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Processo n.º 84/2016. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Marcas. Imitação. Consumidor médio dos produtos ou serviços em causa.
Data do Acórdão: 18 de Setembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
   I - A imitação de uma marca por outra tanto existe quando, postas em confronto, elas se confundam, mas também, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.
   II – A susceptibilidade de erro ou confusão quanto às marcas deve ser aferida em face do consumidor médio dos produtos ou serviços em causa, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A recorreu do despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia, que autorizou o pedido de registo da marca N/XXXXX “皇冠朗轩” , requerido por B, para produtos/serviços da classe 43 (Serviços de hotéis, serviços de estalagens, providenciar alojamento; serviços de alojamento temporário; serviços de reservas para hotéis e para outros alojamentos; informação e planeamento de férias relacionados com alojamento; serviços de bar; serviços de clubes nocturnos e salas de “cocktail”; serviços de café, serviços de restaurante e “snack-bar”; serviços de “catering” para providenciar alimentação e bebidas; providenciar instalações para conferências, reuniões e exposições; serviços de “check-in” e “check-out” em hotéis; serviços de informação electrónica relacionados com hotéis; serviços de consultadoria e aconselhamento relacionados com os serviços antes mencionados).
Sentença do Tribunal Judicial de Base, concedeu provimento ao recurso interposto por A e determinou a recusa do registo.
Recorreu B para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que concedeu provimento à pretensão, revogou a sentença e manteve a decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia, que autorizou o pedido de registo da marca N/XXXXX “皇冠朗轩”.
Recorre, para este Tribunal de Última Instância (TUI), A, alegando que:
- Analisando as marcas em confronto à luz das ideias acima referenciadas há que concluir que as marcas são confundíveis entre si, sobretudo porquanto o elemento essencial em todas elas é o mesmo, precisamente a expressão “皇冠” / “Crown” / “Wong Kun”.
- A marca registanda 皇冠朗軒 (Crown Bright Hall), reproduz a parte essencial das marcas 澳門皇冠 (Crown Macau) e 皇冠貴賓會 (Crown VIP Club), sendo que os caracteres 皇冠, que significam “CROWN”, são comuns às três marcas, diferindo estas apenas nos seus elementos descritivos, respectivamente, 朗軒 (“Bright Hall”), 澳門 (“Macau”) e 貴賓會 (“VIP Club”).
- Pelo contrário, não há como negar a natureza fantasiosa da expressão “皇冠” (Crown), a qual constitui verdadeiramente o núcleo preponderante das marcas da ora Recorrente, apta a distinguir a vasta gama de produtos e serviços que comercializa sob tais marcas, o que lhe confere capacidade distintiva forte, resultante do facto de tal expressão não consubstanciar um sinal genérico, nem sequer um sinal descritivo do produto ou serviço.

II – Factos
Estão provados os seguintes factos:
1. Em 05/10/2010 a sociedade comercial denominada B, com sede nos EUA, requereu o registo de marca relativamente ao sinal “皇冠朗轩” para assinalar serviços da classe 43ª;
2. Os serviços para que foi requerido o registo da marca consistem em:
- Serviços de hotéis, serviços de estalagens, providenciar alojamento; serviços de alojamento temporário; serviços de reservas para hotéis e para outros alojamentos; informação e planeamento de férias relacionados com alojamento; serviços de bar; serviços de clubes nocturnos e salas de “cocktail”; serviços de café, serviços de restaurante e “snack-bar”; serviços de “catering” para providenciar alimentação e bebidas; providenciar instalações para conferências, reuniões e exposições; serviços de “check-in” e “check-out” em hotéis; serviços de informação electrónica relacionados com hotéis; serviços de consultadoria e aconselhamento relacionados com os serviços antes mencionados.
3. O pedido recebeu o número N/XXXXX e, por despacho de 10/01/2011 proferido nos autos de Processo Administrativo apensos, foi concedido o registo. Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM de 02/02/2011.
5. Em 02/03/2011 foi apresentado no tribunal o recurso.
6. A é titular do registo de marca relativo aos seguintes sinais, tendo os respectivos pedidos de registo sido apresentados na DSE antes de 05/10/2010:
SINAL

CLASSES

N/XXXXX a N/XXXXX
39ª, 41ª e 42ª

N/XXXXX a N/XXXXX
35ª, 39ª, 41ª e 43ª

N/XXX, N/XXX, N/XXX
39ª, 41ª e 42ª

N/XXXXX a N/XXXXX
16ª, 17ª, 20ª a 26ª, 28ª a 30ª, 32ª a 38ª, 40ª, 42ª, 44ª e 45ª

N/XXX e N/XXX
39ª e 41ª

N/XXXXX a N/XXXXX
16ª a 18ª, 20ª a 22ª, 24ª a 30ª, 32ª a 38ª, 40ª, 42ª, 44ª e 45ª

N/XXXXX NXXXXX
39ª e 41ª

N/XXXXX e N/XXXXX
39ª e 41ª

N/XXXXX a N/XXXXX
16ª a 18ª, 20ª a 22ª, 24ª a 30ª, 32ª a 38ª, 40ª, 42ª, 44ª e 45ª

N/XXXXX e N/XXXXX
39ª e 41ª

N/XXXXX e N/XXXXX
39ª e 41ª

N/XXXXX a N/XXXXX
35ª, 39ª, 41ª e 43ª

N/XXXXX a N/XXXXX
35ª, 39ª, 41ª e 43ª

N/ XXXXX
41ª

N/XXXXX
41ª







7. A favor da B, encontra-se registada a marca , para a classe 42, por despacho de 25/02/2008, publicado no B.O. nº 14/2008, de 2/04/2008.
8. B tem ainda registada em seu nome, para a classe 42, a marca 皇冠假日酒店 que, romanizada, se lê WONG KUN KA IAT CHAO TIM), e cujo pedido de registo foi solicitado em 04.12.1990 e deferido em 10/10/1997, bem como da marca P/XXXXX, “Holiday Inn Crowne Plaza”, cujo pedido foi solicitado em 03/08/1990 e deferido em 7/11/1997.
9. A e B celebraram um “acordo de coexistência” (“Coexistence Agreement”), em cuja cláusula 3.2 A reconhece, em seu nome e no de qualquer uma das suas filiadas, que assiste à B o direito de registar a marca “Crowne Plaza” em relação aos “Core Services” e “Related Services” nos países em que se aplica o Acordo.
10. A tem a seu favor o registo da marca “Crown” desde 16/07/1996.


III – O Direito
1. As questões a resolver
São as suscitadas pela recorrente.

2. Marcas. Imitação. O caso dos autos
Trata-se de saber se a marca de B, relativamente à qual a Direcção de Serviços da Economia autorizou o registo, tem eficácia distintiva ou se, pelo contrário, constitui imitação das marcas anteriormente registadas de A, para a classe 43 de bens e serviços.
É pacífico que as marcas N/XXXXX a N/XXXXX皇冠貴賓會 de A para a classe 43, já tinham pedido de registo em Macau quando B, pretendeu e conseguiu registar para a mesma classe a sua marca (factos 1 e 6).
O registo das marcas é efectuado por produtos ou serviços, competindo à DSE indicar as respectivas classes de acordo com a classificação prevista na lei (artigo 205.º do RJPI).
Tal classe 43 agrupa os seguintes produtos:
Serviços de hotéis, serviços de estalagens, providenciar alojamento; serviços de alojamento temporário; serviços de reservas para hotéis e para outros alojamentos; informação e planeamento de férias relacionados com alojamento; serviços de bar; serviços de clubes nocturnos e salas de “cocktail”; serviços de café, serviços de restaurante e “snack-bar”; serviços de “catering” para providenciar alimentação e bebidas; providenciar instalações para conferências, reuniões e exposições; serviços de “check-in” e “check-out” em hotéis; serviços de informação electrónica relacionados com hotéis; serviços de consultadoria e aconselhamento relacionados com os serviços antes mencionados.
Como tivemos oportunidade de reflectir no acórdão de 20 de Maio de 2015, no Processo n.º 19/2015:
«A marca é um dos direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei [artigo 5.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI)].
Como se refere no artigo 197.º do RJPI, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços. Sendo ela “… um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
É o que decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI, que estatui que “O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha: b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada ”.
  Como explica FERRER CORREIA2 “A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos”».
No mesmo acórdão de 20 de Maio de 2015, no Processo n.º 19/2015, acrescentámos o seguinte:
«Vejamos, então, a que regras deve obedecer o confronto das marcas, para se apurar do carácter da novidade da marca registanda, bem como da capacidade distintiva da marca já registada.
Na lição de FERRER CORREIA3 “ … a imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”.
Relembra CARLOS OLAVO4 que, da constatação de que a comparação das marcas não é simultânea, mas sucessiva, decorrem os seguintes corolários, “Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam”.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas5.
Também se tem considerado que os elementos fonéticos das marcas são mais idóneos para perdurar na memória do público do que os elementos gráficos ou figurativos6.
Por outro lado, a susceptibilidade de erro ou confusão quanto às marcas deve ser aferida em face do consumidor, em termos de este só poder distinguir os sinais depois de exame atento ou confronto [artigo 215.º, n.º 1, alínea c) do RJPI].
Para este efeito o consumidor é o médio, não o distraído, nem o perito7.
E, como assinala JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU8, “os consumidores a considerar são, em primeiro lugar, aqueles a quem os produtos assinalados com as marcas em causa se destinam”. Ou, como refere CARLOS OLAVO9 “A apreciação do carácter distintivo de uma marca deve ser feita em concreto no que se refere aos produtos ou serviços a que ela se destina”.

3. O caso dos autos. Conclusão
A marca registanda 皇冠朗轩 traduz-se em inglês por Crown Bright Hall e em português por Salão Brilhante Coroa.
Os caracteres 皇冠, que significam “Crown”, em inglês, ou Coroa, em português, são comuns às três marcas.
As marcas registadas da recorrente N/XXXXX a N/XXXXX 皇冠貴賓會 significam Crown VIP Club em inglês ou Clube VIP Coroa, em português.
Afigura-se-nos pacífico que o elemento distintivo das marcas registadas e registanda é 皇冠, que significam crown, em inglês, ou coroa, em português.
Os caracteres 貴賓會, que significam VIP Club, em inglês, ou Clube VIP, em português, são sinais fracos, com pouca capacidade distintiva.
O que fica retido no espírito dos consumidores chineses dos serviços em questão são os caracteres 皇冠, por estar em causa uma marca para serviços de hotelaria e restauração e similares. Já não seria assim se os caracteres mencionados, que significam, crown ou coroa, pretendessem ser marca para qualquer venda de crowns ou coroas.
Tendo em atenção as considerações precedentes, afigura-se-nos existir risco de confusão para o consumidor entre as marcas dos autos, destinadas aos mesmos serviços.
Assim, a marca registanda 皇冠朗轩 imita as marcas anteriormente registadas 皇冠貴賓會.
Não se vislumbra relevância do acordo de coexistência firmado entre as empresas em questão.
Procede, assim, o recurso jurisdicional.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido, bem como o despacho do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção de Serviços da Economia, que autorizou o pedido de registo da marca N/XXXXX “皇冠朗轩”, recusando-se este pedido.
Custas pela recorrida particular em todas as instâncias.
Macau, 18 de Setembro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
     1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
     2 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
     3 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
     4 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2005, p.101 e 102.
     5 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102. No mesmo sentido, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2003, Volume I, p. 375.
     6 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102 e 110.
     7 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377 e CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 108.
     8 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377
     9 CARLOS OLAVO, Propriedade…, p. 83.
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