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Processo n.º 13/2015. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Imposto de selo. Revogação ou distrate da compra e venda de imóvel.
Data da Sessão: 10 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
A revogação ou distrate, por acordo das partes, de compra e venda de imóvel, não conduz à restituição do imposto de selo pago, ainda que a motivação para o distrate tenha sido a nulidade do acto translativo.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A (doravante, também designada por recorrente), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 17 de Fevereiro de 2009, que negou provimento a recurso hierárquico interposto de despacho da Directora dos Serviços de Finanças, que indeferira pedido de isenção da liquidação adicional de imposto de selo.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando nas suas alegações a seguinte questão:
- Revogada pelas partes a escritura de compra e venda do imóvel pelo qual foi pago imposto de selo, deve ser restituído o imposto de selo.
O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela procedência do recurso.

II - Os Factos
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
A 27.3.2008, foi apresentado pela recorrente junto da Direcção dos Serviços de Finanças o modelo M/1 mediante o qual se declarou a transmissão definitiva, pelo preço total de MOP$300.000,00, do prédio sito em Macau, no [Endereço (1)], nela figurando como adquirente a recorrente e transmitentes C, D, E e F, representados por B, venda essa titulada pela escritura de compra e venda outorgada na mesma data.
O prédio objecto de transmissão é um terreno concedido por aforamento, e à data em que foi celebrada a escritura de compra e venda entre as partes outorgantes, não existia ainda aproveitamento do terreno, nem foi obtida autorização prévia para o deferimento da transmissão.
A 8.4.2008, a recorrente, na qualidade de sujeito passivo, procedeu ao pagamento do respectivo imposto de selo de 3%, na quantia de MOP$9.450,00.
O referido imóvel foi sujeito a avaliação, tendo oportunamente o seu valor sido fixado em MOP$4.268.000,00, sendo devida a importância de MOP$124.992,00 resultante da liquidação adicional de imposto do selo.
Tendo-se verificado posteriormente a falta de aproveitamento do terreno, procedeu-se à revogação da referida escritura pública em 5.5.2008 pelas partes intervenientes na transmissão.
A recorrente, em 15.8.2008, solicitou a isenção da liquidação adicional de imposto do selo fixada pelos Serviços de Finanças, alegando a revogação, em 5.5.2008, da escritura de compra e venda relativa à transmissão do referido imóvel efectuada em 27.3.2008.
Por despacho do Senhor Director dos Serviços de Finanças, Substituto, de 20.8.2008, foi indeferido o pedido da recorrente.
Inconformada com a decisão de indeferimento, deduziu a 10.9.2008 reclamação para a Senhora Directora dos Serviços de Finanças, a qual foi indeferida por despacho de 21.11.2008.
Inconformada, uma vez mais, com a decisão, interpôs recurso hierárquico para o Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, e que por despacho de 17.2.2009, foi indeferido o recurso hierárquico interposto pela recorrente.


III – O Direito
1. As questões a apreciar
A mencionada atrás suscitada pela recorrente.

2. O negócio realizado e sua revogação
Não é inteiramente claro o negócio consubstanciado pela escritura pública de 5 de Maio de 2008, pelo qual as partes do contrato de compra e venda de imóvel celebrado por escritura pública de 27 de Março de 2008, declararam revogar a escritura de compra e venda mencionada, dado que as partes não indicaram qualquer razão justificativa para tal revogação.
Na verdade, as partes da escritura pública de 5 de Maio de 2008 não declararam fazer cessar o negócio anterior, limitando-se a revogar o título que consubstanciou a compra e venda. Mas daqui pode retirar-se que, embora imperfeitamente expressa, a vontade das partes seria revogar a compra e venda, ou seja, distratar esta compra e venda1.
Não se pode dizer, portanto, que tal revogação ou distrate se fundou em nulidade da compra e venda. Quer dizer, independentemente da motivação das partes para a celebração da 2.ª escritura, que pode ter sido devida a vícios do 1.º negócio, certo é que o 2.º negócio não se traduziu no reconhecimento ou declaração de qualquer nulidade, mas antes em pura e simples revogação do anterior.
Por outro lado, como ensina LUÍS CARVALHO FERNANDES 2 “A revogação opera apenas para o futuro (ex nunc) e não com eficácia retroactiva (ex tunc). Mesmo que à revogação por mútuo consenso seja atribuído efeito retroactivo, este apenas poderá prevalecer entre as partes e não em relação a terceiros. Mas, em tal caso, os seus efeitos mal se autonomizam dos da resolução”. Esta questão nem se coloca, visto não ter sido declarada pelas partes qualquer retroactividade dos efeitos da revogação ou distrate.
Assim, não se pode afirmar, como faz a recorrente, que não existiu qualquer transmissão em sentido formal ou material por ser nula tal transmissão. É que a revogação ou distrate não é o mesmo que declaração de nulidade.
Assim, a compra e venda existiu até ser distratada, mas sem efeitos retroactivos, visto que ninguém declarou a nulidade da transmissão, por falta de autorização da entidade concedente por aforamento ou por outra razão.
Veio, entretanto, a recorrente dizer que a escritura pública de 5 de Maio de 2008 revogou apenas o documento onde tinha sido lavrado o acto translativo nulo e não o acto de compra e venda que era nulo e os actos nulos são insusceptíveis de revogação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Procedimento Administrativo.
Não se vislumbra como seja possível revogar um documento sem revogar o acto corporizado no documento, nem qual o interesse jurídico em tal acto revogatório se não houvesse qualquer intenção das partes de agirem sobre o acto primário.
Tem, portanto, de se entender que a intenção das partes foi a de revogar o negócio anterior.

3. Restituição do Imposto de Selo pago
Dispõem os artigos 51.º e 52.º do Regulamento do Imposto de Selo:
Artigo 51.º
 1. É devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva:
 a) A título oneroso ou gratuito de imóveis;
 b) A título gratuito, de quaisquer outros bens, direitos ou factos sujeitos a registo, de acordo com a legislação aplicável, de valor superior a 50 000 patacas.
 2. São consideradas fontes de transmissão de bens para efeitos fiscais todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem.
 3. Para efeitos do disposto no número anterior são sujeitos a imposto do selo:
 a) Os contratos de compra e venda, troca, arrematação ou adjudicação por acordo ou decisão judicial ou administrativa, constituição de usufruto, uso e habitação, servidão ou direito de superfície;
 b) Os contratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo;
 c) A cedência do usufruto, uso e habitação ou de servidão a favor do proprietário e a aquisição do direito de superfície pelo proprietário do solo;
 d) A aquisição de benfeitorias e a de bens imóveis por acessão;
 e) A remição de bens imóveis nas execuções;
 f) A adjudicação de bens imóveis aos credores, bem como a entrega feita directamente aos mesmos como dação em cumprimento ou em função do cumprimento, ou a entrega feita a outrem com a obrigação de lhes pagar;
 g) A remição, redução ou aumento de foros, ainda que seja por incómodo da cobrança, bem como a devolução de bens aforados ao senhorio;
 h) A cessão da posição contratual, independentemente da forma assumida;
 i) As entradas dos sócios com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização do capital das sociedades comerciais e a adjudicação dos mesmos aos sócios na liquidação dessas sociedades;
 j) As entradas dos sócios com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização do capital das sociedades civis, na parte em que os outros sócios adquirirem comunhão ou qualquer outro direito nesses imóveis, bem como, nos mesmos termos, as cessões de partes sociais ou de quotas ou a admissão de novos sócios;
 l) As entradas dos cooperantes com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização de cooperativas e a adjudicação dos mesmos bens aos cooperantes na liquidação dessas cooperativas;
 m) A transmissão de bens imóveis por cisão das sociedades referidas nas alíneas i) e j) ou por fusão de tais sociedades entre si ou com sociedade civil;
 n) A constituição ou transmissão de concessão por aforamento ou por arrendamento, nos termos da lei de terras;
 o) A subconcessão ou trespasse das concessões feitas pela Região Administrativa Especial de Macau, para uso ou fruição de imóveis do seu domínio privado, ou para a exploração de empresas comerciais ou industriais, tenha ou não começado a exploração;
 p) As procurações ou substabelecimentos que concedam poderes de disposição do bem ao procurador e sejam irrevogáveis sem o acordo do interessado, nos termos do n.º 3 do artigo 258.º do Código Civil;
 q) Qualquer outro documento, papel ou acto que transfira os poderes de facto de utilização e fruição de um bem ou direito.
 4. O pagamento do imposto do selo nas transmissões tituladas pelos documentos referidos na alínea b) do número anterior, desoneram o respectivo sujeito passivo do seu pagamento aquando da celebração do contrato definitivo, desde que não exista alteração das partes, do objecto e se mantenha o valor da transmissão.
 5. Presume-se, sendo admitida prova em contrário, o conhecimento do mandatário ou substabelecido nas procurações ou substabelecimentos referidos na alínea p) do número anterior.
 6. O pagamento do imposto do selo nas procurações ou substabelecimentos referidos na alínea p) do n.º 3 que prevejam a celebração de negócio consigo mesmo desoneram o mandatário ou substabelecido do pagamento do imposto aquando da celebração desse negócio.
 7. Não são tributadas em imposto do selo as adjudicações ou arrematações nem as cessões da posição contratual referidas nas alíneas a) e h) do n.º 3, respectivamente, quando tenham por objecto bens imóveis que, por força de lei especial, devam ser revendidos decorrido prazo certo.
Artigo 52.º
 1. O imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito, sem que o pagamento sane a invalidade, a ineficácia ou a ilicitude.
 2. A apresentação pelo sujeito passivo de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição.
 3. Não há lugar à restituição se a importância a restituir for inferior a 500 patacas.

No caso dos autos era devido imposto de selo por ter sido praticado acto de transmissão onerosa de imóvel, entre vivos.
A revogação ou distrate do negócio translativo, sem efeitos retroactivos, não invalida, nem torna ineficaz ou ilícito o negócio revogado ou distratado, pelo que não há causa para a devolução do imposto arrecadado.
Para obter a restituição do imposto teria a interessada, de acordo com o n.º 2 do artigo 52.º, de pedir e obter judicialmente o reconhecimento da invalidade da transmissão, o que não fez.
Logo, não merece provimento o recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 10 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

     1 LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, 2001, volume II, p. 451.
     2 LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria…, p. 452.
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