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Processo nº 36/2020(I) Data: 29.04.2020
(Autos de recurso penal)

Assuntos : ”Crimes sexuais”; (violação e coacção sexual agravada).
Pena (única).
Rejeição do recurso por manifesta improcedência.
Decisão sumária.
Reclamação.



SUMÁRIO

1. A possibilidade de rejeição do recurso por manifesta improcedência tem (também) como objectivo potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando moralizar o uso abusivo do recurso.

2. Se a decisão sumária que rejeita o recurso – no qual se coloca apenas a questão da “adequação da pena (única)” – se apresenta clara, lógica e adequada na sua fundamentação, nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das “questões” colocadas, acertada sendo igualmente a solução a que se chegou, inevitável é a improcedência da sua reclamação.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 36/2020(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Aos 17.04.2020, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Penal a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A (甲), arguido com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 05.03.2020 que, em sede de reclamação de anterior Decisão Sumária do Exmo. Relator, julgou-a improcedente, confirmando – na parte que agora interessa – a condenação do ora recorrente como autor material da prática em concurso real de:
- 17 crimes de “abuso sexual de crianças (na forma tentada)”, p. e p. pelo art. 166°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão cada;
- 1 crime de “abuso sexual de crianças”, p. e p. pelo art. 166°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
- 28 crimes de “abuso sexual de crianças”, p. e p. pelo art. 166°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão cada;
- 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão;
- 3 crimes de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão cada;
- 11 crimes de “abuso sexual de educandos e dependentes”, p. e p. pelo art. 167°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão cada;
- 1 crime de “violação agravada (na forma tentada)”, p. e p. pelo art. 157°, n.° 1, e 171°, n.° 4 do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão;
- 6 crimes de “violação agravada”, p. e p. pelo art. 157° e 171°, n.° 4 do C.P.M., na pena de 6 anos de prisão cada;
- 6 crimes de “coacção sexual agravada”, p. e p. pelo art. 158° e 171°, n.° 4 do C.P.M., na pena de 4 anos de prisão cada; e
- 1 crime de “coacção sexual”, p. e p. pelo art. 158° do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 18 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 668 a 672 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Em sede de conclusões do seu recurso, afirma – em síntese – que excessiva é tal “pena única”, pedindo a sua redução para uma outra não superior a 12 anos de prisão; (cfr., fls. 676 a 681).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo ser rejeitado; (cfr., fls. 685 a 688).

*

Admitido o recurso, onde, atento o estatuído no art. 390° do C.P.P.M., se lhe delimitou, adequadamente, o seu “objecto”, (cfr., fls. 689), vieram os autos a este Tribunal de Última Instância.

*

Após vista pela Ilustre Procuradora Adjunta, que em douto Parecer opinou, igualmente, no sentido da integral confirmação do Acórdão recorrido, (cfr., fls. 704), vieram os autos conclusos ao ora relator.

*

Procedendo-se a exame preliminar, atento o pelo recorrente alegado, à “natureza da questão” colocada, e considerando-se que a possibilidade de rejeição do recurso por manifesta improcedência – que é o caso – se destina a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando também moralizar o uso – abusivo – do recurso, segue decisão sumária; (cfr., art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão do Tribunal Judicial de Base, a fls. 561-v a 569-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como resulta do que se deixou relatado, insurge-se o recorrente contra o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 05.03.2020 que confirmou anterior Decisão Sumária com a qual se tinha rejeitado o seu recurso.

Questionada não estando a “matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base e pelo Tribunal de Segunda Instância dada como provada, e motivos não havendo para qualquer alteração, há que ter a mesma como “definitivamente fixada”, dando-se também aqui como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

Nesta conformidade, da mesma factualidade resultando também de forma inequívoca a verificação de todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, dos (75) crimes – 46 de “abuso sexual de crianças”, 4 de “ofensa simples à integridade física”, 11 de “abuso sexual de educandos e dependentes”, 7 de “violação agravada”, 6 de “coacção sexual agravada” e 1 de “coacção sexual” – pelos quais foi o ora recorrente condenado, e dúvidas não havendo que o presente recurso, nos exactos termos em que foi motivado e admitido, (onde, atento o estatuído no art. 390° do C.P.P.M.; por despacho transitado em julgado se delimitou o seu “objecto”, cfr., fls. 689), implica tão só a apreciação da “adequação da pena única” aplicada, mostra-se pois de consignar, como se deixou adiantado, que evidente é a sua manifesta improcedência, muito não se mostrando de consignar para o demonstrar.

Vejamos, começando-se com uma breve observação.

Antes de mais, cabe dizer que, em face do que decidido foi pelo Tribunal Judicial de Base, assim como pelo Tribunal de Segunda Instância, (que confirmou, na íntegra, a decisão da Instância recorrida), e com excepção das penas aplicadas pelos crimes em relação aos quais o presente recurso foi admitido, há que ter as restantes como transitadas em julgado, (cfr., art. 390° do C.P.P.M.).

Assim, tendo presente as molduras penais agora em questão, atentos os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., e considerando os “motivos” pelo recorrente agora alegados para o “pedido” que deduz, (a sua “primo-delinquência” e “idade”), e que, de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata que foram objecto de adequada ponderação, vista está pois a solução que se impõe adoptar.

Com efeito, nenhuma censura se nos mostra merecer o Acórdão recorrido, tanto no que toca às “penas parcelares” (agora em questão), como à “pena única” resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares que lhe foram aplicadas.

Considerando porém que o recorrente centra a sua pretensão na redução da “pena única”, não se deixa de acrescentar o que segue.

O critério para a fixação da “pena única”, (resultado do “cúmulo jurídico”), obedece ao estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Atento o assim preceituado, e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 6 anos”, e um “limite máximo” (que, (só) por força do art. 41° do C.P.M., é) de 30 anos, (notando-se que a soma aritmética das penas aplicadas resulta em 163 anos e 6 meses), cremos que evidente se apresenta que, em face da “personalidade” pelo recorrente demonstrada com a prática dos crimes pelos quais foi condenado, a acentuada ilicitude dos factos, e a forte necessidade de prevenção criminal – especial e geral que, no caso, se impõe – censura não merece a pena única de 18 anos e 6 meses de prisão que lhe foi fixada.

Na verdade, importa ter presente os “tipos” de crime cometidos, os “bens” que com os mesmos se visa tutelar, o “número” (e as características) dos ofendidos, e que a pena fixada se situa, ainda assim, quase a meio da sua moldura abstracta, (estando a 11 anos e 6 meses do seu limite máximo).

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.000,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 705 a 709 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, alegando – em síntese – que o seu recurso não devia ser considerado manifestamente improcedente (e rejeitado), insistindo também no entendimento que em sede do seu recurso tinham deixado exposto; (cfr., fls. 714 a 717).

*

Pronunciando-se sobre este expediente, manteve a Ilustre Procuradora Adjunta a sua anterior posição, pugnando pela improcedência da apresentada reclamação; (cfr., fls. 719 a 719-v).

*

Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, nada vindo de novo, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 722).

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que pode suceder quando for “manifesta” a sua improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do dito código).

Assim, apresentando-se ser a situação dos presentes autos, e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, proferiu-se a decisão sumária que se deixou integralmente transcrita.

Invocando a faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da aludida decisão sumária.

Porém, evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, (que apenas pode ter como justificação uma deficiente compreensão do que decidido foi), muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara, lógica e adequada na sua fundamentação, nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das “questões” colocadas, acertada sendo igualmente a solução a que se chegou.

Na verdade, pelos motivos de facto e de direito que na referida decisão sumária se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o deliberado no Acórdão do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este Tribunal, o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, a sua total confirmação.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante se limita a reproduzir o antes já alegado e adequadamente apreciado na decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da pretensão apresentada.

Na verdade, com o recurso não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida em matéria de determinação da pena, devendo esta ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.

Com efeito, (e como de forma repetida e firme temos também vindo a entender), “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., Ac. de 07.04.2018, Proc. n.° 27/2018 e de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019).

Dest’arte, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Pagará o reclamante a taxa de justiça individual que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.000,00.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo de novo, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 29 de Abril de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 36/2020-I Pág. 10

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