 1994, p. 616, que se seguirá de perto na exposição subsequente.
     2 VITALINO CANAS, ob. cit., p. 628.
     3 Sobre o emprego no princípio da proporcionalidade da contabilização custos-benefícíos (ou vantagens) pelo Conselho de Estado francês, cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 75, que enumera, a p. 114 e segs. da mesma obra, os elementos do princípio em termos semelhantes aos traçados acima.
     4 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, p. 103 e 104.
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Processo n.º 11/2019

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Processo n.º 11/2019