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Processo n.º 40/2015. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Revogação do artigo 130.º do CPA pelo artigo 79.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. Consequências processuais da vigência do acto revogado em violação do artigo 130.º do Código do Procedimento Administrativo.
Data da Sessão: 19 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
   I – O artigo 130.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na parte que estabelece que o prazo para a revogação dos actos administrativos com fundamento em ilegalidade, é o prazo do respectivo recurso contencioso ou o termo da resposta da entidade recorrida neste recurso contencioso, não foi derrogado tacitamente pelo artigo 79.º do Código de Processo Administrativo Contencioso CPAC).
   II – Anulado o acto revogatório, por intempestividade, por violação do disposto no artigo 130.º do CPA, deve ter-se por caducado o requerimento de substituição do objecto do recurso, deduzido ao abrigo do n.º 1 do artigo 79.º do CPAC e, assim, deve o processo prosseguir a sua tramitação tendo por objecto o acto revogado, para os termos dos artigos 58.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A (doravante, também designada por recorrente), interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 5 Agosto de 2013, que, em recurso hierárquico, manteve a medida de interdição de entrada em Macau por 5 anos, aplicada ao recorrente pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP).
No decurso do processo a entidade administrativa juntou despacho seu, de 15 de Maio de 2014, que reduziu para 3 anos o período de interdição de entrada em Macau do recorrente.
O recorrente alterou o objecto do recurso, nos termos do artigo 79.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), passando a impugnar o despacho de 15 de Maio de 2014 e imputando a este acto vários vícios.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) aceitou a alteração do objecto do recurso e apreciando os vícios apontados ao despacho de 15 de Maio de 2014, negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando nas suas alegações a seguinte questão:
- O n.º 1 do artigo 79.º do CPAC não revogou tacitamente o disposto no artigo 130.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na parte em que neste se estabelece que, uma vez interposto recurso contencioso, a revogação dos actos administrativos anuláveis com fundamento na respectiva invalidade apenas pode ter lugar até à resposta da entidade recorrida;
- Assim, o despacho de 15 de Maio de 2014 deve ser anulado por extemporaneidade.
O Ex.mo Procurador-Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia pela procedência do recurso, sugerindo que o TUI conheça do mérito do recurso contencioso quanto ao despacho de 5 Agosto de 2013.

II - Os Factos
Resulta dos autos os seguintes factos pertinentes:
a) Por despacho do Secretário para a Segurança, de 5 Agosto de 2013, proferido em recurso hierárquico, foi mantida a medida de interdição de entrada em Macau por cinco anos, aplicada ao recorrente pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP).
b) No decurso do recurso contencioso mas após findo o prazo para a contestação da entidade recorrida, por despacho do Secretário para a Segurança, de 15 de Maio de 2014, foi reduzido para 3 anos o período de interdição de entrada em Macau do recorrente.


III – O Direito
1. As questões a apreciar
As mencionadas atrás como questões suscitadas pelo recorrente.

2. Revogação do artigo 130.º do CPA pelo artigo 79.º do CPAC
Trata-se de saber se o artigo 130.º do CPA, na parte que estabelece que o prazo para a revogação dos actos administrativos com fundamento em ilegalidade, é o prazo do respectivo recurso contencioso ou o termo da resposta da entidade recorrida neste recurso contencioso, foi derrogado tacitamente pelo artigo 79.º do CPAC, que é posterior àquele.

Dispõe o artigo 130.º do CPA:
Artigo 130.º
(Revogabilidade dos actos anuláveis)
 1. Os actos administrativos anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
 2. Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso atende-se ao que terminar em último lugar.

Por sua vez, estatui o artigo 79.º do CPAC:

Artigo 79.º
(Revogação do acto recorrido com efeitos retroactivos)
 1. Quando seja praticado, na pendência do recurso, acto revogatório do acto recorrido, com efeitos retroactivos, acompanhado de nova regulamentação da situação, pode o recorrente requerer que o recurso prossiga tendo por objecto o acto revogatório, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e de oferecimento de diferentes meios de prova, sempre que:
 a) O requerimento seja apresentado no prazo para interposição do recurso do acto revogatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância; e
 b) O tribunal seja competente para o conhecimento do recurso do acto revogatório.
 2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável quando o acto recorrido seja modificado ou substituído por outro com os mesmos efeitos.
 3. O trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância não prejudica a recorribilidade contenciosa do acto revogatório, nos termos gerais.
A questão tem sido controvertida, tanto em Macau, como em Portugal, perante semelhantes textos legislativos aos acima citados, vigentes em Macau.
Concordamos com a posição defendida por VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS1, em anotação ao artigo 79.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, que referem:
«6. Temos por correcto, de jure constituto, o entendimento doutrinário segundo o qual, a norma do n.º 1 deste artigo 79.º não revogou tacitamente o disposto no artigo 130.º, n.º 1 do CPA na parte em que neste se estabelece que, uma vez interposto recurso contencioso, a revogação dos actos administrativos anuláveis com fundamento na respectiva invalidade apenas pode ter lugar até à resposta da entidade recorrida (2). Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 6.º do CC, a revogação de uma norma legal, não sendo expressa, tem de resultar da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior. Ora, como, expressivamente, se escreveu no Acórdão do STA de 21.06.2011, tirado no Processo n.º 208/10 e com texto integral disponível em www.dgsi.pt, “por um lado, não há entre as disposições novas e as disposições antigas uma relação de recíproca repugnância que as torne inconciliáveis. É, logicamente, viável a vigência simultânea e a aplicação conjunta e articulada de ambas, lendo-as com o sentido que o acto revogatório do acto impugnado pode ser praticado na pendência do processo até à contestação da entidade demandada. Por outro lado, se é certo que o [CPAC] (lei nova) regulou ex novo o regime processual da modificação objectiva da instância no âmbito da acção administrativa especial para impugnação de actos administrativos, já não há subsídio interpretativo que suporte a ideia de que o legislador da lei processual nova tenha querido, igualmente, regular todo o regime substantivo de revogação/convalidação dos actos administrativos inválidos, suprimindo, inclusive o limite temporal imposto na parte final do artigo [130.º, n.º 1] do CPA”».
Assim sendo, procede o recurso na parte em que o acórdão recorrido decidiu no sentido contrário, revogando-se este e anulando-se o despacho revogatório, de 15 de Maio de 2014, por intempestividade (violação do artigo 130.º, n.º 1 do CPA).

3. Consequências processuais da vigência do acto revogado
Quid juris, quanto às consequências processuais, de ter renascido o acto revogado, de 5 Agosto de 2013?
Ou se entende que, não obstante o silêncio da lei, se deve ter por caducado o requerimento de substituição do objecto do recurso, deduzido ao abrigo do n.º 1 do artigo 79.º do CPAC (fls.79) e, assim, deve o processo prosseguir a sua tramitação tendo por objecto o acto revogado, para os termos dos artigos 58.º e seguintes do CPAC (fls 76).
Nunca se poderia conhecer, sem mais, agora do mérito do acto revogado (como parece sugerir o Ex.mo Magistrado do MP), já que as partes não tiveram oportunidade de alegar no recurso contencioso (artigo 68.º do CPAC), nem o MP de emitir parecer sobre os vícios imputados a tal acto.
Ou se entende que o recorrente tem que impugnar novamente o acto revogado em novo processo, como entende o acórdão recorrido.
Não só por evidentes razões de economia processual, mas também porque se deve entender ter caducado o requerimento de substituição do objecto do recurso, deduzido ao abrigo do n.º 1 do artigo 79.º do CPAC (fls.79), opinamos pela 1.ª solução. É que, se o recorrente interpusesse um novo recurso contencioso do acto revogado, só poderia suscitar os mesmos vícios que suscitou no primitivo recurso contencioso, pois a não ser assim, estava em causa fraude à norma que prevê um prazo para a interposição de recurso de actos anuláveis.
Logo, não há nenhum prejuízo e só há benefícios na opção pela 1.ª solução.
Deste modo, deve o processo regressar ao TSI para prosseguir a sua tramitação, o que decide.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, anula-se o despacho do Secretário para a Segurança, de 15 de Maio de 2014 e determina-se que o TSI conheça do recurso contencioso interposto contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 5 Agosto de 2013.
Sem custas.
Macau, 19 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
 
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

     1 VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Macau, CFJJ, 2015, p. 257.
   (2) É o entendimento, por exemplo, de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário…, p. 428 e de PEDRO MACHETE, As limitações ratione temporis de atos secundários praticados na pendência de processos de impugnação, CJA, n.º 91, Janeiro/Fevereiro 2012, pp. 26 a 40. Em sentido contrário, sustentando que o artigo 64.º do CPTA Português revogou o n.º 1 do artigo 141.º, equivalentes, respectivamente, aos nossos artigos 79.º, n.º 1 do CPAC e 130.º, n.º 1 do CPA, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça…, 12.ª edição, pp. 436 e 437, nota 1202, e, entre nós, JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Manual…, pp. 182-183. Em termos dubitativos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código…, p. 406. Na jurisprudência portuguesa, o STA tem vindo a entender que o artigo 64.º do CPTA (equivalente ao nosso artigo 79.º) não revogou o artigo 141.º, n.º 1, parte final do CPA (correspondente ao nosso artigo 130.º, n.º 1, parte final do CPA): cfr. Acórdão do STA de 21.06.2011, Processo 208/10, disponível em www.dgsi.pt.
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