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Processo n.º 35/2017. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Auditora de contas. Cancelamento da inscrição como auditora de contas. Falsificação da declaração fiscal.
Data da Sessão: 13 de Novembro de 2019.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - Constitui a prática de crime de falsificação a actuação de auditora de contas, que elaborou e entregou na Administração Fiscal a declaração fiscal de rendimentos de empresa, para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos (Modelo M/1), onde fez constar, voluntária e conscientemente, como despesa de aquisição de materiais a outra empresa do Interior da China, a verba de MOP $2 060 000.00, que não respeita a aquisição de materiais, antes respeita a serviços de consultadoria. Esta procedeu assim na mira de conseguir uma redução do imposto a pagar pela empresa e assim lhe proporcionar um beneficio que lhe não era devido a qualquer título e que acarretava o correspectivo prejuízo da Fazenda Pública. Esse facto, ou seja, o valor de MOP$2 060 000.00 inscrito na declaração como despesa de aquisição de materiais é juridicamente relevante, porquanto daí resulta a sua imputação a título de custos ou perdas, o que não sucederia se fosse inscrito na sua real veste de despesa de consultadoria, pois neste último caso, como o serviço fora prestado por uma empresa do exterior e sem cumprimento dos requisitos previstos no artigo 8.º do Regulamento da Contribuição Industrial, não podia ser considerado como custo para efeitos fiscais por força do artigo 9.º do mesmo Regulamento.
II - A conduta mencionada na conclusão I - constitui falsificação da declaração fiscal e constitui infracção punida com a pena de cancelamento da inscrição como auditora de contas, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 4 do artigo 87.º do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 20 de Agosto de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças, que lhe aplicou a pena de suspensão do exercício de funções de auditora de contas durante 6 meses.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando a seguinte questão:
A conduta da recorrente não constitui, como foi entendido pelo acto recorrido, falsificação da declaração fiscal a seu cargo e a infracção prevista e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 87.º do Estatuto dos Auditores de Contas,
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
A recorrente é auditora de contas registada na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas com o nº XXX desde 2.2.2000.
A recorrente elaborou e assinou as declarações do imposto complementar de rendimentos relativas aos exercícios de 2008 e 2009 para a Cia. de Construção e Engenharia B, Lda, a qual é contribuinte do Grupo A com contabilidade organizada.
Do relatório técnico da contabilidade da Cia. de Construção e Engenharia B, Lda, do exercício de 2008, anexado ao modelo M/1 da Declaração de Rendimentos do ICR – Grupo A do exercício de 2008, constam como custos as despesas de consultadoria pagas à empresa C Construction Co., Ltd, no valor de MOP$2.142.400,00. (fls. 61 do processo disciplinar)
Entretanto, essas despesas de consultadoria não foram consideradas como custos fiscais nos termos do nº 4 do artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial por a prestadora de serviços de consultadoria não ter apresentado a declaração a que se refere o artigo 8º do mesmo Regulamento.
Em 30.7.2010, a recorrente assinou a declaração Modelo M/1, no quadro 16, reservado à declaração dos auditores/contabilistas/técnico de contas relativa ao imposto complementar de rendimentos – Grupo A referente ao exercício de 2009 da Cia. de Construção e Engenharia B, Lda, assim como os respectivos anexos. (fls. 22 e 23)
Em 31.7.2010, a referida declaração foi apresentada à Direcção dos Serviços de Finanças.
Nesse quadro 16 do Modelo M/1, a recorrente declarou, entre outros assuntos, o seguinte:
“Verifiquei/Verificámos os dados declarados nesta declaração de rendimentos, confirmando que estão conforme com os livros de escrituração da empresa, cujas “Demonstrações financeiras” foram elaboradas de acordo com as “Normas de Contabilidade” aprovadas pelo REGA nº 25/2005, não se tendo detectado qualquer violação às referidas Normas em todos os aspectos materiais.” (fls. 23 do processo disciplinar)
Nessa declaração foi apresentado o montante de MOP$2.060.000,00 como aquisição de materiais à empresa C Construction Co., Ltd, na “Discriminação dos Fornecedores do Exercício de 2009 da Companhia de Construção e Engenharia B, Lda”, anexada ao modelo M/1 da Declaração de Rendimentos do ICR do Grupo A do exercício de 2009 da contribuinte. (fls. 57 do processo disciplinar)
Esse montante de MOP$2.060.000,00 encontra-se incluído no total de MOP$223.527.182,00 constante do Relatório Técnico referente a materiais. (fls. 54 do processo disciplinar)
Não se encontra qualquer referência sobre as despesas de consultadoria na Declaração de Rendimentos do modelo M/1 do exercício de 2009 nem nos documentos a ela anexados. (fls. 57, 22 e 23 do processo disciplinar)
Na análise da referida declaração feita pelo técnico da Divisão de Inspecção e Fiscalização Tributárias da Direcção dos Serviços de Finanças, detectaram-se anomalias nas despesas pagas à empresa C Construction Co., Ltd, pelo que se promoveu uma fiscalização para verificar a veracidade do conteúdo constante dessa declaração de imposto.
Conforme a escrituração da Companhia de Construção e Engenharia B, Lda, esse montante de MOP$2.060.000,00 pago à C Construction Co., Ltd corresponde a despesas de consultadoria. (fls. 20 e 38 do processo disciplinar)
Tratando-se do pagamento da primeira prestação referente ao Contrato de Consultadoria do Plano de Aproveitamento de Terreno celebrado em 18.3.2009 com a C Construction Co., Ltd. (fls. 37 do processo disciplinar)
A C Construction Co., Ltd é uma empresa da China Continental sem estabelecimento estável em Macau e não fez o registo fiscal previsto nos termos do artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial.
Por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, de 29.1.2014, foi fixado o rendimento colectável do exercício de 2009 nos termos propostos, nele se incluindo o valor de MOP$2.060.000,00.
Por despacho nº 003/DIR/2014 da Directora da DSF, datado de 23.1.2014, foi mandado instaurar processo disciplinar contra a recorrente. (fls. 104)
A recorrente foi acusada pela prática dolosa de falsificação da declaração fiscal da contribuinte relativa ao exercício de 2009, nos seguintes termos:
“Com base na prova alcançada com os documentos juntos aos presentes autos de processo disciplinar a fls. 20, 22 a 23, 25, 26, 27 a 28, 29, 31, 33, 34, 35, 36 a 37, 38, 40, 41, 42 a 43, 44, 45, 46 a 47, 49v a 49, 51v a 51, 52v a 52, 54v a 54, 55v a 55, 57, 59, 61v a 61, 90 a 92, 93, 94, 201, 225v a 237, 238 a 249 e 262v a 262, com os testemunhos a fls. 179 a 183, 188 a 192, 204 a 206 e 211 e 213 e com as declarações da arguida a fls. 218 a 223 dos presentes autos, apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da instrutora nos termos previstos do artigo 114º do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável ao processo disciplinar, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A arguida é auditora de contas registada na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas com o n.º XXX, de 02.02.00, conforme Lista de auditores de contas registados relativa a 31 de Dezembro de 2013, publicada no Boletim Oficial da RAEM, II Série, n.º 3, n.º 2 suplemento de 15.01.14, e tem domicílio profissional na [Endereço (1)].
2. A arguida foi, pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 99/2013, publicado no Boletim Oficial da RAEM, II Série, n.º 1, de 02.01.14, nomeada Vogal suplente da Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas até 31 de Dezembro de 2014.
3. A arguida elabora e assina as declarações de impostos para a Cia. de Construção e Engenharia B, Lda.
4. A Cia. de Construção e Engenharia B, Lda é um contribuinte do Grupo A com contabilidade organizada.
5. No dia 30 de Junho de 2009, a arguida assinou a declaração Modelo M/1, no quadro 16, reservado à declaração dos auditores/contabilistas/técnico de contas relativa ao imposto complementar de rendimentos – Grupo “A” referente ao exercício de 2008 da Cia. De Construção e Engenharia B, Lda, assim como os respectivos anexos.
6. A referida declaração foi recebida no departamento de Auditoria Inspecção e Justiça Tributária, no Núcleo de Imposto Complementar – Grupo A, da Direcção dos Serviços de Finanças, em 31 de Julho de 2009.
7. Relativamente ao exercício de 2008 foi pago pela contribuinte à “C Construction Co., Lda”, o montante de MOP$2.142.400,00 a título de despesas de consultadoria.
8. A “C Construction Co., Lda” é uma empresa da China continental sem estabelecimento estável em Macau.
9. Foi aquele montante registado como custos de prestações de serviços no Anexo A da declaração de rendimentos para fins de dedução fiscal (fls. 52).
10. Do relatório técnico da contabilidade relativo ao exercício de 2008, anexado ao Modelo M/1 da Declaração de Rendimentos, no ponto 4, relativo a receitas e despesas dos honorários de consultadoria, consta como custos as despesas de consultadoria pagas à “C Construction Co., Lda” no valor de MOP$2.142.400,00. (fls. 61)
11. No ponto 5 do mesmo relatório, relativo aos custos do exercício, consta o valor de MOP$172.011.698,00 no qual se encontram incluídas as despesas com aquisições de materiais.
12. Na relação dos fornecedores em anexo à mesma declaração constam as despesas de aquisição de materiais pagas à “C Construction Co., Lda” nos valores respectivamente de MOP$12.295.000,00 e de MOP$18.540.000,00. (fls. 59)
13. No registo contabilístico de fls. 29, relativamente ao dia 31.07.2008, consta, sob a rubrica 18210-0002 outras despesas – despesas de análise e consultadoria, a transacção relativa a consultadoria para as obras de Sec Pai Van no valor de MOP$2.142.400.00.
14. Esse movimento é relativo ao pagamento de HKD$2.080.000,00 que foi solicitado, em 29.07.08, pela “C Construction Co., Lda” (fls. 27) a efectuar à Sra. D relativamente ao Planeamento do Aterro de Sec Pai Wan.
15. Ou seja, ao “Contrato de Consultadoria do Plano de Aproveitamento do Terreno” de 18.05.08 a fls. 28.
16. Que foi pago em 30.07.08. (fls. 26)
17. Correspondendo ao recibo no valor de HKD$2.080.000,00 (fls. 25) que refere destinar-se ao pagamento de despesas de consultadoria do Planeamento dos Aterros de Sec Pai Wan.
18. Valor esse que convertido em patacas à taxa de 1.03 referida no registo de fls. 29 resulta no valor de MOP$2.142.400,00.
19. Estas despesas de consultadoria não foram consideradas como custos fiscais nos termos do n.º 4 do artigo 9º do RCI por a prestadora de serviços de consultadoria “C Construction Co., Lda” não ter apresentado a declaração a que se refere o artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial, conforme lhe foi solicitado pela Administração Fiscal.
20. Com efeito, no “Mapa de apuramento do lucro tributável” relativo ao exercício de 2008, a fls. 51 verso, na linha 14 foi corrigido o valor de MOP$2.142.000,00 com a referência que “As despesas não estão de acordo com o artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial”.
21. No quadro 10 em observações é referido que “De acordo com a resposta dada pela contribuinte em 27 de Abril de 2011, a sua empresa de consultadoria “C Construction Co., Lda” não tem registo fiscal na DSF conforme o artigo 8º do RCI, assim, nos termos do n.º 4 do artigo 9º desse mesmo Regulamento as respectivas despesas de consultadoria não são consideradas como despesas fiscais”. (fls. 51)
22. Por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de 11.10.11 foi fixado o rendimento colectável nos termos propostos, nele se incluindo o valor de MOP$2.142.400,00.
23. No dia 30 de Junho de 2010, a arguida assinou a declaração Modelo M/1, no quadro 16, reservado à declaração dos auditores/contabilistas/técnico de contas relativa ao imposto complementar de rendimentos – Grupo “A” relativo ao exercício de 2009 da Cia. de Construção e Engenharia B, Lda., assim como os respectivos anexos.
24. A referida declaração foi recebida no Departamento de Auditoria Inspecção e Justiça Tributária, no Núcleo de Imposto Complementar – Grupo A, da Direcção dos Serviços de Finanças, em 31 de Julho de 2010.
25. A assinatura bem como o nome da arguida A e o seu n.º de cartão profissional XXXX vem seguido à seguinte expressão: “Verifiquei/Verificámos os dados declarados nesta declaração de rendimentos, confirmando que estão conforme com os livros de escrituração da empresa, cujas “Demonstrações financeiras” foram elaboradas de acordo com as “Normas de Contabilidade” aprovadas pela REGA n.º 25/2005, não se tendo detectado qualquer violação às referidas Normas em todos os aspectos materiais”. (fls. 23)
26. No entanto, o declarado na Declaração de Rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos e sues anexos, não coincide com os dados constantes da escrita do referido exercício.
27. Naquela declaração foi apresentado o montante de MOP$2.060.000,00 como aquisição de materiais à empresa de Cantão “C Construction Co., Lda”, na “Discriminação dos fornecedores do Exercício de 2009”. (fls. 57)
28. “C Construction Co., Lda” que é uma empresa da China continental sem estabelecimento estável em Macau.
29. Esse montante encontra-se incluído no total de MOP$223.527.182,00 constante do Relatório Técnico referente a materiais. (fls. 54)
30. Não tendo sido feita qualquer referência no Relatório Técnico de 2009 a despesas de consultadoria.
31. Ou seja, na Declaração de Rendimentos modelo M/1 relativa ao exercício de 2009 ou nos documentos a ela anexados não consta qualquer referência a despesas de consultadoria.
32. Todavia, na escrituração da Cia. de Construção e Engenharia B, Lda. o montante de MOP$2.060.000,00 pago à “C Construction Co., Lda”, corresponde a despesa de consultadoria.
33. Com efeito, no registo contabilístico a fls. 38, relativamente ao dia 31.05.09, consta o valor de MOP$2.060.000,00, sob a rubrica 18210-0002 outras despesas – despesas de análise e consultadoria, bem como o seu pagamento à senhora D.
34. Daquele registo resulta que o valor de MOP$2.060.000,00 é o resultado da conversão em patacas da quantia de HKD$2.000.000,00 à taxa de câmbio 1 HKD - 1.03.
35. Esse movimento é relativo ao pagamento do montante de HKD$2.000.000,00 que foi solicitado, em 29.05.09, pela “C Construction Co., Lda” (fls. 35) a efectuar à Sra. D relativamente à primeira prestação referente ao Contrato de Consultadoria e de Planeamento celebrado em 18.03.09 a fls. 37.
36. Por aquele contrato a “C Construction Co., Lda” foi contratada para prestar serviços de consultadoria especializada em Macau para a proposta de desenvolvimento do plano de Aterros de Sec Pai Wan Coloane em Macau.
37. Sendo a primeira prestação no valor de HKD$2.000.000,00 conforme contrato que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
38. Que foi pago pelo cheque da contribuinte (fls. 34) datado de 29.05.09 no valor de HKD$2.000.000,00 à ordem da Senhora D.
39. A que corresponde o recibo de fls. 33 no mesmo valor emitido pela “C Construction Co., Lda” que faz menção a que é relativo à primeira prestação do contrato celebrado em 18.03.09.
40. Da demonstração do exercício de 2009 da contribuinte, a fls. 20 estão nitidamente registadas na rubrica da conta “18210-00002 outras despesas – despesas de análise e consultadoria”, as despesas de consultadoria, no valor de MOP$2.060.000,00, referidas como “despesas de consultadoria pagos à C Construction Co., Ltd”.
41. A outra quantia paga à Companhia C Construction Co., Lda do montante de MOP$85.047.762,04 constante da relação de fornecedores relativa ao exercício de 2009 corresponde, conforme verificado por amostragem, a contratos de aquisições de materiais que expressamente referem ser contratos de aquisição de materiais resultando isso mesmo do seu conteúdo (fls. 42, 43, 46 e 47) bem como das solicitações para pagamentos no seu âmbito (fls. 40, 41, 44 e 45).
42. A verdadeira natureza da despesa de MOP$2.060.000,00 só foi apurada na sequência de exame à escrita em virtude do técnico encarregado da análise da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2009 ter sido o mesmo que procedeu à análise da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2008 e ter verificado a continuação de movimento comercial com a empresa sem estabelecimento estável na RAEM cujos pagamentos não tinham sido aceites como custos fiscais, tendo relativamente ao exercício de 2009 sido apenas indicadas despesas com aquela empresa a título de aquisição de materiais.
43. Na sequência dos elementos apurados em sede de inspecção no “Mapa de apuramento do lucro tributável” relativo ao exercício de 2009 a fls. 262 na linha 14 foi corrigido o valor de MOP$2.060.000,00 com a referência de que “São custos que violam o artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial”.
44. No quadro 10 em observações é referido “Os fiscais verificaram que aquelas despesas foram pagas à fornecedora C mas esta não fez o seu registo fiscal nos termos do artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial. Nos termos do n.º 4 do artigo 9º do referido Regulamento e de acordo com o despacho de 31.10.13 da Directora (e dos detalhes na informação n.º 0285/DIFT/DAIJ/2013) as respectivas despesas de consultadoria não foram aceites como despesas fiscais (fls. 262 verso)”.
45. Por despacho do Senhor Subdirector dos Serviços de 29.01.14 foi fixado o rendimento colectável nos termos propostos nele se incluindo, portanto, o valor de MOP$2.060.000,00.
46. A arguida bem sabia que o montante de MOP$2.060.000,00 constava da escrita como despesa de consultadoria e que a mesma correspondia a consultadoria sobre aterros prestada pela C Construction Co., Ltd em Macau.
47. E que a C Construction Co., Ltd era uma Companhia da China continental sem estabelecimento estável em Macau.
48. A arguida decidiu, no entanto, colocar essa despesa como despesa de aquisição de materiais fazendo-a registar desse modo no relatório técnico e na relação de fornecedores anexos à Declaração de Rendimentos modelo M/1.
49. Inserindo, pois, na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2009 dados que sabia não corresponderem à realidade alterando a natureza daquela despesa.
50. Certificando na dita declaração em como verificou os dados da declaração e de que estavam em conformidade com os livros de escrituração da empresa o que não era verdade.
51. Integrando, embora ambas as despesas, de aquisição de materiais e de consultadoria, o conceito de custo a deduzir da matéria colectável, quando está em causa uma empresa sem estabelecimento estável em Macau e que aqui preste os serviços a que se refere o n.º 3 do artigo 9º do Regulamento da Contribuição Industrial e que aqui não fez a declaração fiscal nos termos do artigo 8º do mesmo Regulamento, tal implica que a despesa de consultadoria não pode ser aceite como custo fiscal em conformidade com o n.º 4 do citado artigo 9º.
52. O que era do conhecimento da arguida.
53. Constituindo matéria fiscalmente relevante fazer constar determinada despesa como de aquisição de materiais em vez de consultadoria.
54. Impossibilitando ou dificultando à Administração Fiscal apurar a prestação tributária que relativamente aos contribuintes pertencentes ao Grupo A são tributados nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças, nos termos do n.º 2 do artigo 4º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
55. A arguida agiu do modo descrito porque ao ocultar a verdadeira natureza da despesa como de consultadoria a Administração Fiscal não iria solicitar a prova do cumprimento por parte da C Construction Co. Ltd, do disposto no artigo 8º do Regulamento da Contribuição Industrial, ou seja, solicitar a prova do registo fiscal daquela em Macau, e desse modo não fazer integrar no rendimento colectável da sua cliente o montante de MOP$2.060.000,00, tendo sido determinada pela obtenção para o cliente de um benefício ilegítimo.
56. Bem sabendo que a C Construction Co., Ltd não tinha efectuado registo em Macau.
57. Uma vez que o disposto no n.º 4 do artigo 9º daquele Regulamento não se aplica aos contratos de aquisição de materiais mas tão só os contratos para a realização das actividades referidas no seu n.º 3 no âmbito do qual se encontram a prestação de serviços de consultadoria.
58. Situação que a arguida não ignorava.
59. A arguida agiu deliberada, livre, e conscientemente bem sabendo que com tal conduta infringia o dever geral de contribuir para o prestígio da profissão, desempenhando consciente e diligentemente as suas funções e evitando qualquer actuação contrária à dignidade da mesma e o dever para com a Administração Fiscal de se abster da prática de quaisquer actos que, directa ou indirectamente, conduzam à falsificação das declarações fiscais previstos, respectivamente na alínea a) do artigo 37º e na alínea c) do artigo 42º, ambos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro, assim como o dever de se pautar pelos princípios fundamentais consignados no Regulamento da Ética e Deontologia Profissional dos Auditores de Contas, aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 36/2004, adoptando uma conduta que prestigie a profissão, e o dever de observar os princípios de integridade, respeitar as leis, regulamentos e normas técnicas, e possuir competência profissional, previstos no artigo 2º, no n.º 1 do artigo 3º, no n.º 2 do artigo 5º e no n.º 1 do artigo 6º, todos do citado Regulamento da Ética e Deontologia Profissional, deveres estes a que está adstrita enquanto auditora de contas registada, o que foi por si previsto e querido.
60. Nada consta do registo disciplinar da arguida.”
Por despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, de 20.8.2014, foi aplicada à recorrente uma pena de suspensão da profissão pelo período de 6 meses, por violação dolosa dos deveres previstos no artigo 2º, nº 1 do artigo 3º, nº 2 do artigo 5º e nº 1 do artigo 6º do Regulamento da Ética e Deontologia Profissional aprovado pelo Regulamento Administrativo nº 36/2004, e os previstos na alínea a) do artigo 37º e alínea c) do artigo 42º do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 71/99/M, de 1 de Novembro. (fls. 481)

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas, tratando-se de saber se a conduta da recorrente constitui, como foi entendido pelo acto recorrido, falsificação da declaração fiscal a seu cargo e se constitui infracção punida com a pena de cancelamento da inscrição como auditora de contas, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 4 do artigo 87.º do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro e atenuada especialmente para a pena de suspensão do exercício de funções durante 6 meses, como foi decidido por aquele acto.
Não se conhece do alegado erro grosseiro, injustiça notória e manifesta desproporção da aplicação pela recorrente da Norma Internacional de Contabilidade 11, violações não arguidas na petição de recurso contencioso, visto este Tribunal de recurso não conhecer de questões novas, que não sejam de conhecimento oficioso.

2. Qualificação dos factos imputados à recorrente
O acórdão recorrido considerou:
«Em boa verdade, a alteração da natureza do montante de MOP$2.060.000,00 é um facto inquestionável, e nada justifica que a recorrente tenha classificado o contrato celebrado em 18.3.2009, intitulado “Contrato de Consultadoria do Plano de Aproveitamento de Terreno” como um contrato de aquisição de materiais e inserido o respectivo pagamento na Declaração de Rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos referente ao exercício de 2009 como despesa de aquisição de materiais, se, face aos termos do próprio contrato, aquele valor se refere a despesa de consultadoria.
Aliás, a prova constante dos autos aponta inequivocamente que aquele montante de MOP$2.060.000,00 relativo ao exercício de 2009 revestiu a natureza de despesa de consultadoria».
O TUI, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, não censura a decisão de facto do TSI.
Como se diz no parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público, “resulta que a recorrente, enquanto auditora de contas, e relativamente ao exercício do ano de 2009, firmou e fez entregar na Administração Fiscal a declaração fiscal de rendimentos da empresa "Companhia de Construção e Engenharia B, Limitada" para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos (Modelo M/1). Em tal declaração fez constar, voluntária e conscientemente, como despesa de aquisição de materiais à empresa "C Construction Co., Ltd", da China continental, a verba de MOP $2 060 000.00. Todavia, essa despesa não respeita a aquisição de materiais, nem está escriturada como tal nos livros da "Companhia de Construção e Engenharia B, Limitada"; antes respeita a serviços de consultadoria e assim está registada na escrita da empresa, o que era do pleno conhecimento da recorrente. Esta procedeu assim na mira de conseguir uma redução do imposto a pagar pela "Companhia de Construção e Engenharia B, Limitada" e assim lhe proporcionar um beneficio que lhe não era devido a qualquer título e que acarretava o correspectivo prejuízo da Fazenda Pública1.
Tal actuação, destinada a enganar a Administração Fiscal, substancia a prática de um crime de falsificação de documento (declaração fiscal de rendimentos), tal como foi considerado no acto punitivo e confirmado pelo acórdão impugnado. Com efeito, a recorrente fez inscrever falsamente - porque sem correspondência com o facto que se destinava a reproduzir - no documento/declaração fiscal de rendimentos, um facto juridicamente relevante. Esse facto, ou seja, o valor de MOP$2 060 000.00 inscrito na declaração como despesa de aquisição de materiais é juridicamente relevante, porquanto daí resulta a sua imputação a título de custos ou perdas, o que não sucederia se fosse inscrito na sua real veste de despesa de consultadoria, pois neste último caso, como o serviço fora prestado por uma empresa do exterior e sem cumprimento dos requisitos previstos no artigo 8.º do Regulamento da Contribuição Industrial, não podia ser considerado como custo para efeitos fiscais por força do artigo 9.º do mesmo Regulamento. A acção é manifestamente dolosa porque foi querida pela recorrente, foi adoptada com perfeito conhecimento da discrepância entre o registo contabilístico da empresa e o exarado na declaração de rendimentos, e foi dirigida a proporcionar um beneficio ilegítimo à custa do prejuízo da Fazenda Pública”.
É que, constitui a prática de crime de falsificação fazer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou à Região ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.
Assim, a recorrente praticou a infracção punida com a pena de cancelamento da inscrição como auditora de contas, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 4 do artigo 87.º do Estatuto dos Auditores de Contas.
O recurso não merece provimento.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Macau, 13 de Novembro de 2019.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
  
     1 Como a entidade recorrida explica, a circunstância de estar em causa a aquisição de um serviço de consultadoria a uma empresa da China continental, sem estabelecimento estável em Macau, e que não apresentara a declaração prevista no artigo 8.° do Regulamento da Contribuição Industrial, conduz a que, nos termos do artigo 9.°, n.º 4, do aludido Regulamento, não possa a recorrente apresentar como custos, para efeitos fiscais, a importância despendida com aquela aquisição.
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Processo n.º 35/2017

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Processo n.º 35/2017