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Processo nº 28/2018 Data: 26.02.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Imposto de Selo.
Leilão particular.
Desistência do arrematante.


SUMÁRIO

1. Quando o art. 5° da “Tabela Geral do Imposto de Selo” manda tributar as “arrematações de produtos, de géneros e de bens ou direitos sobre móveis ou imóveis, sobre o preço da arrematação ou da adjudicação”, tem de se entender que a tributação só ocorre naqueles casos em que, de acordo com o respectivo regime jurídico, a transmissão do móvel se consuma com a arrematação ou a adjudicação.

2. Se, de acordo com as respectivas condições negociais da leiloeira particular, a arrematação não foi seguida pela conclusão da compra e venda dos bens móveis leiloados, por desistência do arrematante, não ocorreu o facto tributário previsto no art. 5° da aludida Tabela.

O relator,

José Maria Dias Azedo



Processo nº 28/2018
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), interpôs recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS que, em sede de recurso hierárquico, manteve a decisão da Directora dos Serviços de Finanças que lhe tinha indeferido uma reclamação apresentada da liquidação oficiosa do imposto do selo; (cfr., fls. 2 a 89 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após contestação da entidade recorrida, (cfr., fls. 97 a 128), e Parecer do Ministério Público, (cfr., fls. 135 a 135-v), por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 14.12.2017, (Proc. n.° 813/2016), deu-se como adquirida a seguinte matéria de facto:

“● Em 21JUN2015, a Recorrente realizou em Macau um leilão;
● Conforme o relatório de fiscalização elaborado pelo pessoal da DSF, que se encontrava presente no decorrer do leilão, foram arrematados 78 lotes no valor de HKD$878.217.300,00;
● Em 23JUN2015, a Recorrente fez dirigir à DSF uma carta, ora constante das fls. 50 dos p. autos, e cujo teor se dá por integralmente produzidos, onde de declarou os lotes transaccionados no leilão, assim como os valores dos lotes e o valor do imposto de selo por ela calculado;
● Nessa carta, invocando que foi efectuado apenas o pagamento de oito lotes, a Recorrente procedeu-se à liquidação do imposto do selo, sobre o valor de HKD$327.600,00, calculada à taxa de 5‰, na quantia de MOP$1.687,20;
● Nessa mesma carta, foram coladas as estampilhas, no valor de MOP$1.688,00, que corresponde ao valor do imposto de selo liquidado pela ora recorrente;
● Em face disso, por despacho da Directora dos Serviços de Finanças, foi determinada a liquidação oficiosa que incide sobre o valor de diferença (MOP$2.708.447,00 – MOP$171.598,00 = MOP$2.536.849,00);
● Dentre os oito lotes que a recorrente declarou pagos, apenas três fazem parte dos 78 lotes que o relatório considerou licitados no decorrer do leilão;
● Por despacho do Director da DSF, datado de 24SET2015, foi autorizada a liquidação oficiosa do imposto de selo que incide sobre os restantes 75 lotes, e fixado o valor do imposto de selo por pagar em MOP$4.521.752,00;
● Inconformada com a liquidação oficiosa, a ora Recorrente reclamou para a DSF pedindo a revogação da liquidação oficiosa;
● Por despacho do Director dos Serviços de Finanças, foi negado provimento à reclamação;
● Novamente inconformada, interpôs o recurso hierárquico para o Secretário para a Economia e Finanças; e
● Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças, ora recorrido, foi negado provimento ao recurso hierárquico”; (cfr., Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 14.12.2017, Proc. n.° 813/2016, fls. 144 a 145).

E procedendo-se à sua apreciação e ao seu enquadramento legal, decidiu-se negar provimento ao recurso; (cfr., o dito Acórdão, fls. 145 a 167).

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Não se conformando com o assim decidido, traz a recorrente o presente recurso, onde, em sede das suas alegações produz as conclusões seguintes:

“1. Nos presentes autos discute-se se a arrematação frustrada de bens em leilão está sujeita a Imposto do Selo no âmbito do artigo 5.° da Tabela Geral do Imposto do Selo (TIS).
2. O Tribunal a quo entendeu que sim, sufragando a posição já assumida pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças e pela Direcção dos Serviços de Finanças, contrariando assim o entendimento da Recorrente.
3. Em Macau não existe legislação específica que regule o regime de venda particular de bens através de leilão.
4. Em geral, as regras dos leilões são definidas por um Regulamento elaborado pela empresa leiloeira.
5. O caso sub judice não foge à regra, tendo o leilão objecto dos autos sido regido por um regulamento próprio inscrito no catálogo do leilão (cf. doc. 3 junto à petição de recurso).
6. Nos termos do artigo 19.° do Regulamento, logo após a arrematação celebra-se o contrato de compra e venda, de acordo com o preço fixado no lanço mais alto, o que ilustra bem que a arrematação carece depois de ser concretizada por via da celebração de um contrato de compra e venda.
7. Nos termos do artigo 20.° do Regulamento, o contrato de compra e venda que se segue à arrematação é celebrado com reserva de propriedade até que sejam integralmente pagos o preço do bem licitado, a comissão da leiloeira e as demais despesas.
8. O Regulamento confere ao arrematante a faculdade de optar por não celebrar a compra do bem nos termos anunciados, quer porque os bens têm um defeito enquadrável nos termos do disposto no artigo 23.° do Regulamento, caso em que o arrematante tem o direito de reaver tudo o que pagou, quer porque pura e simplesmente o arrematante se arrependeu, o que, nos termos do disposto no artigo 19.° do Regulamento, implica a perda da caução.
9. A arrematação não consubstancia a transmissão da propriedade do bem, uma vez que, após a batida do martelo pelo leiloeiro, há ainda que celebrar o contrato de compra e venda, o qual, por sua vez, está sujeito a uma cláusula de reserva de propriedade (cf. artigo 20.° do Regulamento do leilão).
10. Ainda que a arrematação sinalizasse o momento da perfeição do contrato, sempre resultaria que o mesmo não teria, ao contrário do que sustenta a decisão recorrida, efeitos translativos, na medida em que o contrato está sujeito a uma cláusula de reserva da propriedade (cf. artigo 403.°, n.° 1, do Código Civil e artigo 20.° do Regulamento do leilão).
11. O bem licitado mantém-se na titularidade do alienante até que o arrematante cumpra todas as obrigações pecuniárias resultantes do contrato.
12. Não se pode concordar com a decisão recorrida quando refere que, no caso concreto, "o efeito adjudicativo, ou seja, constitutivo da propriedade, operou por mero efeito do contrato, se bem que falte a entrega da coisa e da propriedade".
13. Os bens arrematados que não são efectivamente adquiridos pelo arrematante continuam a pertencer aos vendedores, podendo ir novamente à praça, se estes assim o desejarem.
14. A decisão ora recorrida incorre num erro na aplicação do direito substantivo ao fazer uso de uma interpretação errónea e excessivamente formalista do conceito de arrematação contido no artigo 5.° da TIS, distinguindo-o do mesmo conceito previsto no artigo 51.° do RIS, quebrando com a necessidade de se proceder a uma interpretação unitária e sistemática dos vários preceitos contidos no Regulamento do Imposto do Selo.
15. A interpretação subjacente à decisão recorrida desinteressa-se por completo da verificação dos efeitos jurídicos decorrentes do acto de arrematação objecto do Imposto do Selo, entendendo que a mera formalidade que simboliza o acto de arrematação é suficiente para, nos termos do disposto no artigo 5.° do TIS, ser liquidado o Imposto do Selo, independentemente da venda efectiva do bem arrematado.
16. A decisão recorrida não dá qualquer relevo ao facto de que as regras e usos gerais do leilão, incontroversamente aplicáveis à arrematação que gerou o acto tributário, expressamente prevêem uma reserva de propriedade até que se encontrem totalmente satisfeitos o preço, a comissão da leiloeira e demais despesas relativas ao bem arrematado, prevendo também que a arrematação só produz efeitos, operando a transmissão do bem arrematado, caso o arrematante não opte por desistir da compra, conforme veio a ocorrer nas arrematações em causa.
17. O conceito de arrematação ou de adjudicação, para efeitos do artigo 5.° da TIS, não se pode desligar dos efeitos jurídicos associados ao acto, e caso exista uma reserva da propriedade que impossibilitou a transmissão do bem, não há que tributar.
18. À semelhança do disposto no artigo 51.° do RIS, também o artigo 5.° do TIS pressupõe a transmissão efectiva da propriedade, não se bastando com a mera formalidade que constitui o momento da arrematação.
19. O legislador foi sensível ao problema e, face ao contencioso fiscal e às fortes dúvidas que lhe suscita a interpretação do Tribunal de Segunda Instância, determinou que as arrematações de bens ao abrigo do artigo 5.° da TIS estão isentas do Imposto do Selo para o ano de 2018 (cf. artigo 15.° da Lei n.° 16/2017 e Parecer n.° 1/VI/2017 da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa).
20. Ao ignorar os efeitos jurídicos associados ao acto de arrematação, concebendo-o como uma mera formalidade, a decisão ora recorrida padece de um erro de direito na aplicação da lei substantiva, incorrendo em erro na interpretação do artigo 5.° da TIS, para os efeitos do artigo 639.° do CPC e artigo 152.° do CPAC.
21. A decisão recorrida conduz a um resultado manifestamente injusto e desrazoável em termos da aplicação do Imposto do Selo, exigindo-se ao Recorrente, na sua qualidade de intermediário, enquanto mero organizador ou promotor de um leilão, que suporte mais de 4 milhões de Patacas em imposto sobre uma arrematação que não foi concluída com sucesso, por perda de interesse do arrematante, inexistindo por isso qualquer realidade económica que possa justificar esta carga fiscal.
22. Em termos que no entender do Recorrente levariam com certeza ao fim da actividade comercial de leilões, pelo menos para peças de maior valor, em Macau, dado que o risco fiscal associado de ter de pagar um milionário Imposto do Selo sobre as arrematações de bens móveis que depois não são concluídas, é demasiado grande para permitir a continuidade desta actividade.
23. O impacto para o ordenamento jurídico de Macau da decisão ora recorrida é considerável, dado que neste recurso ordinário se discute, em bom rigor, o próprio futuro da actividade comercial de leilões em Macau, tanto mais que a decisão de isentar do imposto do selo as arrematações, nos termos do disposto no artigo 15.° da Lei n.° 16/2017, tem também na sua base a necessidade de "assegurar a competitividade internacional da actividade leiloeira desenvolvida em Macau (…)" tratando-se "de uma medida para estimular a competitividade fiscal de Macau".
24. Em consequência, a decisão ora recorrida padece de um erro de direito na aplicação da lei substantiva, que consiste numa ilegalidade do acto de tributação, por violação clara e grosseira do princípio da justiça, da igualdade e da proporcionalidade, contidos nos artigos 5.° e 7.° do Código do Procedimento Administrativo, que são princípios gerais do direito administrativo, mas que assumem um especial relevo no campo do direito fiscal, visando assegurar uma tributação que seja justa, igual e proporcional à capacidade contributiva dos contribuintes e evitar tributações excessivas ou abusivas, para os efeitos do artigo 639.° do CPC e artigo 152.° do CPAC.
25. A decisão ora recorrida também padece de um erro de direito na aplicação da lei substantiva que consiste numa ilegalidade do acto de tributação por violação do princípio da igualdade, contido no artigo 25.° da Lei Básica, na sua dimensão de igualdade material.
26. O princípio da igualdade impõe que se assegure uma igualdade tributária material, que terá que fazer uso do padrão ou critério da capacidade contributiva, para aferir das possibilidades económicas de cada contribuinte, e tributar cada contribuinte na medida das suas possibilidades, para que a tributação seja justa.
27. Do exposto decorre que a decisão ora recorrida padece de um erro de direito na aplicação da lei substantiva, que consiste numa ilegalidade do acto de tributação, por violação clara e evidente do princípio fundamental da igualdade, contido no artigo 25.° da Lei Básica, na sua dimensão material, ao tributar o Recorrente de forma excessiva e arbitrária, sem atender à sua capacidade contributiva, para os efeitos do artigo 639.° do CPC e artigo 152.° do CPAC.
28. A decisão recorrida incorre também numa abusiva e indevida compressão dos direitos fundamentais do Recorrente e do sector, que pela via fiscal passariam a ver a sua actividade comercial ser alvo de uma restrição arbitrária, formalista, injusta e excessiva, por via de uma carga fiscal oculta, que não pode ser antecipada, e que limitaria fortemente a sua futura actividade e profissão, o que colocaria em causa a liberdade de escolha da profissão, de organização económica e o funcionamento do mercado livre, configurada na Lei Básica, preocupação que o legislador deixou bem vincada no mencionado Parecer n.° 1/VI/2017, razão pela qual decidiu isentar do imposto do selo as arrematações em leilão.
29. Do exposto decorre que a decisão ora recorrida padece de um erro de direito na aplicação da lei substantiva, que consiste numa ilegalidade do acto de tributação, por violação do direito fundamental de liberdade de escolha da profissão e de emprego do Recorrente, contido no artigo 35.° da Lei Básica, para os efeitos do artigo 639.° do CPC e artigo 152.° do CPAC.
(…)”; (cfr., fls. 177 a 213).

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Respondendo – e em síntese – diz a entidade recorrida:

“1° O objecto do presente recurso é o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 14 de Dezembro de 2017, o qual negou provimento ao recurso contencioso de anulação interposta pela recorrente.
2° O tribunal a quo decidiu com fundamento de que o contrato consubstanciado com a arrematação é um contrato quoad effectum, o direito de propriedade adquire-se por mero efeito do contrato enquanto a entrega da coisa e o pagamento do preço são meros efeitos do contrato.
3° Alega a recorrente que os licitantes vencedores dos 75 artigos exerceram o direito de desistência ou de arrependimento nos termos das cláusulas 19.a e 23.a, optando por não celebrar o contrato de compra e venda decorrente da arrematação, pelo que não houve transferência de propriedade de bens, consequentemente, não dando lugar à tributação das arrematações nos termos do artigo 5.° da TGIS, para o qual a transferência de propriedade é indispensável.
4° De acordo com a cláusula 19.a do Regulamento, "o licitante (…) é obrigado a assinar imediatamente o contrato de compra e venda, sob pena de ser privado de qualidade de licitante e expulso da sala de leilão (…)", sendo esta a única que permite os licitantes desistir a compra e venda.
5° Conforme o relatório da fiscalização n.° XXX/XXXX/XXX/XXXX/2015, nada se refere à expulsão dos licitantes, com isto, implicando ninguém foi privado da qualidade de licitante.
6° Por outras palavras, os licitantes vencedores daqueles 75 artigos arrematados não exerceram o alegado direi to de desistência, antes, tendo celebrado o contrato de compra e venda logo após a aceitação do lanço maior pelo leiloeiro, nos termos ela cláusula 19.a.
7° Quanto ao direito de desistência conferido pela cláusula 23.a, não nos parece que esta faculta ao licitante vencedor a faculdade de optar por não celebrar o contrato de compra e vencia cios bens leiloados, porque naquela só prevê os requisitos para exercer o direito à resolução do contrato que tenha sido celebrado anteriormente.
8° Não se encontra no "Regulamento" o mínimo de correspondência sobre o exercício de um direito potestativo de desistência ou de arrependimento a favor de licitantes vencedores entre o encerramento do leilão e o pagamento do preço, exceptuando o exercício de tal direito logo após a batida de martelo previsto na sua cláusula 19.a.
9° Os licitantes vencedores daqueles 75 artigos em causa não exerceram nenhum direito de desistência que seja permitido no "Regulamento".
10° Além disso, não concordamos com a interpretação da recorrente que a celebração do contrato de compra e venda do bem leiloado carece de forma escrita nos termos da cláusula 19.a do Regulamento.
11° A redacção chinesa da cláusula 19.a revela bem a função daquele escrito – confirmar a transacção.
12° Ou seja, o documento a assinar pelo licitante vencedor serve apenas de prova documental.
13° Ao contrário do que sustenta pela recorrente, vale o princípio geral da consensual idade para os contratos de compra e venda dos bens móveis formados através do acto da arrematação, ou seja, não sujeitos a forma legal.
14° Assim, mesmo que as partes não tivessem assinado o alegado documento escrito, não poria em causa a formação válida do negócio jurídico consubstanciado no acto de arrematação, nem afectaria a validade deste último.
15° Por outro lado, argumenta a recorrente que o contrato de compra e venda formado através da arrematação não dá lugar à tributação do imposto do selo nos termos do artigo 5.° da TGIS, em virtude da inserção da cláusula de reserva da propriedade prevista na cláusula 20.a do "Regulamento".
16° No entanto, além de fixar o conteúdo da prestação do comprador, o que a cláusula 20.a estabelece é a faculdade de o comprador optar pelo pagamento diferido de uma parte do preço, bem como a cláusula penal para o caso de incumprimento deste pagamento diferido.
17° Nada se refere nesta cláusula que seja susceptível de constituir um pacto de reserva da propriedade.
18° O vendedor que pretende reservar a propriedade ao abrigo do artigo 403.° do CC terá que incluir tal reserva nos termos do contrato de alienação, enquanto derrogação da regra geral, esta reserva deve ser expressa.
19° Como não se expressa no Regulamento a susceptibilidade de incluir a referida cláusula, o efeito translativo da propriedade do bem arrematado não vem a ser impedido.
20° Partindo de uma alegada interpretação "sistemática, unitária e coerente" de toda a Lei n.° 17/88/M, a Recorrente argumenta que o conceito de arrematação contido no artigo 5.° da TGIS coincide com o de arrematação previsto na alínea a) do n.° 3 do artigo 51.° do RIS, cuja tributação incide sobre a transferência da propriedade.
21° Todavia, o efeito translativo não faz parte da incidência objectiva do artigo 51.° do RIS.
22° O imposto do selo incide sobre quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte de transmissão. (artigo 51.°, n.os 1 e 2 do RIS)
23° Basta a outorga de quaisquer documentos, papéis e actos que seja fonte de transmissão entre vivos para gerar o imposto do selo, independentemente de haver ou não transmissão efectiva e material de bens.
24° Esta posição já mereceu a concordância do TSI no processo n.° 277/2009, de 16.10.2014.
25° Com recurso ao regime de não cobrança ou restituição do imposto do selo sobre transmissões, pode ver-se que o selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito, até que o interessado apresente uma sentença judicial que reconheça a sua invalidade ou ineficácia. (artigo 52.°, n.os 1 e 2 do RIS)
26° Tal regime implica que um acto nulo que não produz quaisquer efeitos desde o início está ainda sujeito à tributação do selo, até que a sua nulidade seja declarada pelo tribunal.
27° Encontra-se no artigo 52.° outro indício que a tributação de transmissões de bens independente da produção do efeito translativo.
28° Neste contexto, os factos tributários previstos no artigo 51.° são os títulos que operem as transmissões, pelo que a cláusula da reserva da propriedade que se destina a impedir a produção do efeito translativo não afecta a geração do selo no âmbito de transmissões de bens.
29° Assim sendo, mesmo que se conformasse com uma interpretação "sistemática, unitária e coerente" do conceito de arrematação previsto no artigo 51.° do RIS, o qual a recorrente alegou aplicável relativamente ao artigo 5.° da TGIS, nada apontaria para que a tributação carece da produção do efeito translativo.
30° Mias ainda, a recorrente sustentou o recurso analógico ao regime das vendas judiciais para solucionar o problema, o que nos parece desnecessário e inadequado.
31° A produção do efeito translativo do contrato de compra e venda formado na venda judicial coincide necessariamente com a aceitação do preço mais elevado pelo juiz, sendo que o regime legal da venda judicial restringe o momento da produção do efeito translativo.
32° Quanto aos leilões organizados pelas entidades privadas, as regras do jogo, no âmbito da autonomia privada, são livremente estabelecidas e modificadas pelas empresas leiloeiras, sendo a antecipação ou diferimento do efeito jurídico da transferência dependente da vontade de leiloeiro, mandante (vendedor) e mandatário (adquirente).
33° Isto implica que não se encontra uma coincidência necessária entre estes dois momentos – a formação do contrato e a aquisição do direito de propriedade.
34° Mais, a recorrente argumenta que as regras constantes dos artigos 792.°, 793.° e 795.° do CPC traduz em uma modalidade de reserva da propriedade, porque os bens arrematados são apenas adjudicados e entregues ao proponente após o pagamento do preço e o cumprimento das obrigações fiscais, sob pena de a venda ser declarada sem efeito, ou seja, a transferência da propriedade do bem arrematado depende do pagamento do preço no prazo legal.
35° No entendimento de a tributação sujeitar à produção do efeito translativo, a propriedade do bem arrematado apenas se transferia após o pagamento do preço, nascendo, só a partir deste momento, a obrigação fiscal do imposto.
36° Todavia, o pagamento do imposto tem que ser efectuado antes da adjudicação e da entrega cio bem arrematado nos termos do artigo 795.° do CPC, portanto, a posição de consistir na venda judicial de uma modalidade de reserva de propriedade não é defensável.
37° É de sublinhar que, o regime enquadrado no artigo 793.° do CPC mostra a regra geral é que a venda em princípio produz os seus efeitos quando a secretaria liquidar a responsabilidade do proponente que incumpra o dever de pagamento.
38° A declaração da venda judicial sem efeito é uma excepção.
39° Não se encontra, no regime da venda judicial, nenhum direito potestativo de desistência do licitante vencedor que poder optar por celebrar ou desistir da compra.
40° Pois, intervém na venda judicial um órgão imparcial que tenha poderes ou meios judiciais para obrigar o proponente a cumprir o dever de pagamento e evitar as fraudes.
41° Com o que foi ilustrado-quer dizer que no regime da venda judicial se encontram muitas especificidades que afastam a sua aplicação analógica aos leilões organizados por entidades privadas.
42° De facto, a não efectuação do depósito do preço pelo proponente no prazo legal (artigo 795.° do CPC) funciona como uma condição resolutiva, cuja qualificação mereceu a concordância da jurisprudência comparada.
43° A arrematação na venda judicial produz logo o efeito translativo com a aceitação do lanço maior.
44° Pode ver-se que a recorrente pretendia sujeitar as compras e vendas formadas no leilão à reserva da propriedade (que funciona como condição suspensiva) enquanto o regime legal da venda judicial confere ao pagamento do preço no prazo de 15 dias a natureza da condição resolutiva, o que implica que o momento da produção de efeito translativo em cada regime não é idêntico.
45° Deste modo, a aplicação analógica não é justificativa.
46° A arrematação, quer na venda promovida pelas empresas leiloeiras, quer na venda judicial, está sujeita ao imposto do selo nos termos do artigo 5.° da TGIS, neste contexto, sendo fiscal mente injusto que o proponente, numa venda judicial, tem que pagar o selo logo após a arrematação enquanto outro licitante vencedor do bem leiloado pode pagá-lo após a verificação da condição suspensiva, isto é, após o pagamento integral do preço que possa ser fixado num prazo curto ou longo, ou até prazo indeterminado por reserva da propriedade sob condição de pagar quando puder.
47° De acordo com uma interpretação actualista e funcional, deve ser interpretada a incidência real – arrematação – num contexto que não possibilita a violação do princípio da igualdade fiscal quando se colocarem os sujeitos passivos na mesma situação jurídica.
48° O facto tributário previsto no artigo 5.° da TGIS é um processo especial através do qual se promova a venda ou outros negócios jurídicos, quer no caso de haver transferência de propriedade logo após a celebração do contrato, quer no caso em que não se produz imediatamente o efeito translativo, pelo que as peças arrematadas pelos licitantes vencedores estão sujeitas à tributação nessa disposição normativa.
49° A tributação, tanto nos termos do artigo 51.° do RIS como nos do artigo 5.° da TGIS, não carece da produção do efeito translativo, pelo que a não verificação da condição suspensiva de pagamento do preço (reserva da propriedade) não obsta à criação da obrigação fiscal do imposto.
50° Do exposto decorre que a decisão da Administração Fiscal não padece do vício de erro na interpretação dos artigos 5.° e 51.°, respectivamente da TGIS e do RIS.
51° Quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, argumenta a Recorrente que só as manifestações da capacidade contributiva podem ser alvo de tributação, assim, ao abrigo deste princípio, a falta da verificação do efeito translativo de uma venda consubstanciada na arrematação obsta à geração do imposto.
52° Com efeito, podemos encontrar muitas excepções (assim designadas pela Recorrente) em sede do imposto do selo, v.g. o contrato nulo de compra e venda de um bem, que nunca produz o efeito translativo, está sujeita à tributação do imposto do selo sobre transmissões de bens, nos termos do n.° 1 do artigo 52.°.
53° Ainda, se fosse no raciocínio de a capacidade contributiva ser apenas manifestada com transmissões efectivas, todos os factos tributários previstos no artigo 51.° do RIS contrariariam o princípio da capacidade contributiva, uma vez que a geração dos factos tributários previstos nele não depende da produção do efeito translativo.
54° Efectivamente, os batimentos de martelo pela Recorrente traduz em aceitação do preço oferecido, havendo aqui a formação do negócio pela conjugação das vontades das partes - um declara adquirir o bem nas condições preestabelecidas no "Regulamento" e outro declara aceitar o preço oferecido.
55° A partir daí, a venda é susceptível de produzir os seus efeitos.
56° A capacidade contributiva está manifestada no preço acordado pelas partes nesse contrato válido.
57° Conforme a cláusula 20.a do "Regulamento", o licitante vencedor deve pagar imediatamente à empresa leiloeira o preço de arrematação, 15% de comissões e outras despesas. Caso o comprador tiver dificuldade em pagar imediatamente no local o preço total, deve depositar pelo menos 30 % do preço e pagar o remanescente no prazo de 21 dias a contar da arrematação.
58° Como não sendo os licitantes vencedores daqueles 75 artigos expulsos do local onde se realizou o leilão, isto significa que os mesmos já tinham, nos termos da cláusula 20.a do "Regulamento", depositado pelo menos 30% dos preços.
59° Pode ver-se que a capacidade contributiva que traduz em manifestação de riqueza, rendimento, despesa ou utilização está indirectamente revelada pelo depósito efectuado por parte de compradores.
60° Por outro lado, quanto à incidência subjectiva do artigo 5.° da TGIS, salientou a Recorrente que, com recurso à aplicação analógica do artigo 53.° do RIS, os sujeitos passivos do imposto devem ser os adquirentes dos bens leiloados que manifestem a capacidade contributiva por via de transmissões efectivas.
61° A tónica do caso em apreço reside não está em quem deve suportar economicamente o imposto mas a quem pode ser exigido o pagamento do imposto.
62° O legislador adoptou o mecanismo de substituição fiscal para a tributação da arrematação.
63° Atente-se que na técnica da substituição fiscal, não existe entre o sujeito activo e o substituído vínculo jurídico, estando, pois, perante duas distintas relações jurídicas: uma, de natureza tributária (relação jurídica do imposto), que se estabelece entre o sujeito activo enquanto credor do imposto (RAEM) e o sujeito passivo (leiloeiro); uma segunda, de natureza civilística (regendo-se pelo direito privado) que se cria entre o leiloeiro e os seus clientes.
64° O substituto fiscal previsto no artigo 5.° da TGIS é "quem presidir a praça", ou seja, a empresa leiloeira, sendo ela, numa relação tributária, o sujeito passivo que está adstrito à obrigação principal de pagamento do imposto.
65° Assim, é o legislador que, por razões ponderosas, selecciona uma terceira pessoa para ocupar o lugar de sujeito passivo.
66° A recorrente, na qualidade de substituto fiscal, é o único sujeito passivo da obrigação fiscal perante a Administração Fiscal, daí que, ao proceder a liquidação oficiosa do imposto do selo sobre arrematações, a Administração respeitou perfeitamente os princípios de tipicidade fiscal e de capacidade contributiva.
67° No fim, argumenta a recorrente que a interpretação procedida pela Administração relativamente ao artigo 5.° da TGIS põe em causa a liberdade de escolha de profissão, de organização económica e o funcionamento do mercado livre, configurada nos artigos 35.° e 114.° da Lei Básica da RAEM.
68° É indubitavelmente que a recorrente enquanto agente devidamente licenciado está envolvida num mercado tão específico e especializado que exige um profissionalismo de alto nível, o qual impõe esses agentes económicos a actuarem com discrição, quer se tratam dos próprios actos, quer se tratam das actuações com clientes frequentadores desse mercado.
69° Com isto quer dizer que a recorrente deveria saber em que momento e a quem se efectua a liquidação e celebração do imposto do selo sobre arrematações, no cumprimento escrupuloso do dever de colaboração com a Administração Fiscal.
70° Concluindo, é a especificidade do comércio do leilão que impõe à recorrente uma prudência particular no exercício da sua profissão, e não é o regime fiscal que limite a liberdade da escolha da profissão da mesma, pelo que a decisão ora impugnada não padece do vício de violação dos artigos 35.° e 114.° da Lei Básica .
(…)”; (cfr., fls. 221 a 256).

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Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Instância, em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“No âmbito do recurso contencioso de anulação n.° 813/2016, onde é visado o despacho de 20 de Agosto de 2016, da autoria do Exm.° Secretário para a Economia e Finanças, o Tribunal de Segunda Instância proferiu, em 14 de Dezembro de 2017, o acórdão inserto a fls. 140 e seguintes, em que julgou improcedentes os vícios invocados e negou provimento ao recurso.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação e respectivas conclusões a recorrente, “A”, argumenta e intenta convencer que o acórdão recorrido efectuou errado julgamento dos vícios que estavam atribuídos ao acto no âmbito do recurso contencioso.
Em sentido contrário se pronuncia a entidade recorrida, que considera ter o acórdão efectuado um correcto julgamento das questões sobre as quais se debruçou, pelo que não merece censura e deve ser mantido.
Está em causa o imposto de selo incidente sobre arrematações efectuadas em acto de leilão.
O que, no fundo, a recorrente pretende é fazer vingar a tese de que o momento relevante para o efeito é a efectiva transmissão da propriedade e não a formalidade da arrematação.
Se assim fosse, parece óbvio que o legislador ter-se-ia expressado deficientemente. O legislador faz incidir o imposto sobre o acto de arrematação e diz que deve ser pago por estampilha a colar no respectivo auto por quem preside à praça. E esse acto consuma-se e esgota-se na arrematação propriamente dita, através da batida do martelo, sendo, por isso, incorrecto ou inexacto falar-se de arrematações frustradas, como faz a recorrente. O que tudo conduz à ideia de que o legislador quis tratar o acto de arrematação como o momento da transmissão para efeitos fiscais, tal como defende a entidade recorrida. E sendo assim, como cremos, será indiferente para o imposto e sua cobrança a formalização da transmissão da propriedade dos bens levados à praça e o momento em que porventura venha a ocorrer.
O acórdão recorrido, adoptando os fundamentos do acórdão de 5 de Fevereiro de 2015, tirado no processo de recurso contencioso n.° 18/2014, onde fora abordada questão idêntica, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso contencioso, acabando, no fundo, por sufragar a tese da administração tributária, a favor da qual nos pronunciámos supra, e que coloca a tónica da transmissão para efeitos fiscais no acto de arrematação.
Parece-nos, pois, acertada a decisão, aliás enriquecida com a preocupação de rigor e clarificação conceptual que perpassa pelas achegas constantes da declaração de voto.
Temos, assim, por improcedentes os argumentos esgrimidos contra o acórdão recorrido, pelo que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 260 a 261).

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Adequadamente processados os autos, cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

2. Tem o presente recurso jurisdicional como objecto a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao anterior recurso (contencioso) pela recorrente interposto e que confirmou o despacho da entidade recorrida que manteve a liquidação do imposto do selo.

Em causa está decidir se deve haver lugar a “pagamento do imposto do selo” em situações como a dos autos, em que após arrematação de bens em leilão particular, a sua venda não se concretiza ou consuma por desistência do arrematante.

Na tese do Acórdão recorrido – que acompanha a argumentação explanada em veredicto do mesmo Tribunal de 05.02.2015, Proc. n.° 18/2014 – atento o estatuído nos art°s 51° e 52° do Regulamento do Imposto do Selo, irrelevante é a referida “desistência do arrematante”, considerando-se que o “contrato de venda” se deve ter por realizado – consumado – para efeitos de tributação a título de imposto do selo; (cfr., fls. 145-v e segs. do aresto recorrido).

Vejamos.

Nos termos do art. 1° do dito Regulamento do Imposto do Selo:

“O imposto do selo recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa ao presente regulamento, a qual faz parte integrante dele”.

Por sua vez, o art. 5° da referida Tabela Geral prevê que se tribute 5% do preço da arrematação ou adjudicação de (…) bens ou direitos sobre moveis ou imóveis.

E nos termos do art. 51° e 52° do mesmo Regulamento do Imposto do Selo:

“ Artigo 51.º
1. É devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva:
a) A título oneroso ou gratuito, de imóveis, incluindo as transmissões intercalares nos termos do artigo 57.º;
b) A título gratuito, de quaisquer outros bens, direitos ou factos sujeitos a registo, de acordo com a legislação aplicável, de valor superior a 50 000 patacas.
2. São consideradas fontes de transmissão de bens para efeitos fiscais todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem.
3. Para efeitos do disposto no número anterior são sujeitos a imposto do selo:
a) Os contratos de compra e venda, troca, arrematação ou adjudicação por acordo ou decisão judicial ou administrativa, constituição de usufruto, uso e habitação, servidão ou direito de superfície;
b) Os contratos-promessa de compra e venda, não se incluindo nestes os de mera sinalização ou reserva de imóveis, desde que o seu valor não exceda 10 000,00 patacas;
c) A cedência do usufruto, uso e habitação ou de servidão a favor do proprietário e a aquisição do direito de superfície pelo proprietário do solo;
d) A aquisição de benfeitorias e a de bens imóveis por acessão;
e) A remição de bens imóveis nas execuções;
f) A adjudicação de bens imóveis aos credores, bem como a entrega feita directamente aos mesmos como dação em cumprimento ou em função do cumprimento, ou a entrega feita a outrem com a obrigação de lhes pagar;
g) A remição, redução ou aumento de foros, ainda que seja por incómodo da cobrança, bem como a devolução de bens aforados ao senhorio;
h) A cessão da posição contratual, independentemente da forma assumida;
i) As entradas dos sócios com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização do capital das sociedades comerciais e a adjudicação dos mesmos aos sócios na liquidação dessas sociedades;
j) As entradas dos sócios com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização do capital das sociedades civis, na parte em que os outros sócios adquirirem comunhão ou qualquer outro direito nesses imóveis, bem como, nos mesmos termos, as cessões de partes sociais ou de quotas ou a admissão de novos sócios;
l) As entradas dos cooperantes com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização de cooperativas e a adjudicação dos mesmos bens aos cooperantes na liquidação dessas cooperativas;
m) A transmissão de bens imóveis por cisão das sociedades referidas nas alíneas i) e j) ou por fusão de tais sociedades entre si ou com sociedade civil;
n) A constituição ou transmissão de concessão por aforamento ou por arrendamento, nos termos da lei de terras;
o) A subconcessão ou trespasse das concessões feitas pela Região Administrativa Especial de Macau, para uso ou fruição de imóveis do seu domínio privado, ou para a exploração de empresas comerciais ou industriais, tenha ou não começado a exploração;
p) As procurações ou substabelecimentos que concedam poderes de disposição do bem ao procurador e sejam irrevogáveis sem o acordo do interessado, nos termos do n.º 3 do artigo 258.º do Código Civil;
q) Qualquer outro documento, papel ou acto que transfira os poderes de facto de utilização e fruição de um bem ou direito.
4. Presume-se, sendo admitida prova em contrário, o conhecimento do mandatário ou substabelecido nas procurações ou substabelecimentos referidos na alínea p) do número anterior.
5. O pagamento do imposto do selo nas procurações ou substabelecimentos referidos na alínea p) do n.º 3 que prevejam a celebração de negócio consigo mesmo desoneram o mandatário ou substabelecido do pagamento do imposto aquando da celebração desse negócio.
6. Não são tributadas em imposto do selo as adjudicações ou arrematações nem as cessões da posição contratual referidas nas alíneas a) e h) do n.º 3, respectivamente, quando tenham por objecto bens imóveis que, por força de lei especial, devam ser revendidos decorrido prazo certo”.

“ Artigo 52.º
1. O imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito, sem que o pagamento sane a invalidade, a ineficácia ou a ilicitude.
2. A apresentação pelo sujeito passivo de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição.
3. Não há lugar à restituição se a importância a restituir for inferior a 500 patacas”.

Apreciando idêntica “questão” tratada no Acórdão recorrido chegou esta Instância a solução inversa à aí adoptada, considerando-se que:

“Quando, de acordo com as respectivas condições negociais da leiloeira particular, a arrematação não foi seguida pela conclusão da compra e venda dos bens móveis leiloados, por desistência do arrematante, não ocorreu o facto tributário previsto no artigo 5.º da Tabela Geral do Imposto de Selo”; (cfr., o Acórdão deste T.U.I. de 30.07.2019, Proc. n.° 43/2015, proferido em sede do recurso do referido Acórdão do T.S.I. de 05.02.2015).

Consignou-se – em síntese – no referido veredicto deste Tribunal de Última Instância que:

“(…) não têm aqui qualquer aplicação as regras da venda judicial em processo executivo (aliás já revogadas), ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido, pois estamos no âmbito do Direito Privado, em que valem, em primeira mão, as condições negociais das partes.
Mas mesmo em processo judicial executivo, se não se conseguir cobrar o preço da venda judicial, mesmo mediante arresto de bens do comprador, o juiz pode sumariamente dar sem efeito a venda, para que os bens voltem a ser vendidos (artigo 793.º do Código de Processo Civil), sem que o comprador tenha de pagar as obrigações fiscais, ficando apenas responsável pela diferença do preço e pelas despesas a que der causa (artigos 793.º, n.º 2 e 795.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Afastada a tese da aplicação das normas sobre a venda judicial por arrematação em hasta pública, no processo executivo, no Código de 1961, à arrematação de bens móveis por leiloeira particular fora do processo executivo, temos de apurar que regras serão de aplicar.
Ora, estas não podem deixar de ser as regras dos regulamentos internos das leiloeiras, que os particulares aceitam, ao intervir nos respectivos leilões.
Recorde-se que mesmo quando a venda judicial de bens móveis, no processo executivo, tem lugar por venda em empresa de leilão, nos termos do n.º 3 do artigo 800.º do Código de Processo Civil, “A venda é feita pelo pessoal da empresa, segundo as regras em uso”.
Resulta do artigo 19.º das condições negociais da leiloeira dos autos (processo instrutor) que o contrato de compra e venda é assinado depois da licitação, donde se retira que a arrematação não completa o contrato, sendo mero acto preparatório.
De resto, que a arrematação é um mero acto preparatório da compra e venda, nos leilões particulares, é essa a prática das leiloeiras internacionais:
Por exemplo, Condições negociais de Cabral Moncada Leilões:
“ART. 12º - A titularidade sobre o bem só se transfere para o comprador depois de paga à “Cabral Moncada Leilões” a quantia total da venda em numerário, cheque visado ou transferência bancária. No caso de o pagamento se efectuar através de cheque não visado, só se considera paga a quantia total da venda depois de boa cobrança, independentemente do bem poder estar já na posse do comprador.
Até à transferência de titularidade, nos termos previstos no parágrafo anterior, o bem permanece propriedade do vendedor”.
Ou
“TERMS AND CONDITIONS OF SALE
PALÁCIO DO CORREIO VELHO – LEILÕES E ANTIGUIDADES, S.A.”
“Article 8
(Transfer of Ownership of the Lots)
Ownership of the auctioned lot(s) will not be transferred to the Buyer until full payment of the Total Amount Due”.
Assim, quando o artigo 5.º da Tabela Geral do Imposto de Selo manda tributar as “arrematações de produtos, de géneros e de bens ou direitos sobre móveis ou imóveis, sobre o preço da arrematação ou da adjudicação”, tem de se entender que a tributação só ocorre naqueles casos em que, de acordo com o respectivo regime jurídico, a transmissão do móvel se consuma com a arrematação ou a adjudicação.
Como, no caso dos autos, a arrematação não foi seguida pela conclusão da compra e venda dos bens móveis leiloados, por desistência do arrematante, não ocorreu o facto tributário previsto no artigo 5.º da Tabela Geral do Imposto de Selo.
(…)”; (cfr., fls. 26 a 28 do citado aresto).

Ora, temos como acertado e de manter o assim entendido, pois que se apresenta legalmente adequado e em sintonia com o desejável e saudável equilíbrio entre a iniciativa comercial (particular), a autonomia da vontade das partes e a própria teleologia e finalidade do Imposto do Selo; (cfr., sobre a questão e sobre a “controvérsia” da cobrança de Imposto do Selo em “arrematações que não sejam concluídas com sucesso”, o Parecer n.° 1/VI/2017 da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa de Macau).

Com efeito, no caso dos autos, resulta (também) do regime que regula as “condições negociais da leiloeira”, ora recorrente, que o contrato de compra e venda é assinado depois da licitação; (cfr., cláusula n.° 19, a fls. 88).

E sendo, (como se referiu no citado Acórdão deste Tribunal), que o art. 800° do C.P.C.M., que regulando a “venda em empresa de leilão” prescreve no seu n.° 3 que “A venda é feita pelo pessoal da empresa, segundo as regras em uso”, (ainda que em sede de processo executivo), visto se apresenta que a razão está do lado da ora recorrente.

Na verdade, importa também atentar que no n.° 4 deste mesmo preceito se estatui que “O gerente da empresa deposita o preço líquido na entidade responsável pela Caixa Geral do Tesouro do Território, à ordem do tribunal, e faz juntar ao processo o respectivo conhecimento, nos 5 dias posteriores à realização da venda, sob pena das sanções prescritas no n.º 2 do artigo 740.º”, havendo que se atribuir conteúdo útil ao assim estatuído, nomeadamente, atentas as expressões “preço líquido” e “realização da venda”, sob pena de sobre o leiloeiro recair um (pesado) “ónus” sem motivos que o justifiquem; (note-se que de acordo com a “Lei do Orçamento” dos anos de 2018, 2019 e 2020, esta “matéria” tem vindo a beneficiar de “isenção do imposto do selo”; cfr., v.g., o art. 13° da Lei n.° 22/2019, in B.O. n.° 52, de 31.12.2019).

Não se olvida que com o art. 52° do Regulamente do Imposto do Selo – pelo Acórdão recorrido invocado para a decisão a que chegou – pretende-se um eficaz combate à evasão e fraude fiscal.

Porém, cremos que adequado é “separar as águas”, não sendo de se equiparar ou integrar a situação dos autos às previstas no aludido art. 52° do Regulamente do Imposto do Selo, pois que, o que em causa está é, em boa verdade, um mero “acto” (provisório ou preparatório) que valida um “lanço” – isto é, uma oferta de preço feita por um licitante para a compra de um determinado lote no decurso de uma licitação – mas que se encontra, (saliente-se), condicionado (pelas regras próprias “em uso” do leiloeiro) a uma (posterior) “confirmação” com a celebração do “contrato de compra e venda”, cuja falta permite que se desconsidere o lanço efectuado com a reposição do lote a leilão.

Dir-se-á – quiçá – que não se vislumbram motivos para se diferenciar o “regime de venda em empresa de leilão” do que vigora para a “transmissão de qualquer bem”, nomeadamente, e para o que aqui interessa, para “efeitos fiscais em sede de imposto do selo”, (quando, como para a situação dos autos, aplicável não é a referida “isenção” do seu pagamento).

Todavia, e em nossa opinião, a diferença está (precisamente) em que para situações como a sub judice, (especialmente) prevista está a regra do art. 800°, n.° 3 do C.P.C.M., que determina que se apliquem “as regras em uso” da empresa de leilão, sendo de se ter em conta que se estas dispõem (claramente) que o “contrato de compra e venda é celebrado depois da licitação”, razoável não se mostra de, (mesmo assim), considerar irrelevante a desistência do arrematante, pois que se estaria não só a afastar (indevidamente) as “regras em uso da leiloeira”, mas o próprio comando do referido art. 800° do C.P.C.M..

Aqui chegados, e outra questão não havendo a apreciar, impõe-se a decisão que segue.

Decisão

3. Nos termos do expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e anulando-se o acto administrativo recorrido.

Sem custas.

Registe e notifique.

Macau, aos 26 de Fevereiro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo – Sam Hou Fai – Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

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