打印全文
Processo n.º 21/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 30 de Abril de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Fundamentação do acto administrativo
- Admissibilidade de provas apresentadas no recurso contencioso

SUMÁRIO
1. Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do Código do Procedimento Administrativo, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
2. A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
3. Sobre a admissibilidade de provas apresentadas no recurso contencioso, o Tribunal de Última Instância tem entendido que no recurso contencioso o recorrente não pode requerer a produção de provas, que podia ser requerida no processo disciplinar, mas que não requereu, salvo nos caso em que tenha sido impedido de produzir provas no processo disciplinar.
4. Tal entendimento não vale para todos os casos, mas sim apenas quando está em causa um processo disciplinar e, ainda eventualmente, para outros casos em que estejam assegurados todos os meios de defesa para o interessado, que tem ampla possibilidade de defesa.
5. Se no procedimento administrativo foi assegurada ao recorrente toda a possibilidade de se defender contra a imputação de prática do crime, com base na qual foi determinada a revogação da autorização de permanência e, em consequência, a recusa de entrada do recorrente, e ele não apresentou nenhuma prova nem requereu a produção de prova, já não pode o recorrente fazê-lo no recurso contencioso.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para a Segurança de 6 de Abril de 2017 que confirmou, no recurso hierárquico necessário, a decisão de recusa de sua entrada na RAEM, proferida pelos Serviços de Emigração do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Por Acórdão proferido em 18 de Outubro de 2018, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso.
Inconformado com a decisão, recorreu A para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O Acórdão recorrido incorreu em diversos vícios que determinam a revogação do mesmo e a substituição por uma decisão que não enferme das mesmas ilegalidades;
Em primeiro lugar,
B. Sustenta o Tribunal a quo que o acto recorrido “contém todos os fundamentos de facto e de direito que serviram à base da decisão da revogação”;
C. No acto recorrido, a Administração não explicou porque é que entende que existem “fortes indícios” da prática de crime pelo Recorrente,
D. Sendo que a conclusão assim extraída pela Entidade Recorrida não passa de uma reprodução da letra da lei, nada acrescentando sobre em que consistem os supostos “fortes indícios”;
E. Aliás, a Administração nem sequer mencionou – nem no acto recorrido nem na decisão da revogação da autorização de permanência – qual seria o crime em causa;
F. Impõe-se, pois, concluir que, salvo o devido respeito por opinião diversa, o Acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação ao caso concreto da norma prevista nos artigos 114.º e 115.º do CPA, na medida em que o acto recorrido padece de vício de falta de fundamentação, circunstância que o torna anulável nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA;
Em segundo lugar,
G. O Acórdão recorrido entendeu que, relativamente ao vício de erro sobre os pressupostos de facto, a prova apresentada pelo Recorrente em sede do recurso contencioso não é admissível, uma vez que “não pode ser feita no recurso contencioso a prova de factos (…) se o recorrente teve a possibilidade de em concreto a fazer no procedimento administrativo”;
H. No presente caso, que não se trata de caso de processo disciplinar nem decorre das normas legais que estipulam as respectivas tramitações processuais que os recorrentes têm ampla possibilidade de defesa, face ao disposto nos artigos 42.º, n.º 1, alínea h) e 65.º do CPAC, bem como no artigo 436.º do CPC, nada obsta a que o Recorrente requeira no recurso contencioso os meios de prova que entenda necessários, que estão submetidos à apreciação do tribunal;
I. Assim, ao entender que a prova apresentada pelo Recorrente em sede do recurso contencioso não é admissível, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 42.º, n.º 1, alínea h) e 65.º do CPAC, bem como do disposto nos artigos 436.º e 558.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPAC.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
I. Não se aceita que o acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação ao caso concreto das normas dos artigos 114.º e 115.º do CPA, por alegadamente o acto recorrido padecer do vício de falta de fundamentação;
II. O despacho recorrido é claro, quer na sua fundamentação legal, quer na reprodução dos factos e fundamentos contidos na informação n.º XXX/2017- Pº.XXX.XX do CPSP;
III. A declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem parte integrante do respectivo acto, é adequada à fundamentação da decisão da administração, como preceitua o n.º 1 do artigo 115.º do CPA;
IV. Os fundamentos da decisão contidos no despacho recorrido contenciosamente, na proposta que lhe serve de base, nos autos de inquirição do CPSP e em documentos que constam do processo instrutor afastam qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência de fundamentação do acto administrativo;
V. Na petição do recurso contencioso o Recorrente mostrou, sem dúvida, conhecer todo o itinerário cognoscitivo e valorativo do acto recorrido;
VI. Não se aceita a alegada errada interpretação e aplicação por parte do Tribunal a quo ao caso concreto do disposto nos artigos 42.º, n.º 1, alínea h) e 65.º do CPAC, bem como do disposto nos artigos 436.º e 558.º do CPC;
VII. “não pode ser feita no recurso contencioso a prova dos factos – para efeito do vício de erro sobre os pressupostos de facto, v.g. – se o recorrente teve a possibilidade de em concreto a fazer no procedimento administrativo”, segundo o MANUAL DE FORMAÇÃO DE DIREITO ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO, José Cândido de Pinho, pag. 119 e 120;
VIII. Admitir em sede de recurso contencioso a produção de prova equivaleria a desvirtuar o processo administrativo instrutor, o qual é a base da decisão administrativa, e no qual o Recorrente poderia efectuar a sua prova;
IX. O Recorrente não ofereceu no seu recurso hierárquico qualquer prova que contrariasse as diligências efectuadas pelo CPSP, que constam do auto de participação n.º XXX/2016-Pº.XXX.XX, constante do processo administrativo, facto que tem de ser valorado;
X. No Douto acórdão recorrido “... a conclusão formulada pela Entidade Recorrida no sentido de existir fortes indícios da prática de crime de emprego ilegal por parte do Recorrente não merece qualquer censura ou reparação”;
XI. Pelo que fica exposto, de facto e de direito, não se aceita que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação ao caso concreto das normas dos artigos 114.º e 115.º do CPA e do disposto nos artigos 42.º, n.º 1, alínea h) e 65.º do CPAC.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve negar provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
É dada como assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O recorrente é sócio da [Limitada], sociedade comercial matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis, sob o nº XXXXX(SO).
2. Numa operação policial realizada no dia 14/06/2016, pelas 10H45, foram entrados dois indivíduos de nome B e C, ambos não residentes da RAEM, a trabalharem na [Limitada].
3. O B declarou perante o agente da PSP que era assessor-gerente, contratado pelo A, com o vencimento mensal no montante de USD$9,500.00, prestando serviço semanalmente 4 ou 5 dias, com a carga horária diária por volta de 3 horas.
4. Em 08/03/2017, foi determinada a recusa de entrada do recorrente pela PSP.
5. Em 14/03/2017, o recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário contra a decisão da sua recusa de entrada.
6. Em 06/04/2017, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
“Ponderado o recurso hierárquico necessário apresentado pelo recorrente A no processo acima indicado, que tem por base um acto de recusa de entrada na RAEM, por ordem do Serviço de Migração do CPSP, com data de 08 de Março de 2017, determino o seguinte:
1. A não suspensão da eficácia do acto recorrido, por se considerar que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público, fundado em perigosidade para a segurança pública interna.
2. Considero que o ora recorrente está devidamente representado, com advogado mandatado para exercer a sua representação, sem qualquer perda de garantias para a sua defesa e sem que se tenha demonstrado ser imprescindível a sua presença nos actos processuais decorrentes da revogação da sua autorização de permanência;
3. A decisão de recusa de entrada na RAEM tem subjacente a decisão da Administração de revogação da autorização de permanência do ora recorrente, fundamentada na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, por se entender que a sua presença constitui um risco para a segurança e ordem públicas da RAEM;
4. O juízo de perigosidade efectivo formulado pela Administração é legítimo e adequado à realização de um fim legal, visa a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes;
5. Reconduzo a base legal da medida de recusa de entrada na RAEM à alínea 1) do n.º 1, em concomitância com a alínea 3) do n.º 2, ambas do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, ex vi alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, por entender que essa recusa deve ter como fundamento a expulsão do recorrente e os fortes indícios de ter praticado ou de se preparar para a prática de crime ou crimes na RAEM, com produção de efeitos desde 08 de Março de 2017.
Deste modo, concluo que o acto administrativo impugnado por via do presente recurso tem adequado fundamento de facto e de direito, nos termos da alínea 1) do n.º 1, em concomitância com a alínea 3) do n.º 2, ambas do artigo 4.º da Lei 11.º 4/2003, ex vi alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, pelo que, ao abrigo do artigo 161.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, confirmo-o, negando provimento ao presente recurso.
Notifique-se o recorrente, nos termos dos artigos 70.º a 72.º do Código do Procedimento Administrativo.”

3. Direito
Foram suscitadas duas questões, respeitante à fundamentação do acto administrativo impugnado e à (in)admissibilidade de provas apresentadas no recurso contencioso, respectivamente.

3.1. Fundamentação do acto impugnado
Na óptica do recorrente, ao considerar que o acto administrativo impugnado não padece do vício de falta de fundamentação, na medida em que o mesmo acto “contém todos os fundamentos de facto e de direito que serviram à base da decisão da revogação”, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por violação da norma contida nos art.ºs 114.º e 115.º do CPA.
Alega o recorrente que a Administração não explicou porque é que entende que existem “fortes indícios” da prática de crime pelo recorrente, que alegadamente se trata apenas duma conclusão extraída pela entidade recorrida e que não passa de uma reprodução da letra da lei, nada acrescentando sobre em que consistem os supostos “fortes indícios”, ao lado que nem sequer mencionou – nem no acto recorrido nem na decisão da revogação da autorização de permanência – qual seria o crime em causa.
Foi questionada a fundamentação do acto administrativo praticado pelo Secretário para a Segurança no recurso hierárquico necessário interposto da decisão da PSP que determinou a recusa de entrada do recorrente.
Ora, nos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
Sobre o dever de fundamentação, o Tribunal de Última Instância foi chamado por várias vezes para se pronunciar, tendo expendido o entendimento de que a fundamentação do acto administrativo pode “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.1
No caso ora em apreciação, cremos que o acto impugnado está devidamente fundamentado, permitindo ao seu destinatário perceber a sua racionalidade.
Tal como se constata no despacho do Secretário para a Segurança, é de salientar que o acto foi praticado em consequência do recurso hierárquico necessário apresentado contra a decisão de recusa de entrada na RAEM, que tem subjacente uma decisão da Administração de revogação da autorização de permanência do ora recorrente, fundamentada na al. 3) do n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 6/2004.
Tal decisão de revogação da autorização de permanência, já devidamente notificada ao recorrente, tem o seguinte teor (cfr. fls. 8 do processo administrativo instrutor e fls. 43 dos autos):
“Em 18 de Janeiro de 2017, os guardas do CPSP encontraram o interessado no Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa. Da investigação efectuada pelo CPSP resultou que o interessado era arguido num caso de “emprego”, pelo que foi o caso transferido ao Ministério Público. Conforme as circunstâncias do caso, no dia 14 de Junho de 2016, os guardas do CPSP realizaram uma operação de inspecção nas [Endereço], e durante a operação, foram encontrados dois trabalhadores ilegais, que admitiram exercer nessa empresa respectivamente os cargos de gerente assessor, com salário mensal de USD$9.500,00, e de formando, sem vencimento adicional, mas com subsídios de alojamento, transporte e alimentação, fornecidos pela empresa. O interessado é dono da [Empresa], e segundo os depoimentos prestados pelas testemunhas, um dos referidos trabalhadores ilegais foi contratado directamente pelo interessado. Atendendo ao perigo causado pelas respectivas condutas para a segurança ou ordem públicas da RAEM, decido, nos termos do art.º 11.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 6/2004, e usando das competências subdelegadas pelo Comandante do CPSP no Despacho n.º X/CPSP/2016P, revogar a autorização de permanência do interessado, e ordeno-lhe o abandono da RAEM antes de 21 de Janeiro de 2017.”
Desde logo, é de frisar que não é bem verdade a alegação do recorrente sobre a não menção do crime em causa na decisão da revogação da autorização de permanência, pois se detecta claramente nessa decisão a referência expressa a um caso de “emprego”, em que era arguido o ora recorrente, com descrição sumária sobre a relação de trabalho estabelecida entre ele e (pelo menos) um dos indivíduos que trabalhavam ilegalmente na empresa de que ele é dono. Daí que, mesmo para um destinatário médio e normal, sem assistência do advogado, é fácil de perceber qual ilegalidade criminal que está em suspeita.
Constata-se no processo administrativo instrutor que no mesmo dia em que foi proferida a decisão de revogação da autorização de permanência o recorrente constituiu advogado e passou a ser representado e assistido.
Assim sendo, e tomando em consideração que o despacho do Secretário para a Segurança tem na sua origem a decisão de revogação da autorização de permanência e que a entidade recorrido ponderou, como é devido, “o recurso hierárquico necessário apresentado pelo recorrente”, tal como se constata no seu despacho, não se pode concluir pelo desconhecimento dos pressupostos e motivos fácticos que determinaram a prática do acto, mesmo que nesse acto não se tenha feito expressamente menção aos factos.
Com a ponderação do “recurso hierárquico necessário apresentado pelo recorrente” e a referência clara à “decisão da Administração de revogação da autorização de permanência do ora recorrente” que está na origem da decisão de recusa de entrada, a entidade recorrida fez uma remissão indirecta para os fundamentos fácticos indicados naquela decisão.
E quanto a “fortes indícios” da prática de crime, alega o recorrente que a Administração não explicou porque é que assim entende.
A entidade recorrida diz no seu despacho que reconduziu “a base legal da medida de recusa de entrada na RAEM à alínea 1) do n.º 1, em concomitância com a alínea 3) do n.º 2, ambas do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, ex vi alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 6/2004, por entender que essa recusa deve ter como fundamento a expulsão do recorrente e os fortes indícios de ter praticado ou de se preparar para a prática de crime ou crimes na RAEM.
Como se sabe, considera-se por fortes indícios, como conceito jurídico indeterminado que é, “os sinais de ocorrência de um determinado facto, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o facto foi praticado pelo arguido. Esta possibilidade razoável é uma possibilidade mais positiva que negativa, ou seja, a partir das provas recolhidas se forma a convicção de que é mais provável que o arguido tenha praticado o facto do que não o tenha praticado. Aqui não se exige uma certeza ou verdade como no julgamento criminal”.2
E “tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, em face deles, seja de considerar altamente provável a condenação, já que nas fases preliminares do processo crime não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas apenas indícios”. 3
Simplificando, é de dizer que o que se demonstra com os fortes indícios é apenas uma possibilidade razoável sobre a prática de um determinado facto.
Ora, com a remissão indirecta feita para a decisão de revogação da autorização de permanência, que contém a indicação concreta dos elementos fácticos que determinaram a prática do acto, afigura-se-nos que não há mais explicação para fazer quanto à existência de fortes indícios da prática do crime de emprego ilegal, que se trata do conceito indeterminado, constituído pelos sinais de ocorrência de um determinado facto, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o facto foi praticado pelo arguido.
Face aos elementos fácticos indicados na decisão, não resta dúvida quanto à existência de fortes indícios.
Acrescentando, é de dizer que, no que respeita à fundamentação do acto, a lei exige apenas uma exposição sucinta, e não exaustiva, dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Improcede o recurso, neta parte.

3.2. Admissibilidade de provas apresentadas no recurso contencioso
Alega o recorrente que, ao entender que a prova por si apresentada em sede do recurso contencioso não é admissível, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos art.ºs 42.º n.º 1, al. h) e 65.º do CPAC, bem como do disposto nos artigos 436.º e 558.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPAC, dado que, não se tratando de caso de processo disciplinar nem decorrendo das normas legais que estipulam as respectivas tramitações processuais que o recorrente tem ampla possibilidade de defesa, nada obsta a que o recorrente requeira no recurso contencioso os meios de prova que entenda necessários, que estão submetidos à apreciação do tribunal.
Afigura-se-nos não assistir razão ao recorrente.
Ora, sobre a admissibilidade de provas apresentadas no recurso contencioso, este Tribunal de Última Instância tem entendido que no recurso contencioso o recorrente não pode requerer a produção de provas, que podiam ser requerida no processo disciplinar, mas que não requereu, salvo nos caso em que tenha sido impedido de produzir provas no processo disciplinar.4
Tal entendimento não vale para todos os casos, mas sim apenas quando está em causa um processo disciplinar e, ainda eventualmente, para outros casos em que estejam assegurados todos os meios de defesa para o interessado, que tem ampla possibilidade de defesa.5
Na realidade, “perante os trâmites totalmente contraditórios do processo disciplinar em que o arguido tem ampla possibilidade de defesa, não faria sentido que o recurso contencioso fosse uma repetição do processo disciplinar, com uma segunda oportunidade de produção de prova, até com as mesmas testemunhas que podem contradizer do que depuseram, tendo por objecto a matéria da acusação disciplinar. A admitir a nova produção de prova sobre esses factos, retiraria o carácter definitivo, no domínio do procedimento administrativo, da decisão punitiva da Administração Pública, deslocando o centro da formação da vontade punitiva administrativa daquela para o Tribunal, subverteria o princípio da separação das funções administrativas e judiciais.
O que se pode fazer no recurso contencioso da decisão punitiva disciplinar é discutir se essa decisão é correcta ao considerar provados determinados factos, arguindo o vício de erro nos pressupostos de facto. Mas não pode vir pretender produzir nova prova quando o pôde fazer oportunamente”.6
Expostas tais considerações, é de voltar ao nosso caso concreto.
Não estamos perante uma decisão punitiva disciplinar, pelo que há de ver se no processo administrativo ao recorrente foi concedida a oportunidade de defesa.
Constata-se no processo administrativo instrutor e nos autos o seguinte:
- Em 19 de Janeiro de 2017, foi proferido o despacho que revogou a autorização de permanência concedida, que foi notificado ao recorrente no mesmo dia (fls. 8 e 15 do processo administrativo instrutor).
- Antes de tomar decisão de recusa de entrada, a Administração notificou, através do ofício de 20 de Fevereiro de 2017, com indicação do sentido da decisão e do motivo de tal decisão, o recorrente para exercer, querendo e por forma escrita, o seu direito de audiência (cfr. fls. 11 do processo administrativo instrutor).
- Em 8 de Março de 2017, foi o recorrente recusado de entrar na RAEM, com notificação de recusa de entrada (cfr. fls. 16 do processo administrativo instrutor).
- Em 14 de Março de 2017, apresentou o recorrente recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança (fls. 17 a 24 do processo administrativo instrutor).
- Em 7 de Abril de 2017, e tendo sido notificado do “projecto” de decisão recusa de entrada, apresentou o recorrente a sua defesa (fls. 34 a 42 do processo administrativo instrutor).
É de frisar que nem na defesa apresentada nem em outro momento do procedimento administrativo foi requerida a produção de prova ou apresentado qualquer documento, nomeadamente aquele junto aos autos com a petição inicial do recurso contencioso.
Ao recorrente foi assegurada toda a possibilidade de se defender contra a imputação de prática do crime e ele nunca foi impedido de produzir provas; só que ele não apresentou nenhuma prova nem requereu a produção de prova para o efeito.
Estamos perante uma situação em que, mesmo tendo toda a possibilidade e estando em condições de apresentar a prova ou requerer a produção da prova, não o fez o recorrente.
Assim sendo, é de concluir que no recurso contencioso já não pode o recorrente requerer a produção da prova.
Não se vislumbra erro alegado pelo recorrente quanto à interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 42.º n.º 1, al. h) e 65.º do CPAC, bem como nos art.º 436.º e 558.º do CPC.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrido, com a taxa de justiça que se fixa em 8 UC.

Macau, 30 de Abril de 2019

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Cfr. Ac. do TUI, de 6 de Dezembro de 2002, Proc. n.º 14/2002.
2 Cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 27-4-2000, Proc. n.º 6/2000, entre outros.
3 Cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 3-5-2000, Proc.n.º 9/2000.
4 Cfr. Ac. do TUI, de 2-6-2004 e 31-7-2013, Proc. n.ºs 17/2003 e 39/2013.
5 Cfr. Ac. do TUI, de 15-3-2017, Proc. n.º 74/2016.
6 Cfr. Ac. do TUI, de 2-6-2004 e 31-7-2013, Proc. n.ºs 17/2003 e 39/2013.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




18
Processo n.º 21/2019