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Processo nº 683/2019 Data: 10.10.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “exploração de prostituição”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.



SUMÁRIO

1. Existe “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

Inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento.

2. Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.

O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.

Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.

Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.

E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.

3. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65°, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

______________________



Processo nº 683/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A e B, (1° e 2°) arguidos com os restantes sinais dos autos, responderam no T.J.B., vindo a ser condenados pela prática como co-autores materiais de 1 crime de “exploração de prostituição”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 6/97/M, na pena individual de 1 ano e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 2098 a 2109-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformados com o assim decidido, os arguidos recorreram.

Em sede das conclusões que produziu a final da motivação do seu recurso, assaca à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 2152 a 2191).

*

Respondendo, pugna o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 2198 a 2202).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorrem A e B da sentença de 26 de Abril de 2019, do 3.° juízo criminal, que condenou cada um deles na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, por co-autoria da prática de um crime de exploração de prostituição da previsão do artigo 8.°, n.° 1, da Lei n.° 6/97/M.
Imputam à sentença em crise os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, censurando ainda a excessividade das penas e a falta de suspensão da sua execução, críticas que são inteiramente rebatidas pela contraminuta do Ministério Público.
Diga-se, desde já, que se afigura improcedente a argumentação dos recorrentes, tal como a Exm.a colega faz notar na sua resposta, cujo teor acompanhamos inteiramente.
Vejamos quantos aos vícios de insuficiência e de erro notório.
Cabe notar, antes de mais, que, salvo melhor juízo, a motivação dos recorrentes confunde insuficiência da matéria de facto para a decisão com insuficiência probatória para dar por assentes determinados factos. A insuficiência da matéria de facto releva do objecto do processo e da aptidão da sua componente fáctica para proporcionar e respaldar a decisão de direito. Ora, a matéria fáctica objecto do processo, e que foi dada como provada, respalda o preenchimento de todos os elementos do tipo, quanto aos recorrentes, conforme bem decidiu o acórdão condenatório. Não se vislumbra, pois, a apontada insuficiência. Se porventura alguns factos foram dados como provados, pese a eventualidade de falta das provas que a tal habilitasse, então o vício não é o da insuficiência da matéria de facto para a decisão, mas possivelmente o do erro notório na apreciação da prova.
Passemos, então, ao erro notório.
A prova tem que ser considerada e avaliada na sua globalidade, à luz das regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador – artigo 114.° do Código do Processo Penal –, visando, na fase do julgamento, a certeza para além de toda a dúvida razoável. Não tem que ser exaurida a um ponto tal, como parecem defender os recorrentes, que tornaria inviável a comprovação, nos tribunais, da maioria dos factos sujeitos a prova.
Os recorrentes traçam- a sua leitura da prova, enfatizando as suas próprias versões, menosprezando as demais, e afirmando a insuficiência de provas, nomeadamente por falta de uma perícia contabilística, para saber se o dinheiro obtido com a prostituição foi parar à sociedade, e por falta de leitura do cabeçalho de um depoimento para memória futura. É óbvio que nem a perícia contabilística era de todo em todo necessária, até porque o dinheiro, supostamente destinado à sociedade, pode nem chegar a ser registado como seu e a entrar nos cofres desta, nem a leitura do depoimento prestado pela testemunha C perante o juiz de instrução criminal padece de qualquer irregularidade relevante, aliás não arguida em audiência no acto da leitura ou após esta. E certo é que a confissão integral e sem reservas da terceira arguida, que esclarece cabalmente o modo como funcionava o Night Club D e o papel que nele e na prostituição desempenhava o segundo arguido e recorrente, não deixa dúvidas quanto ao envolvimento deste no negócio da prostituição, o que é igualmente corroborado pela demais prova produzida no seu conjunto. Quanto ao primeiro arguido e recorrente, a ausência de um depoimento directo a implicá-lo activamente no negócio e nos arranjos relativos à prostituição não impede a conclusão a que chegou a sentença recorrida. Ele era a figura principalmente responsável pelo estabelecimento. Dava ordens ao segundo arguido e este a ele reportava. Acompanhava o funcionamento do clube, aonde se deslocava pelo menos semanalmente e onde foi encontrado na operação policial de que os autos dão conta. Enfim, ele não podia ignorar que o seu estabelecimento e a sociedade proprietária tinham permanentemente cativos dois quartos do Hotel D (816 e 817), os tais que eram usados pelos clientes e pelas bailarinas que aceitavam prostituir-se no âmbito do serviço one stop. Estas conclusões resultam da globalidade da prova produzida e da sua ponderação à luz das regras da experiência. No apurado contexto do funcionamento do clube e da responsabilidade que o primeiro arguido e recorrente aí desempenhava era de todo impossível que os apurados actos de prostituição tivessem lugar sem o seu conhecimento e consentimento.
Em suma, também nenhum erro se detecta na apreciação da prova.
Improcede, assim, o fundamento do recurso ancorado nos dois referidos vícios (insuficiência da matéria de facto para a decisão e erro notório na apreciação da prova).
Passando à questão subsidiária da medida das penas e da suspensão da sua execução, constata-se que os recorrentes afirmam a sua excessividade e propõem, como ajustada ao caso, a pena de 9 meses de prisão para cada um, suspensa na sua execução por 2 anos.
Pois bem, como o Ministério Público já salientou na sua resposta à motivação do recurso, o limite mínimo da pena é de um ano, pelo que a pretensão dos recorrentes, nesta matéria, está obviamente votada ao insucesso. Na verdade, prevendo o tipo de ilícito uma pena e 1 a 3 anos de prisão, e uma vez que não ocorrem circunstâncias modificativas, aquela pretensão quanto à medida concreta das penas não encontra cabimento.
De resto, se tivermos em conta as finalidades de prevenção positiva que presidem à determinação da medida da pena – as quais são prementes em matéria de exploração da prostituição – e a circunstância de nenhum dos recorrentes haver admitido a prática dos factos, com o que isso significa ao nível do arrependimento, a pena de 1 ano e 9 meses aplicada a cada um deles não padece do imputado excesso.
E idênticos argumentos são válidos para refutar a hipótese de suspensão da execução das penas, posto que o pressuposto formal se mostre preenchido. Com efeito, razões aliadas à personalidade dos arguidos recorrentes, manifestada nos factos e na ausência de arrependimento, e motivos de prevenção geral de integração não aconselham a suspensão, como o tribunal bem decidiu.
Também estes fundamentos do recurso improcedem.
Ante o exposto, deve negar-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 2379 a 2381).

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 2102-v a 2107-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como se deixou relatado, vem os arguidos recorrer da sentença que os condenou como co-autores materiais de 1 crime de “exploração de prostituição”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 6/97/M, na pena individual de 1 ano e 9 meses de prisão.

Considera que a mesma padece de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”.

Vejamos.

–– Sem demoras, comecemos, como se mostra lógico, pelo alegado vício de “insuficiência”.

Pois bem, repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 06.09.2018, Proc. n.° 677/2018, de 10.01.2019, Proc. n.° 859/2018 e de 20.06.2019, Proc. n.° 499/2019, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

Aliás, como no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.09.2018, Proc. n.° 28/16, se decidiu, inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão “quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento”, sendo, como se verá, este o caso dos autos.

No caso, e de uma análise aos autos e atenta leitura à sentença recorrida, constata-se que o Tribunal a quo emitiu (expressa) e clara pronúncia sobre – toda – a “matéria objecto do processo”, elencando a matéria de facto que resultou “provada” e “não provada”, (cfr., fls. 2102-v a 2108), não se vislumbrando assim qualquer “insuficiência”.

Sem necessidade de mais alongadas considerações, continuemos.

–– No que toca ao também assacado “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 803/2018, de 17.01.2019, Proc. n.° 812/2018 e de 07.03.2019, Proc. n.° 93/2019).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias, (in “Lições de Direito Processual Penal”, pág. 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal que é livre, mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.01.2019, Proc. n.° 905/2018, de 21.02.2019, Proc. n.° 34/2019 e de 06.06.2019, Proc. n.° 476/2019).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.

Na situação sub judice, e como – bem – nota o Exmo. Representante do Ministério Público no seu douto Parecer, (que aqui se dá como reproduzido e se adopta como fundamentação para a solução que se deixou adiantada), a apreciação da prova pelo Tribunal a quo apresenta-se equilibrada e sensata, não deixando de se explicitar de forma clara e lógica os motivos da sua convicção, não se vislumbrando qualquer desrespeito a (qualquer) regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.

Basta pois uma leitura à fundamentação exposta no Acórdão recorrido para se alcançar – total e claramente – as razões que levaram o Tribunal a quo a decidir da forma como decidiu, (veja-se, especialmente, o consignado a fls. 2107-v a 2108 em relação os ora recorrentes), nenhuma censura merecendo o decido, sendo também (manifestamente) improcedente o recurso na parte em questão.

–– Por fim, quanto ao “excesso de pena”.

Ao crime de “exploração de prostituição” pelos recorrentes cometido cabe a pena de prisão de 1 a 3 anos; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 6/97/M).

Em matéria de determinação da medida da pena, vários factores há a considerar.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.04.2019, Proc. n.° 289/2019, de 30.05.2019, Proc. n.° 453/2019 e a Decisão Sumária de 16.07.2019, Proc. n.° 667/2019).

É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Aliás, e como temos vindo a considerar, acompanhando o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 17.01.2019, Proc. n.° 1138/2018, de 28.03.2019, Proc. n.° 133/2019 e de 09.05.2019, Proc. n.° 403/2019).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso, o dolo dos arguidos é (directo e) muito intenso, elevado sendo também o grau da sua ilicitude, muito fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, em especial, atento o “nível de organização” – com quartos já reservados e preparados para a prática da prostituição – e “dimensão da actividade” pelos arguidos desenvolvida, (em diversos locais e com várias ofendidas que desenvolviam a actividade nos diversos locais “controlados” pelos arguidos, indo ao encontro da procura dos clientes).

E, assim, face ao exposto e à moldura penal aplicável, nenhum motivo existe para se considerar a pena de 1 ano e 9 meses de prisão – a 9 meses do seu limite mínimo – excessiva ou inflacionada.

–– Quanto à “suspensão da execução da pena”, vejamos.

Pois bem, nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Tratando de idêntica matéria teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
   E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018, de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019 e a Decisão Sumária de 10.07.2019, Proc. n.° 651/2019).

O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que os arguidos, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018, de 28.02.2019, Proc. n.° 61/2019 e de 27.06.2019, Proc. n.° 518/2019).

Perante o que se deixou consignado, ponderando na factualidade dada como provada e que atrás se fez referência, e atentas as fortes necessidades de prevenção criminal especial e geral, evidente se mostra que inviável é uma decisão no sentido de se lhe decretar a suspensão da execução da pena individual de 1 ano e 9 meses prisão que lhe foi fixada.

Como considerava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).

E, ponderando na factualidade dada como provada, atento o tipo de crime em questão, e fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, impõe-se uma reafirmação social mais “intensa” da validade da norma jurídica violada, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15), o que inviabiliza a pretendida suspensão da execução da pena.

Dest’arte, há que decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagarão os arguidos a taxa de justiça individual de 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Outubro de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
Proc. 683/2019 Pág. 32

Proc. 683/2019 Pág. 33