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Processo n.º 26/2019
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Transmac – Transportes Urbanos de Macau, SARL
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 18 de Setembro de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Lei Básica da RAEM
- Princípio da prossecução do interesse público
- Princípios da boa fé e da igualdade
- Caducidade-preclusão
- Aplicação analógica do n.º 5 do art.º 104.º da Lei de Terras

SUMÁRIO
1. No caso de declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento do terreno, não se vislumbra nenhuma violação das normas contidas na Lei Básica da RAEM, nomeadamente os seus art.ºs 6.º, 103.º e 120.º.
2. Não se demonstra violado o princípio da prossecução do interesse público consagrado no art.º 4.º do CPA, dado que a declaração da caducidade da concessão do terreno tem a sua base legal e visa precisamente a prossecução dum interesse público, referente à boa gestão e ao aproveitamento razoável dos terrenos da RAEM.
3. Tratando-se dum acto vinculado, tem a Administração o dever de declarar a caducidade de concessão do terreno no caso de ter decorrido o prazo de concessão sem que se tenha concluído o aproveitamento.
4. No âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação dos princípios da boa fé e da igualdade (e ainda dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da tutela da confiança).
5. As vicissitudes ocorridas no prazo de concessão e respeitantes ao aproveitamento do terreno não se revelam pertinentes, já que, no caso de declaração da caducidade pelo decurso do prazo de arrendamento do terreno, não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento do terreno, pois com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a mesma concessão não pode ser renovadas, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (art.º 48.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 10/2013).
6. A jurisprudência de Macau vai no sentido de considerar a caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento como caducidade preclusiva.
7. Nos termos do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013, é estabelecida como regra a não renovação da concessão provisória, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (que não é o nosso caso).
8. E as concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão, que é inicialmente dada a título provisória (art.ºs 52.º e 44.º da Lei n.º 10/2013).
9. A lei é muito clara quanto à não renovação da concessão provisória do terreno e à sua caducidade, independentemente da culpa, ou não, do concessionário, dai que é imposta à Administração o dever de declarar a caducidade de concessão.
10. Fica afastada a aplicação por analogia do n.º 5 do art.º 104.º da Lei de Terras, não podendo haver lugar à suspensão nem à prorrogação do prazo de arrendamento do terreno.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Transmac – Transportes Urbanos de Macau, SARL, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Chefe do Executivo de 10 de Março de 2016 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 3.754 m2, situado na Ilha de Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”.
Por acórdão proferido em 18 de Outubro de 2018, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso contencioso.
Inconformada com o acórdão, recorre Transmac – Transportes Urbanos de Macau, SARL para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. Na petição inicial a recorrente imputou vários vícios à decisão proferida em 10 de Março de 2016 pela entidade recorrida (Chefe do Executivo) que declarou a caducidade da concessão do terreno situado na Ilha da Taipa, no aterro de Pac On, Lote Q2, pedindo que seja anulado o acto recorrido.
2. O Douto Tribunal de Segunda Instância entende que o acto recorrido não prejudica o direito de propriedade privada da recorrente.
3. A Lei Básica estabelece o direito à propriedade privada que não só garante o direito a objectos, mas também o direito à propriedade de outras formas, nomeadamente o direito decorrente da concessão por arrendamento.
4. Caso se interprete a lei desta forma, ou seja, o concessionário não tem nenhuma culpa mas ainda tem que assumir todas as consequências negativas resultantes da perda do direito à concessão. Assim, só pode entender-se que a lei não protege o direito do concessionário.
5. Pelo fundamento acima invocado, o acto recorrido deve ser declarado nulo, pois viola o direito à propriedade privada garantido pela Lei Básica.
6. A recorrente é concessionária de serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, prestando o serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros com qualidade, segurança e conforto. A referida oficina é indispensável para a recorrente.
7. Apesar de a declaração da caducidade do terreno ter a ver com a prossecução de interesse público, que tem como objectivo aproveitar razoavelmente o terreno e, ao mesmo tempo, evitar o desaproveitamento do terreno resultante da inércia ou negligência do concessionário, perante o conflito entre dois interesses públicos, deve decidir-se qual deles deve prevalecer.
8. Tendo ponderado os diversos interesses envolvidos, deve assegurar-se primeiramente o fornecimento do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, pois a caducidade da concessão do terreno colocará, inevitavelmente, em risco os serviços de transportes públicos.
9. O acto recorrido deve ser anulado dado que viola o princípio da prossecução do interesse público.
10. Quanto à violação do princípio da boa-fé, entende o Douto Tribunal de Segunda Instância que o acto recorrido é um acto vinculado, ao qual não se aplica o princípio da boa-fé.
11. O aproveitamento do terreno não depende simplesmente da construção por parte do concessionário do edifício fixado no contrato de arrendamento no prazo de concessão por arrendamento e no de aproveitamento, mas também da colaboração da Administração Pública.
12. A Administração é obrigada a fornecer ao concessionário todos os documentos necessários e licenças respeitantes ao aproveitamento do terreno, para que o concessionário possa concluir o aproveitamento de terreno conforme o contrato celebrado.
13. Neste presente caso, dos factos provados nos autos resultou que a Administração Pública não emitiu oportunamente à recorrente a planta de alinhamento, nem celebrou um contrato novo de concessão com a recorrente, o que levou com que o terreno não fosse aproveitado no prazo fixado.
14. A omissão da Administração é a causa principal do não-aproveitamento do terreno e da declaração de caducidade da concessão. A Administração quebrou, através do despacho de declaração de caducidade, as expectativas razoáveis da recorrente sobre a conclusão do aproveitamento do terreno concedido. Existe nexo de causalidade entre a declaração de caducidade e o desaproveitamento do terreno no prazo de concessão.
15. Pelos fundamentos acima invocados, embora seja um acto vinculado, a Administração deveria observar o princípio da boa-fé no processo de concessão do terreno. O acto recorrido deve ser anulado dado que viola o princípio da boa-fé.
16. Face à inimputabilidade do concessionário em relação à não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento, a Administração adopta habitualmente a seguinte solução – declara-se caducada a concessão e, depois, procede-se à nova concessão ao concessionário. Esta forma está em conformidade com a lei.
17. Nesta causa, a Administração declarou directamente a caducidade da concessão de terreno, em vez de celebrar um novo contrato de concessão com a recorrente ao mesmo tempo que declarou a caducidade. Uma vez que a Administração tomou neste caso uma decisão diferente das que habitualmente toma em situações idênticas, deve o acto recorrido ser anulado, pois viola o princípio da igualdade.
18. O Douto Tribunal de Segunda Instância apontou que a caducidade declarada pela entidade recorrida é caducidade preclusiva, o acto deve ser praticado no termo do respectivo prazo de concessão por arrendamento, independentemente da culpa do concessionário.
19. Como disse o juiz do Tribunal de Segunda Instância Dr. Fong Man Chong no acórdão proferido no processo n.º 377/2015, o prazo de arrendamento de terreno enquadra-se na caducidade-sanção, só deve declarar-se a caducidade no termo do respectivo prazo da concessão quando a não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento seja imputável ao concessionário, quer dizer, seja causada por culpa do concessionário. O prazo pode ser prorrogado caso o não-aproveitamento do terreno seja causado pela culpa da Administração que não tenha cumprido as suas obrigações.
20. Ainda que os Venerandos Juízes tenham outra opinião, o contrato de concessão é contrato administrativo, ao qual se aplicam também os princípios gerais consagrados no direito privado, nomeadamente o princípio da culpabilidade. A Lei tem que estabelecer um mecanismo de sanação, para garantir que os concessionários não sofram consequências injustas por não conclusão de aproveitamento de terreno no prazo de arrendamento.
21. A Lei de Terras não estabeleceu um mecanismo de sanação para os casos em que a não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento é inimputável ao concessionário, isso, na óptica da recorrente, é uma lacuna da lei.
22. De acordo com os n.ºs 1 e 2 do art.º 9.º do Código Civil, nos casos em que o não desenvolvimento do terreno no prazo de arrendamento é inimputável ao concessionário, deve aplicar-se, por analogia, o n.º 5 do art.º 104.º da Lei de Terras, ou seja, a entidade competente pode exercer o seu poder discricionário para autorizar a suspensão ou prorrogação do prazo de arrendamento, permitindo, deste modo, o concessionário cumprir o seu dever de concluir o aproveitamento do terreno.
23. Mesmo que haja outro entendimento, a recorrente ainda entende que a Administração deve, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil, conforme o espírito do legislador, estabelecer uma forma de tratamento específica para o preenchimento de lacunas da lei.
24. Contudo, a entidade recorrida não só não aplicou, por analogia, o art.º 104.º, n.º 5, da Lei de Terras, como não estabeleceu, conforme o espírito do legislador, uma forma de tratamento específica, aplicando erradamente as disposições da Lei de Terras, pelo que o acto recorrido deve ser anulado.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
É dado como assente a seguinte factualidade:
1. Pelo Despacho n.º 185/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754 m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL.
2. O referido terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 152 a fls. 39 do livro B112A e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 824 do livro FK3.
3. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública. Não tendo, porém, sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
4. Conforme a cláusula terceira do respectivo contrato, o terreno seria aproveitado com a construção de um terminal, com 3 pisos, para recolha de autocarros, a explorar directamente pela concessionária.
5. O prazo global de aproveitamento foi fixado em 24 meses, contados a partir da data de publicação do despacho no Boletim Oficial, ou seja, até 28 de Dezembro de 1991.
6. O prémio do contrato, no montante de MOP$1.231.277,00, foi integralmente pago em prestações.
7. O aproveitamento do terreno referido no artigo 3.º desta contestação não chegou a ser concretizado.
8. Em 19/02/2016, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
“PARECER N.º 22/2016
Proc. n.º 6/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL, pejo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 28 de Dezembro de 2014.
I
1. Ao abrigo do disposto no artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das suas características e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Nos termos do disposto no artigo 48.º da mesma Lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, através do despacho do Chefe do Executivo, declara-se a caducidade de concessão, por decurso do prazo de arrendamento, de acordo com o artigo 167.º da mesma lei.
2. De acordo com o disposto no artigo 179.º da Lei de terras e no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
3. Face ao exposto, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro, propôs autorização para dar início ao procedimento de declaração de caducidade das concessões provisórias cujo prazo de arrendamento expirou ou irá expirar, bem como dar início aos respectivos trabalhos por ordem cronológica das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovada esta proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
4. Pelo Despacho n.º 185/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL.
5. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga ela respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014;
6. Conforme a cláusula terceira do respectivo contrato, o terreno é aproveitado com a construção de um terminal, com 3 pisos, para recolha de autocarros a explorar directamente pela concessionária.
7. O prazo global de aproveitamento é de 24 meses, contados a partir da data de publicação do sobredito despacho, ou seja, até 28 de Dezembro de 1991.
8. O prémio do contrato no montante de $1 231 277,00 foi integralmente pago em prestações.
9. O terreno referido em epígrafe está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 152 a fls. 39 do livro B112A e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 824 do livro FK3.
III
10. A data de conclusão da empreitada do aterro e infra-estruturas do Pac On foi adiada para Março de 1992. Deste modo, a concessionária apresentou em 16 de Março de 1993 à entidade competente um requerimento, a referir que uma vez que havia falta de infra-estruturas no Pac On e a ponte da Amizade estava em construção, seria difícil instalar um terminal para autocarros no Pac On, pelo que solicitou a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 42 meses, isto é, até 28 de Junho de 1995.
11. Dado que o processo relativo ao pedido de concessão do lote “PS1” sito na Baía Sul do Patane feito pela concessionária já tinha sido aberto, o Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas proferiu em 14 de Outubro de 1993 despacho a determinar que era necessário esclarecer o assunto sobre a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno.
12. A concessionária apresentou um requerimento na DSSOPT em 27 de Agosto de 2008 e outro em 17 de Março de 2011, a solicitar autorização para a construção no terreno em causa de um edifício mais alto. Os respectivos serviços indicaram que só após a conclusão e publicação do Plano de Reordenamento do Parque Industrial do Pac On é que se poderia proceder ao desenvolvimento do terreno, pelo que não foi possível à concessionária iniciar o respectivo projecto.
13. Por outro lado, uma vez que o terreno foi classificado pela entidade competente como terreno não aproveitado, a DSSOPT, através de ofício de 31 de Maio de 2011, solicitou à concessionária a apresentação de justificação razoável sobre o atraso no aproveitamento do terreno.
14. A concessionária apresentou justificação em 29 de Junho de 2011 e a DSSOPT, através das informações n.os 346/DSODEP/2011, de 6 de Dezembro, 01/DJUDEP/2012, de 9 de Janeiro e 144/DSODEP/2012, de 14 de Agosto, procedeu à análise da justificação apresentada, tendo considerado que a concessionária sempre cumpriu a finalidade da concessão porquanto sempre utilizou o terreno para estacionamento dos seus autocarros tendo efectuado uma construção metálica de carácter provisório para oficina de manutenção. Além disso, sendo a concessionária uma das três concessionárias da exploração do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, mesmo que fosse declarada a caducidade, a Administração teria de providenciar outro terreno para o estacionamento dos autocarros da concessionária, pelo que propôs que não fosse declarada a caducidade da concessão do terreno, procedendo-se à revisão das cláusulas do contrato de concessão, não admitindo qualquer alteração à finalidade ou modificação do aproveitamento do terreno.
15. Por outro lado, o Grupo de Trabalho Jurídico emitiu o seu parecer, através da informação n.º 13/GTJ/2012, de 24 de Maio, em que manifesta a sua concordância com o parecer da DSSOPT, isto é, que não fosse desencadeado o procedimento de declaração de caducidade da concessão do terreno em apreço, devendo no entanto proceder-se à revisão do contrato de forma a introduzir restrições aos poderes de utilização do terreno por parte da concessionária, nomeadamente, a possibilidade de após a realização do aproveitamento, vir a alterar a finalidade da concessão em função dos usos permitidos no novo plano urbano do Pac On.
16. Posteriormente, a Comissão de Terras reunida em sessão em 24 de Janeiro de 2013, através do parecer n.º 15/2013, concordou com o proposto pela DSSOPT de aplicação à concessionária de uma multa máxima de $90 000,00 patacas e de concessão de um último prazo de aproveitamento do terreno, contados a partir da data da notificação da respectiva decisão até à data do fim do prazo de arrendamento, isto é, até 28 de Dezembro de 2014. O referido parecer foi homologado pelo Chefe do Executivo por despacho de 6 de Fevereiro de 2013.
17. Após ter sido prorrogado o prazo de aproveitamento do terreno, a concessionária apresentou em 5 de Fevereiro de 2013 um projecto de alteração de construção, no entanto, visto que as condições urbanísticas para a respectiva zona tinham sido alteradas, esse projecto não foi aprovado. Posteriormente, em Agosto de 2013, a DSSOPT emitiu uma planta de alinhamento oficial (PAO), passando parte do terreno concedido a ser integrada no domínio público, pelo que, a concessionária, em 3 de Dezembro de 2013, solicitou a emissão de uma nova PAO adequada ao projecto apresentado de modo a manter a área inicial do terreno concedido.
18. Visto que a concessionária em causa é uma das três concessionárias da exploração do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, se for declarada a caducidade da concessão do terreno, será ainda necessário disponibilizar terrenos do domínio privado por parte da Administração para a manutenção, conservação e estacionamento dos autocarros, no intuito de assegurar que a concessionária possa prestar o serviço público. No entanto, de acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o prazo do arrendamento terminou em 28 de Dezembro de 2014 e a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de Terras, e como tal não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, a DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 033/DSODEP/2016, de 15 de Janeiro, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e enviado o processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer. O STOP manifestou a sua concordância por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
19. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que tendo expirado em 28 de Dezembro de 2014 o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento), de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato de concessão, sem que o aproveitamento do terreno definido no contrato se mostre realizado, a concessão provisória em apreço encontra-se já caducada (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da Região Administrativa Especial de Macau todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 033/DSODEP/2016, de 15 de Janeiro, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 28 de Dezembro de 2014, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 19 de Fevereiro de 2016.”
9 – O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 03/03/2016, emitiu o seguinte parecer:
“Parecer
Proc. n.º 6/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 28 de Dezembro de 2014.
1. Pelo Despacho n.º 185/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 3 754m2, situado na ilha da Taipa, no Aterro de Pac On, lote “Q2”, a favor da sociedade Transmac - Transportes Urbanos de Macau, SARL.
2. Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobredito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação, ou seja, até 28 de Dezembro de 2014.
3. O terreno seria aproveitado com a construção de um terminal, com 3 pisos, para recolha de autocarros a explorar directamente pela concessionária.
4. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 28 de Dezembro de 2014 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a DSSOPT propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 3 de Fevereiro de 2016.
5. Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
3 de Março de 2016.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas,
Raimundo Arrais do Rosário”
10 – O Chefe do Executivo, em 10/03/2016 produziu o seguinte despacho (a.a.):
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 6/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
O Chefe do Executivo,
Chui Sai On”

3. Direito
Na tese da recorrente, o acórdão recorrido incorre nos seguintes vícios:
- Violação da Lei Básica respeitante à protecção da propriedade privada;
- Violação do princípio da prossecução do interesse público;
- Violação do princípio da boa fé;
- Violação do princípio da igualdade; e
- Erro na aplicação da Lei de Terras.
Há de apreciar as questões suscitadas pela recorrente.

3.1. Da violação da Lei Básica respeitante à protecção da propriedade privada
No presente recurso, a recorrente não indica nas suas alegações qual(quais) norma(s) da Lei Básica alegadamente violada(s), limitando-se a imputar a violação da Lei Básica respeitante à protecção da propriedade privada.
Constata-se que no recurso contencioso invoca a recorrente a violação dos art.ºs 6.º, 103.º e 120.º da Lei Básica.
Ora, como um dos princípios gerais, a Lei Básica estabelece no seu art.º 6.º que “O direito à propriedade privada é protegido por lei na Região Administrativa Especial de Macau”.
Nos termos do art.º 103.º da Lei Básica, a RAEM “protege, em conformidade com a lei, o direito das pessoas singulares e colectivas à aquisição, uso, disposição e sucessão por herança da propriedade e o direito à sua compensação em caso de expropriação legal”.
E conforme a disposição no art.ºs 120.º da Lei Básica, os contratos de concessão de terras celebrados antes de 20 de Dezembro de 1999 são reconhecidos e protegidos pela RAEM, bem como os direitos deles emergentes. Quanto às renovações das concessões que ocorressem após aquela data (que é o assunto que se interessa nos presentes autos) aplicavam-se as leis que, entretanto, vigorassem.
Desde logo, é de salientar que, tal como afirma o acórdão recorrido, no presente caso não está em causa qualquer direito à propriedade privada da recorrente, face ao contrato de concessão por arrendamento do terreno que foi celebrado, que não confere à recorrente qualquer direito de propriedade sobre o mesmo terreno.
E quanto à imputada violação dos art.ºs 103.º e 120.º da Lei Básica, as questões já foram abordadas nos nossos acórdãos proferidos em 4 de Abril de 2019, 20 de Fevereiro de 2019 e 10 de Julho de 2019, nos Processos n.º 2/2019, 102/2018, 12/2019 e 13/2019, respectivamente, em que pronunciámos que, no caso de declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento do terreno, não se vislumbra nenhuma violação das normas em causa.
Dá-se aqui por integralmente reproduzido a nossa fundamentação exposta nos referidos acórdãos.

3.2. Da violação dos princípios
Imputa a recorrente a violação dos princípios da prossecução do interesse público, da boa fé e da igualdade.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Por um lado, com a declaração da caducidade da concessão do terreno, não se demonstra violado o princípio da prossecução do interesse público consagrado no art.º 4.º do CPA.
Tal como reconhece a própria recorrente, a declaração da caducidade visa a prossecução do interesse público, referente à boa gestão e ao aproveitamento razoável dos terrenos da RAEM.
Alega a recorrente que, quando entram em conflito dois interesses públicos, deve prevalecer o fornecimento do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros, de que é concessionária a recorrente, sob pena da violação do princípio da prossecução do interesse público. E a declaração da caducidade coloca, inevitavelmente, em risco os serviços de transportes públicos.
Não explica, no entanto, porquê há que assegurar em primeiro lugar o interesse público que tem a ver com o transporte público, e não a boa gestão e o aproveitamento razoável dos terrenos, se por ter aquele o valor superior ou por outro motivo.
Ora, tal como afirma o Tribunal recorrido, o interesse público não é apenas o interesse do transporte público que a concessionária desenvolve em favor da comunidade, mas também o interesse que subjaz a qualquer concessão do respeito pelo contrato e pela lei.
Mesmo admitindo que o interesse público visado pela declaração da caducidade não tenha um valor superior ao interesse do transporte público, certo é que, como tem sido entendido, tratando-se dum acto vinculado, tem a Administração o dever de declarar a caducidade de concessão do terreno no caso de ter decorrido o prazo de concessão sem que se tenha concluído o aproveitamento. Só assim é que fica cumprida a lei.
Não se vislumbra a imputada violação do princípio da prossecução do interesse público.
Por outro lado, é de reafirmar aqui o entendimento uniforme deste Tribunal de Última Instância no sentido de que no âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação dos princípios da boa fé e da igualdade (e ainda dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da tutela da confiança).1
Alega a recorrente que a Administração não lhe emitiu oportunamente a planta de alinhamento nem celebrou novo contrato de concessão com a recorrente, omissão esta que é a causa principal do não aproveitamento do terreno e da declaração de caducidade da concessão, quebrando as expectativas razoáveis da recorrente sobre a conclusão do aproveitamento do terreno concedido.
Ora, as vicissitudes ocorridas no prazo de concessão e respeitantes ao aproveitamento do terreno não se revelam pertinentes nos presentes autos, já que, no caso de declaração da caducidade pelo decurso do prazo de arrendamento do terreno, não é essencial a questão de culpa no não aproveitamento do terreno, pois com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a mesma concessão não pode ser renovadas, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (art.º 48.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 10/2013).2
Quanto à invocada nova concessão ao concessionário do mesmo terreno, actuação esta que é, alegadamente, a solução habitualmente adoptada pela Administração em situações idênticas, é de notar que se limita a recorrente a alegar a violação do princípio da igualdade, sem que tenha demonstrado quais são esses casos idênticos.
Daí que improcede a invocação dos princípios da boa fé e da igualdade.

3.3. Erro na aplicação da Lei de Terras
Questiona a recorrente a qualificação do Tribunal recorrido sobre a caducidade de concessão do terreno, pugnando pela sua qualificação como caducidade-sanção e não caducidade preclusiva.
Desde logo, é de recordar que a questão sobre a natureza da caducidade das concessões provisórias dos terrenos foi já por várias vezes abordada e apreciada tanto pelo Tribunal de Segunda Instância como por este Tribunal de Última Instância.
A jurisprudência de Macau vai no sentido de considerar a caducidade como caducidade preclusiva.
Nos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 7/2018, n.º 43/2018 e n.º 90/2018, de 23 de Maio, 6 de Junho e 12 de Dezembro de 2018, para além de outros, este Tribunal de Última Instância foi chamado a pronunciar-se sobre a questão de caducidade-sanção ou caducidade-preclusão, tendo concluído que a caducidade da concessão provisória por decurso do prazo de arrendamento constitui um caso de caducidade-preclusão.
E dá-se por integralmente reproduzido o teor dos referidos acórdãos na parte respeitante à questão ora colocada pela recorrente.
Repetindo, não está aqui em causa a questão de culpa no não aproveitamento do terreno.
Nos termos do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013, é estabelecida como regra a não renovação da concessão provisória, desde que não se verifique a excepção prevista na lei (que não é o nosso caso).
E as concessões caducam no termo do prazo inicial da concessão, que é inicialmente dada a título provisória (art.ºs 52.º e 44.º da Lei n.º 10/2013).
Pretende ainda a recorrente a aplicação analógica do disposto no n.º 5 do art.º 104.º da Lei de Terras, por haver lacuna, dado que não se estabelece na lei qualquer mecanismo de sanação para os casos em que a não conclusão do aproveitamento do terreno no prazo de arrendamento é inimputável ao concessionário.
Ao abrigo da norma em causa, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.
Ora, não se nos afigura existir lacuna alegada pela recorrente, porque a lei é muito clara quanto à não renovação da concessão provisória e à sua caducidade, independentemente da culpa, ou não, do concessionário, dai que é imposta à Administração o dever de declarar a caducidade de concessão.
Fica assim afastada a aplicação por analogia do n.º 5 do art.º 104.º da Lei de Terras, não podendo haver lugar à suspensão nem à prorrogação do prazo de arrendamento do terreno.
Improcede a argumentação da recorrente.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.

Macau, 18 de Setembro de 2019

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Cfr. Ac.s do TUI, de 3 de Maio de 2000, Proc. n.º 9/2000, de 11 de Abril de 2018, Proc. n.º 38/2017, de 23 de Maio de 2018, Proc. n.º 7/2018, de 5 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 88/2018 e de 12 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 90/2018, entre outros.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 10-7-2019, Proc. n.º 13/2019, entre outros.
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Processo n.º 26/2019