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Processo nº 954/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 25 de Julho de 2019
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
- Regulação do poder paternal

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.



Proc. nº 954/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, do sexo masculino, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong n.º XXXXXX, emitido em 14 de Fevereiro de 2018, pelo Departamento de Imigração da RAEHK (vd. documento n.º 1), reside em Hong Kong, XXXXXX, ---
e ---
B, do sexo feminino, portadora do bilhete de identidade de residente permanente de Macau n.º XXXXXX, emitido em 29 de Janeiro de 2013 pelos Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM (vd. documento n.º 2), reside em Macau, XXXXXX, ---
Requereram a revisão e confirmação de sentença proferida no exterior de Macau.
*
O MP não se opôs ao deferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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III – Os Factos
1 - O 1º requerente e a 2ª requerente casaram civilmente em Macau no dia 18 de Janeiro de 1990 em Macau.
2 - O 1º requerente e a 2ª requerente não tiveram filhos na constância do seu casamento.
3 - O 1º requerente é residente de Hong Kong e a 2ª requerente é residente de Macau.
4 - O 1º requerente instaurou acção de divórcio junto do Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong (processo n.º 10898/1998FCMC).
5 - A 2ª requerente não contestou na referida acção.
6 - O Tribunal Distrital da RAEHK proferiu, em 2 de Março de 1999, a “decisão de divórcio” na referida acção, determinando que seria dissolvido o casamento entre o peticionante e a contestante contraído na Conservatória do Registo de Casamentos e Óbitos (90) em 18 de Janeiro de 1990, caso ninguém apresentasse ao tribunal motivos fundamentados para a decisão não transitar em absoluta no prazo de seis semanas, contado a partir da data da sua prolação.
7 - A decisão tem o seguinte teor:

Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Processo Matrimonial (“Matrimonial Causes”) no ano 1998, n.º 10898
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A, aliás A1,A2 Parte que submeteu o pedido
                 E
   B Parte de contestação
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Perante o MM.º Dr. Juiz Geiser do Tribunal Distrital
Ordem
Data: 3/2/1999

No momento em que o MM.º Dr. Juiz procedeu ao decreto nisi quanto a este assunto, ordenando que não procedeu qualquer ordem relativa às custas processuais.
Mais, sob a ordem do MM.º Dr. Juiz, com o consentimento das partes, a partir da promulgação do decreto absoluto de divórcio feita pelo Juiz, a parte que submeteu o pedido terá que pagar à parte de contestação a despesa de sustento emblemática no valor de HKD$, por cada ano.
Mais, o MM.º Dr. Juiz declarou que, o tribunal satisfaz que no caso não há filhos aplicáveis à norma do artigo 180 do Processo Matrimonial e Portaria de Propriedade (Capítulo 192).
Data: 3/2/1999.
8 - Tal sentença transitou em julgado no dia 20/04/1999 (doc. fls. 12 dos autos).
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação de divórcio entre os requerentes, que foi decretada por decisão do tribunal competente da RAEHK.
Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio entre os requerentes.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.).
Assim, cremos estarem reunidos os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu em 20/04/1999. A decisão foi proferida por entidade competente e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da RAEHK acima transcrita.
Custas pelos autores.
T.S.I., 25 de Julho de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


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