打印全文
Processo nº 594/2019 Data: 20.06.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

3. A liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre, aconselhável sendo um acrescido período de reclusão, por forma a ser possibilitada uma melhor interiorização do desvalor da conduta.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 594/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 145 a 159 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 161 a 169).

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.145 a 159 dos autos), o recorrente pediu a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de conceder a liberdade condicional, assacando-lhe a violação do preceito no n.º1 do art.56º do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (vide. fls.161 a 169 dos autos).
*
No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56º do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (cfr. arestos do TSI nos Processos n.º225/2010 e n.º404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.º1 do art.56º dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, o MMº Juiz a quo aponta prudentemente que “綜上所述,被判刑人雖然近年的表現有所改善,但鑑於其在獄中的違紀情節相當嚴重,被判刑人本來亦有盜竊的犯罪前科,而本案案情中涉及惡害甚高的毒品罪行,加上其自年少時已接觸毒品,多年身受毒品的不良影響,故此,法庭認為現階段被判刑人的行為表現尚不足以確信其重返社會後能夠腳踏實地重新做人及不再犯罪,有必要通過更長時間的觀察,以確保其人格及價值觀得到適當的矯正。現階段本案尚未符合《刑法典》第56條第1款a)項的要件。”
A nível da prevenção geral, lá lê-se que “眾所周知,毒品對人體健康的損害、完整家庭的破壞及對社會的危害性都非常嚴重,而且社會上吸毒行為出現越趨年輕化的情況,普遍社會成員難以接受以毒品荼毒他人的犯罪者獲得提前釋放。” E salientou ainda que “再者,基於吸毒者的行為不但對其自身健康構成的負面影響,而且身受毒癮影響之人會為取得毒品或因販毒而生的不法利益,繼而不惜作出犯罪行為。因此,法庭認為對此等犯罪的一般預防要求較高。考慮到本案中並無任何特殊情節可以降低一般預防的要求,故此,本法庭認為倘現時提前釋放觸犯毒品犯罪人士,將是對信賴法律、循規守紀的社會成員構成另一次傷害,同時亦會動搖法律的威攝力,更甚者,將對潛在的犯罪分子釋出錯誤訊息,令澳門成為毒品的集散地。因此,本法庭認為本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款b)項的要件。”
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, e à luz da regra de experiência de ser difícil abandonar o vício de consumo de droga, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação do MMº Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.º1 do art.56º do CPM.
Com efeito, como bem observou o MMº Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que o recorrente tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 176 a 177-v).

*

Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 11.06.2014, foi, A, ora recorrente, condenado pela prática como autor materi UN CHI WENG al de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 08.06.2015, e em 05.04.2018, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 05.10.2019;
– durante a sua reclusão foi 2 vezes disciplinarmente punido: em 15.11.2016 e em 24.11.2017;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família em Macau, de onde é natural, possuindo proposta de emprego como carregador em transporte de mercadorias.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 08.06.2015, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.03.2019, Proc. n.° 169/2019, de 25.04.2019, Proc. n.° 339/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 404/2019, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo terá de ser a resposta.

Com efeito, demonstram os autos que o ora recorrente, em período de reclusão, sofreu 2 punições disciplinares, (em dois anos consecutivos, 2016 e 2017), e que tendo já antes sofrido 1 outra condenação em pena suspensa, (pela prática de 1 crime de “furto qualificado”; cfr., fls. 95 a 102), incorreu, novamente, na prática do ilícito criminal dos presentes autos, não aproveitando a oportunidade concedida, insistindo em delinquir, revelando assim uma personalidade com tendência para a prática de ilícitos, com uma deficitária capacidade crítica relativamente aos crimes cometidos e às normas de convivência social.

Dest’arte, afigura-se-nos evidente que não existem indícios – minimamente – seguros de ter vontade séria e capacidade de vir a levar vida honesta uma vez posto em liberdade, inviável sendo assim o necessário “juízo de prognose favorável”, pois que em face das acentuadas “necessidades de prevenção criminal especial”, aconselhável é um acrescido período de reclusão, por forma a ser possibilitada uma melhor interiorização do desvalor da sua conduta.

Como já tivemos oportunidade de considerar, a liberdade condicional não é de conceder quando o percurso até ao momento experienciado pelo condenado não oferece ainda suficiente segurança para sustentar um “juízo positivo” acerca do seu comportamento futuro quando em meio livre; (neste sentido, cfr., v.g., o recente Ac. da Rel. de Évora de 19.02.2019, Proc. n.° 13/16).

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., há que se negar provimento ao presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 20 de Junho de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 594/2019 Pág. 10

Proc. 594/2019 Pág. 9