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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Inconformada com o douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos, recorreu Melco Crown (Macau), S.A. para o Tribunal de Última Instância, pedindo a declaração de nulidade do acórdão recorrido e, subsidiariamente, a revogação do mesmo.
Por acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância, foi concedido provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido.
Notificada deste acórdão, vem a recorrida A reclamar para a conferência, requerendo que seja julgado nulo o acórdão nos temos das al.s b) e d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil e seja o recurso julgado totalmente improcedente e, em consequência, mantida na íntegra a decisão contida no acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Respondeu a recorrente Melco Crown (Macau), S.A., entendendo que deve ser julgado improcedente o pedido de nulidade e, em consequência, manter-se inalterável o acórdão do Tribunal de Última Instância.

2. Fundamentos
Arguiu a reclamante a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia ou, caso assim não se entenda, por falta absoluta de fundamentação, e por excesso de pronúncia.

2.1. Nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Quanto às questões a resolver na sentença, dispõe o art.º 563.º do CPC o seguinte:
“Artigo 563.º
(Questões a resolver e ordem do julgamento)
1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 230.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões que possam conduzir à absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
3. O juiz ocupa-se apenas das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Daí decorre que o juiz deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes, devendo ocupar-se apenas dessas questões, salvo questões de conhecimento oficioso.
E só a omissão de pronúncia sobre questões, e não sobre os fundamentos deduzidos pelas partes, que o juiz tem a obrigação de conhecer determina a nulidade da sua sentença, tal como é também do conhecimento da própria reclamante.
Alega a reclamante que o acórdão incorre em omissão de pronúncia, pois não se pronunciou verdadeiramente sobre as questões essenciais que se discutiam nos autos que eram as de saber se a dação em função do pagamento tem ou não efeito translativo dos bens ou direitos sobre os quais incide e se as fichas de jogo são susceptíveis de serem transmitidos sem a sua entrega física.
Não tem razão a reclamante.
Constata-se nas alegações apresentadas pela recorrente Melco Crown (Macau), S.A. que foram suscitadas duas questões: uma a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância e a outra a errada interpretação da lei, referente aos efeitos jurídicos do Acordo celebrado entre a ora reclamante e o Embargado B e à natureza jurídica das fichas de jogo.
Ora, decorre da leitura do acórdão o entendimento expresso do TUI sobre a “questão essencial” ora indicada pela reclamante, no sentido de que, estando em causa uma dação em função do cumprimento, os bens ou direitos reportados nos autos não se transferem com a celebração do Acordo em questão.
Por outro lado, tal como salienta a própria reclamante, considera o TUI que as fichas de jogo são títulos de crédito ao portador e, portante, que só se transmitem com a entrega.
De facto, constata-se no acórdão reclamando que, no entendimento do TUI, as fichas de jogo podem ser considerados como títulos de crédito ao portador, para cuja transmissão é necessária a respectiva entrega, nos termos do art.º 1093.º do Código Comercial.
Não obstante a arguição de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, o que se expõe no requerimento da reclamante é a sua opinião e interpretação sobre o Acordo assinado em causa e sobre a “questão essencial” que alegadamente não foi verdadeiramente apreciada pelo TUI.
Não se vislumbra o vício de omissão de pronúncia.
Também não se verifica o invocado vício de falta absoluta de fundamentação.
Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, a sentença é também nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
No acórdão ora reclamando, o TUI tanto especificou os factos provados como expôs os fundamentos de direito para a sua decisão, dos quais discorda a reclamante.
Mesmo admitindo a insuficiência de tal fundamentação, certo é que não se está perante uma situação de “falta absoluta de fundamentação” e este TUI tem entendido que a insuficiência de fundamentação não gera a nulidade da sentença mas sim pode redundar em erro de julgamento1.

2.2. No que respeita ao invocado excesso de pronúncia, é de frisar que ocorre tal vício quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC.
O vício foi imputado relativamente à decisão sobre a natureza jurídica das fichas de jogo.
Na óptica da reclamante, a questão ficou definitivamente resolvida pela sentença proferida em primeira instância, uma vez que, no recurso interposto para o TSI, a então recorrida Melco Crown não procedeu à ampliação do recurso nos termos do disposto no art.º 590.º do CPC.
Ora, a sentença de 1.ª instância não se pronunciou sobre a questão que foi objecto da decisão do TUI, a de saber qual a natureza jurídica das fichas de jogo, que o acórdão do TUI entendeu serem títulos de crédito ao portador.
Sobre esta questão não houve pronúncia da sentença de 1.ª instância, que se limitou a pronunciar-se sobre “o direito que o embargado B tem sobre os bens arrestados”, tendo concluído que as fichas de jogo pertenciam ao embargado e o direito que este tinha sobre as fichas de jogo (e numerários) foi direito de propriedade (fls. 374 a 375 dos autos).
Tratam-se das questões diferentes.
Logo, não tendo havido decisão sobre a questão relativa à natureza jurídica das fichas de jogo, não podia a recorrida requerer a ampliação do recurso nos termos do art.º 590.º do CPC.
Desde modo, não tendo havido decisão sobre a questão, nada obsta a que o TUI se pronunciasse, como se pronunciou.
Não se vislumbra o imputado vício de excesso de pronúncia.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 6 UC.

               Macau, 11 de Dezembro de 2019
               
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
               
1 Cfr. Ac. do TUI, de 15 de Fevereiro de 2012, Proc. n.º 1/2012.
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Processo n.º 21/2016