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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 04/03/2020 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng .-------------------------------------------------------------------------

Processo n.º 114/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por sentença proferida a fls. 18 a 19 do Processo Contravencional n.° CR4-19-0275-PCT do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A pela prática de uma contravenção ao disposto sobretudo no art.o 98.o, n.o 4, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), na pena acessória de inibição de condução por dois meses e quinze dias.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando à decisão recorrida a verificação de erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP) na parte referente à decidida não comprovação da profissão dele como motorista para efeitos a relevar do n.o 1 do art.o 109.o da LTR, para além de opinar ser excessiva a medida da duração da pena acessória em causa, a fim de rogar a suspensão da execução da inibição da condução, ou, subsidiariamente, a redução da duração dessa inibição (cfr. em detalhes, o alegado na sua motivação apresentada a fls. 24 a 29 dos presentes autos correspondentes).
Respondeu o Ministério Público a fls. 33 a 35v no sentido de improcedência da argumentação recursória do arguido.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 43 a 44, pugnando também pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora sob impugnação se encontrou proferida a fls. 18 a 19 dos autos, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, à entidade julgadora do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Veio o arguido questionar a livre convicção do Tribunal sentenciador, no tocante à decidida não comprovação da profissão dele como motorista.
Pois bem, sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto. Aliás, esse Tribunal expôs congruentemente as razões da formação da sua livre convicção sobre os factos (segundo os quais o arguido é comerciante, e não motorista) (cfr. o teor da mesma fundamentação probatória, tecida no último parágrafo da fl. 18v e no primeiro parágrafo da fl. 19).
Como o resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel, improcede o vício de erro notório na apreciação da prova.
Não sendo o arguido motorista de profissão, é liminarmente inviável, na esteira da jurisprudência repetida do TSI nessa matéria, a ponderação sobre a suspensão da execução da sua pena acessória de inibição de condução, em sede do art.o 109.o, n.o 1, da LTR.
E agora da subsidiariamente pretendida redução da duração da inibição de condução:
Vistas todas as circunstâncias do caso já apuradas pelo Tribunal recorrido com pertinência à medida dessa pena acessória dentro da respectiva moldura de um a seis meses, aos padrões vertidos mormente nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 65.o, n.os 1 e 2, do CP, e tendo em conta as elevadas exigências da prevenção geral da contravenção em causa, é patente que a decisão tomada pelo Tribunal recorrido em condenar o arguido em dois anos e quinze dias de inibição de condução já é algo benévola a ele.
Improcede claramente o recurso, o qual, pois, deve ser rejeitado, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará o arguido as custas do recurso, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária pela rejeição do recurso.
Macau, 4 de Março de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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