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Processo n.º 643/2019 Data do acórdão: 2019-10-10 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– assistente em processo penal
– leitura pública do acórdão com depósito do mesmo
– notificação do acórdão
– art.o 100.o, n.o 7, alínea a), do Código de Processo Penal
– art.o 353.o, n.o 4, do Código de Processo Penal
– início de contagem do prazo de recurso do acórdão depositado
– art.o 401.o, n.o 1, alínea b), do Código de Processo Penal
– alegação tempestiva do justo impedimento
– art.o 97.o, n.o 3, do Código de Processo Penal
– dilação do art.o 613.o, n.o 6, do Código de Processo Civil
– integração de lacuna em matéria de prazo de recurso
S U M Á R I O

1. No caso dos autos, tratando-se de um acórdão (escrito) de primeira instância (cfr. o art.o 353.o, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal (CPP)) (e não uma decisão judicial oral reproduzida em acta), com fixação prévia da data para sua leitura pública, e depois com leitura pública e respectivo depósito efectuados num mesmo dia (cfr. os art.os 354.o e 353.o, n.os 4 e 5, do CPP), não é aplicável, por ser imprópria, a norma da alínea c) do n.o 1 do art.o 401.o do CPP, nem é aplicável a regra da alínea a) do n.o 7 do art.o 100.o do CPP em relação à própria pessoa dos três assistentes ora pretendentes de recurso mas não presentes na sessão de leitura do acórdão (por esta regra geral de notificação de sentença/acórdão ter que ceder perante a regra especial do n.o 4 do art.o 353.o do CPP e não ser jusprocessualmente obrigatória – por inexistência de qualquer norma legal a ditar isto – a presença da própria pessoa dos assistentes na sessão da leitura pública de sentença/acórdão), mas sim propriamente aplicável a regra expressa da alínea b) do n.o 1 do art.o 401.o do CPP, segundo a qual o prazo para interposição do recurso se conta a partir do depósito de sentença/ou acórdão na secretaria.
2. Quanto à subsidiariamente alegada questão de justo impedimento na interposição tempestiva do recurso, como os três assistentes não chegaram a cumprir o disposto no n.o 3 do art.o 97.o do CPP para efeitos de alegação tempestiva de qualquer justo impedimento, não está verificado, assim, o pressuposto formal para apreciação do mérito dessa questão.
3. Não há qualquer lacuna a preencher em matéria de prazo de recurso em processo penal, pelo que não se pode aplicar em processo penal a dilação prevista no n.o 6 do art.o 613.o do Código de Processo Civil, uma vez que este tipo de dilação é incompatível com as preocupações do Legislador Processual Penal de celeridade em processo penal (cfr. o art.o 4.o do CPP, a contario sensu).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 643/2019
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Recorrentes (assistentes): A
   B
   C
Recorrido (arguido): D





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por decisão proferida pelo ora relator em 4 de Setembro de 2019 a fls. 359 a 361 dos presentes autos recursórios penais com o n.o 643/2019 deste Tribunal de Segunda Instância (TSI), emergentes do Processo Comum Colectivo n.º CR3-18-0319-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), foi julgado sumariamente em não admitir, por extemporâneo, o recurso interposto pelos assistentes A, B e C do acórdão de 26 de Abril de 2019 de fls. 289 a 302 dos autos, absolutório, em primeira instância, do arguido D dos então acusados três crimes consumados de difamação através de meio de comunicação social, previstos inclusivamente pela Lei n.o 7/90/M, de 6 de Agosto, e também absolutório do mesmo arguido do pedido de indemnização civil enxertado aos autos pelos três assistentes.
Vieram os três assistentes recorrentes reclamar dessa decisão do relator para conferência, alegando, na sua essência, o seguinte no seu petitório uno de reclamação de fls. 367 a 373:
– o acórdão de primeira instância foi lido em 26 de Abril de 2019;
– entre 29 de Abril e 3 de Maio, de 2019, o próprio Advogado mandatário dos três assistentes tentou proceder ao levantamento dessa decisão de primeira instância;
– no entanto, os funcionários judiciais afirmaram várias vezes ser necessário aguardar pelo despacho do Juiz a autorizar a emissão da cópia do acórdão e a disponibilização das gravações das sessões de audiência de julgamento;
– em 3 de Maio de 2019, foi autorizada a emissão de uma cópia do acórdão e dos discos das gravações das sessões de julgamento;
– somente no dia 6 de Maio de 2019, foi feita a comunicação, através dos funcionários judiciais, de que era possível proceder ao levantamento das gravações e da cópia do acórdão; nesse mesmo dia, foi efectuado o levantamento das gravações e cópia do acórdão, tendo sido emitido o termo de entrega, assinado pelo funcionário judicial do 3.o Juízo Criminal do TJB;
– verifica-se assim que o Mandatário dos três asssistentes teve apenas acesso às gravações e à cópia integral do acórdão em 6 de Maio de 2019;
– o recurso dos três assistentes foi apresentado em 14 de Maio de 2019, ou seja, oito dias após a disponibilização do acórdão e das gravações;
– a decisão ora sob reclamação, segundo a qual o prazo para interposição de recurso se inicia da data da leitura do acórdão mesmo nos casos em que o depósito não é imediato ou a disponibilização do acórdão ocorre em data diferente da sua leitura, errou na interpretação do n.o 1 do art.o 401.o do Código de Processo Penal (CPP);
– não é possível recorrer de uma decisão, motivando o recurso, sem que se tenha acesso à totalidade do conteúdo da decisão em suporte escrito;
– por isso, violou a decisão do relator os princípios basilares do processo penal, designadamente o princípio do processo equitativo e o princípio do acesso ao Direito consagrado no art.o 36.o da Lei Básica;
– além disso, a disponibilização das gravações é essencial para o exercício do direito de recurso quando se impugna a matéria de facto, porquanto a parte recorrente tem de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, as provas que devem ser renovadas e as concretas passagens em que funda a sua impugnação;
– a jurisprudência dos Tribunais Portugueses considera que o prazo para interposição de recurso em que se impugna a decisão proferida sobre matéria de facto conta-se a partir da disponibilização das cassetes áudio, desde que tempestivamente requeridas;
– por todo o exposto, o prazo para interposição do recurso dos três assistentes teve início em 6 de Maio de 2019 e teve termo em 16 de Maio de 2019;
– e subsidiariamente falando, verifica-se no caso justo impedimento, pois a eventualidade de ter ocorrido atraso na interposição do recurso resultou da não disponibilização tempestiva por parte do TJB da cópia do acórdão e gravações;
– nos termos do art.o 401.o, n.o 1, alínea c), do CPP, a contagem do prazo inicia-se com a data da respectiva disponibilização da cópia da acta, mediante subscrição pela secretaria e declaração de disponibilização;
– como o acórdão foi disponibilizado em 6 de Maio de 2019 e não em 26 de Abril de 2019, o prazo de interposição de recurso só termina em 16 de Maio de 2019;
– por outro lado, é de defender, tal como decide a jurisprudência dos Tribunais Portugueses, a aplicação subsidiária do n.o 6 do art.o 613.o do Código de Processo Civil (CPC);
– por todo o exposto, deve ser admitido o recurso dos três assistentes.
À matéria dessa reclamação, não exerceu o arguido o direito de resposta.
Opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 380 a 381, no sentido de procedência da reclamação no tocante à tempestividade do recurso dos três assistentes, por, à luz do art.o 100.o, n.o 7, alínea a), do CPP, ser de considerar que estes só terem sido notificados, postalmente, em 6 de Maio de 2019 do teor do acórdão absolutório de primeira instância.
Corridos os vistos, cumpre decidir da reclamação dos três assistentes.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Fluem dos autos os seguintes dados:
1. No fim da última sessão da audiência de julgamento então realizada em 27 de Março de 2019 no subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-18-0319-PCC do 3.o Juízo Criminal do TJB, a M.ma Juíza Presidente do respectivo Tribunal Colectivo anunciou, na presença do Ex.mo Advogado dos três assistentes, que iria ser lido o acórdão na tarde de 26 de Abril de 2019, pelas três horas e meia (cfr. a acta dessa sessão, lavrada a fl. 288 a 288v).
2. O acórdão de primeira instância, absolutório do arguido dos três acusados crimes consumados de difamação através de meio de comunicação social e absolutório também do pedido de indemnização civil enxertado contra ele nos autos pelos três assistentes, acabou por começar a ser lido publicamente em 26 de Abril de 2019, às três horas e cinquenta minutos, na presença do arguido, do Ex.mo Defensor do arguido e do Ex.mo Advogado dos três assistentes (mas sem presença da própria pessoa dos três assistentes) (cfr. a acta da leitura do acórdão, lavrada a fl. 303). Nesse mesmo dia, o acórdão foi depositado na secretaria do Tribunal (cfr. a declaração desse depósito de 26 de Abril de 2019, aposta na última página do texto desse acórdão, a fl. 302).
3. Em 26 de Abril de 2019, a própria pessoa do arguido assinou o recebimento de uma cópia desse acórdão, dada pelo pessoal do Tribunal ora recorrido (cfr. o teor de fl. 304).
4. Em 29 de Abril de 2019, os três assistentes, através do seu Ex.mo Advogado, pediram ao Tribunal ora recorrido a disponibilização das gravações áudio das sessões de julgamento e a cópia do acórdão (cfr. o pedido uno de fl. 306).
5. Em 2 de Maio de 2019, foram registadas as cartas de notificação da propria pessoa dos três assistentes do acórdão de primeira instância, mandadas pelo pessoal do Tribunal recorrido (cfr. o processado a fls. 309 a 310 e 310A).
6. Em 3 de Maio de 2019, o M.mo Juiz titular do presente processo no TJB exarou despacho (a fl. 311) nos seguintes termos literais, nomeadamente:
– “Fls. 306:
Autorizo a emissão de uma cópia do acórdão e dos discos das gravações áudio das sessões de julgamento, nos termos do art. 79o, no 4 do CPP. […]”.
7. Em 6 de Maio de 2019, foram entregues à empregada do escritório do Ex.mo Advogado dos três assistentes indicada no pedido de fl. 306, um disco compacto de gravação das sessões de julgamento e uma cópia do despacho judicial de fl. 311 (cfr. o termo de entrega exarado a fl. 312).
8. Em 7 de Maio de 2019, foi entregue à mesma empregada do mesmo escritório forense uma cópia da acta da audiência de fls. 281 a 282 e de fl. 288 (cfr. o termo de entrega exarado a fl. 313).
9. Em 14 de Maio de 2019, em nome dos três assistentes, foi apresentada a motivação, subscrita pelo respectivo Ex.mo Advogado, para efeitos de recurso do acórdão de primeira instância, impugnando a decisão da matéria de facto tomada pelo Tribunal ora recorrido, para pedir a condenação penal e civil do arguido nos termos então acusados e peticionados.
10. Nessa mesma motivação una de recurso, e nem mesmo antes desse momento, não foi alegado qualquer justo impedimento na interposição tempestiva do próprio recurso dos três assistentes (cfr. o teor integral da motivação, a fls. 314 a 322).
11. Por decisão do relator de 4 de Setembro de 2019 (de fls. 359 a 361), foi julgado sumariamente em não admitir o recurso dos três assistentes, com seguintes fundamentos jurídicos, na sua essência:
– no caso dos autos em que os três assistentes pretenderam recorrer inclusivamente da decisão penal da Primeira Instância absolutória do arguido dos crimes referidos no art.o 29.o da Lei n.o 7/90/M, o prazo para recurso foi de dez dias, contado a partir da data do depósito do acórdão lido (cfr. os art.os 29.o e 53.o, n.os 1 e 2, da Lei n.o 7/90/M, o entendimento jurídico veiculado no acórdão do TSI de 2 de Maio de 2019 do Processo n.o 207/2019, e o art.o 401.o, n.o 1, alínea b), do CPP), mesmo que a própria pessoa dos três assistentes (cujo Advogado tinha estado presente aquando da designação judicial da data da leitura pública do acórdão) não tenham sido presentes no momento da leitura pública do acórdão e o pessoal do Tribunal tenha mandado depois carta de notificação do acórdão para a própria pessoa dos três assistentes;
– como o referido acórdão absolutório foi depositado no dia 26 de Abril de 2019, quando a motivação do recurso dos três assistentes foi apresentada em 14 de Maio de 2019, já passou o prazo de recurso para eles, pois o último dia desse prazo foi 6 de Maio de 2019.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vieram os três assistentes reclamar para conferência da decisão tomada pelo relator pela qual foi julgado sumariamente em não admitir, por extemporâneo, o recurso deles.
No petitório uno da reclamação deles, não foi posta em causa a natureza urgente do presente processo (como decorrente do disposto no art.os 29.o e 53.o, n.os 1 e 2, da Lei n.o 7/90/M), observada na decisão sumária do relator.
A título principal, preconizam eles que como tinham acesso, só em 6 de Maio de 2019, às gravações do julgamento e à cópia integral do acórdão recorrido, e já apresentaram depois o recurso deles em 14 de Maio de 2019, a interposição do recurso foi ainda tempestiva, porque o prazo para interposição de recurso em que se impugna a decisão sobre a matéria de facto se conta a partir da disponibilização das gravações da audiência de julgamento.
Entretanto, para o presente Tribunal de recurso, ante os dados processuais coligidos dos autos, é de manter a decisão sumária do relator de não admissão do recurso.
Com efeito, no caso dos autos, tratando-se de um acórdão (escrito) de primeira instância (cfr. o art.o 353.o, n.os 1 e 2, do CPP) (e não uma decisão judicial oral reproduzida em acta), com fixação prévia da data para sua leitura pública, e depois com leitura pública e respectivo depósito efectuados num mesmo dia (cfr. os art.os 354.o e 353.o, n.os 4 e 5, do CPP), não é aplicável, por ser imprópria, a norma da alínea c) do n.o 1 do art.o 401.o do CPP (nem a regra da alínea a) do n.o 7 do art.o 100.o do CPP em relação à própria pessoa dos três assistentes, por esta regra geral de notificação de sentença/acórdão ter que ceder perante a regra especial do n.o 4 do art.o 353.o do CPP e não ser jusprocessualmente obrigatória – por inexistência de qualquer norma legal a ditar isto – a presença da própria pessoa dos assistentes na sessão da leitura pública de sentença/acórdão), mas sim propriamente aplicável a regra expressa da alínea b) deste mesmo n.o 1, segundo a qual o prazo para interposição do recurso se conta a partir do depósito de sentença (ou acórdão) na secretaria.
O entendimento jurídico acima assumido por este TSI, como se limita a cumprir a lei (i.e., e sobretudo, a própria regra da alínea b) do n.o 1 do art.o 401.o do CPP), não compromete o disposto na Lei Básica nem quaisquer princípios basilares do processo penal (sendo certo que a tese dos três recorrentes no sentido de o prazo de seu recurso só dever ser contado a partir da disponibilização das gravações da audiência de julgamento contraria frontalmente a referida norma expressa da alínea b) do n.o 1 do art.o 401.o do CPP).
Quanto à subsidiária questão de justo impedimento, como em face dos dados processuais coligidos dos autos e já referidos na parte II do presente acórdão, é de concluir que os três assistentes não chegaram a cumprir o disposto no n.o 3 do art.o 97.o do CPP para efeitos de alegação tempestiva de qualquer justo impedimento, não está verificado, assim, o pressuposto formal para apreciação do mérito dessa questão de justo impedimento.
Por fim, pretendem os três assistentes recorrentes a aplicação subsidiária do art.o 613.o, n.o 6, do CPC.
Contudo, para este Tribunal de recurso, não se afigura que haja alguma lacuna a preencher em matéria de prazo de recurso em processo penal, pelo que não se pode aplicar tal dilação (uma vez que este tipo de dilação é incompatível com as preocupações do Legislador Processual Penal de celeridade em processo penal) para o presente caso concreto (cfr. o art.o 4.o do CPP, a contario sensu).
Improcede, pois, a reclamação, sem mais indagação, por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação dos três assistentes recorrentes, mantendo a decisão sumária do relator de não admissão do recurso deles, com fundamento na sua interposição extemporânea.
Para além da taxa de justiça individual referida no ponto 4 do texto da decisão sumária do relator, pagará ainda cada um dos assistentes duas UC de taxa de justiça individual.
Macau, 10 de Outubro de 2019.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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