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Processo n.º 89/2019
Recurso penal
Recorrentes: A, B, C, D e E
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 30 de Outubro de 2019
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Art.º 14.º da Lei n.º 17/2009
- Crime de produção e tráfico de menor gravidade

SUMÁRIO
1. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, na redacção dada pela Lei n.º 10/2016, se a quantidade das plantas, substancias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém para consumo pessoal exceder cinco vezes a quantidade do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à mesma Lei, são aplicáveis as disposições dos art.ºs 7.º, 8.º ou 11.º, consoante os casos.
2. E para determinar se a quantidade de plantas, substancias ou preparados, excede ou não cinco vezes a quantidade indicada no referido mapa, a lei manda contabilizar toda a quantidade das plantas, substancias ou preparados, independentemente se se destinem a consumo pessoal na sua totalidade ou se destinem uma parte para consumo pessoal e outra parte para outros fins ilegais.
3. Nos casos em que fica provado que o agente detém droga para consumo próprio e também para venda, mas não se consegue apurar qual a quantidade concreta destinada para fins diferentes, deve contabilizar toda a quantidade da droga, tanto destinada a consumo pessoal como destinada a venda, por foça da aplicação obrigatória do n.º 3 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, com a redacção introduzida pela Lei n.º 10/2016, para efeito de determinar se a quantidade da droga excede ou não cinco vezes a quantidade indicada no respectivo mapa.
4. Nos termos do art.º 11.º da Lei n.º 17/2009, se a ilicitude dos factos descritos nos art.ºs 7.º a 9.º se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados, o agente é punido com o crime de produção e tráfico de menor gravidade.
5. A punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos de produção ou tráfico da droga se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade da droga, devendo o tribunal atender especialmente a quantidade da droga.
6. O facto de a droga detida pelo agente exceder cinco vezes a quantidade indicada no respectivo mapa não implica necessariamente a sua condenação pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º, não sendo de afastar necessariamente a punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º. Tudo depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos ilícitos se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido em 14 de Fevereiro de 2019, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou:
- 1.º arguido A, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º n.º 1, al. 1) da Lei n.º 17/2009 (com atenuação especial prevista no art.º 18.º da mesma Lei), na pena de 1 ano e 9 meses de prisão; e pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e um crime de detenção indevida de utensilagem, p.p. respectivamente pelos art.ºs 14.º n.º 1 e 15.º da mesma Lei, ambos na pena de 5 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o 1.º arguido condenado na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão.
- 2.º arguido B, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º n.º 1, al. 1) da Lei n.º 17/2009 (com atenuação especial prevista no art.º 18.º da mesma Lei), na pena de 1 ano e 9 meses de prisão; e pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 14.º n.º 1 da mesma Lei, na pena de 5 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o 2.º arguido condenado na pena única de 2 anos de prisão.
- 3.ª arguida C, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º n.º 1, al. 1) da Lei n.º 17/2009, na pena de 3 anos de prisão; e pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e um crime de detenção indevida de utensilagem, p.p. respectivamente pelos art.ºs 14.º n.º 1 e 15.º da mesma Lei, ambos na pena de 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi a 3.ª arguida condenada na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.
- 4.º arguido D, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º n.º 1, al. 1) da Lei n.º 17/2009, na pena de 2 ano e 6 meses de prisão.
- 5.º arguido E, pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.
Inconformados com o acórdão, recorreram o Ministério Público bem como os arguidos C e E para o Tribunal de Segunda Instância, que julgou improcedentes os recursos interpostos pelos dois arguidos e procedente o recurso do Ministério Público, passando a condenar os 1.º a 4.º arguidos como co-autores de um crime de tráfico ilícito de estupefaciente e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, nas penas de 5 anos de prisão (para os 1.º e 2.º arguidos) e de 6 anos de prisão (para a 3.ª arguida e o 4.º arguido).
Vêm agora os arguidos A, B, C, D e E recorrer para o Tribunal de Última Instância.
Os 1.º e 2.º arguidos A e B imputam ao acórdão recorrido o erro de interpretação e aplicação dos art.ºs 8.º, 11.º e 14.º da Lei n.º 17/2009, pretendendo a sua condenação pelo crime de tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º da mesma Lei.
A 3.ª arguida C alega que não existem quaisquer factos, muito menos factos suficientes, para que o Tribunal recorrido pudesse vir a condená-la pela prática do crime de tráfico p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 e não existem elementos probatórios para suportar quer factual quer legalmente a decisão de condenação relativamente a tal crime, não conseguindo o Tribunal identificar concretamente a quantidade da droga destinada a fornecer a outras pessoas e ao consumo próprio, pelo que deve ser punida pelo crime de tráfico de menor gravidade.
O 4.º arguido D imputa os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova e questiona a sua qualificação como co-autor, e não como cúmplice, pretendendo que seja absolvido da prática do crime ou seja condenado pela prática, em cumplicidade, do crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º da Lei n.º 17/2009 ou, ainda, seja punido pelo crime de tráfico de menor gravidade.
O 5.º arguido E põe em causa a medida concreta da pena aplicada de 9 anos e 6 meses de prisão, pretendendo a sua redução para uma pena não superior a 7 anos e 6 meses de prisão, invocando a violação dos art.ºs 40.º n.ºs 1 e 2, 64.º e 65.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
Respondeu o Ministério Público, entendendo que se deve julgar improcedentes todos os recursos interpostos pelos arguidos.
Nesta instância, o Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, propendendo pela improcedência dos recursos.

2. Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
- Desde 26/07/2018, o 1.º arguido A começou a receber indicações de um indivíduo masculino desconhecido designado por “F”, para juntamente, com o 2.º arguido B ir ao local indicado em Macau receber a droga já embalada trazida de Hong Kong e depois vender a terceiros. Cada embalagem vendida com sucesso o 1.º arguido podia receber 70 HK dólares a título de compensação, quanto ao 2.º arguido B recebia a compensação diária de 2,000 HK dólares.
- Dia 28 do mesmo mês, a 3.ª arguida C veio de HK para Macau, depois de saber que o 1.º arguido A e o 2.º arguido B se dedicavam à actividade do tráfico da droga, ela também participou na actividade de tráfico exercida pelos 1.º arguido A e 2.º arguido B, bem como facultou o seu telemóvel aos 1.º arguido A e 2.º arguido B para contactar com a linha superior. Desta vez chegada a Macau, a 3.ª arguida acompanhou o 2.º arguido B para entregar droga a terceiros.
- Desde 28/07/2018, o 1.º arguido A, o 2.º arguido B e a 3.ª arguida C consumiram conjuntamente e separadamente parte da droga recebida em Macau no quarto nº 1501 do [Hotel].
- O 1.º arguido A, 2.º arguido B e a 3.ª arguida C chegaram colocar parte da droga apreendida dentro do abajur da arandela que fica por cima do lado esquerdo da cama desse quarto, isto é a droga encontrada no dia 29 de Agosto desse mesmo ano.
- O pessoal da PJ conforme informação previamente recolhida, confirmou o 1.º arguido A, 2.º arguido B e a 3.ª arguida C, os quais estavam alojados em 30/07/2018, no quarto nº 1501 do [Hotel]. Às 2H50 do dia seguinte, o pessoal abordou os 3 arguidos, em seguida procedeu a busca legal ao quarto nº 1501, tendo descoberto na mesa-de-cabeceira, os objectos constantes no auto de apreensão de fls. 22 dos autos, uma garrafa de água alterada com palhinha espetada, a abertura do tubo de pastilha Dequadin estava queimada, o 1.º arguido A e 3.ª arguida C usaram esses dois objectos para consumir a droga Cocaína. O pó branco colocado por cima do prato branco (2.47g) e dentro de um saco de plástico transparente (0.175g) foi submetido a exame pelo DCF da PJ tendo apurado que se trata da droga Cocaína (vide exame pericial fls. 380 a 387 dos autos que se aqui por integralmente reproduzidos).
- O pessoal da PJ com consentimento do 1.º arguido A, fez-lhe a vistoria e encontrou no seu corpo dinheiro e um cartão do quarto do [Hotel].
- Às 05H00 da madrugada do mesmo dia, o 1.º arguido A, 2.º arguido B e a 3.ª arguida C foram conduzidos ao CHCSJ para submeter a exame de urina, cujo resultado foi positivo em relação à droga Cocaína (vide exane de fls. 18, 35 e 45 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
- A Cocaína trata-se de substância controlada na tabela I-B do art.º 4.º da Lei nº 17/2009.
- No dia 29 de Agosto do mesmo ano, G e H, empregadas do [Hotel], aquando verificavam o quarto n.º 1501, encontraram no interior do abajur da arandela que fica por cima do lado esquerdo da cama desse quarto, 28 saquinhos de plástico transparente com pó branco colocados dentro de um saco de plástico transparente grande, cada saquinho pesava entre 0.21g a 0.33g, com peso total de 8.12g, após exame pericial feito pelo DCF, foi confirmado o peso líquido de 4.353g, tudo com componente da droga Cocaína com uma pureza de 56.2%, com peso de 2.38g (vide exame de fls. 439 a 445 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzidos). Três desses 28 saquinhos foram examinados vestígios do DNA da 3.ª arguida C, um dos saquinhos foi examinado vestígios do DNA do 2.º arguido B (vide exame pericial de fls. 305 a 318 dos autos que se aqui por integralmente reproduzido).
- Por volta das 23H00 do dia 31/07/2018, o 4.º arguido D por indicação de um indivíduo masculino chamado “I” veio de Hong Kong para Macau e ficou na porta do [Casino] à espera do 1.º arguido A e 2.º arguido B para receber dos dois o dinheiro obtido nos dois dias anteriores com tráfico de droga em Macau, o 4.º arguido D foi abordado nesse preciso momento pelo pessoal da PJ.
- 00H30 do dia 01/08/2018, o 5.º arguido E veio de barco de Hong Kong para Macau e quando entrou no átrio do Terminal Marítimo de Macau foi detido pela polícia.
- O pessoal da PJ encontrou no casaco sute do 5.º arguido E, 150 saquinhos de plástico transparente contendo pó branco ora apreendidos no relatório de apreensão de fls. 144 dos autos, com peso total de 51.24g, após exame feito pelo DCF da PJ, tal substância cristalina tem peso líquido de 27.883g, trata-se da droga Cocaína com uma pureza de 80.0%, com peso de 22.3g (vide relatório pericial de fls. 360 a 366 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
- O 5.º arguido E conforme indicação do “I” trouxe a droga de Hong Kong e entrou em Macau para entregar a terceiros.
- O 1.º arguido A, o 2.º arguido B, a 3.ª arguida C, o 4.º arguido D e o 5.º arguido E bem sabiam as características e a natureza da supracitada droga, mas livres, conscientes, voluntariamente e com dolo praticaram a conduta supracitada.
- O 1.º arguido A, o 2.º arguido B e a 3.ª arguida C, voluntariamente aceitaram ouvir indicações dos outros para receber e deter estupefacientes e substâncias psicotrópicas controladas por lei, bem como parte dessa droga era para ser vendida aos outros.
- O 5.º arguido E agiu consciente e voluntariamente aceitou ouvir indicação dos outros para receber e ter na posse grande quantidade (excede o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário) de estupefacientes e substâncias psicotrópicas controladas por lei para ser entregue a totalidade da droga aos outros.
- O 1.º arguido A e a 3.ª arguida C agiram livre e conscientemente, eles sabiam que tinham na posse utensilagem para o consumo de substâncias (Cocaína) controladas por lei.
- O 1.º arguido A, o 2.º arguido B e a 3.ª arguida C agiram livre e conscientemente, sabendo perfeitamente que tinham na posse e consumiam substâncias (Cocaína) controladas por lei.
- O 4.º arguido D agiu consciente e voluntariamente, aceitou indicação dos outros para entrar na RAEM, a fim de receber do 1.º arguido A e o 2.º arguido B o dinheiro obtido do crime para depois reentregar aos fornecedores da droga.
- O 5.º arguido bem sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Mais se apurou:
- O 1.º arguido A tem como habilitações literárias o 3º ano do ensino secundário, trabalhava a tempo parcial, auferia o salário mensal de HK$10,000, tem a cargo a esposa desempregada e dois filho e filha.
- O 1.º arguido disse que em finais de 2012, por consumo da droga em HK foi condenado a desintoxicação, em 2015 por ser membro da associação secreta foi condenado dois meses de prisão.
- O 2.º arguido B tem como habilitações literárias, o ensino secundário elementar completo, era estivador, auferia o salário mensal de HK$10,000, tem a cargo os pais e a noiva que é desempregada e que vai dar à luz uma criança.
- O 2.º arguido disse que em 2015 foi condenado por ser membro da seita Tríade.
- A 3.ª arguida C tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino secundário, trabalhava nas relações públicas, auferia o salário mensal de HK$10,000, tem uma criança que vive com a arguida.
- O 4.º arguido D tem como habilitações literárias o 5º ano do ensino secundário, era operário de decorações, auferia o salário mensal de HK$20,000 a HK$30,000, tem a cargo a esposa desempregada e uma criança.
- O 4.º arguido disse que desde 2009 foi condenado por 2 vezes a prática do crime de tráfico e 1 vez a prática do crime de posse da droga.
- O 5.º arguido E tem como habilitações literárias o 5º ano do ensino secundário, era operário de decorações, auferia o salário mensal de HK$15,000, tem a cargo os pais e a avó.
- O 5.º arguido disse que 3 vezes por consumo foi condenado a desintoxicação.
- Segundo o CRC dos 5 arguidos em Macau, eles são primários.

3. Direito
As questões suscitadas são praticamente seguintes:
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Qualificação jurídica dos factos ilícitos;
- Cumplicidade; e
- Medida concreta da pena.
Desde logo, há de reparar que a questão de cumplicidade (ou co-autoria) ora colocada pelo 4.º arguido D não foi apreciada pelo Tribunal de Segunda Instância, dado que o mesmo arguido, condenado no Tribunal Judicial de Base pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade, não recorreu para aquele Tribunal. Trata-se duma questão nova, que não é de conhecimento oficioso.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, não sendo de apreciar questão que nunca foi alegada, a não ser de conhecimento oficioso, pelo que não deve ser conhecida a questão ora em causa.

3.1. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da qualificação jurídica dos factos ilícitos
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada foi imputado pela 3.ª arguida C e pelo 4.º arguido D.
Ora, como se sabe, este Tribunal de Última Instância tem entendido que, para que se verifique o vício em causa, “é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada”.1
E não se verifica o vício de insuficiência da matéria de facto quando os invocados factos a provar não constam da acusação ou de pronúncia, se a tiver havido, nem foram alegados pela defesa nem decorreram da discussão da causa.
Tendo em consideração a vinculação temática do tribunal de julgamento relativamente aos factos da acusação – ou da pronúncia, quando a haja – da contestação e da acção conexa, “só poderá haver insuficiência da matéria de facto se a lacuna no apuramento dos factos se referir a uma dos constantes das mencionadas peças processuais”.2
E ocorre o vício “quando a matéria de facto provada, se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos art.ºs 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.”
Portanto “não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente a factos não constantes da acusação ou da pronúncia, nem suscitados pela defesa, e de que não resultou fundada suspeita da sua verificação do decurso da audiência, nos termos do disposto nos art.ºs 339.º e 340.º do Código de Processo Penal”.3

3.1.1. Na tese da 3.ª arguida C, não existem elementos para suportar quer factual quer legalmente a decisão de condenação pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, pois não foi provada a quantidade exacta de cocaína que ela e os 1.º e 2.º arguidos destinavam para o tráfico e não se sabe se a quantidade apreendida nos autos excedia ou não 5 vezes a quantidade do mapa da quantidade de referência.
Ora, constata-se nos autos que os 1.º, 2.º e 3.ª arguidos detinham droga que contém cocaína, com peso líquido apurado de 2.4668g (2.38g + 0.0868g), destinando parte desta droga para vender a terceiro.
É verdade que não foi apurada a quantidade exacta que os arguidos detinham para venda e para o consumo próprio.
No entanto, tal facto não obsta à condenação dos arguidos pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, face à nova redacção do art.º 14.º dada pela Lei n.º 10/2016.
Como se sabe, a Lei n.º 17/2009 estabelece medidas de prevenção e de repressão da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e foi alterada pela Lei n.º 10/2016, que entrou em vigou no dia 28 de Janeiro de 2017.
O art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, com a redacção dada pela Lei n.º 10/2016, prevê o seguinte:
“Artigo 14.º
Consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas
1. Quem consumir ilicitamente ou, para seu exclusivo consumo pessoal, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, adquirir ou detiver ilicitamente plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão de 3 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 240 dias, salvo o disposto no número seguinte.
2. Caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente referido no número anterior cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa, aplicam-se, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º
3. Para determinar se a quantidade de plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém excede ou não cinco vezes a quantidade a que se refere o número anterior, são contabilizadas as plantas, substâncias ou preparados que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais.”
Daí decorre que se a quantidade das plantas, substancias ou preparados que o agente consumidor cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém exceder cinco vezes a quantidade do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à mesma lei, são aplicáveis as disposições dos art.ºs 7.º, 8.º ou 11.º, consoante os casos concretos.
E para determinar se a quantidade de plantas, substancias ou preparados, excede ou não cinco vezes a quantidade indicada no referido mapa, a lei manda contabilizar toda a quantidade das plantas, substancias ou preparados, independentemente se se destinem a consumo pessoal na sua totalidade ou se destinem uma parte para consumo pessoal e outra parte para outros fins ilegais.
Nos termos do art.º 11.º da Lei n.º 17/2009, se a ilicitude dos factos descritos nos art.ºs 7.º a 9.º se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados, o agente é punido com o crime de produção e tráfico de menor gravidade. E na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados encontrados na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo.
A punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos de produção ou tráfico da droga se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade da droga, devendo o tribunal atender especialmente a quantidade da droga.
Mesmo não sendo o único elemento a considerar na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída dos factos, a quantidade da droga é, sem dúvida, um factor relevante que merece a consideração especial pelo tribunal.
Na realidade, o facto de a droga detida pelo agente exceder cinco vezes a quantidade indicada no respectivo mapa não implica necessariamente a sua condenação pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º, não sendo de afastar necessariamente a punição pelo crime de produção e tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º.
E a punição pelo art.º 11.º depende da consideração sobre se a ilicitude dos factos ilícitos se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta as circunstâncias apuradas no caso concreto.
No caso reportado nos presentes autos, a factualidade assente revela que os 1.º a 3.ª arguidos detinham droga que contém cocaína, com peso líquido apurado de 2.4668g, que excede cinco vezes a quantidade indicada no mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.º 17/2009; os arguidos destinavam tal droga para venda e também para consumo próprio.
Alega a 3.ª arguida que não ficou apurada a quantidade destinada para venda e para consumo próprio.
É de salientar, porém, que ao comando do n.º 3 do citado art.º 14.º, para determinar se a quantidade da droga excede ou não cinco vezes a quantidade indicada no respectivo mapa, deve contabilizar toda a quantidade da droga, incluindo a destinada a consumo pessoal bem como a destinada a outros fins ilegais.
Portanto, nos casos em que fica provado que o agente detém droga para consumo próprio e também para venda, mas não se consegue apurar qual a quantidade concreta destinada para fins diferentes, deve contabilizar toda a quantidade da droga, tanto destinada a consumo pessoal como destinada a venda, por foça da aplicação obrigatória do n.º 3 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, com a redacção introduzida pela Lei n.º 10/2016, para efeito de determinar se a quantidade da droga excede ou não cinco vezes a quantidade indicada no respectivo mapa.
Daí que a droga detida pelos 1.º, 2.º e 3.ª arguidos excede já cinco vezes a quantidade indicada no respectivo mapa.
Não se constata nos autos quaisquer circunstâncias, nem os arguidos alegaram, que permitem considerar que eles actuaram com a ilicitude consideravelmente diminuída.
Daí que, ao abrigo do n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009, a conduta do recorrente deve ser punida com a aplicação do art.º 8.º da mesma Lei, e não do art.º 11.º.
Vistas as circunstâncias apuradas nos autos, afigura-se-nos correcta a qualificação jurídica operada pelo Tribunal recorrido, devendo os 1.º, 2.º e 3.ª arguidos ser punidos com a aplicação do art.º 8.º da Lei n.º 17/2009, e não do art.º 11.º.
Improcede o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada suscitado pela 3.ª arguida.
E não merece censura a qualificação jurídica dos factos ilícitos operada pelo Tribunal recorrido.
É de julgar improcedente a pretensão dos 1.º arguido A e 2.º arguido B de ver condenados pelo crime de tráfico de menor gravidade p.p. pelo art.º 11.º da Lei n.º 17/2009.

3.1.2. Alega o 4.º arguido D que na matéria de facto provada não se consta que ele praticou, por si próprio ou por acordo com os outros arguidos, factos ilícitos de tráfico de droga.
De facto, a intervenção do 4.º arguido D no presente caso consiste em vir de Hong Kong para Macau, por indicação de um indivíduo masculino chamado “I”, e ficar na porta do [Casino] à espera do 1.º arguido A e do 2.º arguido B para receber dos dois o dinheiro obtido nos dois dias anteriores com tráfico de droga, a fim de entregar depois a fornecedores da droga.
O 4.º arguido foi condenado pela prática, em co-autoria material, dos factos ilícitos, tanto na primeira instância como na segunda.
Dos acórdãos proferidos pelo TJB e pelo TSI resulta que foi a consideração de que o 4.º arguido agiu conjuntamente com os outros arguidos que levou os tribunais a condená-lo.
No entanto, há que chamar atenção para os factos concretamente provados.
O 4.º arguido veio a Macau para receber dinheiro obtido pelos 1.º e 2.º arguidos nos dois dias anteriores com tráfico de droga.
E constata-se na factualidade provada o seguinte:
- Desde 26/07/2018, o 1.º arguido começou a receber indicações de um indivíduo designado por “F” para, juntamente com o 2.º arguido, se deslocar de Hong Kong a Macau para receber a droga e depois vender a terceiros.
- No dia 28 do mesmo mês, a 3.ª arguida veio a Macau e participou também na actividade de tráfico exercida pelos 1.º e 2.º arguidos, facultando-lhes o seu telemóvel para contactar com “a linha superior” e acompanhando o 2.º arguido para entregar droga a terceiros.
- Às 2H50 do dia 31/07/2018, os 1.º a 3.ª arguidos foram interceptados pelos agentes da PJ, que procederam a busca legal ao quarto n.º 1501 do [Hotel] onde estavam alojados os arguidos e encontraram a droga contendo Cocaína e os objectos que o 1.º arguido e a 3.ª arguida usaram para consumir a droga Cocaína.
- No dia 29/08/2018, as empregadas do [Hotel] encontraram no interior do abajur da arandela que fica por cima do lado esquerdo da cama do mesmo quarto n.º 1501 a droga Cocaína, que tinha sido colocados no local pelos 1.º a 3.ª arguidos.
- Por volta das 23H00 do dia 31/07/2018, o 4.º arguido veio de Hong Kong para Macau e ficou na porta do [Casino] à espera dos 1.º e 2.º arguidos para receber dos dois o dinheiro obtido nos dois dias anteriores com tráfico de droga em Macau. E foi abordado nesse preciso momento pelo pessoal da PJ.
- O 4.º arguido agiu consciente e voluntariamente e aceitou indicação de outrem para entrar na RAEM, a fim de receber dos 1.º e 2.º arguidos o dinheiro obtido do tráfico de droga para depois reentregar aos fornecedores da droga.
Ora, se ficou provado apenas que o 4.º arguido veio a Macau para receber dos 1.º e 2.º arguidos o dinheiro obtido nos dois dias anteriores com tráfico de droga, logicamente não se pode ligar a sua intervenção à droga apreendida nos autos, ou seja, encontrada pela PJ nos dias 31/07/2018 e 29/08/2018.
Mesmo que a factualidade acima referida permita presumir que os 1.º e 2.º arguidos chegaram a vender droga a terceiro “nos dois dias anteriores”, certo é que há de constar na matéria de facto provada os factos concretos que demonstrem circunstancialismo de tal venda, tais como o número de clientes, quantas vezes de tráfico, quantas embalagens da droga vendidas, a quantidade (mais ou menos) da droga, etc., para que possa condenar o 4.º arguido pela prática em co-autoria do crime de tráfico de droga.
Por outro lado, não se constata na factualidade assente que o 4.º arguido agiu por acordo e em conjugação de esforço com os 1.º e 2.º arguidos, com distribuição de tarefas entre si.
A falta de tais elementos não configura, porém, uma situação da insuficiência da matéria de facto, pois não consta da acusação do Ministério Público nem foi alega pela defesa em qualquer altura nem ainda decorre da discussão da causa.
Não se verifica o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

No entanto, face à matéria de facto provada constante dos autos, afigura-se-nos que se deve absolver o 4.º arguido da prática do crime imputado, uma vez que os factos assentes não podem integrar-se no crime de tráfico de droga (previsto tanto no art.º 8.º como no art.º 11.º da Lei n.º 17/2009).
Trata-se duma questão de direito de qualificação jurídica, pode o tribunal conhecê-la oficiosamente.
Fica assim prejudicado o conhecimento de outras questões suscitadas pelo 4.º arguido.

3.2. Do erro notório na apreciação da prova
Imputando o vício de erro notório na apreciação da prova, alega a 3.ª arguida que não existe qualquer prova nos autos e o Tribunal enquadrou a sua conduta na prática do crime de tráfico juntamente com os 1.º e 2.º arguidos, somente pelas declarações prestadas pelo 2.º arguido (co-arguido) em audiência e julgamento, ao contrário do que tinha dito em declarações na Polícia Judiciária, sem se encontrar quaisquer outras provas em concreto relativamente à 3.ª arguida.
É de entendimento uniforme deste Tribunal de Última Instância que existe erro notório na apreciação da prova “quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores”.4
No caso vertente, não se nos afigura que está verificada alguma das situações acima referidas que consubstanciam o vício.
De facto, decorre dos autos que o Tribunal Colectivo de 1.ª instância formou a sua convicção com base na análise conjunta e objectiva das declarações prestadas pelos arguidos (com excepção da própria 3.ª arguida que mantinha silêncio em audiência de julgamento), que admitiram dedicar-se ao tráfico conjuntamente com a 3.ª arguida, do depoimento das testemunhas agentes policiais que fizeram investigação do cado, todos sujeitos à livre apreciação do julgador, das provas documentais e dos objectos apreendidos nos autos.
Vigorando no processo penal o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 114.º do Código de Processo Penal de Macau, e estando as declarações prestadas pelos arguidos e testemunhas sujeitas à livre valoração do Tribunal, nada obsta ao Tribunal que valorize todas as provas produzidas, conjugando-as com as regras de experiência comum, julgue a matéria de facto e forme a sua convicção.
O Tribunal fundamenta a sua convicção também no facto de nalguns dos 28 saquinhos de plástico transparente encontrados no dia 29/08/2018 foram examinados vestígios do DNA da 3.ª arguida e do 2.º arguido.
É verdade que, conforme a conclusão contida no relatório de exame pericial da PJ, o DNA examinado nos saquinhos é provavelmente da 3.ª arguida e do 2.º arguido (fls. 314 dos autos).
O resultado de tal prova pericial está em conformidade com o facto de os 1.º a 3.ª arguidos agirem em conjunto.
Conjugando as provas produzidas e constantes nos autos com as regras de experiência comum, é de afirmar que a droga encontrada no dia 29/08/2018 também pertence aos 1.º a 3.ª arguidos.
Não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova, no sentido de erro ostensivo, evidente para qualquer pessoa que examine os factos dados como provados e os meios de prova utilizados.
Improcede o recurso interposto pela 3.ª arguida.

3.3. Da medida concreta da pena
Insurgindo contra a medida concreta da pena aplicada de 9 anos e 6 meses de prisão, pretende o 5.º arguido E a sua redução para uma pena não superior a 7 anos e 6 meses de prisão.
Nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foi condenado o 5.º arguido é punível com a pena de 5 a 15 anos de prisão.
O 5.º arguido é primário em Macau e foi condenado em Hong Kong por 3 vezes e por consumo de droga.
Conforme indicação de outrem, o 5.º arguido trouxe a droga de Hong Kong para Macau a fim de entregar a terceiros e foi detido em flagrante delito.
Não confessou os factos imputados, declarando que só depois de ser interceptado pela Polícia é que ficou a saber que os objectos transportados por si de Hong Kong para Macau eram drogas.
Na posse do 5.º arguido foram encontrados 150 saquinhos de plástico transparente contendo Cocaína; e após exame e análise quantitativa foi confirmado que a droga tem uma pureza de 80.0%, com peso líquido de 22.3g.
O 5.º arguido agiu livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo as características e a natureza da supracitada droga.
A factualidade assente revela que é muito intenso o dolo do arguido e são graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias acima referidas e as quantidades de estupefacientes, não se nos afigura excessiva a pena de 9 anos e 6 meses de prisão aplicada ao 5.º arguido, que foi encontrada dentro da moldura penal e em função da sua culpa e das exigências de prevenção criminal.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”5, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
Improcede o recurso interposto pelo 5.º arguido.

3.4. Finalmente, há de proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas, em relação aos 1.º a 3.ª arguidos, conforme as regras estabelecidas no art.º 71.º do Código Penal, tendo em consideração os factos provados, as circunstâncias do cado concreto e a personalidade dos agentes.
O 1.º arguido A foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefaciente e de substâncias psicotrópicas, um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e um crime de detenção indevida de utensilagem, p.p. respectivamente pelos art.ºs 8.º n.º 1, 14.º n.º 1 e 15.º da Lei n.º 17/2009, nas penas de 5 anos de prisão, 5 meses de prisão e 5 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, condena-se o 1.º arguido na pena única de 5 anos e 5 meses de prisão.
O 2.º arguido B foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefaciente e de substâncias psicotrópicas e um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. respectivamente pelos art.ºs 8.º n.º 1 e 14.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, nas penas de 5 anos de prisão e 5 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, condena-se o 2.º arguido na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão.
A 3.ª arguida C foi condenada, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefaciente e de substâncias psicotrópicas, um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e um crime de detenção indevida de utensilagem, p.p. respectivamente pelos art.ºs 8.º n.º 1, 14.º n.º 1 e 15.º da Lei n.º 17/2009, nas penas de 6 anos de prisão, 6 meses de prisão e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, condena-se a 3.ª arguida na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar:
- Procedente o recurso interposto pelo 4.º arguido D, absolvendo-o do crime imputado;
- Improcedente o recurso interposto pelo 5.º arguido E, mantendo o acórdão recorrido, na parte respeitante à condenação deste arguido; e
- Improcedentes os recursos interpostos pelos 1.º a 3.ª arguidos, condenando-se o 1.º arguido A na pena de 5 anos e 5 meses de prisão, o 2.º arguido B na pena de 5 anos e 2 meses de prisão e a 3.ª arguida C na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
E declara-se extinta a medida de prisão preventiva aplicada ao 4.º arguido D, passando os mandatos de soltura para a sua libertação imediata.
Custas pelos pelos 1.º, 2.º, 3.ª e 5.º arguidos, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC, 5 UC, 8 UC e 6 UC, respectivamente.

Macau, 30 de Outubro de 2019

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Ac.s do TUI, de 22-11-2000, Proc. n.º 17/2000, de 7-2-2001, Proc. n.º 14/2000, de 16-3-2001, Proc. n.º 16/2000 e de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
2 Ac. do TUI, de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
3 Ac. do TUI, de 24-11-2010, Proc. n.º 52/2010.
4 Cfr. Ac. do TUI, de 30-1-2003, 15-10-2003 e 16-2-2004, nos processos n.ºs 18/2002, 16/2003 e 3/2004, entre muitos outros.
5 Ac. do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos n.ºs 57/2007, 29/2008, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
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Processo n.º 89/2019 2