打印全文
Processo nº 1091/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 12 de Março de 2020

ASSUNTO:
- Convenção de arbitragem

SUMÁRIO:
- Nos termos do artº 1º do Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Macau, este tem por objecto promover a resolução de conflitos de consumo, de valor não superior a $50.000,00 patacas, que ocorram na RAEM, através da mediação, conciliação e arbitragem.
- Não sendo conflitos de consumo, as partes não podem convencionar submeter os conflitos de arrendamento urbano à resolução do referido Centro de Arbitragem.
O Relator,
Ho Wai Neng







Processo nº 1091/2019
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 12 de Março de 2020
Recorrente: A (Autora)
Objecto do recurso: Despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 13/06/2019, indeferiu-se liminarmente a petição inicial, absolveu a Ré B da instância por alegada incompetência dos Tribunais de Macau por preterição de tribunal arbitral
Dessa decisão vem recorrer a Autora A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida a fls. 55 e 55v dos autos que absolveu a Ré da instância por alegada incompetência dos Tribunais de Macau por preterição de tribunal arbitral.
II. A Recorrente está em crer que o Tribunal a quo nunca poderia ter dado provimento à excepção de preterição de tribunal arbitral invocada por se verificar, in casu, a renúncia tácita da convenção de arbitragem por parte da Recorrida.
III. Desde há muito que as partes em litígio nos presentes autos andam em contendas nos Tribunais da RAEM em virtude do contrato de arrendamento sub judicie, tendo corrido termos no Juízo de Pequenas Causas do Tribunal Judicial de Base o Processo n.º PC1-18-0166-COP e o Processo n.º PC1-18-0259-COP, em que são partes a aqui Recorrente e a aqui Recorrida.
IV. Nos sobreditos processos, em que se discutia a mesma questão sob discussão nos presentes autos - a falta de pagamento de rendas - a Recorrida não suscitou a questão da preterição do Tribunal Arbitral, de onde resulta evidente ter já renunciado tacitamente às faculdades resultantes da cláusula arbitral.
V. Assim, em virtude da renúncia à convenção de arbitragem a Recorrida estava impossibilitada de invocar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral voluntário pelo que o douto Tribunal a quo nunca poderia ter dado provimento à dita excepção.
Ainda que assim não se entenda,
VI. Da cláusula 8ª do contrato de arrendamento sub judice não se vislumbra a vontade expressa dos declaratórios em subtrair a resolução de um eventual litígio futuro à jurisdição pública estadual entregando-a em exclusivo Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Conselho de Consumidores.
VII. Aliás, nem a Recorrente, nem a Recorrida tiveram dúvidas em demandar e apresentar defesa nos sobreditos processos que correram termos no Juízo de Pequenas Causas do Tribunal Judicial de Base da RAEM, sem que tivessem suscitado a questão de preterição do tribunal arbitral.
VIII. Salvo devido respeito, da expressão "as partes concordam" não pode uma pessoa razoável, normalmente esclarecida e sagaz, retirar uma obrigação, uma atribuição de competência exclusiva de um litígio eventual e futuro a arbitragem.
IX. O que as partes quiseram e resultou expresso do contrato de arrendamento mais não foi do que a atribuição concorrente de jurisdição à arbitragem.
X. E se dúvidas houvesse, o seu comportamento posterior - de demandarem e se deixarem demandar no Juízo de Pequenas Causas do Tribunal Judicial de Base - é bastante para concluir que as partes nunca quiserem atribuir qualquer competência exclusiva ao Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Conselho de Consumidores.
Sem conceder,
XI. Sempre se diga que a dita Clausula 8ª é nula ou, pelo menos, inexequível.
XII. Do Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo resulta que o Centro não está preparado para dirimir todo e qualquer conflito, mas apenas e tão só (i) conflitos de consumo decorrentes do fornecimento de bens e serviços e (ii) cujo valor não seja superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância.
XIII. Nos presentes autos, o que se discute é a falta de pagamento de rendas devidas pelo uso da fracção autónoma objecto do contrato de arrendamento comercial celebrado entre Recorrente e Recorrida e a respectiva indemnização, o que não se inclui no conceito de conflito de consumo tal como definido no sobredito regulamento.
XIV. Por outro lado, o valor peticionado pela aqui Recorrente ultrapassa em muito a alçada dos Tribunais de Primeira Instância o que também impede o recurso ao centro de arbitragem do conselho de consumidores.
XV. Nos termos do disposto no nº 1 do art. 273.º do Código Civil (adiante designado por CC) a convenção arbitral constante da Cláusula 8 do Contrato de Arrendamento é manifestamente nula por o seu objecto ser legalmente impossível e contrário à lei ou, pelo menos, inexequível já que os conflitos decorrentes da relação de arrendamento estabelecida entre Recorrente e Recorrida nunca poderão ser resolvidos pelo Centro de Arbitragem do Conselho de Consumidores em face das limitações legalmente previstas no seu Regulamento.
XVI. Tendo em conta a natureza e o valor em causa nos presentes autos, o Centro de Arbitragem do Conselho de Consumidores está legalmente impedido de dirimir o presente litígio, pelo que, a coberto do princípio da economia processual, impõe-se que o mesmo seja de imediato apreciado pelos Tribunais da RAEM.
XVII. A competência dos Tribunais da RAEM para dirimir o presente litígio é inegável, devendo por isso a decisão que julgou procedente a alegada excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral voluntário ser revogada, seguindo-se os ulteriores termos até final.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 80 a 90 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
   “…
   被告在答辯中首先提出了澳門法院無管轄權的延訴抗辯,理由是原、被告雙方已就因涉案租約所產生的爭議的審理實體作出了約定,約定爭議交由澳門消費者委員會爭議仲裁中心進行仲裁。被告認為有關條款構成《民事訴訟法典》第31條第2款規定的情況,故排除了澳門法院的審判權,應駁回原告的起訴。
   就上述延訴抗辯,原告提交了反駁,並駁斥了被告的觀點,原告認為有關條款只是賦予一種競合的管轄權,即當事人既可以交由相關仲裁中心解決爭議,也可以交由澳門法院審理該爭議,換言之,有關條款沒有排除澳門法院的管轄權。
   現須審理有關延訴抗辯。
   首先,根據卷宗第16頁的租約第8條的約定:“如出現爭議,雙方同意交澳門消費者委員會爭議仲裁中心進行仲裁及適用澳門法律。”。
   按照原告的解讀是雙方得將爭議交該仲裁中心進行仲裁,而被告的理解則是應將爭議交該仲裁中心處理。
   顯然這涉及如何解讀當事人的意思表示的問題,根據《民法典》第228條第1款的規定,我們應以一般受意人處於真正受意人位置時所推知的含義為準。
   從租約第8條的行文內容,法庭認為作為一般的受意人可以理解到的是,一旦發生爭議,當事人約定將爭議交澳門消費者委員會爭議仲裁中心作出仲裁;倘若一如原告所理解,是一種競合管轄權,那麼當事人應在該條款內加入“得由澳門消費者委員會爭議仲裁中心作出仲裁”的表述,又或加入澳門法院也具有管轄權的表述,所以,除了應有尊重外,法庭認為合理的解讀是,當事人希望將倘有的爭議都只交相關仲裁中心處理。
   有見及此,我們認為租約第8條是一條賦予仲裁庭專屬管轄權的條款,基於該條款的存在,將排除澳門法院的管轄權。
   在此,須強調一點,雖然《澳門消費爭議仲裁中心規章》第1條規定該仲裁中心是解決涉及金額不高於澳門幣五萬元的消費爭議,而本案的利益值明顯超逾澳門幣五萬元,所以,最終該仲裁機構也未必能受理當事人提出的爭議的仲裁,然而,在此法院也不應取代該機構的權限,代其作出任何審理活動。
   綜上所述,法庭認為原告提起的訴訟因違反案件應由仲裁庭審理的協議,現決定根據《民事訴訟法典》第33條第2款及第230條第1款a項的規定,駁回原告針對被告的起訴。
   作出通知及登錄…”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a posição do despacho recorrido.
Nos termos do artº 1º do Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Macau, este tem por objecto promover a resolução de conflitos de consumo, de valor não superior a $50.000,00 patacas, que ocorram no território de Macau, através da mediação, conciliação e arbitragem.
Por sua vez, o nº 1 do artº 2º do mesmo Regulamento define que “são considerados conflitos de consumo, os conflitos de natureza civil ou comercial que decorram do fornecimento de bens e serviços, destinados a uso privado, por pessoa singular ou colectiva, que exerça, com carácter profissional, uma actividade em que o fornecimento se insira”.
No caso em apreço, não se trata dum conflito de consumo, antes um conflito que se surge com o arrendamento urbano.
Nesta conformidade, as partes não podem convencionar submeter os conflitos de arrendamento urbano à resolução do referido Centro de Arbitragem.
Mesmo que pudesse por hipótese, a convenção de arbitragem celebrada só pode respeitar à resolução de conflito de valor não superior a $50.000,00 patacas.
Ora, tendo em conta o valor da causa dos presentes autos (MOP$371.340,00), a convenção de arbitragem em causa, ainda que fosse legalmente admissível, não tem aplicabilidade ao caso sub justice.
Nesta conformidade e sem necessidade de demais delongas, o recurso não deixará de se julgar provido, sendo o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM competente para julgar a causa.
*
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos, a não ser existir outra causa que a tal obste.
*
Custas pela parte vencida no final.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 12 de Março de 2020.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



8
1091/2019