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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 24/4/2019 ----------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 352/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por Acórdão datado de 15.02.2019, proferido pelo Colectivo do T.J.B., decidiu-se condenar A, arguida com os sinais dos autos, como autora material da prática em concurso real de:
- 1 crime de “falsificação de documentos”, na forma continuada, p. e p. pelo art. 18°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
- 2 crimes de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da mesma Lei n.° 6/2004, na pena de 3 meses de prisão cada; e,
- 2 crimes de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão cada.
Em cúmulo jurídico com as penas que lhe tinham sido aplicadas no âmbito dos Processos n.° CR4-15-0329-PCC e n.° CR3-17-0192-PCS, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 125 a 134 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, vem a arguida recorrer, afirmando – em síntese – que excessivas são as penas parcelares que lhe foram aplicadas; (cfr., fls. 149 a 155).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 163 a 168).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 178 a 179).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 127-v a 130, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Com o presente recurso impugna a arguida o Acórdão que a condenou nos termos atrás relatados, afirmando – em síntese – que excessivas são as penas parcelares que lhe foram aplicadas.

E, como se deixou adiantado, evidente é que nenhuma razão lhe assiste, não sendo de se considerar as penas, parcelares e única, excessivas.

Vejamos.

Ao crime de “falsificação de documentos” na forma continuada, cabe a pena de 2 a 8 anos de prisão; (cfr., art. 18° da Lei n.° 6/2004).

Por sua vez, para cada 1 dos 2 crimes de “reentrada ilegal” cabe a pena de prisão até 1 ano; (cfr., art. 21° da Lei n.° 6/2004).

E os crimes de “desobediência” pela arguida cometidos são punidos com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias; (cfr., art. 312°, n.° 1 do C.P.M.).

Nos termos do art. 64° do C.P.M.:

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Porém, no caso, e ponderando no C.R.C. da arguida ora recorrente, com o registo de outras condenações por crimes de “falsificação de documentos” e “reentrada ilegal”, evidente se apresenta que inadequada seria a opção por uma pena não privativa da liberdade para o crime de “desobediência” do 312° do C.P.M..

Continuemos, vendo-se agora da “medida da pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, e, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 1077/2018 e de 21.02.2019, Proc. n.° 5/2019).

No caso dos autos, e como se referiu, a arguida ora recorrente tem “antecedentes criminais”, não sendo primária, registando já várias condenações, (desde 2016, cfr., fls. 130), tudo a indicar uma personalidade alheia às normas de convivência social, avessa ao direito e que insiste em delinquir, pelo que, atentos os critérios do art. 40° e 65°, à factualidade dada como provada, à moldura penal para os crimes cometidos e tendo em conta as fortes necessidades de prevenção especial e geral, excessiva não se apresenta nenhuma das penas parcelares fixadas, (que, aliás, apenas podem pecar por benevolência).

Cabe também referir que importa ter presente que:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Dito isto, e não nos parecendo haver (qualquer) erro evidente ou manifesta desproporção, à vista está a solução quanto à questão da “medida da pena”.

Continuemos.

–– Quanto à “pena única” resultado do “cúmulo jurídico”, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.03.2018, Proc. n.° 61/2018, de 11.10.2018, Proc. n.° 716/2018 e de 17.01.2019, Proc. n.° 1160/2018).

Atento ao que até aqui se deixou exposto, (e que é de manter), e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 2 anos e 3 meses” e um “limite máximo de 4 anos e 6 meses de prisão”, (tendo-se aqui em conta as penas aplicadas nos Procs. n°s CR4-15-0329-PCC e CR3-17-0192-PCS), cremos que censura também não merece a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão fixada que, em nossa opinião, para além de não se vislumbrar nenhuma desproporção manifesta, situando-se, junto do meio da moldura aplicável, reflecte, correctamente, as fortes necessidades de prevenção criminal, especial e geral que, no caso, se impõe.

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Uma nota final.

Em sede da sua motivação invoca a recorrente a “violação do princípio da não discriminação”, alegando que o Tribunal a quo ponderou a sua circunstância de “não residente de Macau” aquando da determinação da sanção penal que lhe decretou.

Ora, antes de mais, como se viu e, em nossa opinião, se deixou claramente consignado, nenhum motivo existe para se considerar qualquer pena (parcelar ou única) decretada inflacionada.

E, independentemente disto, cabe dizer que não se vislumbra nenhum desrespeito ao dito “princípio da não discriminação”.

Com efeito, sendo efectivamente a recorrente uma pessoa “não residente da R.A.E.M.”, e considerando-se tal “circunstância”, (tão só), como uma “condição pessoal do agente” – cfr., v.g., o art. 65°, n.° 2, al. d) do C.P.M. – e enquadrando esta ao nível da “prevenção criminal”, atento o prescrito no art. 40° do dito código quanto às “finalidades das penas”, não se incorreu em nenhuma violação do aludido princípio.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará a arguida a taxa de justiça de 5 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 24 de Abril de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 352/2019 Pág. 14

Proc. 352/2019 Pág. 13