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Processo n.º 110/2019. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Embargos de executado. Ónus da prova. Reconhecimento unilateral de dívida. Relação fundamental. N.º 1 do artigo 452.º do Código Civil.
Data do Acórdão: 29 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
   I – Nos embargos de executado o ónus da prova é o que respeita à relação substantiva, sendo irrelevante a posição das partes (activa e passiva) na demanda.
   II – Baseando-se o título executivo no reconhecimento unilateral de dívida, presume-se a relação fundamental até prova em contrário, nos termos do n.º 1 do artigo 452.º do Código Civil, pelo que cabe ao embargante provar que esta relação não existe.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
  B intentou execução ordinária contra A, oferecendo como título um escrito particular consistente numa declaração unilateral de dívida no montante de HKD1.000.000,00, alegando ter mutuado essa quantia ao executado para jogo de fortuna e azar.
  O executado A deduziu embargos em que aceitou ter subscrito o título, mas alegou que a quantia não foi mutuada a ele mas a um terceiro.
  A base instrutória foi organizada partindo do princípio de quem tinha o ónus da prova da existência da dívida era a exequente, pelo que os quesitos perguntavam se o executado solicitou ao exequente um empréstimo e não se o executado não solicitou ao exequente um empréstimo, como teria de ser, se se considerasse que o ónus da prova do mútuo cabia ao executado/embargante.
  Como não se provou que o executado solicitou ao exequente um empréstimo, os embargos foram procedentes.
  Recorreu a exequente/embargada B para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por acórdão de 6 de Junho de 2019, anulou a sentença por insuficiência da matéria de facto, para ser aditada à base instrutória a tese do executado/embargante.
  Para tal, entendeu que a exequente beneficiava da presunção a seu favor da existência da relação material subjacente, que é o empréstimo, presunção ilidível mediante prova em contrário, por força do disposto no artigo 452.º do Código Civil (invocado no projecto inicial, mas cujo fundamento foi aceite pelo acórdão que veio a ser elaborado pela maioria que se formou contra o primitivo Relator).
  Recorre, agora, o executado/embargante A para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando que o ónus da prova do mútuo/empréstimo cabia à exequente/embargada, nos termos do artigo 335.º do Código Civil, pelo que é irrelevante o alegado pelo executado/embargado nos embargos.
  
  II – Os factos
  O acórdão recorrido considerou provado:
  A exequente deu à execução o documento 10 junto com a p.i da execução, subscrito pelo executado e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais e devidos efeitos, titulando o valor de HKD$ 1.000.000,00 [alínea A) dos factos assentes].
  III – O Direito
  1. A questão a apreciar
  Trata-se de saber quem tinha o ónus da prova quanto à relação subjacente ao título executivo.
  
  2. Ónus da prova nos embargos de executado
  Como se disse, o executado/embargante aceitou ter subscrito o título, mas alegou que a quantia não foi mutuada a ele, mas a um terceiro. Ou seja, impugnou a relação fundamental alegada pela exequente.
  É pacífico que nos embargos de executado o ónus da prova é o que respeita à relação substantiva, sendo, portanto, irrelevante a posição das partes (activa e passiva) na demanda em causa, os embargos. Neste ponto a sentença de 1.ª Instância estava correcta. Onde já não está correcta foi em ter omitido uma norma substantiva fundamental, que é o artigo 458.º do Código Civil, onde se dispõe:
Artigo 452.º
(Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida)
 1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
 2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.
  
  Face ao n.º 1 deste preceito presumia-se a existência da relação fundamental até prova em contrário, pelo que cabia ao devedor a prova de que o empréstimo nunca existiu.
  Assim, a base instrutória foi mal organizada, já que o executado/embargante teria de provar que o executado não solicitou ao exequente um empréstimo, o que ele alegou, mas que não foi levado à base instrutória.
  Bem andou, pois, o acórdão recorrido em anular o julgamento por insuficiência da matéria de facto.
  Aquando do julgamento há que ter em atenção o disposto nos artigos 370.º, n.º 2, 387.º e 388.º do Código Civil.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Macau, 29 de Novembro de 2019.


Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

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