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Processo n.º 14/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: C International, LLC.
Recorridos: Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia e D.
Assunto: Marcas. Recurso judicial. Novos fundamentos de recusa de registo de marca. Ónus da parte contrária no recurso judicial. Fundamentos de recusa de registo não constantes da decisão administrativa. Falta de impugnação judicial de um dos fundamentos de recusa de registo de marca.
Data do Acórdão: 19 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I – A parte contrária a que se refere o artigo 279.º do RJPI, no recurso judicial para o tribunal cível (artigo 275.º do RJPI), tem o ónus, na sua contestação ou resposta (n.º 1 do artigo 279.º do RJPI), de suscitar, subsidiariamente, outros fundamentos de recusa de registo não constantes da decisão administrativa, para o caso de o recurso judicial ser procedente, aplicando-se o lugar paralelo do artigo 590.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil. Isto para que o juiz possa conhecer de tal matéria nova, para o caso de o recurso judicial interposto ser procedente.
II - Quando são dois os fundamentos (A e B) de recusa de registo de marca e o interessado só fundamenta o recurso judicial num dos fundamentos (A), este recurso é improcedente, mantendo-se o acto impugnado com o fundamento não impugnado (B), independentemente do êxito ou não do fundamento (A) no qual se baseou o recurso.
O Relator,

Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
D interpôs recurso judicial do despacho da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, publicado no Boletim Oficial de 4 de Janeiro de 2012, que recusou o registo da marca N/XXXXX, E , para assinalar produtos e serviços incluídos na classe 34.ª, por constituir imitação de marca notória e por prática de actos de concorrência desleal.
O recurso foi julgado improcedente por sentença.
D interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que concedeu provimento ao recurso e concedeu o registo.
Inconformada, recorre C International, LLC, (doravante designada ora recorrente) para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
1.ª A análise dos fundamentos de recusa deve realizar-se com referência à data em que é efectuado o exame e não à data em que foi apresentado o pedido da marca registanda, como decidiu o acórdão recorrido, pelo que a marca da recorrente gozava de prioridade em relação à marca registanda;
2.ª C é uma marca reconhecida a nível mundial, conhecida em todos os quadrantes e transversal a todas as classes sociais – uma marca de prestígio, nos termos e para os efeitos do artigo 214.º n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI);
3.ª Ainda que se entendesse que a marca da ora recorrente é apenas notória, ainda assim mereceria de protecção face à imitação da mesma pela marca N/XXXXX.
4.ª A marca registanda imita a marca da recorrente;
5.ª Está preenchido o artigo 214.º n.º 1 al. a), conjugado com o artigo 9.º n.º 1, ambos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI): o Requerente pretende fazer concorrência desleal, ou esta é possível independentemente da sua intenção.

II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de Primeira e Segunda Instâncias, são os seguintes:
   a) Em 09.03.2011 D requereu o registo da marca N/XXXXXX para a classe de produtos n.º 34 (fls. 1 do proc. adm. apenso) e em 21.03.2011 D apresentou a rectificação (fls. 4 e 5 do proc. adm.).
  b) O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial de 20.04.2011 – fls. 8 do proc. adm. apenso.
  c) Por despacho de 09.12.2011 dos autos de Processo Administrativo apenso, foi recusado o pedido de registo da marca N/XXXXXX com base nos fundamentos constantes da informação de folhas 118 a 126 do processo administrativo apenso, do seguinte teor:
“Do Processo
   1. A 08/03/2011, o Sr. D, residente na [Endereço (1)], representada pelo Dr. F, advogado com escritório [Endereço (2)], Macau, requereu o registo da marca n.º N/XXXXX, mista, com reivindicação de cores, para produtos incluídos na classe 34.a;
   2. O pedido de registo foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 16 - II Série, de 20/04/2011;
   3. Foi feita a busca;
   4. A 20/06/2011, a "C International, Inc." com sede em [Endereço (3)], representada pelo Dr. G, advogado com escritório na [Endereço (4)], apresentou reclamação;
   5. Através do Oficio n.º XXXXX/XXX, de 22/06/2011, foi notificado o Requerente da apresentação da reclamação;
   6. A 22/07/2011, o Dr H, advogado com escritório [Endereço (2)], apresentou um substabelecimento;
   7. A 05/08/2011, o Requerente apresenta contestação;
   8. A 10/08/2011, o Requerente, apresenta uma exposição suplementar;
   9. A reclamação foi publicada no Boletim Oficial da RAEM, n.º 29 - II Série, de 20/07/2011 ;
   9. Através do Oficio n.º XXXXX/XXX, de 11/08/2011, foi notificada a Reclamante da apresentação da contestação;
   10. A contestação foi publicada no Boletim Oficial da RAEM, n.º 36 - II Série, de 07/09/2011;
   11. A 10/08/2011, o Requerente entrega uma exposição suplementar;
   12. A Reclamante solicita a suspensão do processo nos termos do art.º 211/6 do RJPI;
   13. Notificado o Requerente, do pedido, através do Oficio n.º XXXXX/XXX, de 09/11/2011, veio a mesma, opôr-se à suspensão do estudo do processo a 27/11/2011.
Da Reclamação
   I- Do âmbito da reclamação (1-4)
   II - Dos direitos da Reclamante (5-13)
   III- Da reputação da Reclamante (14-24)
   III- Dos fundamentos de recusa do registo da marca registanda (25-52)
   i) Da marca de prestígio
   ii) Da marca notória
   iii) Das semelhanças entre a marca da oposição e as da reclamante.
IV - Do direito (53-57)
   Resumidamente: a Reclamante é titular das marcas mistas para assinalar produtos e serviços incluídos nas classes 16,29,36,37,41,42 e 43- marcas P/XXXX, P/XXXX, N/XXXXX, N/XXXXX, N/XXXXX, P/XXXX e N/XXXXX.
   Alega que os produtos para os quais o Requerente requer protecção estabelecem necessariamente uma associação com a Reclamante.
   A marca registada "C", titulada pela ora Reclamante, permite identificar com carácter distintivo os respectivos serviços e produtos e que a marca do Requerente "E", não introduz nenhuma novidade, limitando-se a imitar a marca da Reclamante, ao ponto de criar confusão no espírito do consumidor.
   Primeiro porque se trata de tabaco que por definição serão vendidos e consumidos em hotéis com os da Reclamante (para mais quando o hotel, como é o caso de Macau, tem um casino associado).
   Em segundo porque é frequente marcas de prestígio serem depois utilizadas na comercialização de bens de consumo, quando o tipo de clientela é o mesmo sendo os exemplos às dezenas,
   E em terceiro lugar porque dentro dos hotéis é muito frequente serem oferecidos diversos artigos de consumo sob a mesma marca ( ... ).
   A marca registanda é uma reprodução, da sua marca porque os requisitos previstos no art.º 214 do RJPI estão todos preenchidos, conforme ficou demonstrado (i) as marcas "C" e o logo são marcas de prestígio ou pelo menos notórias em Macau (ii) os produtos para os quais se requereu o registo permitem estabelecer uma ligação com o proprietário da marca notória, e (iii) a marca registanda pretende tirar partido da marca de prestigio e prejudica esta.
   A semelhança óbvia e inefável entre as marcas da Reclamante e aquela que consta do pedido do Requerente prende-se com a cópia integral do elemento principal, por único e verdadeiramente individualizador, da marca da Reclamante, ou seja, a grinalda ( ... )
   A Reclamante cumpriu com o art.º 214/4 do RJPI, pois solicitou o registo da marca N/XXXXX, na classe 34, no passado dia 14 de Junho.
   Com a exposicão suplementar, a Reclamante corrobora o já alegado e junta 12 documentos comprovativos da notoriedade e prestígio da marca C.
Da Contestação
   A. Do enquadramento (1-7)
   B. Da legitimidade processual (8-18)
   C Da questão prévia: eventual reprodução ou imitação (19-45)
   D. Dos fundamentos de recusa da concessão de registo (46-91)
   i) Reprodução de marca notória ( ... ) 241/1/b
   ii) Reprodução de marca de prestígio ( ... ) 214/1/c
   iii) Reprodução de marca registada ( ... ) 214/2/b
   Resumidamente, a Contestante invoca que:
   a) A prova dos direitos de propriedade industrial é feita através de títulos correspondentes (art.º 6 do RJPI), pelo que a Reclamante é parte ilegítima.
   b) Pelo facto de as marcas não estarem registadas na classe 34, acrescendo o facto de as marcas em confronto se destinarem a assinalar produtos e serviços completamente distintos, e, ainda pelo facto de não existir qualquer perigo de erro ou confusão no consumidor (...) não se encontra preenchido nenhum dos requisitos cumulativos enumerados no art.º 215 do RJPI.
   c) Não poderá proceder uma eventual recusa por reprodução ou imitação de marca supostamente notória em Macau, porque não se encontra preenchido qualquer um dos requisitos cumulativos exigidos, pelo 214/1/b.
   d) Não poderá proceder uma eventual recusa por reprodução ou imitação de marca supostamente de prestígio em Macau, porque não se encontra preenchido qualquer um dos requisitos cumulativos exigidos, pelo 214/1/c.
   e) Não poderá proceder uma eventual recusa por reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, porquanto não se encontra preenchido qualquer um dos requisitos cumulativos exigidos, pelo 214/2/b.
   Requer assim a concessão do direito ao registo da marca.
   Contesta ainda o Requerente que a exposição suplementar é inadmissível, por força do art.º 211/3/4 do RJPI; que a Reclamante é parte ilegítima, por sua vez a peça processual é intempestiva e que a exposição suplementar nada traz de novo quanto à necessária prova do alegado pela Reclamante, mormente para a qualificação da marca "C" como notória ou de prestígio em Macau.
Do Exame
   As partes são legítimas e as peças processuais tempestivas.
   a) Da imitação: a Reclamante invoca que a marca registanda é imitação da sua marca notória, registada anteriormente, atenta a semelhança gráfica entre ambas, acrescentado que o consumidor médio, quando confrontado com a marca impugnada será induzido em erro ou confissão com a sua marca, considerando que ambas partilham a mesma origem empresarial. Contradiz, a Requerente, titular de várias marcas registadas na China, porque no seu entender ambas as marcas podem coexistir no mercado porque não há qualquer confusão entre os sinais.
   A função essencial da marca é a sua função distintiva, ou seja a marca distingue e garante que os produtos ou serviços se reportam a uma pessoa que assume pelos mesmos o ónus de uso não enganoso, nessa medida cumprindo uma função de garantia de qualidade dos produtos e serviços, por referência a uma origem não enganosa e podendo, ainda, contribuir por si só para a promoção dos produtos ou serviços que assinala.
   Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno sócio-económico, retirar-se-ão as suas funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
   Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência à sua origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção. Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
   Antes de mais o que aqui se equaciona é o chamado princípio da novidade das marcas que constitui um motivo relativo de recusa de registo (artº 214/1/b e 215)- e nos termos deste último preceito legal existe imitação ou usurpação no todo ou em parte quando, cumulativamente:
   1.º A marca registada tiver prioridade; 2.º Exista identidade ou afinidade dos produtos ou serviços assinalados, e 3.º Tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas depois de exame atento ou confronto.
   O primeiro e o segundo requisito, encontram-se preenchidos os produtos a assinalar pela marca registanda, são iguais aos das marcas registadas da Reclamante que se incluem na mesma classe.
   Por fim, em relação ao terceiro requisito, da formulação legal resulta desde logo que existe imitação quando, postas em confronto, as marcas se confundem. Há também imitação quando, tendo-se à vista apenas uma das marcas, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra que se tenha conhecimento.
   As marcas em confronto são as seguintes:
   Marca registanda (cl 34) Marca registada (cl 34)

E C
   
   
   O mero confronto visual das marcas em confronto permite-nos observar que em ambas as marcas o elemento principal: a coroa é idêntica e que na parte nominativa o S da marca registada da Reclamante é alterado para E, as letras significam "C" e "E". Trata-se de marcas de fantasia, mas o nome que fica na memória é C precisamente por se tratar de uma marca notória na RAEM.
   Mais, o consumidor médio não especialmente atento nem especialmente distraído, não tem acesso às três figuras em simultâneo para distinguir a quem pertencem os sinais, e assim pode tomar uma marca pela outra ou, mesmo que as distinga pode associá-los e, assim, ligar também os produtos marcados por aqueles sinais, necessitando, para desfazer a confusão ou a associação de examinar atentamente cada uma das marcas ou confrontá-las uma com a outra e naturalmente vai pensar que a marca registada está associada à Reclamante, precisamente pela notoriedade da marca.
   b) Da concorrência desleal: resta-nos pois, investigar se o registo da marca em crise ocasiona ou pode originar actos de concorrência desleal ou seja os que são contrários às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente que sejam idóneos a criar confusão entre produtos de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem (cfr. art.ºs 158 e n.º 1 do art.º 159 do Código Comercial).
   Aparenta-se que o uso da marca recorrida no exercício da concorrência é susceptível de configurar actos de confusão ou de exploração da reputação alheia, pelo que, a concorrência na disputa de clientela através do uso da marca recorrida poderá ser considerada desleal por ser susceptível de levar a desvios de clientela à margem dos usos honestos da actividade económica designadamente por actos de confusão ou parasitários.
   Encontram-se, assim, preenchidos os requisitos necessários, para considerarmos que existe a concorrência porque o consumidor é levado a atribuir os produtos à mesma fonte produtiva ou a pensar que existem relações comerciais, económicas ou de organização entre as empresas que produzem ou comercializam aqueles produtos que são oferecidos nos mesmo circuitos comerciais.
Conclusão
   Pelos factos expostos, salvo melhor opinião, a signatária considera que se encontra preenchido o conceito de imitação de marca notória, aplicando-se à situação controvertida a al. b) dos n.º 1 do art.º 214 conjugado com o art. 215 ° e que podem ocorrer actos de concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção, cfr a al. c) n.º 1 do art.º 9, aplicável ex vi a al. a) do n.º 1 do já citado art.º 214, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro”.
  d) O despacho referido na alínea c) foi publicado no Boletim Oficial de Macau, II Série, de 04.01.2012.
  e) C International Inc., é titular da marca N/XXXXX, para a classificação dos produtos e serviços 34 (fls. 240 a 242).
  f) O teor dos documentos apresentados por C International, LLC a fls. 259 a 288.
  g) No vertente caso D apresentou em 9 de Março de 2011 pedido de registo da marca N/XXXXX destinada a assinalar produtos da classe 34.
  h) A 20 de Junho de 2011, C International, LLC apresentou reclamação contra a concessão do registo da marca registanda, alegando que a marca registanda é uma imitação/reprodução das suas marcas, algumas delas notórias e de prestígio, devendo, assim, merecer especial protecção em função desse estatuto.
  i) Tendo também C International, LLC apresentado no dia 14 de Junho de 2011 pedido de registo da marca N/XXXXX para assinalação de produtos da classe 34.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
Relativamente às questões suscitadas pela recorrente, mencionadas no início do relatório do presente acórdão, o recorrido qualifica como questões novas, que não devem ser conhecidas, as 2.ª e 5.ª questões: marca de prestígio e concorrência desleal.
Vejamos se é assim.
O despacho de recusa de registo da marca N/XXXXX fundamentou-se em duas violações por parte da marca recusada:
- Imitação de marca notória [alínea b) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI];
- Concorrência desleal [alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI].
A sentença de 1.ª Instância considerou que havia imitação de marca notória e negou provimento ao recurso, tendo mencionado na decisão que o registo da marca N/XXXXX violava a alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI, que se refere a concorrência desleal, conquanto o recorrente não tenha impugnado este fundamento de recusa de registo.
Refere o recorrido que a sentença não mencionou alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI na sua conclusão.
Não é exacto. Na 1.ª parte da fundamentação jurídica referiu:
“Compulsados os elementos dos autos, o registo da marca foi recusado pelos Serviços de Economia, com base no n.º 1, al b) do artigo 214.º, conjugado com o artigo 215.º e a al. c) do n.º 1 do artigo 9.º, aplicável ex vi al.a) n.º 1 do artigo 214.º do RJPI”.
E se a sentença mais não se debruçou sobre a concorrência desleal foi, certamente, porque o recorrente não impugnou esse fundamento de recusa do registo da marca.
Apesar de tudo, a sentença de 1.ª Instância mencionou na decisão (em sentido estrito) que o registo da marca N/XXXXX violava a alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI (concorrência desleal).
No recurso para o TSI, o então recorrente D, ora recorrido, suscitou apenas as questões da imitação de marca notória e da violação do seu direito de prioridade ao registo da marca. E voltou a não impugnar a sentença relativamente ao fundamento de recusa de registo do reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
O acórdão recorrido não se pronunciou expressamente sobre a questão da marca de prestígio - aliás não suscitada – porque considerou ser irrelevante essa matéria, por a marca N/XXXXX não ser imitação da marca da C.
Deste modo, é exacto que a questão da marca de prestígio é nova. Para que pudesse ser apreciada teria a ora recorrente C de ter suscitado a mesma, a título de impugnação de recorrida no recurso para o TSI, nos termos do n.º 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, visto ter reclamado com esse fundamento no procedimento administrativo, sem que tivesse tido acolhimento na decisão administrativa. Como decidimos no acórdão de 23 de Outubro de 2015, no Processo n.º 64/2015, a parte contrária a que se refere o artigo 279.º do RJPI, no recurso judicial para o tribunal cível (artigo 275.º do RJPI), tem o ónus, na sua contestação ou resposta (n.º 1 do artigo 279.º do RJPI), de suscitar, subsidiariamente, outros fundamentos de recusa de registo não constantes da decisão administrativa, para o caso de o recurso judicial ser procedente, aplicando-se o lugar paralelo do artigo 590.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil. Isto para que o juiz possa conhecer de tal matéria nova, para o caso de o recurso judicial interposto ser procedente.
Tratando-se de questão nova, não será a mesma apreciada no presente recurso.

2. Concorrência desleal
O acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da concorrência desleal.
Como se disse, foi um dos fundamentos do despacho de recusa de registo da marca N/XXXXX, que o então recorrente D, ora recorrido, não impugnou no recurso para o Tribunal Judicial de Base.
A sentença de 1.ª Instância mencionou na decisão que o registo da marca N/XXXXX violava a alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI (concorrência desleal).
O então recorrente D, ora recorrido, não impugnou no recurso para o TSI esta questão, e o acórdão recorrido não conheceu dela.
A ora recorrente C suscita agora a questão da concorrência desleal do registo da marca N/XXXXX, alegando expressamente que esse foi um dos fundamentos para recusa do registo desta marca.
Este TUI não irá apreciar o mérito da questão. Limita-se a constatar que tendo sido um dos fundamentos para recusa do registo desta marca, nunca foi impugnado pelo interessado D, nem no recurso judicial para o Tribunal Judicial de Base, nem no recurso jurisdicional para o TSI.
Logo, estando erecto esse fundamento de recusa, impõe-se manter o acto administrativo com este fundamento, sendo o presente recurso procedente.

3. Imitação de marca notória
Um dos dois fundamentos de recusa do registo da marca N/XXXXX foi a de esta ser imitação de marca notória.
Assim, a apreciação deste fundamento limita-se ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI, segundo o qual:
Artigo 214.º
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a) …
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c)…
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) …
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) …
d) …
e) …
f) …
3. …
4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.
5. …
Como resulta do n.º 4, para efeito de protecção de marca notória, esta não tem de estar registada antes da marca registanda. Basta que o titular de marca notória requeira o registo quando deduz pedido de recusa da marca registanda ou prove já ter feito o pedido de registo.
O acórdão recorrido aceitou que a marca C é notória no ramo hoteleiro, mas não nos produtos para os quais reclama protecção (tabaco, produtos para fumadores, fósforos). E acrescentou:
  «Em nossa opinião, “C” é uma marca bem conhecida pelo público, mas na realidade, quando se fala em “C”, fala-se no âmbito da sua actividade hoteleira e não da sua actividade no ramo de tabaco, produtos para fumadores, fósforos, ou até produtos afins destes, isto é, a notoriedade da marca “C” não vai além da sua actividade hoteleira.
  E não se diga que os produtos para os quais o recorrente reclama protecção (cigarros, charutos, etc) irão ser vendidos em hotéis da recorrida, para se defender que há lugar a susceptibilidade de confusão dos produtos assinalados pelas duas marcas em causa.
  Se assim entendesse, então muitos outros produtos ou serviços fornecidos ou prestados em hotéis, tais como vestuário, perfume, calçado, restaurante, etc, seriam necessariamente associados com a marca da recorrida, e como tal, protegidos com fundamento na sua notoriedade.
  A nosso ver, não é este sentido que a lei pretende.
Em boa verdade, para haver lugar a reprodução ou imitação de uma marca notória, devemos ter em conta o princípio da especialidade da marca, ou seja, é necessário que as marcas se reportarem a “produtos ou serviços idênticos ou afins”, como se refere na alínea b) do nº 1 do artigo 214º do RJPI.
  In casu, o recorrente pretende registar a marca para produtos na classe 34 (tabaco, artigos para fumadores, fósforos), enquanto a marca “C” da recorrida é conhecida notoriamente no âmbito da sua actividade de hotelaria, isto significa que os produtos para os quais o recorrente pretende registar não são idênticos nem se apresentam afins ou semelhantes à actividade de hotelaria, no âmbito da qual a marca “C” conseguiu adquirir a sua notoriedade, daí que afastado está o fundamento de recusa do registo da marca registanda previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 214º do RJPI».
Concordamos com este entendimento.
Por outro lado, não se vislumbra que os produtos para a qual a marca pretende protecção possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória.
Assim, a marca C não pode ser considerada notória para efeitos de protecção de produtos na classe 34 (tabaco, produtos para fumadores, fósforos).
E sendo este o único fundamento de recusa do registo de marca, para além do atinente à concorrência desleal, não cabe conhecer de questões (direito de prioridade das marcas em questão) que só seriam pertinentes se a recusa de registo se tivesse baseado na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo 214.º, atrás citada, o que não foi o caso.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso e revogam o acórdão recorrido na parte em que decidiu conceder o registo da marca N/XXXXX, para ficar a subsistir a decisão de 1.ª Instância, apenas no que concerne ao fundamento de recusa relativo a concorrência desleal.
Custas pelo recorrido em todas as instâncias.
Macau, 19 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai



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