打印全文
Processo nº 546/2019
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Fevereiro de 2020
Descritores:
- Revisão de sentença
- Divórcio

SUMÁRIO

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, do CPC negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.



Proc. nº 546/2019

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo feminino, divorciada, de nacionalidade chinesa, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º 7XXXXX3(1), emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM em 2 de Dezembro de 2015, com endereço de contacto no Edifício XX, Bloco XX, XX, XX.º andar XX, Taipa, doravante designada por “Requerente”, ---
Instaurou neste TSI, Acção Especial de Revisão e Confirmação de Decisões Proferidas por Tribunais do Exterior de Macau ---
Contra:
B, do sexo masculino, divorciado, de nacionalidade japonesa, portador do passaporte do Japão n.º TR5XXXXX2, emitido pela autoridade competente do Japão em 18 de Abril de 2016, residente actualmente no Japão, C/O XX, 2-XX-5 XX, XX, XX.
*
O requerido não contestou e o digno Magistrado do MP mão manifestou oposição ao deferimento do pedido.
*
Cumpre conhecer.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1. Em 26 de Novembro de 2013, a Requerente e o Requerido contraíram o casamento civil e procederam ao registo na Conservatória do Registo Civil de Macau.
2. Em 27 de Março de 2018, ou seja, 27 de Março do Ano 30 da Era Heisei do calendário japonês, a Requerente e o Requerido pediram o registo de divórcio junto do chefe de Minato de Tóquio do Japão, o qual foi admitido. (“Certificado de Admissão do Divórcio” constante do Doc. 4 junto com a p.i. )
3. Na constância do casamento entre a Requerente e o Requerido, nasceu uma filha, C, menor, que actualmente tem 3 anos de idade. (Doc. 4 junto com a p.i.)
4. Requerente e o Requerido concordam que o poder paternal da filha menor C seja exercido pela Requerente (também cit. doc. 4).

5. Após a apreciação, o chefe do Minato de Tóquio do Japão autorizou o divórcio entre a Requerente e o Requerid, bem como o exercício do poder paternal de C por parte da Requerente. (cit. doc. 4)
6. Requerente e o Requerido concluíram o registo de divórcio no dia 27 de Março de 2018 nos termos da lei do Japão.
7. Conforme a lei do Japão, foi também alterado o estado civil constante do livro de registo familiar de B, requerido, de nacionalidade japonesa, onde está averbado o divórcio deste com o cônjuge A em 27 de Março de 2018. (Doc. 7)
8. O aludido certificado de admissão do divórcio foi elaborado pelo chefe do Minato de Tóquio do Japão e nele foi aposto o carimbo e a assinatura, pelo que, tal documento tem autenticidade (cfr. também Doc.4).
9. O referido “Certificado de Admissão” tem o seguinte teor:

“Certificado de Admissão
Apresentação
Notificação de divórcio
Data do pedido
27 de Março de 2018
Requerentes
***** (******)

***** (******)




Interessados
B (requerente)
Local do registo familiar XX一丁目XX番, XX, XX
B
    (Marido)


Nascido em XX/XX/19XX

A (requerente)

Nacionalidade Chinesa

    (Esposa)

Nascida em XX/XX/19XX

*****

    (*****)
Nascido em *****

*****

    (*****)
Nascido em ***
Conteúdo principal do pedido
【Espécie do divórcio】Divórcio por acordo
【Nome do/a filho/a cujo poder paternal é exercido pela esposa】C
N.º da emissão 0000062341
Certifica-se que o aludido pedido foi admitido em 27 de Março de 2018.
Aos 27 de Março de 2018
O Chefe do Minato de Tóquio
D
10. O certificado de registo tem o seguinte teor:
“Este certificado é processado para prevenir actos irregulares, cujo desenho é alterado conforme o ângulo de visão.
(1/1)
Certificado dos Assuntos Pessoais
Local do registo familiar original
Nome completo
XX第一街XX號, XX, Japão
B
Assunto do registo familiar

Mudança do registo


【Data em que muda o registo】29/3/2016
【Local do registo familiar original】 XX市XX XX門號1, XX
Pessoa registada no registo familiar
【Nome】B
【Data de nascimento】XX/XX/19XX
【Pai】C
【Mãe】D
【Filiação】Filho mais velho
Assuntos da identidade

    Nascimento
【Data de nascimento】XX/XX/19XX
【Local de nascimento】XX, XX
【Data da solicitação】XX/XX/19XX
【Solicitante】Pai
【Data de emissão da admissão】XX/XX/19XX
【Pessoa que admitiu】Chefe do Bairro de Suginami de Tóquio
---------------------------------------------------------------
Casamento
【Data de casamento】26/11/2013
【Nome do cônjuge】A
【Nacionalidade do cônjuge】Chinesa
【Data de nascimento do cônjuge】22/05/1987
【Forma de casamento】Forma aplicada em Macau da China
【Data de entrega do certificado】26/11/2014
【Data de emissão da admissão】18/12/2014
【Pessoa que admitiu】Cônsul-Geral em Hong Kong
【Registo familiar original】 XX市XX XX門號1, XX C
---------------------------------------------------------------
Divórcio
【Data de divórcio】27/03/2018
【Nome do cônjuge】A
【Nacionalidade do cônjuge】Chinesa

(Espaço em branco)


N.º da emissão: 01328372
Certifica-se por este meio escrito que é o conteúdo integral constante do registo familiar sobre uma parte das pessoas deste.
27/9/2018
      O Chefe do Minato de Tóquio, D Carimbo
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação verificada perante a entidade administrativa competente para receber os pedidos de divórcio e proceder ao respectivo registo depois de confirmar que as partes reúnem os requisitos.
Eles revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão administrativa que decretou o divórcio requerido pela ora requerente com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação e o registo que se lhe seguiu. Nessa decisão está consignado que o poder paternal sobre o filho comum dos cônjuges, de nome C.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal e a regulação do exercício do poder paternal sobre os filhos menores.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, a decisão de 27/03/2018 acima transcrita começa a produzir efeitos a partir desse dia. A decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na RAEM (cfr. trb. Ac. do TSI, de 30/05/2013, Proc. nº 244/2013, igualmente sobre uma decisão proferida no Japão) e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão do Chefe do Minato de Tóquio, de 27/03/2018, nos precisos termos transcritos no ponto 9 dos factos.
Custas pela requerente.
T.S.I., 27 de Fevereiro de 2020
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong



Proc. nº 546/2019 10