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Processo n.º 958/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data : 14 de Novembro de 2019

ASSUNTOS:

- Conceito de causa prejudicial entre processo-crime e processo cível e aplicação do artigo 809º do Código Comercial de Macau (CCOM)

SUMÁRIO:

I – Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
II - Quando num processo-crime aos arguidos foi imputada a prática de um crime de sequestro e de um crime de usura para jogo e neste processo cível em que se averigua a responsabilidade civil da hospedeira resultante da morte da hóspede verificada num quatro daquela (em que os arguidos chegaram a entrar e saíram depois segundo as gravações filmadas do hotel), a decisão na acção penal relativamente à existência, ou eventual ausência, de um nexo causal entre a privação da liberdade e o suicídio da hóspede não constituirá qualquer prejuízo para a decisão do Tribunal cível relativamente à imputabilidade da causa morte da hóspede à hospedeira/Recorrida.
III – Para accionar a responsabilidade civil prevista no artigo 809º do CCOM, aos Autores compete provar os pressupostos necessários da responsabilidade jurídico-civil nos termos gerais (cfr. artigos 477º e seguintes do CCM, quer a título da responsabilidade culposa, quer a título de risco), ao hospedeiro incumbe-se de provar que lhe não seja imputada a causa de dano ou morte. Não cumprindo este ónus de prova incumbido aos Autores, o pedido formulado por estes deverá ser julgado improcedente.



O Relator,

________________
Fong Man Chong


Processo nº 958/2019
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 14 de Novembro de 2019

Recorrentes : - A (1º Autor)
- B (menor - Representado pelo seu pai A) (2º Autor)
- C (3º Autor)
- D (4ª Autora)

Recorrida : - E (Ré)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, B, C e D, Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 19/03/2019, dela vieram, em 21/05/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 293 a 299, tendo formulado as seguintes conclusões :
     1. A decisão recorrida, no capítulo dos factos provados, dá por assente que a vítima F suicidou-se por enforcamento.
     2. Com muito respeito devido, a decisão recorrida nunca podia ter chegado à conclusão de que o enforcamento foi motivado por suicídio, pois que não tinha elementos probatórios bastantes, nem esta era a sede legal própria, para apurar se o enforcamento que a vitimou terá sido auto ou heteroinfligido.
     3. Não estando em condições de o fazer aqui e nesta sede - tribunal de causa cível - enquanto decorre em tribunal de causa penal a acção penal respectiva (causa prejudicial), nunca podia a decisão recorrida ter chegado àquela conclusão a que se chegou: a de que "suicidou-se" por enforcamento.
     4. Havendo causa prejudicial penal, deveria ter sido decretada a suspensão destes autos, aguardando por decisão da causa penal transitada em julgado que esclarecesse cabalmente a causa da morte da falecida bem como a sua natureza.
     5. Agindo diversamente, a decisão recorrida, nessa parte, violou a lei, a norma contida no n.º 1 do artigo 223° do Código de Processo Civil, fazendo acarretar como consequência a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 571° n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
     6. Em nossa modesta perspectiva, há discrepância manifesta no que tange à exacta hora da morte da vítima.
     7. Com efeito, na versão apresentada pela ré, a vítima terá morrido necessariamente antes das 16h15m, altura em que o serviço de limpeza entrou pelo quarto XXX.
     8. Todavia, na versão dos factos apurada pelo Tribunal "a quo", a hora do óbito é às 16h59m.
     9. Cabe à Polícia Judiciária apurar todo o quadro de circunstâncialismo fáctico envolvente da morte da infeliz vítima.
     10. Mesmo que se admita como boa que o serviço de limpeza entrou pelo quarto XXX pelas 16h15m, verifica-se que a entrada nesse quarto para verificação e arrumação ocorreu há mais de 4 horas após o término do arrendamento – a desocupação e saída do quarto é sempre às 12 horas do dia de saída ou à hora convencionada.
     11. Isto é, a vítima estave com vida durante o período de tempo compreendido entre as 12h00m e as 16h59m.
     12. Se o serviço de recepção tivesse alertado e o serviço de quartos tivesse entrado lá antes, teria plena faculdade de evitar a morte, ou travando-a, ou convidando-a a abandonar os aposentos.
     13. Esse atraso de 4 horas na actuação dos serviços internos da Ré concorreu, facilitou ou permitiu que a morte tivesse ocorrido.
     14. Não está, pois, excluída a responsabilidade civil da ré por força do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 809° do citado Código Comercial de Macau.
     15. Agindo diversamente, a sentença recorrida, nessa parte, violou a norma contida no n.º 1 do artigo 809° do Código Comercial, o que dá azo a nulidade de sentença, nos termos do disposto no artigo 571° n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.

*
    E, Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 315 a 324, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Vem os Autores, A, B, C e D, recorrer do acórdão constante de fls. 272 a 275 dos autos que julgou a acção por si movida improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido.
     2. Para esse efeito, os Autores, ora Recorrentes, alegam, sumariamente, que o acórdão proferido pelo douto Tribunal a quo é nulo (i) nos termos do art. 571.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil (C.P.C.) por violar o disposto no art. 223.º n.º 1 do C.P.C ao julgar sobre a natureza da morte de F, na medida em que a mesma assumir-se-ia como uma questão prejudicial a resolver na respectiva instância penal; e (ii) nos termos do art.571 n.º 1 al. c) do C.P.C. sobre a interpretação do art. 809.º n.º 1 do Código Comercial (C.Com.) oferecida pelo douto Tribunal a quo e facto provado relativamente à hora da morte indicada no assento de óbito de F.
     3. Como seguidamente se demonstrará, ressalvado o devido respeito por opinião diversa, o acórdão recorrido não padece de qualquer vício, não merecendo qualquer reparo.
Da Causa e Forma do Óbito de F
     Da alegada insuficiência da matéria probatória para a decisão de facto
     4. Numa primeira parte os Recorrentes revoltam-se contra o julgamento do douto Tribunal a quo ao considerar como provado que "F suicidou-se por enforcamento (resposta ao quesito 12.º da base instrutória)".
     5. Alegam, para esse efeito a falta de elementos probatórios bastantes que permitissem ao Tribunal a quo concluir que o enforcamento decorreu do suicídio de F.
     6. O Tribunal a quo, na fundamentação da decisão da matéria de facto, proferida a 19 de Dezembro de 2018, indica que "sobre a causa e a hora da morte de F, a convicção do Tribunal resulta-se do teor do certificado de óbito constate de fls. 30 e 31,1 do depoimento da testemunha G, guarda da segurança do Sands e quem era o primeiro a deslocar ao quarto, vindo-a pendurada na casa de banho, conjugado com o depoimento das testemunhas H e I, agentes da PJ que opinaram, por sua experiência na área de investigação criminal, por vestígios deixados no local, ser provável que a mesma se suicidou por enforcamento, e, ainda o teor da sentença absolutória proferida no processo comum colectivo nº CR1-17-0170-PCC. Assim deu-se por provado o facto do quesito 12.º".
     7. Com o respeito que é devido por visão diversa, a Recorrida não consegue enxergar onde figura a insuficiência de elementos probatórios alegada pelos Recorrentes, ou sequer onde se encontram os meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado que impunham ao Tribunal recorrido uma decisão tão-só no sentido do enforcamento de F.
     8. Afinal, não obstante impugnarem a decisão de facto, os Recorrentes não cumprem com o ónus estabelecido no art. 599.º do C.P.C..
     Da alegada causa prejudicial
     9. Seguidamente, os Recorrentes argumentam que o Tribunal a quo não estaria em condições para julgar "[d]a causa da morte da falecida, bem como da natureza da mesma (se suicídio ou se homicídio)", na medida em que corre termos nos juízos criminais causa que assume um cariz penal e prejudicial relativamente à presente lide cível.
     10. Alegam, pois, que "decorre (decorria na altura e ainda decorre agora), em tribunal de causa penal, a acção penal respectiva", cuja prejudicialidade levaria à suspensão da presente lide cível, ao abrigo do disposto no art. 223.º 1 do C.P.C., até a "decisão da causa penal transitada em julgado que esclarecesse a causa da morte da falecida, bem como a natureza da mesma (se suicídio ou se homicídio)".
     11. Os Recorrentes não o referem, mas estamos em crer que a "acção penal respectiva" a que se referem é o processo autuado com o n.º CR1-17-0170-PCC, presentemente em recurso no Tribunal de Segunda Instância com o n.º 692/2018, conforme o ofício constante de fls. 241 e seguintes dos autos.
     12. Ora, o normativo alegadamente violado pela decisão recorrida consagra que "o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado" [enfase nosso].
     13. Ressalvado o devido respeito por opinião diversa, o poder do juiz consagrado no normativo acima citado integra uma faculdade e não um dever, se lhe aprouver pode prosseguir com a acção e decidir a questão prejudicial embora com efeitos restritos ao processo cível. Trata-se, portanto, de um poder discricionário, insusceptível de recurso nos termos do art. 584.º C.P.C.
     14. Por cautela de patrocínio, não colhendo o argumento da insindicância acima exposto a concordância dos Venerados Juízes, cumpre expor o seguinte:
     15. A suspensão da instância, com fundamento em causa prejudicial, depende da verificação do nexo de prejudicialidade.
     16. Ensina VIRIATO MANUEL PINHEIRO DE LIMA que entre a causa prejudicial a que se refere o art. 223.º do C.P.C. e a questão prejudicial a que se refere o art. 27.º do C.P.C. existe uma relação.2
     17. "Em ambos os casos está em causa uma questão de cuja decisão depende o julgamento do objecto da acção. A diferença está, no aspecto material, em que, no art. 27.º tal questão tem que ser do foro administrativo ou criminal. A causa prejudicial mencionada no art. 223.º pode ser da competência de quaisquer tribunais. Do ponto de vista processual também existe uma diferença entre os dois institutos. No art. 27.º ainda não está pendente o processo administrativo ou penal. No regulado no art. 223.º a causa prejudicial já está pendente"3
     18. A diferença processual (in casu a pendência da acção penal n.º CR1-17-0170-PCC) exposta na doutrina citada não prejudica a adopção de um conceito de prejudicialidade comum a ambos os institutos jurídico-processuais.
     19. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância é entendido que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.4
     20. O que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.
     21. Mais, existe prejudicialidade quando na causa prejudicial se discuta, em via principal, uma questão que seja essencial para a decisão da prejudicada e que nesta não possa ser resolvida a título Incidental.5
     22. Assim, deve entender-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
     23. Cumpre então interrogarmos-nos: Poderá a decisão proferida no âmbito do processo n. º CR1-17-0170-PCC destruir o fundamento ou a razão de ser da presente lide cível, verificando-se o nexo de prejudicialidade?
     Numa palavra. Não. Ora vejamos:
     24. Primeiro, o processo n.º CR1-17-0170-PCC julga apenas a responsabilidade penal dos Arguidos J, K, L e M, relativamente à prática, por todos os aí Arguidos, em coautoria e na forma consumada, de um crime de usura para jogo (p.p. pelo art. 13.º da Lei n.º 8/96/M, conjugado com o art. 219.º n.º 1 do Código Penal), e pelos 1.º e 2.º Arguidos - J e K - em coautoria e na forma consumada, de um crime de sequestro (p.p. pelo art. 152.º n.º 2 al. e) do Código Penal) (v. fls 244v dos autos).
     25. Contrariamente ao que alegam os Recorrentes, a lide penal n.º CR1-17-0170-PCC não tem como objecto a averiguação se a morte de F resultou de um suicídio ou de um homicídio.
     26. Com efeito, sobre a morte de F, a referida lide penal apenas averiguará a causalidade entre a privação da liberdade e o suicídio de F, do qual resulta a qualificação do crime de sequestro.
     27. Segundo, a presente lide cível julga a apenas responsabilidade civil da Ré Recorrida, emergente do contrato de hospedagem celebrado entre a Recorrida e F, pela morte desta.
     28. Sobre a responsabilidade do hospedeiro - in casu a Recorrida - o art. 809.º n.º 1 do Código Comercial considera este "responsável pela morte ou lesão corporal sofridas pelo hóspede ou pelos seus acompanhantes, durante o período de permanência destes dentro da pousada e seus acessórios, salvo de resultarem de causa que não lhe seja imputável".
     29. Entre ambas as acções não existe coincidência de partes, nem a natureza jurídica da responsabilidade em apreço é coincidente.
     30. Coincidência existe única e exclusivamente sobre um único facto; o suicídio de F. Que na lide penal é o elemento qualificador do crime de sequestro, e na lide cível o facto potenciador da responsabilidade civil da Recorrida.
     31. Desta forma, a decisão na acção penal relativamente à existência, ou eventual ausência, de um nexo causal entre a privação da liberdade e o suicídio de F não constituirá qualquer prejuízo para a decisão do Tribunal a quo relativamente à imputabilidade da causa morte da hóspede, F ao hospedeiro, a aqui Recorrida.
     32. Assim, o Tribunal a quo andou bem ao prosseguir com o julgamento da causa.
Da Relevância da Hora do Óbito de F
     Da alegada nulidade da decisão
     33. Os Recorrentes alegam existir uma discrepância manifesta no que tange à exacta hora morte de F, e argumentam que essa discrepância não permite a exclusão da responsabilidade civil da Recorrente por força do disposto na parte final do n.º 1 do art. 809.º do Código Comercial, vaticinando a nulidade da decisão recorrida nos termos do disposto no art. 571.º n.º 1 al. c) do C.P.C..
     34. Perfunctoriamente, e se entrar ainda no âmago da argumentação dos Recorrentes, uma reserva terá de ser feita sobre a consequência do vício que os Recorrentes imputam à decisão recorrida.
     35. Com efeito, conforme instrui VIRIATO MANUEL PINHEIRO DE LIMA, a nulidade da al. c) do n.º 1 do art. 571.º do C.P.C. refere-se ao caso de contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, oferecendo como exemplo a situação de a fundamentação apontar no sentido de condenação, mas terminar pela absolvição do réu.6
     36. É por demais obvio que a contradição prevista na norma do art. 571.º n.º 1 al. c) do C.P.C. não está presente entre a fundamentação e a decisão proferidas pelo Tribunal a quo.
     Da inexistência de erro de julgamento
     37. No entanto, a doutrina acima citada oferece-se a seguinte consideração: "se a partir dos factos o juiz aplica ou interpreta mal a lei, não há nulidade da sentença, mas erro de julgamento".7
     38. Por cautela de patrocínio, e por na sua essencialidade a argumentação apresentadas pelos Recorrentes assumir, na sua génese, a imputação de um erro de julgamento ao Tribunal a quo, afigura-se necessário o seu veemente rebate.
     39. Os Recorrentes alegam que o Tribunal a quo apurou que a hora do óbito de F foi as 16h59 do dia 29 de Julho de 2016.
     40. Ora, ainda de acordo com a argumentação dos Recorrentes, na versão apresentada pela Recorrente, em sede de contestação, F terá falecido necessariamente antes das 16h15m, altura em que o serviço de limpeza entrou no quarto XXX.
     41. Dest'arte, concluem os Recorrentes, ser "um facto inabalável que até as 16h59m a vítima ainda estava viva" onde, terminam os Recorrentes, das duas uma, ou a empregada da Ré nunca entrou no quarto XXX pelas 16h15; ou, entrou efectivamente as 16h15 encontrando F "com vida, mas agonizada, e confundiu tal como sendo morte".
     42. E, como corolário legal das circunstâncias fácticas descritas pelos Recorrentes, no crer dos Recorrentes, não seria admissível à decisão recorrida afastar a responsabilidade da Recorrida hospedeira sobre a morte da sua hospede F, nos termos do art. 809.º n.º 1 do Código Comercial.
     43. São, em particular as retiradas no plano fáctico, conclusões graves e que, por acarretarem sérias consequências quer no plano jurídico quer no plano moral, não deverão ser feitas levianamente e infundadamente.
     44. O Tribunal a quo na resposta ao quesito 2.º da base instrutória considerou PROVADO que a hora da morte indicada no assento de óbito de F é as 16h59, tendo oferecido como fundamento para tal decisão de facto "quanto à hora da morte, não houve exame de autopsia nem demais circunstâncias para apurar a hora exacta da morte mas apenas temos o assento de óbito, o que apenas permite responder a resposta dada ao quesito 2.º e não se deu por provado o facto do quesito 5.º-B" (v. acórdão da decisão da matéria de facto de 19 de Dezembro de 2018).
     45. Ora, contrariamente ao que representam os Recorrentes, na versão dos factos apurada pelo Tribunal a quo não resulta de modo nenhum que F estava viva até as 16h59, ou sequer que esta terá falecida apenas às 16h59.
     46. Razão pela qual o Tribunal a quo foi incapaz de responder à versão original do quesito 2.º da base instrutória - F faleceu às 16h59? – e respondeu negativamente ao quesito 5.º-B da base instrutória - Acredita-se que F não teria falecido antes das 13h20? - (v. base instrutória constante de fls. 109 e seguintes dos autos).
     47. O que efectivamente existe da parte do Tribunal a quo e da decisão recorrida é uma clara noção que, à luz da prova produzida e referida na fundamentação da decisão da matéria de facto, a hora inscrita na certidão de óbito, constante de fls. 30 e 31, não corresponde à realidade.
     48. E que a única resposta possível para Tribunal a quo é dar como provado que um determinado documento tem um determinado conteúdo, sem julgar sobre a realidade desse conteúdo.
     49. Em suma, a contradição apenas existe na interpretação que os Recorrentes escolhem fazer das palavras do Tribunal a quo. Uma interpretação que não tem qualquer sustento na letra da decisão recorrida. Uma interpretação que de tão desviada da leitura da decisão recorrida apenas pode ser qualificável como uma invenção. E é essa invenção que os Recorrentes escolhem para fundamentar a sua contradição com alegações grotescas que em nada dignificam quem as escreve.

*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     已確定事實:
     - O 1º Autor é cônjuge da falecida F, os quais contraíram matrimónio na República Popular da China no dia 25 de Dezembro de 1998. (alínea A) dos factos assentes)
     - Durante a constância deste casamento a falecida F e o 1º Autor tiveram um filho, de nome B. (alínea B) dos factos assentes)
     - O 3º Autor e a 4ª Autora são os pais da falecida F. (alínea C) dos factos assentes)
     - A Ré é uma companhia limitada, sendo que uma das suas actividades é a de exploração de tudo o que está relacionado à hoteleira. (alínea D) dos factos assentes)
     - Na sua actividade comercial, a Ré explora o hotel “XXX Macau, Cotai Central”, tendo requerido, na qualidade de titular (proprietária), a respectiva licença hoteleira nº 0618/2012. (alínea E) dos factos assentes)
     - Por volta das 23h00 do dia 27 de Julho de 2016, a falecida F efectuou o registo para alojar-se no quarto nº XXX deste estabelecimento hoteleiro, situado no 9º andar. (alínea F) dos factos assentes)
     - A falecida F ia hospedar-se neste hotel a partir das 23h00 do dia 27/07/2016 até 12h00 do dia 29/07/2016. (alínea G) dos factos assentes)
     - A falecida F era hóspede deste hotel “XXX Macau, Cotai Central”. (alínea H) dos factos assentes)
     - A falecida F jamais saiu do quarto nº XXX do “XXX Macau, Cotai Central” desde que aí se hospedou a partir das 23h00 do dia 27/07/2016. (alínea I) dos factos assentes)
     - Conforme o respectivo contrato de hospedagem, a falecida F teria que restituir o quarto a este estabelecimento hoteleiro antes ou até 12h00 do dia 29 de Julho de 2016. (alínea J) dos factos assentes)
     - Atingido o referido prazo, a falecida F não saiu do quarto. (alínea K) dos factos assentes)
     - Cerca das 13h20 do dia 29 de Julho de 2016, dois indivíduos do sexo masculino saíram deste quarto nº XXX do “XXX Macau, Cotai Central”. (alínea M) dos factos assentes)
     - A morte da F no quarto nº XXX do “XXX Macau, Cotai Central” foi confirmada no dia 29 de Julho de 2016. (alínea O) dos factos assentes)
     
     調查基礎內容:
     - A hora de morte indicada no assento de óbito de F é as 16h59. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
     - Face à morte da F, o 1º Autor despendeu MOP$25.200,00 e RMB¥6.635,00 em despesas fúnebres. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
     - Relativamente à sepultura e à construção de uma lápide para a falecida F, o 1º Autor despendeu a quantia de RMB¥154.725,00. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
     - A relação familiar da falecida F com os Autores era próxima. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
     - … e a perda deste membro da família causou imensa tristeza aos quatro Autores. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
     - Os pais da F ficam amargurados ao verem a sua própria filha partir para outro mundo. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
     - F suicidou-se por enforcamento. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I) 敍 言
(A),男,持中國居民身份證編號XXX,居於深圳市XXX;
(B),男,未成年,持中國居民身份證編號XXX,由其父親A代表,居於深圳市XXX;
(C),男,已婚,持中國居民身份證編號XXX,居於深圳市XXX;
(D),女,已婚,持中國居民身份證編號XXX,居於深圳市XXX;

提起 通常宣告程序 針對
     
E有限公司 (E, Limitada),於商業及動產登記局登記編號為XXX,法人住所位於澳門氹仔XXX

原告提交載於第2至9頁之起訴狀,原告請求判處其訴訟請求成立,並要求判處被告:
- 賠償予四名原告死者之生命權補償,金額不少於澳門幣$1,000,000元;
- 合共賠償予四名原告之精神損害賠償,金額不少於澳門幣$1,000,000元;
- 賠償予第一原告因F死亡而支付的喪葬費開支澳門幣$210,971.20元;
- 以上賠償應自傳喚日起計算法定利息,直至完全支付為止。
***
被告獲傳喚後提交第75至81頁之答辯狀,反駁原告提出的事實及要求駁回原告之所有請求。
***
在清理批示中篩選了事實事宜後,本院依法由合議庭主席以合議庭形式對本訴訟進行公開審理。
***
在事宜、等級及地域方面,本院對此案有管轄權。
不存在不可補正之無效。
訴訟雙方具有當事人能力及訴訟能力,且具有正當性。
沒有無效,抗辯或妨礙審查本案實體問題且依職權須即時解決的先決問題。
***
II) 事 實
經查明,本院認定如下事實:
(……)
***
III) 法 律 理 據
確定了既證事實,現對事實作出分析並考慮適用法律的問題。
在本案中,原告提起訴訟要求被告對彼等作出賠償。
原告提訴的理據乃第一原告的妻子F,亦即第二原告的母親以及第三及第四原告的女兒,於2016年7月27日至7月29日期間入住由被告所經營的澳門金沙城中心XXX酒店XXX號房間,期間F並沒有離開過客房,但在7月29日下午1時左右有兩名不知名男子從XXX號房間步出並離開。被告於同日稍後才發現F在客房內身亡。原告認為被告沒有履行其應有之義務確保住客在酒店範圍內之人身安全,致令不知名人士進入了F的房間並導致後者死亡,原告們因此認為被告須承擔F因死亡而對各原告造成的精神損害賠償及喪葬費開支。
被告在答辯中反駁原告主張的事實,尤其指出F是自縊而亡,不能歸責於被告。
原告提出索償的唯一理據乃被告作為酒店管理者的民事責任。
***
旅舍住宿合同
《商法典》第七百九十八條規定:“旅舍住宿合同係指,當事人一方有義務向他方提供連膳食或不連膳食、相當方便舒適之住宿及其他固有服務,以取得回報之合同。”
另外,該法典第八百條第一款規定:“旅舍住宿合同於住客提出之住宿要約獲旅舍主接納時成立。”
按照事實,被告為一間業務包括經營酒店的公司,營運位於路氹城的XXX酒店,並為酒店的持牌人。
F於2016年7月27日 晚上11時登記入住該酒店XXX號房間。
毫無疑問被告接納了F的要約,雙方之間建立了旅舍住宿合同。
***
被告的民事責任
原告僅指責被告沒有盡責保障F的人身安全,因此需要負上民事責任。
案中原告未能證明被告有任何過錯行為,以及與F死亡的因果關係,因此不存在被告的過錯民事責任。
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不過,舍主對住客須負的責任,《商法典》第八百零九條作了特別的規定。
《商法典》第八百零九條第一款規定:“旅舍主須對住客及其伴侶逗留旅舍及其附屬建築物期間之傷亡承擔責任,但導致傷亡之原因不可歸責於旅舍主者除外。”
上述條文僅規範舍主負民事責任的要件為存在旅舍住宿合同以及住客在旅舍逗留期間發生傷亡,不取決於過錯及因果關係的發生,唯一可以讓舍主排除其民事責任的是其須證明引致死亡的原因不可歸責於旅舍。
立法者在此顯然規範了舍主的客觀責任,要求舍主須對住客逗留旅舍期間的人身傷害及死亡負上民事責任。
既證的事實指F於2016年7月27日晚上11時登記入住XXX酒店XXX號房間,F原本應於2016年7月29日中午12時退房,但其入住後沒有再踏出房間,在2016年7月29日中午1時20分有兩名男性從XXX號房間出來,期後,發現了F死亡,死亡時間為下午4時59分。
從上面描述的事實,雖然被告或其員工沒有實施任何行為直接導致F死亡,但是客觀上F是在下塌酒店房間內死亡,按照上列條文的規範,住客在酒店內死亡的事實便已滿足構成被告的民事責任的前提。
雖然如此,被告證明了F的死亡不能歸責於被告,既證事實證明F非死於他殺,而是自縊而亡,既是死者自我結束生命,死亡便不應歸責於提供旅舍的被告。
因此,基於被告能證明F不可歸責於被告,排除了被告的客觀民事責任,原告們亦不能依據上述規定要求被告就F的死亡要求民事賠償。
基於本案不符合構成民事責任的前提,原告的請求只能判處不能成立。
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IV) 裁 決
據上論結,本法庭裁定訴訟理由不能成立,裁決如下:
- 裁定原告 (A)、 (B)、 (C)及 (D)針對被告E有限公司(E)提出的所有請求不能成立,並開釋被告。
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訴訟費用由各原告承擔。
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依法作出通知及登錄本判決。
     
    Quid Juris?
    Os Recorrentes imputaram à sentença ora posta em crise o vício da violação do artigo 809º do Código Comercial de Macau (CCOM), vejamos se eles têm razão.
    A este propósito, o artigo 598º (Ónus de alegar e formular conclusões) do CPC estipula:

     1. Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
     2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
     a) As normas jurídicas violadas;
     b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
     c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
     3. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.
     4. Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o recorrente é convidado a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
     5. A parte contrária é notificada da apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.
     6. O disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.

    Na maior parte das alegações da Recorrente, esta não cumpriu o que está fixado na alínaeas b) e c) do no nº 2 do artigo citado, limitando a indicar a norma alegadamente violada, sem especificar qual o sentido que a norma deve comportar.
    O artigo 809º (Responsabilidade por morte ou lesão corporal) do CCOM estipula:
     1. O hospedeiro é responsável pela morte ou lesão corporal sofridas pelo hóspede ou pelos seus acompanhantes, durante o período de permanência destes dentro da pousada e seus acessórios, salvo se resultarem de causa que não lhe seja imputável.
     2. No caso de o hospedeiro assegurar o transporte entre a pousada e o local de chegada ou partida, a responsabilidade prevista no número anterior abrange o período do transporte.
    Ora, no caso, a causa de morte consta do relatório de fls. 196 a 197, que é enforcamento!
    Pergunte-se pertinentemente aqui: esta causa de morte pode ser imputada à Ré? E existem factos que permitam sustentar tal nexo de causalidade?
    Neste recurso, como não vem a matéria de facto impugnada, este TSI só pode julgar o recurso com base nos factos considerados assentes pelo Tribunal a quo.
    Neste ponto, o Tribunal a quo considerou provado "F suicidou-se por enforcamento (resposta ao quesito 12.º da base instrutória)".
    O Tribunal a quo, na fundamentação da decisão da matéria de facto, proferida a 19 de Dezembro de 2018, indica que "sobre a causa e a hora da morte de F, a convicção do Tribunal resulta-se do teor do certificado de óbito constate de fls. 30 e 31,8 do depoimento da testemunha G, guarda da segurança do Sands e quem era o primeiro a deslocar ao quarto, vindo-a pendurada na casa de banho, conjugado com o depoimento das testemunhas H e I, agentes da PJ que opinaram, por sua experiência na área de investigação criminal, por vestígios deixados no local, ser provável que a mesma se suicidou por enforcamento, e, ainda o teor da sentença absolutória proferida no processo comum colectivo nº CR1-17-0170-PCC. Assim deu-se por provado o facto do quesito 12.º".
    É de ver que não se verifica a alegada insuficiência de elementos probatórios.

    Tratando-se de uma acção cível, segue-se o princípio básico: quem invoca o direito há-de apresentar provas constitutivas desse mesmo direito.
    Na falta destas, o recurso há-de ser julgada improcedente nesta parte.
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    Uma outra questão levantada é a de alegada causa prejudicial desta acção em relação ao processo criminal.
    Os Recorrentes argumentam que o Tribunal a quo não estaria em condições para julgar "(d) a causa da morte da falecida, bem como da natureza da mesma (se suicídio ou se homicídio)", na medida em que corre termos nos juízos criminais causa que assume um cariz penal e prejudicial relativamente à presente lide cível.
    Alegam que "decorre (decorria na altura e ainda decorre agora), em tribunal de causa penal, a acção penal respectiva", cuja prejudicialidade levaria à suspensão da presente lide cível, ao abrigo do disposto no art. 223.º 1 do C.P.C., até a "decisão da causa penal transitada em julgado que esclarecesse a causa da morte da falecida, bem como a natureza da mesma (se suicídio ou se homicídio)".
    Conforme o ofício constante de fls. 241 e seguintes dos autos, em causa é o processo autuado com o n.º CR1-17-0170-PCC, presentemente em recurso no Tribunal de Segunda Instância com o n.º 692/2018.
    Ora, o normativo alegadamente violado pela decisão recorrida consagra que "o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado".
    Nesta matéria, o poder do juiz consagrado no normativo acima citado integra uma faculdade e não um dever, se lhe aprouver pode prosseguir com a acção e decidir a questão prejudicial embora com efeitos restritos ao processo cível. Trata-se, portanto, de um poder discricionário, insusceptível de recurso nos termos do artigo 584º do CPC.
    De acordo com a jurisprudência deste TSI é entendido que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.9
    O que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.
    Mais, existe prejudicialidade quando na causa prejudicial se discuta, em via principal, uma questão que seja essencial para a decisão da prejudicada e que nesta não possa ser resolvida a título Incidental.10
    Assim, deve entender-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
    O processo n.º CR1-17-0170-PCC julga apenas a responsabilidade penal dos 4 arguidos, relativamente à prática, por todos os aí arguidos, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de usura para jogo (p.p. pelo artigo 13.º da Lei n.º 8/96/M, conjugado com o artigo 219.º n.º 1 do Código Penal), e pelos 1.º e 2.º arguidos (J e K) em co-autoria e na forma consumada, de um crime de sequestro (p.p. pelo artigo 152.º n.º 2 al. e) do Código Penal) (v. fls 244v dos autos).
    O processo penal n.º CR1-17-0170-PCC não tem como objecto a averiguação se a morte de F resultou de um suicídio ou de um homicídio.
    Com efeito, sobre a morte de F, a referida lide penal apenas averiguará a causalidade entre a privação da liberdade e o suicídio de F, do qual resulta a qualificação do crime de sequestro, ao passo que a presente lide cível julga a apenas responsabilidade civil da Ré/Recorrida, emergente do contrato de hospedagem celebrado entre a Recorrida e F, pela morte desta.
    Sobre a responsabilidade do hospedeiro - in casu a Recorrida - o art. 809.º n.º 1 do Código Comercial considera este "responsável pela morte ou lesão corporal sofridas pelo hóspede ou pelos seus acompanhantes, durante o período de permanência destes dentro da pousada e seus acessórios, salvo de resultarem de causa que não lhe seja imputável".
    Entre ambas as acções não existe coincidência de partes, nem a natureza jurídica da responsabilidade em apreço é coincidente.
    Coincidência existe única e exclusivamente sobre um único facto; o suicídio de F. Que na lide penal é o elemento qualificador do crime de sequestro, e na lide cível o facto potenciador da responsabilidade civil da Recorrida.
    Desta forma, a decisão na acção penal relativamente à existência, ou eventual ausência, de um nexo causal entre a privação da liberdade e o suicídio de F não constituirá qualquer prejuízo para a decisão do Tribunal a quo relativamente à imputabilidade da causa morte da hóspede, F à hospedeira, a aqui Recorrida.
    
    Nestes termos, obviamente caem por terra os argumentos do recurso interposto pelos Recorrentes!
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    Quanto ao demais, louva-se na douta fundamentação da sentença recorrida, que se reproduz aqui para todos os efeitos.
    Pelo expendido, é de verificar que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MM. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova.
    Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual é de manter a decisão recorrida.
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    Síntese conclusiva:
    I – Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
    II - Quando num processo-crime aos arguidos foi imputada a prática de um crime de sequestro e de um crime de usura para jogo e neste processo cível em que se averigua a responsabilidade civil da hospedeira resultante da morte da hóspede verificada num quatro daquela (em que os arguidos chegaram a entrar e saíram depois segundo as gravações filmadas do hotel), a decisão na acção penal relativamente à existência, ou eventual ausência, de um nexo causal entre a privação da liberdade e o suicídio da hóspede (F) não constituirá qualquer prejuízo para a decisão do Tribunal cível relativamente à imputabilidade da causa morte da hóspede (F) à hospedeira/Recorrida.
    III – Para accionar a responsabilidade civil prevista no artigo 809º do CCOM, aos Autores compete provar os pressupostos necessários da responsabilidade jurídico-civil nos termos gerais (cfr. artigos 477º e seguintes do CCM, quer a título da responsabilidade culposa, quer a título de risco), ao hospedeiro incumbe-se de provar que lhe não seja imputada a causa de dano ou morte. Não cumprindo este ónus de prova incumbido aos Autores, o pedido formulado por estes deverá ser julgado improcedente.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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    Custas pelos Recorrentes.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 14 de Novembro de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 O referido certificado de óbito apresenta a morte de F como consequência de "intentional self-harm hanging, strangulation and suffucation"
2 LIMA, Viriato Manuel Pinheiro de, Manual de Direito Processual Civil, 2.ª Edição, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2008, pág. 178.
3 Ob. Cit. pág. 179.
4 Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 24 de Abril de 2003 (Proc. n.º 226/2002).
5 Leia-se neste sentido, a título de Direito Comparado o Acórdão do Tribunal de Relação do Porto de 14 de Abril de 2015 (proc. n.º 5050/13.4TBMTS.P1).
6 Ob. Cit. pág. 548.
7 Ob. Cit. pág. 548.
8 O referido certificado de óbito apresenta a morte de F como consequência de "intentional self-harm hanging, strangulation and suffucation"
9 Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 24 de Abril de 2003 (Proc. n.º 226/2002).
10 Leia-se neste sentido, a título de Direito Comparado o Acórdão do Tribunal de Relação do Porto de 14 de Abril de 2015 (proc. n.º 5050/13.4TBMTS.P1).
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