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Processo n.º 66/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrido: B.
Assunto: Revisão e confirmação de sentença. Ordem pública. Testamento. Exclusão de herdeiro legitimário. Alínea f) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil.
Data do Acórdão: 24 de Julho de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
O resultado da decisão revidenda, ao excluir herdeiros legitimários e a legítima da recorrente, de acordo com a lei de Macau, não é manifestamente incompatível com a ordem pública de Macau, para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil, sendo certo que a lei de Macau não é aplicável à sucessão e que o único elemento de conexão da Ordem Jurídica de Macau com a sucessão em causa é a existência de um imóvel sito em Macau, na herança da autora da sucessão, entre outros bens, embora porventura o mais valioso. Esta não tinha domicílio em Macau, assim como todos os herdeiros, e não era residente de Macau, sendo cidadã australiana, e o testamento foi outorgado na Austrália, local de domicílio da autora da sucessão.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
B requereu contra C, D, E, F, G e A, a revisão e confirmação da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul, Austrália, em 12 de Setembro de 2012, que homologou testamento de H, instituindo como beneficiários da herança C, B, E, D e F, bem como autorizou o requerente B, na qualidade de executor da herança de H, a administrar os bens da mesma.
Contestou A, defendendo que:
- A decisão não devia ser revista por manifestamente ininteligível quanto ao seu escopo, nos termos da alínea a), parte final do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil, dado não ser líquido que a quota parte de 5/8 do imóvel sito em Macau esteja incluída na alínea d) do n.º 3 do testamento, na qual a autora do testamento deixou escrito que deixa o resto do seu património aos seus filhos C, B, E, D e F em partes iguais;
- A requerida não foi citada para o processo que correu no Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul;
- A decisão revidenda é desconforme com a ordem pública de Macau, na medida em que não se respeita a legítima da recorrente, que ficou privada de qualquer herança por sucessão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) julgou procedente a acção.
Recorre a requerida A para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a revogação do acórdão recorrido, com os fundamentos por que se opusera no processo à revisão e confirmação da decisão do exterior.

II - Os factos
O acórdão recorrido considerou provado que:
    Vem certificada a seguinte documentação relativa a decisão homologatória de testamento, proferida pelo Supremo Tribunal de Nova gales do Sul, Austrália:

“Formulário 112 (versão 2)
Normas do Supremo Tribunal, Parte 78, norma 8

HOMOLOGAÇÃO SUCESSÓRIA
DETALHES DO TRIBUNAL
Tribunal : Supremo Tribunal da Nova Gales do Sul
Secção : Equidade ["Equity"]
Lista : Sucessões
Registo : Sydney
Processo número : XXXXXXXXX
DETALHES DO FALECIDO
Património de : H
Último lugar conhecido : Centro de Cuidados a Pessoas Idosas de Bupa, Waratah
Profissão : Doméstica
Data do falecimento : X de X de XXXX
Data do testamento 23 de Maio de 1994
DET ALHES DA SUCESSÃO
Conferido a : B, residente em [Endereço (1)]

Fundamentos da concessão : Sucessão testamentária. Um dos executores foi nomeado no testamento da falecida. I, o outro executor nomeado, faleceu antes da testadora.

  O inventário anexo contém o descritivo de bens declarado ao Tribunal sob o artigo 81 A da Lei de Sucessões e Administração de 1898. É emitido pelo Tribunal por via do artigo 91, número 2 da referida Lei.
SELO E ASSINATURA
Selo do Tribunal (SELO)
Assinatura (ilegível)
Capacidade (rubrica ilegível)
Data 11 SETEMBRO 2012 (assinatura ilegível)

  ESTE TESTAMENTO DATADO de 23 de Maio de 1994 é feito por H, com morada em [Endereço (2)], no Estado de Nova Gales do Sul.
1 EU REVOGO todas os meus anteriores actos testamentários
2 EU NOMEIO B e I como meus Executores.
3 EU DEIXO o meu veículo motorizado a B e a C, em partes iguais.
b EU DEIXO uma das minhas arcas em madeira de cânfora a C.
c EU DEIXO todos os meus móveis de pau-rosa a E, D e F em partes iguais.
d EU DEIXO o resto do meu património a C, B, E, D e F em partes iguais.

4 As disposições do Anexo ao presente Testamento serão aplicáveis.

ANEXO
1 Neste Testamento, a expressão "os meus executores" inclui os administradores fiduciários nomeados ao período a que se refere este Testamento e o património fiduciário que resulte do mesmo.
2 Se algum filho meu falecer antes de mim ou antes de atingir determinado interesse próprio, deixando filhos, então esses filhos, quando atingirem a respectiva maioridade, receberão a quota proporcional respectiva que de outro modo caberia aos seus progenitores.
__ (assinatura ilegível) __
Testadora
( assinatura ilegível) (assinatura ilegível)
Testemunha Testemunha

J
NEWCASTLE: ADVOGADO

3 Os meus executores poderão livremente:
a exercer os poderes de um administrador fiduciário para a venda de quaisquer bens do meu património e os meus executores poderão:
i adiar a venda, sem serem responsáveis por qualquer prejuízo causado pela sua actuação;
ii reter sob a forma de investimento à data da minha morte qualquer parte do meu património, sem serem responsáveis por qualquer prejuízo causado pela sua actuação;
b requerer o sustento, educação, adiantamento ou beneficio, a favor de um beneficiário, de toda ou de parte do capital e rendimento, da parte do meu património que o beneficiário tem direito ou venha a ter direito no futuro.
c para as finalidades do parágrafo c –
   i efectuar pagamento ou pagamentos aos pais de um beneficiário menor ou tutor ou a pessoa com quem o beneficiário menor resida; e
   ii aceitar o recibo daquele beneficiário como uma quitação absoluta;
d investir e mudar de investimentos como livremente entenderem, como se fossem os próprios beneficiários;
e vender, alugar, trocar ou dispor de outra foram dos activos do meu património nos termos que entenderem expeditos, como se fossem os únicos e exclusivos proprietários.

ASSINADO PELA Testadora na nossa ) (assinatura)
presença e certificado por nós na )
presença dele e de cada um dos ) Testadora
outros )
(assinatura) (assinatura)
Testemunha Testemunha
    
J
NEWCASTLE : ADVOGADO
(assinatura ilegível)

***
ANEXO "C"
INVENTÁRIO DE PROPRIEDADE
do Património de H do
Centro de Cuidados a Pessoas Idosas de Bupa, Waratah no Estado da Nova Gales do Sul, Falecida

BENS DA PROPRIEDADE EXCLUSIVA DA FALECIDA
Descrição Estimado ou
valor conhecido
Bupa Care Services Pty Ltd (obrigações de alojamento para locação) 90,746.22
AXA - National Mutual Funds Management Limited
(conta bancária número XX XXXXXX XX) 65,795.78
ANZ Bank Limited 51,697.70
NIB Holdings Limited 3,915.00
Commonwealth Bank - conta bancária número XX XXXX XXXXX 5,732.09
Commonwealth Bank - conta bancária número XX XXXX XXXXXXX 612.11
Newcastle Permanent Building Society - conta número XXXXXXXXX 2,032.67
Total $220,531.57

PROPRIEDADE DA FALECIDA
CONJUNTAMENTE COM OUTRO OU OUTROS
Descrição Estimado ou
valor conhecido
Total
Este é o Anexo "C" do Depoimento de ..... ajuramentado em Newcastle
em (ilegível) perante mim: (Selo)
       K x (assinatura ilegível)
       (assinatura ilegível) ADVOGADO
Advogado [Endereço (3)] (assinatura ilegível)
Eu pelo presente certifico que
o documento no verso e nas quatro páginas precedentes é uma verdadeira
cópia do original.
Data: 30 / 4 /2013
(assinatura ilegível)
L
Notário Público
[Endereço (4)] (SELO)
Austrália
A MINHA COMISSÃO EXPIRA EM VIDA
***
Form 112 (version 2)
Supreme Court Rules Port 78 rule 8
PROBATE
COURT DETAILS
Court Supreme Court of New South Wales
Division Equity
List Probate
Registry Sydney
Case number XXXXXXXXX
DECEASED´S DETAILS
Estate of: H
Late of: Bupa Aged Core Facility, Waratah
Occupation: Home Duties
Date of death: X X XXXX
Date of will: 23 May 1994
PROBATE DETAILS
Granted to: B of [Endereço (1)]
Basis of grant: Probate of will. One of the executors appointed under the deceased I s will. I, the other executor predeceased the testator.
The attached inventory lists property disclosed to the Court under s.81 A of the Probate
and Administration Act 1898. It is issued by the Court under s.91 (2) of that Act.
SEAL AND SIGNATURE
Court seal
Signature
Capacity
Date 11 SEP 2012
THIS WILL DATED the 23rd day of May 1994 is made by H of [Endereço (2)], in the State of New South Wales.
1 I REVOKE all former testamentary acts.
2 I APPOINT B and I as my Executors.
3 a I GIVE my motor vehicle to B and C, equally.
b I GIVE one of my camphorwood chests to C.
c I GIVE all my rosewood furniture to E, D and F equally.
d I GIVE the rest of my Estate to C, B, E, D and F equally.
4 The provisions of the Schedule to this Will shall apply.
SCHEDULE
1 In this will the expression "my executors" includes the trustees for the time being of this Will and the trusts arising under it.
2 If any child of mine dies before me or before attaining a vested interest leaving children then those children

Testatrix
       Witness Witness
2
shall on attaining their respective majorities take equally the share which their parent would otherwise have taken.
3 My executors may in their discretion:
  a exercise the powers of a trustee for sale in respect of any assets in my estate and my executors may:
     i without being liable for any loss caused by so doing, postpone sale;
     ii without being liable for any loss caused by 80 doing, retain in its form of investment at my death any part of my estate;
  b apply for the maintenance, education, advancement or benefit of a beneficiary the whole or any part of the capital and income of that part of my estate to which that beneficiary is entitled or may in future be entitled;
  c for the purposes of paragraph c –
     i make a payment or payments to a minor beneficiary's parents or guardian or a person with whom the minor beneficiary resides; and
     ii accept the receipt of that payee as an absolute discharge;
  d invest and change investments as freely as if they were beneficially entitled;
  e sell, lease, exchange or otherwise dispose of assets in my estate on the terms they consider expedient as though they were absolute beneficial owners.
SIGNED BY the Testatrix in our )
presence and attested by us in )
the presence of him and of each ) Testatrix
other
           Witness Witness

***
ANNEXURE "C"
INVENTORY OF PROPERTY
of the Estate of H of Bupa Aged Care Facility, Waratah in the State of New South Wales, Deceased.
PROPERTY OWNED SOLELY BY THE DECEASED
Description Estimated or known value
Bupa Care Services Pty Ltd (rental accommodation bond) 90,7 46.22
AXA - National Mutual Funds Management Limited
a/c no. XX XXXXXX XX) 65,795.78
ANZ Bank Limited 51,697.70
NIB Holdings Limited 3,915.00
Commonwealth Bank account no. XXXXXXXXXXX 5,732.09
Commonwealth Bank account no. XXXXXXXXXXXXX 612.11
Newcastle Permanent Building Society account no. XX XXXXXXX: 2,032.67
Total $220,531.57
PROPERTY OWNED BY THE DECEASED AS
JOINT TENANT WITH ANOTHER OR OTHERS
Description Estimated or known value
Total
This is the Annexure "C" to the Affidavit of sworn at Newcastle
on __________ before me:
Solicitor
[Endereço (3)] “


III – O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as suscitadas pela requerida, ora recorrente.

2. Inteligibilidade da decisão
Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil que, para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação, entre outros, do seguinte requisito:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão.
Quanto às dúvidas sobre a inteligibilidade da decisão no que se refere à intenção de a testadora abranger a quota indivisa na fracção sita em Macau no testamento, integrando-a no remanescente dos bens (alínea d)), parece claro que foi intenção da testadora deixar bens específicos a quatro dos filhos, individualizando-os. Quanto aos restantes bens da sua herança deixou-os aos mesmos quatro filhos, em partes iguais. Ao que parece, tinha outros dois filhos a quem não deixou nenhuns bens, sendo inequívoca a vontade de os não abranger como beneficiários do testamento. Ora, não pode presumir-se que ela não quis abranger o bem sito em Macau, pois é o próprio recorrente que alega que era o bem mais valioso. A circunstância de não ter individualizado o bem foi certamente porque pretendeu dividi-lo igualmente pelos quatro filhos, não beneficiando nem prejudicando nenhum dos quatro quanto a tal bem.
Improcede a questão suscitada.

3. Citação do réu
Dispõe a alínea e) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil que, para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação, entre outros, do seguinte requisito:
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
Sobre esta matéria reflectiu o acórdão recorrido:
“A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão – art. 59º do CC – e as disposições por morte são válidas, quanto à forma, se corresponderem ás prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado – art. 62º, n.º 1 do CC.
Em ambas as situações a lei aplicável será a lei australiana.
Por último, não corresponde igualmente à verdade o que a Requerida alega sob os artigos 27.º a 29.º da contestação.
Tal como alegado na petição inicial, no caso, não se colocam questões relativas à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumprida que foi a lei em vigor no Estado de Nova Gales do Sul - o Probate and Administration Act 1898 e Sucession Act 2006, Act 80 of 2006, sendo que a homologação sucessória do testamento não impõe a citação dos interessados, sendo os seus interesses satisfeitos pelo executor testamentário, tal como resulta das disposições legais aplicáveis, em particular artigos 92º a 95º.
Não obstante, nos termos do artigo 58º do Succession Act 2006 (NSW) quaisquer reclamações ou impugnação das disposições testamentárias deverão ser apresentadas no prazo de 12 meses após o falecimento do de cujus.
A Requerida tem pleno conhecimento – conhecimento esse que não impugna - que o falecimento de H, sua mãe, ocorreu em XX/XX/XXXX e desde essa data não levantou qualquer obstáculo, só agora o fazendo nesta sede”.
Concorda-se com o expendido atrás.
Por outro lado, também não alega a recorrente que intervenção é que poderia ter no Processo do exterior, que é uma decisão formal relativamente ao testamento do de cujus, sendo certo que não conheceu, nem tinha de conhecer, da intenção de a testadora abranger a quota indivisa na fracção sita em Macau no testamento, integrando-a no remanescente dos bens (alínea d)). Essa seria uma questão que a recorrente teria de colocar numa acção intentada para esse fim, o que parece não ter feito.
Improcede a questão suscitada.

4. Ordem pública
Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 1200.º do Código de Processo Civil que, para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação, entre outros, do seguinte requisito:
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
Como ensina FERRER CORREIA1 “Cada Estado tem naturalmente os seus valores jurídicos fundamentais, de que entende não dever abdicar, e interesses de toda a ordem, que reputa essenciais e que em qualquer caso lhe incumbe proteger. A preservação desses valores e a tutela desses interesses exigem que a todo o acto de atribuição de competência a um ordenamento jurídico estrangeiro vá anexa uma ressalva: a lei definida por competente não será aplicada na medida em que essa aplicação venha lesar algum princípio ou valor básico do ordenamento nacional, tido por inderrogável, ou algum interesse de precípua grandeza da comunidade local.
É justamente isto a ressalva, reserva ou excepção de ordem pública internacional.

  O efeito característico da ordem pública consiste, portanto, no afastamento do regime legal normalmente aplicável aos factos sub judice, em razão da natureza do resultado a que em concreto a sua aplicação daria lugar: isto é, por se verificar que esse resultado seria inadmissível para o sentimento jurídico dominante, ou negaria pressupostos essenciais do sistema jurídico nacional. É esta a concepção aposteriorística da ordem pública”.
E ainda2:
  a) Do que se trata não é propriamente de ajuizar da «justiça» da lei estrangeira (da sua conformidade com a justiça da lex fori), mas da compatibilidade com as concepções ético-jurídicas fundamentais da lex fori da situação que adviria da aplicação da lei estrangeira aos factos da causa. Esta ideia transparece com suficiente clareza na fórmula do art. 22.°, n.° 1, do Cód. civ.
  b) Com a ressalva que adiante se fará, exige-se que entre a factualidade sub judice e o ordenamento do foro interceda um nexo suficientemente forte para justificar a não aplicação da norma estrangeira em princípio aplicável 3(doutrina alemã da Binnenbeziehung ou Inlandsbeziehung).
  Em verdade, se a relação em causa é uma relação estranha, ou tanto monta, à comunidade local, em que pode a decisão do caso abalar esta comunidade nos seus alicerces, que são as convicções reinantes em matéria ético-jurídica ou religiosa, mais as coordenadas básicas da sua organização económico-social? Não se esqueça, por outra via, que a justiça de uma lei é tão-somente uma justiça relativa: relativa a um lugar e a um tempo determinado. Uma justiça espácio-temporalmente condicionada.
  Nesta ordem de ideias, a gravidade da divergência entre a norma estrangeira e o direito nacional reputada necessária para justificar a intervenção da ordem pública, variaria na razão inversa da intensidade do nexo apurado entre a relação em causa e o ordenamento jurídico do foro”.
Ora, o único elemento de conexão da Ordem Jurídica de Macau com a sucessão em causa é a existência de um imóvel sito em Macau, na herança da autora da sucessão, entre outros bens, embora porventura o mais valioso. Esta não tinha domicílio em Macau, assim como todos os herdeiros e não era residente de Macau, sendo cidadã australiana, e o testamento foi outorgado na Austrália, local de domicílio da autora da sucessão.
Assim, o resultado da decisão revidenda, ao excluir herdeiros legitimários e a legítima da recorrente, de acordo com a lei de Macau, não é manifestamente incompatível com a ordem pública de Macau, sendo certo que a lei de Macau não é aplicável à sucessão.
Ou seja, a ligação da Ordem Jurídica de Macau com a sucessão dos autos é ténue e o resultado da decisão revidenda não choca “o mais profundo do sentimento jurídico interno”, pelo que a aplicação da reserva da ordem pública não se justifica, por falta de uma ligação suficiente do caso com a ordem do foro4.

III – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 24 de Julho de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


     1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado”, Almedina, Coimbra, 7.ª reimpressão da edição de Outubro 2000, 2014, p. 406 e 407.
  2 FERRER CORREIA, Lições…, p. 412 e 413.
  3 Esta doutrina não é pacífica. Contra, por exemplo, MAURY, op. cit., págs. 86 e seg.
     4 JOÃO BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado”, Almedina, Coimbra, 3.ª edição actualizada, 5.ª reimpressão, 2012, p. 264 e 262.
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