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Processo nº 19/2019 Data: 03.04.2020
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : “Acção de processo comum do trabalho”.
Juízo Laboral do T.J.B..
Competência material.
Pedido de indemnização.
Danos não patrimoniais.
Extinção da relação de trabalho.



SUMÁRIO

1. “Jurisdição” (comum ou ordinária) é o poder de julgar atribuído aos Tribunais, (no seu conjunto).

“Competência”, é a medida ou parcela da jurisdição de cada Tribunal.

2. A competência do Tribunal – como “pressuposto processual” de que depende a prolação pelo Juiz de decisão de mérito sobre a causa que pelas partes é submetida à sua apreciação, decidindo pela sua procedência ou improcedência – é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor, (ou recorrente).

3. A “competência em razão da matéria” é a competência das diversas espécies de Tribunais dispostos horizontalmente, ou seja, no mesmo plano, sem relação de sobreposição ou subordinação entre eles.

Para a definir, atende a lei à “matéria da causa”, ou seja, ao seu objecto encarado sob um ponto de vista qualitativo: o da “natureza da relação substancial pleiteada”.

4. Para que o “Juízo Laboral” do Tribunal Judicial de Base seja competente para uma “causa”, indispensável é que nela se pretenda fazer valer um “direito emergente”, (proveniente, originado ou assente) numa “relação de trabalho”.

Há assim que ver se em causa está uma “questão” que surge do (eventual) desenvolvimento “anormal ou ilícito” imprimido à relação laboral (por culpa de uma das partes), sendo assim aquele Tribunal o competente para conhecer (de todos) os litígios que surjam durante a vigência da relação laboral e que com ela apresentem íntima conexão, como igualmente sucede com (forma como ocorre) a sua “extinção”.

O relator,

José Maria Dias Azedo



Processo nº 19/2019
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, A., propôs e fez seguir no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, acção de processo comum do trabalho contra a “UNIVERSIDADE DE B”, (“乙大學”), R., pedindo que:
- se declare nula e de nenhum efeito a “cessação do contrato de trabalho” do Autor pela Ré operada, porque contrária e em violação ao disposto nos art°s 25°, 27° e 37° da Lei Básica da R.A.E.M., ou porque ilícita e em violação ao disposto nos art°s 6°, 7° e 10° da Lei n.º 7/2008, ou porque abusiva nos termos do art. 326° do C.C.M., visto o comportamento da Ré relevar um excesso manifesto, clamoroso e inadmissível da sua posição jurídica, ao ponto de ser intolerável à ideia de uma actuação justa, de um sentimento ético-jurídico de padrões de censura cívica e moral; e que, em consequência da procedência de qualquer dos pedidos referidos,
- fosse o Autor reintegrado no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, em respeito pelo princípio da reconstituição natural, nos termos do art. 556° do C.C.M.; e, ainda, que fosse a Ré condenada;
- no pagamento de uma quantia diária nunca inferior a MOP$10,000.00 a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na efectiva reintegração do Autor no seu posto de trabalho;
- no pagamento ao Autor, a título de danos patrimoniais, da quantia de MOP$885.015,00, acrescidas de juros legais até efectivo e integral pagamento;
- no pagamento ao Autor de uma compensação nunca inferior a MOP$500.000,00, a título de danos morais, em virtude do sofrimento, do abalo e da denegrição pública da imagem do Autor junto da comunidade local e internacional; e,
- a apresentar publicamente um pedido de desculpas ao Autor, a publicar num dos jornais mais lidos em Macau, em língua chinesa, em língua portuguesa e em língua inglesa, em virtude do seu comportamento abusivo e ofensivo para com o Autor; (cfr., fls. 2 a 66 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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O processo seguiu os seus termos com a contestação da Ré, (cfr., fls. 101 a 114), e, oportunamente, por “despacho saneador-sentença” do Mmo Juiz foram os pedidos pelo A. deduzidos julgados improcedentes; (cfr., fls. 135 a 141-v).

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Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 06.12.2018, (Proc. n.° 545/2018), negou provimento ao recurso; (cfr., fls. 209 a 222-v).

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Ainda inconformado, traz o presente recurso, onde, nas suas alegações, apresenta as seguintes conclusões:

“1. Versa o presente recurso sobre o Acórdão proferido pelo douto Tribunal de Segunda Instância nos termos do qual foram julgadas totalmente improcedentes as cinco questões formuladas pelo Recorrente;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a Decisão Recorrida enferma de um conjunto de erros de direito que em muito comprometem a sua validade e justeza, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e de nenhum efeito.
Mais detalhadamente,
3. Contrariamente ao concluído pelo douto Tribunal de Segunda Instância – na senda da solução trilhada pelo Tribunal de Primeira Instância – não será correcto concluir que o pedido de danos morais (ou danos não patrimoniais) tivesse sido formulado pela Recorrente “com base nos factos ocorridos em data posterior à da cessação da relação laboral” ;
4. Pelo contrário, o pedido de danos morais teve como pressuposto que a cessação do contrato de trabalho entre a Recorrida e o Recorrente resultou de uma actuação ilícita e abusiva por parte da Recorrida ainda durante a vigência do contrato de trabalho e por força do mesmo, razão pela qual em caso algum se aceita que o Tribunal a quo se pudesse julgar “incompetente” para apreciar tal pedido;
Acresce que,
5. Salvo melhor entendimento, não será de concluir que “por natureza” no âmbito de um processo laboral não possam ser discutidas e apreciadas questões de natureza não patrimonial, enquanto matéria “conexa com a relação de trabalho” e, como tal, subsumível no n.º 1 do art. 3.º do CPT;
Depois,
6. Contrariamente ao concluído pelo Tribunal de Segunda Instância, não se crê que as “declarações” e “esclarecimentos” proferidos pelo responsável máximo da Recorrida (e reproduzidos sob os artigos 52.º, 53.º, 55.º, 56.º e 57.º da Petição Inicial) não se mostrem pertinentes e/ou não apresentem uma conexão directa com o termo da relação laboral entre a Recorrida e o Recorrente;
7. Pelo contrário, está o Recorrente em crer que a factualidade constante dos referidos artigos não só demonstra uma especial pertinência para o correcto desfecho da causa, como correspondem a um conjunto de “factos” que dizem directamente respeito à Recorrida e, como tal, de "matéria" de conhecimento pessoal que a mesma não pode deixar de conhecer, pelo que impunha que o conteúdo do alegado pelo Autor (ora Recorrente) sob os artigos 52.º, 53.º, 55.º, (56.º) e 57.º da Petição Inicial se tivesse por assente (por confissão, e nos termos que resultam do art. 410.º, n.º 3 do CPC), contrariamente ao que terá sido a conclusão sufragada pela Decisão recorrida;
Se assim se não entender, sempre se afirma que:
8. Conforme – e bem – se retira do douto voto de vencido junto à decisão recorrida, em caso algum se pode deixar de concluir que a matéria de facto invocada pelo Autor (ora Recorrente) sob os artigos 52.º, 53.º, 55.º, 56.º e 57.º da Petição Inicial não se mostra indiferente ou irrelevante ao desfecho da causa, considerando a diversidade de soluções plausíveis de direito, razão pela qual deve ser ordenado o seu aditamento à base instrutória, o que desde já se requer;
9. De resto, a matéria constante dos referidos artigos destinou-se a “reproduzir” o conteúdo das declarações prestadas pelo responsável máximo da Recorrida junto dos vários órgãos de comunicação social da RAEM, logo após a comunicação ao Recorrente da vontade unilateral de extinção da relação laboral que o mesmo mantinha com a Recorrida;
10. Num outro sentido, pode dizer-se que os referidos artigos contêm em si as “verdadeiras razões” pelas quais a Recorrida fez cessar a relação de trabalho com o Recorrido, o que, por só por si, em caso algum poderá ser negligenciado, sabido que o que está em causa é justamente o apuramento dos “verdadeiros motivos” pelos quais a Recorrida fez cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Recorrente pelo menos desde Julho de 2007 e que se mostram determinantes para a boa e célere decisão da causa;
11. De onde, uma vez mais se requer que seja ordenado o aditamento à base instrutória da matéria alegada pelo Autor sob os artigos 52.º, 53.º, 55.º, (56.º) e 57.º da Petição Inicial, a fim de o Recorrente poder fazer prova de tal factualidade, com a redacção que se sugeriu supra;
12. A não se entender assim, está o Recorrente em crer que tribunal a quo não estará devidamente dotado de todos os factos que se mostram indispensáveis a uma cabal resposta a todas as soluções plausíveis de direito que os presentes autos suscitam e, neste sentido, estará a inviabilizar “liminarmente” o êxito dos fundamentos do Recorrente, o que em caso algum poderá ser de aceitar;
Sem prescindir, porque relevante,
13. Importa sublinhar que, contrariamente ao avançado na decisão recorrida não será correcto concluir que a relação entre a Recorrida e o Recorrente fosse uma “relação contratual” (leia-se, um contrato a termo e/ou a prazo), sendo antes uma relação sem termo, pelo que não está, sem mais, afastada a possibilidade de reintegrar o Autor (leia-se, o Recorrente);
14. Do mesmo modo, tratando-se de uma relação laboral sem termo não se mostra indiferente e/ou irrelevante ao correcto desfecho dos presentes autos a questão de “saber a causa da cessação da relação laboral em vista”, contrariamente ao que foi concluído pelo Tribunal de Recurso a este particular respeito;
15. Depois, salvo melhor opinião, em momento nenhum qualquer das partes pretendeu discutir a natureza da relação em causa como sendo “um contrato de trabalho por tempo indeterminado”, razão pela qual a douta decisão recorrida procede a uma errada qualificação jurídica da relação laboral em causa, levando a que, nesta parte, o Tribunal de Segunda Instância se tenha pronunciado a respeito de matéria que não deveria apreciar ou sobre questão de que não podia tomar conhecimento, o que igualmente deverá conduzir à sua nulidade, nos termos que resultam da al. d) do n.º 1 do art. 571.º do CPC, o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer;
Sem prescindir, por último,
16. Uma vez concluído que as questões (1 a 3) formuladas pelo Recorrente deveriam ter merecido uma resposta positiva por parte de Tribunal de Recurso, está o Recorrente em crer verificar-se na decisão recorrida uma omissão de pronúncia por parte do mesmo Tribunal no que respeita à (falta) de apreciação das demais questões suscitadas pelo Recorrente aquando da interposição do seu Recurso e, nomeadamente:
i) quanto ao pedido de declaração de nulidade da resolução do contrato de trabalho entre a Recorrida e o Recorrente, porque contrária e em violação ao disposto nos artigos 25.º, 27.º e 37.º da Lei Básica da RAEM;
ii) quanto ao pedido de declaração de nulidade da resolução do contrato de trabalho entre a Recorrida e o Recorrente, porque em violação ao disposto nos artigos 6.º, 7.º e 10.º da Lei n.º 7/2008;
iii) quanto ao pedido de declaração de nulidade da resolução do contrato de trabalho entre a Recorrida e o Recorrente, por abuso de direito nos termos do artigo 326.º do Código Civil, o que em caso algum poderá igualmente deixar de conduzir à sua nulidade, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 571.º do CPC;
17. Devendo ser ordenado o prosseguimento dos presentes autos a fim de serem apreciadas as questões supra formuladas e (ainda) não apreciadas judicialmente, contrariamente ao que terá sido concluído pelo Tribunal de Segunda Instância, o que desde já e para os devidos e legais efeitos se requer”.

Pede que a decisão recorrida seja “julgada nula e substituída por outra que atenda aos pedidos tal qual formulados pelo Recorrente, (…)”; (cfr., fls. 231 a 248).

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Após contra-alegação da recorrida (R.), batendo-se pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 254 a 263), e adequadamente admitido o recurso, foi o mesmo remetido a esta Instância.

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Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Fundamentação

Dos factos

2.1 Pelo Tribunal Judicial de Base e pelo Tribunal de Segunda Instância foram dados como assentes os factos seguintes:

“1. Em 4 de Julho de 2007, a Ré – anteriormente designada [Universitário(1)] – celebrou com o Autor um contrato de trabalho.
2. Nos termos do qual o Autor se obrigou a exercer para a Ré as funções de professor Assistente na Faculdade de Gestão, Liderança e Governação (“Lecturer in the School of Management, Leadership and Government”).
3. Pelo período de 3 anos, com início em 1 de Setembro de 2007 e termo em 31 de Agosto de 2010, mediante a contrapartida de um salário anual de MOP$360.000,00.
4. Em 20 de Setembro de 2010, a Ré celebrou com o Autor um “novo” contrato de trabalho.
5. Nos termos do qual o Autor se obrigou a exercer para a Ré as funções de Professor Coordenador na Faculdade de Gestão liderança e Governação (“Coordinator in the Scholl of Management, Leadership and Government”).
6. A partir de 1 de Setembro de 2010, mediante a contrapartida de um salário anual de MOP$472.000,00.
7. O que perfaz a quantia de MOP$39.334,00, a título de salário base mensal.
8. O Autor leccionou mais de 15 diferentes disciplinas, em diversos módulos e disciplinas dos Cursos de Licenciatura e de Mestrados promovidos pela Ré.
9. Enquanto esteve ao serviço da Ré, o Autor recebeu elogios e elevada classificação por parte dos responsáveis da Ré e sus superiores hierárquicos.
10. Enquanto esteve ao serviço da Ré, o Autor cumpriu com máxima diligência e sucesso todas as tarefas que lhe foram sendo confiadas.
11. Tendo desenvolvido e concluído inúmeros trabalhos de investigação académica.
12. O Autor foi membro do Conselho Editorial de três Jornais Académicos de renome Internacional, nas áreas da Ciência Política e de Estudos Políticos Chineses.
13. O Autor foi responsável (director) de diversas publicações da Ré, tendo igualmente coordenado a publicação de vários Livros financiados pela Fundação Macau e pela Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia da RAEM.
14. Em 4 de Junho de 2014, a Ré comunicou ao Autor o seu propósito de por fim ao contrato de trabalho celebrado entre ambos, com efeitos a partir do dia 11 de Julho de 2014.
15. Na referida comunicação escrita, a Ré não adiantou qualquer razão ou qualquer fundamento (de facto ou de direito) que justiçasse o motivo e/ou o fundamento pelo qual fazia cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Autor desde Setembro de 2007.
16. A Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$48.440,00, a título de compensação por resolução do contrato de trabalho sem justa causa”; (cfr., fls. 215 a 216).

Do direito

3. Insurge-se o A. contra a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a improcedência da acção que propôs contra a R., alegando o que atrás se deixou transcrito.

Atentas as “conclusões” pelo ora recorrente apresentadas a final da motivação do seu recurso, vem colocadas as seguintes questões:
- quanto à “competência do Tribunal para o conhecimento do pedido de indemnização por danos não patrimoniais”, (cfr., conclusões 3 a 5);
- quanto à “matéria dos artigos 52°, 53° e 55° a 57° da petição inicial”, (cfr., conclusões 6 a 12);
- quanto à “nulidade por excesso de pronúncia”, (cfr., conclusões 13 a 15); e,
- quanto à nulidade por “omissão de pronúncia”, (cfr., conclusão 16).

Após a reflexão que sobre o pelo recorrente alegado nos foi possível efectuar, e atento ao que se decidiu no Acórdão recorrido, cremos que tem o recorrente razão.

Na mira de permitir uma mais completa visão sobre as “questões” suscitadas no presente recurso, vale a pena ter presente o que se consignou no aludido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.

Tem, (na parte que agora interessa), o teor seguinte:

“Neste recurso, o Recorrente/Autor, para além de rebater as mesmas questões tratadas na sua PI, veio a suscitar (embora em termos um pouco divagados) essencialmente perante este Tribunal de recurso, as seguintes questões:
1) - Que o Tribunal a quo, por ter competência, devesse conhecer de todas as questões levantadas na PI, nomeadamente a da indemnização por dano moral;
2) - Que o Tribunal devesse considerar que fossem confessados pela Ré/Recorrida os factos constantes dos artigos 52º 53º, 55º e 57º da PI;
3) - Caso contrário, deve este Tribunal autorizar o pedido de ampliação de matéria de facto, incluindo os factos constantes dos artigos acima referidos na base instrutória para decidir as questões colocadas ao Tribunal;
4) - Que seja reconhecida a situação de abuso de direito por parte da Recorrida/Ré quando esta rescindiu o contrato de trabalho com o Autor;
5) - Que seja ordenado prosseguir os autos para conhecer das questões levantadas (e não logo decididas no despacho-saneador como o Tribunal a quo fez).
*
Comecemos pela 1ª questão:
Competência do Tribunal laboral para conhecer do pedido de indemnização por dano moral:

Relativamente a esta questão, o Tribunal já deu uma resposta negativa, invocando essencialmente 2 argumentos:
- O pedido foi formulado com base nos factos ocorridos em data posterior à da cessação da relação laboral (comentários feitos pelo Reitor da Ré num jornal de Macau), como tal falta conexão directa com a relação laboral;
- Consequentemente o Tribunal a quo não é competente para conhecer do pedido de indemnização por dano moral, julgando-se assim procedente a excepção de incompetência e absolvendo da Ré da instância nos termos do disposto no artigo 413º/-a) e 230º/1-a) do CPC.
É de manter esta decisão, visto que, efectivamente o artigo 3º do Código de Processo de Trabalho não permite sustentar uma posição tal como o Recorrente/Autor veio a defender, porque, por natureza, no âmbito de processo laboral, discutem-se sempre questões de natureza intrinsecamente patrimonial, por exemplo, subsídio de alimentação, subsídio de férias, compensação de serviço prestado em dias de descanso semanal ou de feriado obrigatório, e não questões de natureza não patrimonial (moral). Deve assim entender-se a expressão de extensão da competência do tribunal laboral por acessoriedade, complementaridade ou dependência, que o legislador utiliza no artigo 3º do CPT.
Pelo que, é de manter a decisão recorrida nos termos vistos, julgando-se assim improcedente o recurso nesta parte.
*
Relativamente à 2ª questão:
Que sejam considerados confessados pela Ré os factos constantes dos artigos 52º 53º, 55º e 57º da PI.
Neste ponto, o Recorrente/Autor invocou o seguinte:

“Depois, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a matéria por si alegada sob os artigos 52.º, 53.º, 55.º, 56.º e 57.º da Petição Inicial configura um conjunto de “factos públicos” que dizem directamente respeito à Recorrida (trata-se, sempre se recorda, de declarações publicamente prestadas pelo Responsável máximo da Recorrida aos órgãos de comunicação social) e, como tal, de “matéria” de conhecimento pessoal que a Recorrida não pode deixar de conhecer, razão pela qual se impunha que os referidos “factos” se tivessem por provados (porque confessados), nos termos que resultam do art. 410.º, n.º 3 do CPC, contrariamente ao que - não - terá sido concluído pelo Tribunal de Primeira Instância, razão pela qual a douta Decisão enferma de um erro de facto na apreciação da prova;
3. A ser assim, uma vez tidos por assentes (porque, confessados) os factos alegados pelo Autor sob os artigos 52.º, 53.º, 55.º, 56.º e 57.º da Petição Inicial, impunha-se, então, ao Tribunal a quo apreciar cada um dos pedidos formulados pelo Autor a respeito do comportamento levado a cabo pela Ré e traduzido, em concreto, no conjunto de declarações proferidas pelo Magnífico Reitor junto dos órgãos de comunicação social da RAEM;
Ora, importa transcrever o que o reitor disse para a imprensa:
1. O Magnífico Reitor D afirmou ao Jornal Ponto Final, edição de 24 de Junho de 2014, que: “O comentário político que o académico (leia-se, o Autor) fez junto dos meios de comunicação social de Macau desagrada à Universidade, que considera incompatível com os princípios da Igreja - a B é uma instituição de ensino superior católica” (correspondente, com as necessárias adaptações ao alegado pelo Autor sob o artigo 52.º da Petição Inicial)
2. O Magnífico Reitor D afirmou ao Jornal Ponto Final, edição de 24 de Junho de 2014, que: (…) “Trata-se de clarificar as águas. Há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implementada” (correspondente, com as necessárias adaptações ao alegado pelo Autor sob o artigo 52.º da Petição Inicial)
3. O Magnífico Reitor D afirmou ao Jornal Ponto Final, edição de 24 de Junho de 2014, que: o contrato de A, que termina a 12 de Julho, “foi dado como terminado”, não sendo, portanto, renovado (correspondente, com as necessárias adaptações ao alegado pelo Autor sob o artigo 53.º da Petição Inicial)
4. O Magnífico Reitor D afirmou ao Jornal Ponto Final, edição de 24 de Junho de 2014, que: “Se há um docente com uma linha de investigação e intervenção pública [política], coloca-se uma situação delicada. Ou a reitoria pressiona e viola a sua liberdade, ou cada um segue o seu caminho” (correspondente, com as necessárias adaptações ao alegado pelo Autor sob o artigo 55.º da Petição Inicial)
5. O Magnífico Reitor D afirmou ao Jornal Ponto Final, edição de 24 de Junho de 2014, que: (…) “Pode-se estudar os vários sistemas políticos ou a Lei Básica, mas não intervir na actual governação. É uma fronteira difícil de delinear, entre o comentário político e o académico” (correspondente, com as necessárias adaptações ao alegado pelo Autor sob o artigo 56.º da Petição Inicial)
6. O Magnífico Reitor D enviou uma nota de imprensa aos meios de comunicação social da RAEM na qual sublinha que: “As suas (leia-se, do Autor) opções são respeitadas por mim e por muitos outros na UNIVERSIDADE DE B e, de facto, eu sei que são admiradas por alguns”, e que “(…) as convicções de A se transformaram num “dilema” para si” (correspondente, com as necessárias adaptações, ao alegado pelo Autor sob o artigo 57.º da Petição Inicial)

Quanto a este ponto, avançamos desde já os seguintes argumentos:
1) – Este é um processo laboral, e não uma acção de indemnização por responsabilidade civil, as questões só têm pertinência quando têm conexão directa com a relação laboral;
2) - A matéria vertida nos artigos 52º 53º, 55º e 57º da PI não tem relevância para este processo laboral, para além de ser informação jornalística que, para ter valor probatório, tem de sujeitar-se às regras processuais de produção e ao princípio do contraditório.
3) – A confissão, em matéria probatória, tem de obedecer a um conjunto de regras, nomeadamente as fixadas nos artigos 345º, 348º, 351º/2 e 354º, todos do CCM. Não é uma pessoa que vem a dizer algo na imprensa, tal é tomado como verdadeiro e produz efeito confessório.
Pelo que, não pode tomar as informações jornalísticas como factos assentes com recurso às regras de confissão, o que determina também improcedência do recurso nesta parte.
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No que toca à 3ª questão:
Pedido de ampliação de matéria de facto, incluindo os constantes dos artigos 52º 53º, 55º e 57º da PI.
É de reconhecer que tais factos não têm relevância no presente processo de trabalho, única questão que se deve discutir é se a relação laboral foi cessada na forma legalmente permissível e permitida ou não!
A resposta a dar-se a esta questão não pode deixar de ser POSITIVA, pois, o artigo 68º da Lei nº7/2008, de 8 de Agosto, em que o legislador declara muito expressamente: independentemente das causas justificativas, quer a entidade patronal, quer o trabalhador pode pôr termo à relação laboral.
Foi este fundamento invocado pela Recorrida para acabar com a relação laboral com o Autor e pagou as respectivas indemnizações.
Aliás, quando a relação laboral é cessada por denúncia unilateral, torna-se inútil saber qual a causa, pois, até a parte nem tem obrigação de informar a causa ou o fundamento.
Do mesmo modo, tratando-se de uma relação contratual e não de relação sem termo, afasta-se a possibilidade de reintegrar o trabalhador, pois, a relação laboral caduca no seu termo. O que representa uma questão “falsa” saber a causa da cessação da relação laboral em vista.
Nestes termos, é de julgar também improcedente o recurso interposto pelo Autor.
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Respeitante às 4ª e 5ª questões (abuso de direito pela Ré e prosseguir os autos):
Como o Tribunal a quo já tomou posição e de forma acertada, não temos motivos para alterar a posição nestes temos tomada, já que também nos não foram apresentados elementos novos justificativos de uma nova decisão em sentido diverso, razão pela qual é de manter a decisão neste sentido, julgando-se improvido o recurso nesta parte.
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Resumindo e concluindo, é do nosso entendimento que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na sentença recorrida”; (cfr., fls. 219 a 222).

Aqui chegados, vejamos.

–– Começando-se pela primeira das identificadas “questões”, cabe notar que acertada não se apresenta a decisão no sentido de que incompetente seja o Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base para apreciar e conhecer do pedido de indemnização civil pelo A., ora recorrente, deduzido.

Na verdade, não se consideram “válidas” as razões invocadas, já que, como (expressamente) resulta da petição inicial apresentada, nem os “factos” em que o mesmo pedido de indemnização assenta tiveram (todos) lugar “após a cessação da relação laboral” – atente-se, que, em conformidade com o alegado, as “afirmações” que o recorrente imputa à ora recorrida e sua “publicação” tiveram lugar a 24.06.2014 e a 25.06.2014, e o contrato de trabalho apenas cessou em 11.07.2014 – nem tão pouco se entende que numa “acção” como a pelo recorrente proposta, (uma “acção de processo comum do trabalho”), em causa apenas possam estar “questões de natureza intrinsecamente patrimonial”, excluída estando a possibilidade de na mesma se peticionar (cumulativamente) o ressarcimento de (eventuais) “danos de natureza não patrimonial”, sendo de se notar que, o que para aqui efectivamente releva, é, (tão só), que nos termos do art. 2°, n.° 1 do Código de Processo do Trabalho, se trate de uma “questão emergente de relações jurídicas de natureza laboral”.

Passa-se a (tentar) expor o nosso ponto de vista.

Vejamos.

Sabe-se que a “jurisdição” (comum ou ordinária) é o poder de julgar atribuído aos Tribunais, (no seu conjunto).

Nesta conformidade, e precisamente com a mesma epígrafe, (“Jurisdição”), estatui o art. 1° da Lei n.° 9/1999, (ou seja, a “Lei de Bases da Organização Judiciária”), que:

“1. A Região Administrativa Especial de Macau goza de poder judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância.
2. Os tribunais da Região Administrativa Especial de Macau têm jurisdição sobre todas as causas judiciais na Região, com excepção dos casos previstos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau”, notando-se que também, nos termos do seu art. 3°: “Os tribunais são os únicos órgãos com competência para exercer o poder jurisdicional”.

Por sua vez, a “competência”, é a medida, ou por assim dizer, a “parcela da jurisdição de cada Tribunal”.

Como “pressuposto processual” que é, isto é, como requisito de que depende a prolação pelo Juiz da decisão de mérito sobre a causa que pelas partes é submetida à sua apreciação, decidindo pela sua procedência ou improcedência, (a “competência”) é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor (ou recorrente); (cfr., v.g., T. de Sousa in, “A Nova Competência dos Tribunais Civis”, 1999, Lex, pág. 25).

A “competência em razão da matéria” – que é a que aqui se trata – é a competência das diversas espécies de Tribunais dispostos horizontalmente, ou seja, no mesmo plano, sem relação de sobreposição ou subordinação entre eles.

Para a definir, atende a lei à “matéria da causa”, quer dizer, ao seu objecto encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da “natureza da relação substancial pleiteada”, (cfr., M. de Andrade in, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1963, Coimbra, pág. 92) – cabendo notar que na base da “competência em razão da matéria” está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram; (cfr., v.g., V. Lima in “Manual de Direito Processual Civil”, 2018, pág. 177 e, Ac. deste Tribunal de 25.03.2020, Proc. n.° 1/2020).

Nesta conformidade, e nos termos do art. 27° da dita L.B.O.J.:

“1. São tribunais de primeira instância:
1) O Tribunal Judicial de Base;
2) O Tribunal Administrativo.
2. A organização do Tribunal Judicial de Base compreende Juízos Cíveis, Juízos de Instrução Criminal, Juízos de Pequenas Causas Cíveis, Juízos Criminais, Juízos Laborais e Juízos de Família e de Menores”.

Em face da questão a decidir, importa atentar no seguinte art. 28°, que preceitua que: “Competem aos Juízos Cíveis as causas de natureza cível que não sejam da competência de outros juízos, bem como as causas de outra natureza que não caibam na competência de outros juízos ou tribunais, incluindo todos os seus incidentes e questões”.

Sendo de notar também que, nos termos do seu art. 29°-C se estatui que: “Sem prejuízo de outras que por lei lhes sejam atribuídas, são da competência dos Juízos Laborais as acções, incidentes e questões cíveis e contravencionais emergentes de relações jurídicas de natureza laboral às quais se aplica o Código de Processo do Trabalho”.

Na “nota justificativa” apresentada com a Proposta de Lei do vigente Código de Processo do Trabalho consignou-se que: “cumpre assinalar, na especialidade, relativamente ao Título I, a introdução de algumas medidas importantes, cuja justificação principal radica na necessidade de garantir o efectivo acesso de todos ao direito e à justiça, como condições essenciais da efectiva tutela de direitos e da pacificação do tecido sócio-laboral. A título de exemplo:
A opção de fazer aplicar o processo do trabalho apenas às questões relativamente às quais não se suscitam dúvidas importantes quanto à sua natureza laboral ou similar, evitando, desse modo, a indefinição que se poderia criar quanto à delimitação do âmbito da jurisdição do trabalho; (…)”.

E, no dito Título I, do (posteriormente aprovado e) agora vigente Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe “Âmbito da jurisdição de trabalho”, preceitua-se no art. 2°, n.° 1, que: “O processo regulado neste Código aplica-se às questões emergentes de relações jurídicas de natureza laboral”.

Dada a sua relevância para a questão, tenha-se também em conta que (a título de “extensão da jurisdição do trabalho”), no seu art. 3°, se estatui que:

“Ainda que não tenham natureza laboral, seguem os termos do processo do trabalho, sempre que o seu conhecimento seja da competência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau:
1) As questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho por acessoriedade, complementaridade ou dependência, sempre que o pedido se cumule com outro de natureza laboral;
2) As questões reconvencionais formuladas no âmbito das acções do foro laboral, ao abrigo do disposto no artigo 17.º”.

No caso, cabe referir que os pedidos pelo A., ora recorrente, deduzidos com a petição inicial que apresentou – e que se deixaram identificados no início deste veredicto – assentavam – em abreviada síntese – numa alegada “conduta ilícita” da R. assim como na “ilegal cessação do contrato de trabalho” que com a mesma R. mantinha por iniciativa desta.

Não se nega que, em face da factualidade dada como provada, assente está que, na “extinção” do dito vínculo laboral, “não foi alegada qualquer causa”, aliás, como o permite o art. 70°, n.° 1 da Lei n.° 7/2008, (“Lei que regula as relações de trabalho”), onde se estatui que:

“O empregador pode resolver o contrato a todo o tempo, independentemente de alegação de justa causa, tendo o trabalhador direito a uma indemnização de montante equivalente a:
(…)”.

Porém, há que ter presente, (valendo a pena salientar), que nos termos em que o A., ora recorrente, fundamenta os seus pedidos, estão, (em síntese) imputadas à R., condutas atentatórias de direitos (fundamentais) seus, sendo que em relação à dita “extinção do vínculo laboral” se alega que ocorreu de forma “camuflada” e irregular, invocando-se, a violação das seguintes disposição legais:

Art. 25° da Lei Básica da R.A.E.M..
“Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social”;

Art. 27° da L.B.R.A.E.M.
“Os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves”;

Art. 37° da L.B.R.A.E.M.
“Os residentes de Macau gozam da liberdade de exercer actividades de educação, investigação académica, criação literária e artística e outras actividades culturais”;

Art. 6° da Lei n.° 7/2008
(Princípio da igualdade)
“1. Todos os residentes da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) têm direito às mesmas oportunidades de acesso ao emprego, em condições não discriminatórias.
2. Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser injustificadamente beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, da origem nacional ou social, ascendência, raça, cor, sexo, orientação sexual, idade, estado civil, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, filiação associativa, instrução ou situação económica.
3. Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior sempre que, em virtude da natureza do trabalho em causa ou do contexto da sua execução, esse factor se apresente como um requisito justificável e determinante para a prestação do trabalho.
4. O disposto nos números anteriores não prejudica o tratamento privilegiado de grupos sociais necessitados de protecção específica, desde que legítimo e proporcional”;

Art. 7° da Lei n.° 7/2008
(Boa fé)
“1. Na negociação e formação do contrato de trabalho, as partes devem proceder segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento das suas obrigações e no exercício dos seus direitos, o empregador e o trabalhador devem proceder segundo as regras da boa fé”;

Art. 10° da Lei n.° 7/2008
(Garantias do trabalhador)
“É proibido ao empregador:
1) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses direitos;
2) Obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho;
3) Ceder o trabalhador, sem o seu consentimento escrito, a outro empregador que sobre aquele exerça poderes de autoridade e direcção;
4) Baixar injustificadamente a categoria do trabalhador;
5) Diminuir a remuneração de base do trabalhador, salvo nos casos previstos na presente lei;
6) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada;
7) Reter documentos de identificação do trabalhador”;

E, ainda o,
Art. 326° do C.C.M., onde se estatui que:
“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Em face do até aqui exposto, a questão que se impõe é a seguinte:

Será o Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base o competente em “razão da matéria” para, em sede da acção aí proposta, conhecer do pedido de indemnização civil por “danos não patrimoniais” pelo A., ora recorrente, deduzido?

Em nossa opinião, afirmativa deve ser a resposta.

De facto, como se deixou consignado, para que os “Tribunais de Trabalho” sejam competentes para uma “causa”, (in casu, o “Juízo Laboral” do Tribunal Judicial de Base), indispensável é que nela se pretenda fazer valer um “direito emergente”, (proveniente, originado ou assente) numa “relação de trabalho”.

Ou seja, há que ver se em causa está uma “questão” que surge do (eventual) desenvolvimento “anormal ou ilícito” imprimido à relação laboral (por culpa de uma das partes), sendo assim aquele Tribunal o competente para conhecer (de todos) os litígios que surjam durante a vigência da relação laboral e que com ela apresentem íntima conexão, como igualmente sucede com (forma como ocorre) a sua “extinção”.

E, como se nos apresenta evidente, (e como igualmente se deixou adiantado), o (eventual) problema da “(in)competência em razão da matéria de determinado Tribunal” tem de ser resolvido, não em função dos factos, razões ou versão do R., mas sim, tendo-se em conta o modo como está articulado (e fundamentado) o pedido do A., ou seja, em conformidade com os termos em que a acção é proposta e o pedido deduzido; (cfr., M. Andrade in ob. cit., pág. 90).

Ora, in casu, tendo presente o pelo A. alegado e o que flui da sua petição inicial, em especial, atentando-se nas atrás referidas “datas”, e considerando que o pedido de indemnização em questão também assenta no “desgosto e tristeza” que o A., ora recorrente, alegou ter sofrido em consequência (directa) das já referidas “afirmações e notícias”, e que, em sua opinião, indiciam uma “conduta irregular e ilícita” pela R. assumida aquando da vigência e em virtude da relação laboral que mantinham, e que, poderão, também, eventualmente, constituir os “verdadeiros motivos da sua extinção”, apresenta-se-nos que razões não existem para se decidir como se decidiu, isto é, no sentido da incompetência do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base para do dito pedido conhecer.

–– Dito isto, adiantada está também a resposta para a “segunda questão” quanto à “matéria dos artigos 52°, 53° e 55° a 57° da petição inicial”.

Com efeito, se razões não temos para discordar do raciocínio do Tribunal de Segunda Instância ao decidir dar tal “matéria” como “não provada”, até porque, como sabido é, neste domínio, muito limitada é a “competência” desta Instância – cfr., v.g., o Ac. de 29.11.2019, Proc. n.° 111/2019, assim como o de 19.02.2020, Proc. n.° 83/2018, onde, no seguimento de entendimento repetido e firme desta Instância se considerou que “Ao Tribunal de Última Instância apenas compete conhecer da “matéria de direito”, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” – com o que atrás se deixou dito, (e de harmonia com o igualmente considerado no Ac. de 19.02.2020, Proc. n.° 63/2018), cremos que demonstrada está (porém) a sua relevância, (nos termos e para os efeitos do art. 430° do C.P.C.M.), visto estando, assim, que a decisão recorrida não se pode manter, impondo-se a sua revogação com a devolução dos presentes autos ao Tribunal Judicial de Base para, nos termos do art. 629° do mesmo código, a incluir na Base Instrutória e proceder em conformidade.

Em face do exposto, e visto estando que a solução a adoptar consiste na procedência das primeiras duas “questões” que implicam a revogação de todo o decidido para uma oportuna reponderação pelo Tribunal Judicial de Base da “matéria de facto” que vier a ser apurada e o seu “enquadramento jurídico” em face das disposições legais pelo recorrente invocadas, prejudicado fica, necessariamente, o conhecimento das restantes questões colocadas, restando, pois, concluir e decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Sem tributação, dada a isenção que beneficia a recorrida.

Registe e notifique.

Nada vindo aos autos, e após trânsito da decisão proferida, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 3 de Abril de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei

Proc. 19/2019 Pág. 32

Proc. 19/2019 Pág. 1