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Processo nº 123/2019(I)
(Autos de recurso jurisdicional)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão datado de 29.11.2019 por este Tribunal de Última Instância prolatado nos presentes Autos de Recurso Jurisdicional, decidiu-se conceder provimento aos recursos pelo CHEFE DO EXECUTIVO e “A”, (“甲”), interpostos, e, revogando-se o Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido, declarou-se contenciosamente irrecorrível o acto administrativo impugnado; (cfr., fls. 1173 a 1176 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Notificados do assim decidido, vem as recorridas “B”, (“乙”) e “D”, (“丁”), arguir a nulidade do aludido veredicto.

No expediente que apresentaram, alegam o que segue:

“(…)
Padece o Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 571.°, n.° 1, alínea d) do CPC, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 1.° do CPAC
Determina o n.° 2 do artigo 563.° do CPC que "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras".
As causas de nulidade de sentença, taxativamente enumeradas no artigo 571.° do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável.
Nos presentes autos, o Chefe do Executivo da RAEM e A, ora Recorrentes, interpuseram recurso jurisdicional do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, em 12 de Setembro de 2019, nos autos do Proc. n.° 1137/2017.
Os Recorrentes vieram sustentar os seus recursos com a irrecorribilidade do acto recorrido por, alegadamente, as Recorridas não terem interposto recurso hierárquico necessário da decisão da comissão de abertura das propostas e com a errada interpretação da cláusula 10.1 do Programa do Concurso e dos artigos 24.° e 29.° do DL n.° 63/85/M.
Note-se que a violação da cláusula 10.1 do programa do Concurso pela Comissão de Apreciação, foi invocada pelas ora Recorridas no recurso contencioso interposto do acto de adjudicação (vg. parte III. Dos vícios do relatório de avaliação e do acto de adjudicação, artigos 46.° e ss. do recurso do acto de adjudicação) e igualmente suscitado pelas Recorrentes nas suas alegações no recurso jurisdicional.
Como se sabe, a avaliação das propostas e adjudicação dos serviços a prestar à Administração correspondem a um momento posterior ao do acto público de abertura e admissão de propostas apresentadas a concurso.
Por isso mesmo, a lei permite que os concorrentes preteridos interponham recurso do acto final, independentemente de terem ou não recorrido hierarquicamente de qualquer decisão que possa ser tomada pela Comissão de abertura das propostas.
Refere o artigo 6.° do DL n.° 63/85/M:
"Artigo 6.°
(Recurso contencioso)
1. Do acto que resolva a final o concurso cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 18.° do Estatuto Orgânico de Macau.
2. No recurso contencioso poderão ser discutidos os vícios de forma contra os quais se haja reclamado ou recorrido hierarquicamente sem êxito, desde que a observância da formalidade fosse susceptível de influir na decisão tomada.".
Certo é que as ora Recorridas não se limitaram a recorrer contenciosamente dos vícios contra os quais reclamaram sem êxito.
Tanto mais que na acta do acto público, relativamente à reclamação quanto ao número de folhas do programa de serviços do A exceder as 100 folhas, consta que "não cabe à Comissão decidir a aceitação ou não daquelas folhas no Programa de Serviços para além de 100 folhas, relegando essa decisão para a Comissão de Avaliação de propostas".
Por isso, foi alegado no recurso do acto de adjudicação:
I. que a Comissão de Avaliação das propostas valorou e pontuou o Programa de Serviços do Adjudicatário, nas 93 folhas extravagantes, conforme consta do relatório de Avaliação das propostas, junto como Doc. n.° 15 ao recurso do acto de adjudicação, e
II. que o Consórcio Adjudicatário apresentou na sua proposta, como elementos para verificação da sua capacidade e habilitação para contratar com o Governo da RAEM, contratos de serviços prestados em Macau pela [Water Tecnology], que foram objecto de grave censura no Acórdão proferido pelo TUI, em 31 de Maio de 2012, no Proc. n.° 37/2011, no Acórdão proferido pelo TJB, em 14 de Marco de 2014, no Proc. n.° CR1-12-0131-PCC, e no Acórdão proferido pelo TSI, em 17 de Julho de 2015, no Proc. n.° 368/2014, em que foi dado como provado que o ex-Secretário Ao Man Long e o responsável máximo da A praticaram 2 crimes de corrupção respectivamente passiva e activa, para actos ilícitos nos contratos supra mencionados.
Como se disse no recurso contencioso do acto de adjudicação a Comissão de Avaliação ignorou completamente o alcance e significado das decisões proferidas pelos Tribunais da RAEM e avaliou positivamente as experiências derivadas da prática de crimes de corrupção, atribuindo o valor de 90 pontos na parte de experiências do Adjudicatário, valoração que corresponde a 50% da pontuação da toda a proposta - cfr. Doc. n.° 15.
Ao ter valorado as folhas que excedem o limite permitido para o Programa de Serviços e ao ter dado pontuação máxima às experiências da [Water Tecnology] derivadas de contratos adjudicados por via de crimes de corrupção, a Administração violou a lei e premiou a A com um novo contrato, como se pudessem ser valoradas experiências que resultaram, comprovada mente, da prática de crimes de corrupção.
Ou seja, os vícios assacados no recurso do acto de adjudicação à errada avaliação daquela proposta que veio a sustentar a adjudicação final nada têm que ver com o acto público do concurso.
Note-se que o douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.° 1137/2017, de 12 de Setembro de 2019, faz expressa referência ao objecto do recurso do acto de adjudicação interposto oportunamente pelas então Recorrentes: "Passemos a ver o mérito do recurso: violação do programa 10.1, critério auto-vinculante da Comissão de Apreciação, vício imputado à Comissão de Avaliação. (…)", o que foi completamente ignorado no Acórdão proferido, em 29 de Novembro de 2019, por esse Venerando Tribunal.
Pois, o douto Tribunal de Última Instância pronunciou-se apenas sobre a irrecorribilidade do acto público do concurso, sem se pronunciar sobre o recurso do acto de adjudicação.
Assim, a nulidade ora invocada consiste na omissão de pronúncia, em directa conexão com os comandos ínsitos no artigo 563.°, pois o Tribunal não se pronunciou sobre questões cuja apreciação lhe foi solicitada.
A expressão "questões" prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do Tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Pelo que o Acórdão em causa padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 571.° do CPC, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 1.° do CPAC.
(…)”; (cfr., fls. 1184 a 1189).

*

Adequadamente processados os autos, sem demoras se passa a apreciar.

Fundamentação

2. Vem as identificadas recorridas arguir a nulidade do Acórdão por esta Instância proferido.

Em síntese, são de opinião que o mesmo padece de “omissão de pronúncia”, causa de nulidade prevista no art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M., aqui aplicável por força do art. 1° do C.P.A.C. – que ocorre quando, em colisão com o estatuído no art. 563°, n.° 2, do referido C.P.C.M., o Tribunal omite decisão sobre questão (adequadamente) colocada à sua apreciação – considerando que o Acórdão em questão “pronunciou-se apenas sobre a irrecorribilidade do acto público do concurso, sem se pronunciar sobre o recurso do acto de adjudicação”.

Cabe porém consignar que tão só por manifesto lapso se poderá considerar que com o Acórdão deste T.U.I. de 29.11.2019 se incorreu em “omissão de pronúncia”.

E muito não se apresenta necessário explicitar para o demonstrar.

Vejamos.

Tem o Acórdão em questão o teor seguinte:

“I – Relatório
O Consórcio B – C – D, formado pelas empresas B, C e D, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 11 de Dezembro de 2017, do Chefe do Executivo, que adjudicou a A a prestação dos Serviços de Operação e Manutenção para as Estações de Tratamento de Águas Residuais da Taipa e do Aeroporto Internacional de Macau.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 12 de Setembro de 2019, anulou o despacho recorrido.
Interpõem recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI) o Chefe do Executivo e A, suscitando as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão recorrido por oposição entre os fundamentos e a decisão, por se referir ao 5.º concorrente como tendo sido aquele que veio a obter a adjudicação, quando foi o 3.º concorrente; mas o acórdão recorrido anulou a adjudicação ao 3.º concorrente;
- Irrecorribilidade do acto administrativo, visto que das deliberações da Comissão do acto público do concurso cabe reclamação necessária para a própria Comissão, de cuja deliberação caberia recurso hierárquico necessário para a entidade adjudicante e o recorrente não intentou o mencionado recurso hierárquico;
- Não houve violação do ponto 10.1 do Programa do Concurso.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da nulidade e procedência das restantes questões suscitadas pelos recorrentes.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
 Por despacho do Chefe do Executivo proferido em 10/03/2017, lançado na proposta n.º 53/077/CGIA/2017 (fls. 1 a 3 do PA) – cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais –, foi autorizada a abertura do concurso para Serviços de Operação e Manutenção para as Estações de Tratamento de Águas Residuais da Taipa e do Aeroporto Internacional de Macau;
- Foram superiormente aprovados o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos do mesmo – constante de fls. 13 a 320, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais;
- A Comissão de Abertura de propostas do concurso em causa, no âmbito da sua competência, praticou um conjunto de actos, devidamente documentados nas suas actas, constantes de fls. 45 a 52, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais;
- Reproduz-se aqui também o teor das actas e dos relatórios da Comissão da Avaliação de propostas do concurso, constantes de fls. 19 a 36, 54 a 76, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pelos recorrentes.

2. Nulidade do acórdão recorrido
Suscita-se a nulidade do acórdão recorrido por oposição entre os fundamentos e a decisão, por se referir ao 5.º concorrente como tendo sido aquele que veio a obter a adjudicação, quando foi o 3.º concorrente; mas anulou a adjudicação ao 3.º concorrente.
A referência do acórdão recorrido, a fls. 1015, ao 5.º concorrente, como sendo o vencedor do concurso, foi mero lapso material, sem influência na decisão final.
Improcede a questão suscitada.

3. Irrecorribilidade do acto administrativo
No recurso contencioso foram suscitadas questões atinentes às deliberações da Comissão do acto público do concurso, relativas à admissão das propostas dos 3.º e 5.º concorrentes, sendo o primeiro o vencedor do concurso e ora recorrente.
O Consórcio B – C – D, que interpôs o recurso contencioso, reclamou de algumas deliberações da Comissão, designadamente da admissão do 3.º concorrente A, com fundamento em que o programa de serviços apresentado tinha mais de 100 folhas, o que violaria o ponto 10.1 do Programa de Concurso.
A Comissão indeferiu a reclamação.
O Consórcio B – C – D, não interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação.
Vejamos.
No acto público do Concurso, para admissão das propostas dos concorrentes, estes poderão reclamar das decisões da Comissão do acto público do concurso, relativas à admissão dos outros concorrentes e a outras questões atinentes ao Programa do Concurso e respectivo anúncio (artigos 27.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M, de 6 de Julho), que decidirá.
Dispõe o artigo 35.º do mesmo diploma legal:
Artigo 35.º
(Recurso hierárquico)
1. Das deliberações da comissão sobre as reclamações deduzidas poderá qualquer interessado recorrer para a entidade adjudicante, no próprio acto do concurso, ditando para a acta o requerimento do recurso.
2. No prazo de dez dias, o recorrente apresentará no Serviço por onde correr o processo do concurso as alegações do recurso.
3. O recurso deverá ser decidido pela entidade competente no prazo de dez dias a contar da data da entrega das alegações, não podendo proceder-se a adjudicação antes de decorrer esse prazo.
4. Se for atendido o recurso, praticar-se-ão os actos necessários para sanar os vícios arguidos e satisfazer os legítimos interesses do recorrente, ou anular-se-á o concurso.
Por sua vez, estatui o artigo 6.º:
Artigo 6.º
(Recurso contencioso)
1. Do acto que resolva a final o concurso cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 18.º do Estatuto Orgânico de Macau.
2. No recurso contencioso poderão ser discutidos os vícios de forma contra os quais se haja reclamado ou recorrido hierarquicamente sem êxito, desde que a observância da formalidade fosse susceptível de influir na decisão tomada.
Da conjugação destes preceitos resulta claro que o recurso hierárquico das decisões da Comissão do acto público do concurso  no procedimento de formação do contrato relativo à aquisição de bens e serviços para a Administração, a que se refere o Decreto-Lei n.º 63/85/M, de 6 de Julho, é necessário, isto é, constitui pressuposto da interposição de recurso contencioso com fundamento nas questões de forma e de procedimento, dado que, por um lado, não pode decidir-se a adjudicação sem estar decidido o recurso hierárquico, e, por outro, no recurso contencioso só poderão ser discutidos os vícios de forma contra os quais se haja reclamado ou recorrido hierarquicamente sem êxito.
O candidato preterido interpôs recurso contencioso, pretendendo discutir as questões decididas pela Comissão do acto público do concurso, sem que tenha interposto recurso hierárquico das decisões destas, que assim se consolidaram, impedindo o recurso contencioso do acto de adjudicação.
Daí a irrecorribilidade do acto administrativo.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso, revogam o acórdão recorrido, decidindo ser irrecorrível contenciosamente o acto administrativo.
(…)”; (cfr., fls. 1173 a 1176).

Ora, como se vê do que se deixou transcrito, apreciadas foram todas as questões colocadas em sede do recurso nos presentes autos interposto.

E nem se compreende como possa haver “omissão de pronúncia” em relação a – eventuais – questões de quem não seja recorrente, que em sede de contra-alegações se limitou a responder às (efectivamente) colocadas no âmbito do recurso para este Tribunal interposto, e que, (como se pode ver do ponto III do Acórdão proferido; cfr., fls. 1174 e segs.), foram adequadamente identificadas e analisadas, com expressa pronúncia quanto à sua (im)procedência.

Contudo, e seja como for, apresenta-se-nos de notar que o Acórdão em questão não deixa de dar resposta ao “inconformismo” das ora reclamantes, pois que com clara fundamentação de facto e de direito, deixou-se aí explicitado que por falta de oportuno “recurso hierárquico necessário” das decisões da comissão do acto público do concurso, estas não mais se podiam discutir, tornando, (como se acabou por decidir), contenciosamente irrecorrível o “acto administrativo de adjudicação”.

Nesta conformidade, e tendo-se declarado que as ditas decisões eram insusceptíveis de (nova) discussão, como considerar que se incorreu em omissão pronúncia?

Aliás, mal se alcança o pedido pelas ora reclamantes deduzido, parecendo pretender que o Tribunal se pronuncie sobre decisões (questões) que, como se consignou no Acórdão ora reclamado, (por falta de oportuna e adequada impugnação), se “consolidaram”, inviável, (inútil e ilícita), sendo assim a sua apreciação.

Decisão

3. Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordam indeferir a arguida nulidade.

Custas pelas reclamantes com taxa de justiça de 6 UCs.

Macau, aos 22 de Janeiro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

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