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Processo n.º 78/2016. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorridos: Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia e B.
Assunto: Marcas. Concorrência desleal.
Data do Acórdão: 18 de Setembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
No quadro da concorrência desleal o acto só terá a natureza de desleal quando possa originar um prejuízo a outra pessoa, através da subtracção da sua clientela, efectiva ou potencial.
O Relator,

Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso judicial do despacho de 25 de Abril de 2014, da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, que concedeu o registo da marca N/XXXXX, “C”, para assinalar produtos e serviços da classe 29.ª, a B.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base foi julgado improcedente o recurso.
A interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que negou provimento ao recurso.
Inconformada, recorre, novamente, A para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
- Os produtos abrangidos pela marca registanda, ainda que não incluídos na mesma classe, podem estabelecer ligação com o proprietário da marca. Este duplo risco de confusão, quanto aos sinais e quanto à origem dos produtos, faz concluir que a marca registanda viola as normas de propriedade industrial e, para além destas, as de concorrência desleal.
- Pelo que, como foi bem foi explicado na parte vencida da decisão, o registo da marca impugnada é efectivamente um acto de concorrência desleal, expresso num acto enganoso e de imitação.

II – Os factos
A sentença de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos:
«a) Por despacho de 25/04/2014, publicado no BORAEM, II série, de 20/08/2014, foi concedido a B, sociedade comercial com sede na Grécia, o registo de marca para a classe de produtos e serviços 29ª relativamente ao sinal “C”;
b) O pedido de registo havia sido apresentado em 08/05/2013;
c) Em data anterior a 08/05/2013 a DSE havia concedido a pessoa diversa de B o registo de marca para a classe 5ª aos sinais “D” (nº P/XXXXX) e “D E” (nº P/XXXXX);
d) O registo de marca do sinal “C” (N/XXXXX) foi concedido para assinalar os seguintes produtos: - Carne; peixe; aves e caça; extractos de carne; frutas e vegetais em salmoura, congelados, secos e cozinhados; geleias; compotas, molhos de fruta; ovos, leite e derivados; óleos e gorduras alimentares.
e) O registo de marca do sinal “D” (nº P/XXXXX) e “D E” (nº P/XXXXX) foi concedido para assinalar alimentos para bebés.
f) O registo de marca do sinal “D E” (nº P/XXXXX) foi concedido para assinalar os seguintes produtos: produtos farmacêuticos veterinários e higiénicos; produtos dietéticos de uso infantil e medicinal; emplastros, materiais para pensos; matérias para chumbar os dentes e para moldes dentários; desinfectantes; herbicidas e produtos para a destruição de animais nocivos.”.
g) A requerente do registo tem registado, e vem utilizando, noutras jurisdições o sinal “C” para assinalar produtos da sua actividade comercial».
*
O acórdão recorrido acrescentou, ainda, os seguintes factos que considerou provados:
- É a A, empresa dedicada à nutrição pediátrica e à indústria farmacêutica, que se refere a alínea c) dos factos transcritos.
- A viu concedidos os registos dessas marcas em 7/07/1994 e 26/01/1993, respectivamente.
- Reclamou junto da DSE contra a atribuição do registo da referida marca N/XXXXX, por considerar que a marca “C” revela proximidade semântica, gráfica e fonética com as suas, as quais pretende imitar.

III – O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de saber se o titular da marca C pretende fazer concorrência desleal ao titular das marcas D e D E com a utilização da marca mencionada ou se a concorrência desleal é possível independentemente da sua intenção.

2. Concorrência desleal
A recorrente invoca para recusa da concessão do registo da marca o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI, segundo a qual: “São fundamentos de recusa de concessão dos direitos de propriedade industrial:
c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção;”.
Dispõe o artigo 158.º do Código Comercial que “Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica”.
E acrescenta o artigo 159.º do mesmo Código:
“Artigo 159.º
(Actos de confusão)
 1. Considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes.
 2. O risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática”.
 
Ensina FERRER CORREIA1 que “… a defesa conferida pela proibição da concorrência desleal – nas diferentes formas que tal proibição reveste – é uma defesa complementar: complementar da legalmente assegurada pela tutela mais específica, mais rigorosa, mas por isso mesmo também mais circunscrita, desses vários elementos concretos (entre eles, os chamados sinais distintivos do comércio: marca, firma, nome e insígnia).2
Trata-se, pois, repetimos, de uma defesa complementar e, digamos, de segunda linha”.
Igualmente, explica CARLOS OLAVO3, referindo-se ao direito português, com normas semelhantes ao de Macau, que “…é hoje pacífico, quer na jurisprudência4, quer na doutrina5, que a protecção contra os actos de concorrência desleal tem, no nosso direito, um tratamento jurídico distinto da protecção dos direitos privativos da propriedade industrial, que permite considerá-la como constituindo um instituto autónomo.
Com efeito, enquanto que na violação de um direito privativo nos encontramos perante um ilícito meramente formal, independentemente da idoneidade ou inidoneidade do acto para provocar um qualquer prejuízo, no quadro da concorrência desleal o acto só terá a natureza de desleal quando possa originar um prejuízo a outra pessoa, através da subtracção da sua clientela, efectiva ou potencial”.

3. O caso dos autos
Tanto o acórdão recorrido como a sentença de 1.ª Instância consideraram não haver semelhança entre a marca C da recorrida particular e as marcas registadas D e D E, da recorrente, que seja idónea a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito desta última, inexistindo, igualmente, risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço.
Concordamos com estas conclusões, pelo que se não configura uma situação de concorrência desleal.
Com o que se nega provimento ao recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 18 de Setembro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai


     1 FERRER CORREIA, Propriedade Industrial, Registo do nome de estabelecimento, Concorrência desleal in «Estudos Jurídicos II – Direito Civil e Comercial, Direito Comercial, Direito Criminal», Coimbra 1969, p. 235.
     2 Mario Rotondi, Diritto Industriale, pág. 420 (apud Ferrara, loc cit.)
     3 CARLOS OLAVO, A Concorrência Desleal, em Concorrência Desleal, Textos de Apoio, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, p. 329 e 330
     4 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Novembro de 1951, Bol. Min. Just., n.º 22, pág.347.
     5 Cfr. Prof. A. Ferrer Correia, «Propriedade Industrial, Registo do nome de estabelecimento, Concorrência desleal» in «Estudos Jurídicos II – Direito Civil e Comercial, Direito Comercial, Direito Criminal», Coimbra 1969, págs. 235 e segs., Patrício Paul, «Concorrência Desleal», 1965, págs. 43 e segs.
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Processo n.º 78/2016

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