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Processo n.º 139/2020
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 29 de Abril de 2020

ASSUNTOS:

- Padrão de um administrador criterioso e ordenado em matéria societária (artigo 235º/2 do CCOM)
- Irregularidades graves de funcionamento da sociedade mercantil para efeitos de exame judicial
- Destituição de administrador responsável por irregularidades graves detectadas

SUMÁRIO:

I – O artigo 235º/2 do Código Comercial (CCOM) manda que ss administradores da sociedade comercial devam agir sempre no interesse da mesma e empregar nessa actuação a diligência de um gestor criterioso e ordenado, impondo-se, assim, aos administradores os chamados deveres de cuidado, referentes à disponibilidade, à competência técnica e conhecimento da sociedade, a quem se compete salvaguardar e prosseguir os interesses colectivos do ente societário, dos sócios e dos credores e também dos trabalhadores da própria sociedade.
II – São irregularidades sociais os factos ou comportamentos ou eventos, susceptíveis de lesar os interesses do ente societário, imputados aos administradores, que sejam incompatíveis com as normas estatutárias, ou as normas jurídico-mercantis de carácter imperativo, ou regras de funcionamento deliberadas por órgãos sociais competentes.
III - Constituem irregularidades graves receber remunerações periódicas por parte de uma administradora sem deliberações sociais que assim autorizem, receber fundos transferidos da conta bancária da sociedade após o falecimento do sócio maioritário que era gerente-geral da mesma, para além de não haverem registos devidamente organizados sobre a distribuição de dividendos durante vários anos, e como tal existe fundamento legal suficiente para destituir, ao abrigo do disposto no artigo 211º/5-b) do CCOM, do cargo de administrador a respectiva sócia que acabou por ser benificiária de tais transferências bancárias, por aproveitar as circunstâncias para tirar proveitos que lessem os interesses da própria sociedade.
IV – A destituição de administradora prevista no artigo 211º/5-b) do CCOM não visa indemnizar os prejuízos eventualmente verificados e causados, mas sim acabar com as irregularidades detectadas ao nível do funcionamento da sociedade em causa, cessando a participação na gestão da sociedade comercial por parte da administradora responsável por tais irregularidades (ou por acção ou por omissão).
O Relator,

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Fong Man Chong
Processo nº 139/2020
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 29 de Abril de 2020

Recorrentes : - Companhia Comercial A Limitada (A商行有限公司)
- B (B)

Recorrido : - C (C)

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    Companhia Comercial A Limitada (A商行有限公司) e B (B), Recorrentes, devidamente identificadas nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 30/07/2019, dela vieram, em 28/10/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 2589 a 2595, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. 原審法院在進行司法檢查公司時,對於要求被聲請人提供文件或資料的標準及做法前後不一,有關情況嚴重影響上訴人在訴訟中的參與,亦影響了被上訴判決的判斷。
     2. 原審法院在同一程序中既曾經以批示方式命令被聲請人提供文件或資料,後來卻又表示鑑定人已有足夠權力要求被聲請人提供。
     3. 上訴人已在回覆及提交文件時表示倘鑑定人有需要取得帳目或文件,可以向法院要求,並由法庭作出批示命令上訴提交之。
     4. 實際上,上訴人一直按原審法院所作之批示提交被要求及命令提供文件及資料。
     5. 除法院在程序較後時段不再以批示命令上訴人提交文件外,鑑定人亦沒有直接向上訴人要求取得擬取得的文件及資料,亦因此,上訴人由始至終均未有「拒絕配合」;
     6. 然而上訴人在程序進行中一直有按原審法院所作之批示提供有關文件。
     7. 上訴人在無被要求提交的情況下不可能自行交出鑑定人所需要的文件。
     8. 鑑定人因無相應文件而無法就相應部分發表意見並不可歸責於上訴人。
     9. 在未有任何正式要求或命令的情況下,上訴人未有提供某文件或資料是不可歸責於上訴人的。
     10. 上訴人在整個案件進行中亦多次提出鑑定人有權根據《民事訴訟法典》第1263條第3款c)項的規定請求法官命令無提供資料之人向法院作出陳述(請參閱卷宗第1957頁、第1981頁至1985頁及第1998頁由上訴人所提交的書狀),而原審法院並未有就此作出回應,反而直接作出判決。
     11. 原審法院在鑑定人提交一份基於鑑定人未能取得一定部分的文件或資料(而上訴人願意提交)而製作的鑑定報告後,作出了被上訴判決。
     12. 這樣,被上訴判決的作出對上訴人極為不公平。
     13. 因此,上訴人認為被上訴判決違反了《商法典》第51條、第52條結合《民事訴訟法典》第372條、第461條之規定、《民事訴訟法典》第3條所規定的辯論原則,因上訴人並無機會作出回應;《民事訴訟法典》第6條之規定,基於原審法院未有命令採取必需措施使訴訟正常進行;以及《民事訴訟法典》第1263條及後續數條條文的規定。為此,上訴人認為應撤銷被上訴判決,並命令將案件發回原審法院,並在給予上訴人合理期間提交所被指的已要求的文件後繼續進行本司法檢查案直至最後,繼而作出裁判。
     除上述外,
     14. 原審法院在判決書中指出作出上述決定的主要原因是透過鑑定人報告,並表示依據報告發現公司存有嚴重不當情事。
     15. 在給予充分尊重的前提下,上訴人對於原審法院對事實的認定以及作出決定的理由未能表示認同。
     16. 上訴人認為根據所認定的事實(不包括鑑定人的判斷),被上訴判決並不符合《商法典》第211條第五款的規定。
     17. 首先,上訴人認為公司的帳目中沒有任何不當情事,未能顯示公司任何不當情事。
     18. 上訴人作為一間本澳的有限公司,帳目往來頻繁且所聘用職員的人手有限,而第一上訴人至此並未有因為管理上的任何問題出現導致公司財產有所損失,而公司股東權益亦絲毫無損。
     19. 因此,被上訴判決內所提及到關於公司帳目存有「不當情事」的認定有誤,公司帳目並不存在《商法典》第211條第五款所指的不當情事。因此應裁定原審法院以此為由認定公司存有嚴重不當情事沾有因事實前提錯誤而違反法律的瑕疵,錯誤地適用《商法典》第211條第五款之規定,並撤銷被上訴判決,改為裁定被上訴人經檢查後的帳目並未存有任何不當情事,並判處被上訴人(原聲請人)需支付鑑定人報酬。
     20. 即使公司帳目存有「不當情事」,因被上訴判決中有關對第一上訴人的帳目存有「不當情事」之嚴重性之認定有誤而沾有因事實前提錯誤而違反法律的瑕疵,錯誤地針對第二上訴人適用《商法典》第211條第五款b)項之規定,並撤銷被上訴判決,改為裁定第一上訴人的帳目雖存有不當情事,但其嚴重性並不符合《商法典》第211條第五款b)之規定而足以解任第二上訴人行政管理機關成員的職務。
     21. 另外,被上訴判決基於鑑定人報告列舉了四項原審法院認定的四項「嚴重不當情事」。
     22. 上訴人認為該四項「嚴重不當情事」本質上其實不屬不當情事,又或者該等倘有的「不當情事」根本與第二上訴人無關。
     23. 第一項被提出的不當情事是「第一上訴人的人員聘用和薪酬」,而事實上,所有人員的收取薪酬的名義在本案並無重要性;
     24. 更重要的是基於第二上訴人對公司的管理,鑑定人在報告中的3.1.4中亦提及公司的財務狀況得到顯著的改善,而且有關的人員聘用和薪酬在實際上並無造成公司財產損害、亦對股東權益絲毫無損。
     25. 第二項被提出的不當情事是「欠缺支持性文件的開支」,被上訴判決中指出公司在2013年至2016年中涉及澳門幣1,908,849.00圓的支出項目沒有任何會計文件支持。
     26. 上訴人必須指出,該等開支的名目與實際情況相符,屬公司日常營運的必要開支,而有鑒於本澳的公司帳目上亦經常出現類似情況,所以該等開支具有會計支持文件與否,皆不構成不當情事。
     27. 第三項被提出的不當情事是「盈餘的分派」,被上訴判決指出“(...)這明顯亦是一項在帳目編製上的不當情事(...)”;
     28. 上訴人並不認同,上述屬不當情事,事實上,在本澳的經營環境實踐中,類似情況屢見不鮮。
     29. 事實上,多年來並未有股東提出異議,而且被提出的問題並無對公司財產以及股東權益造成損害。
     30. 第四項被提出的不當情事是「公司銀行帳戶內的不明交易紀錄」,當中涉及被上訴判決所提及的4項交易紀錄;
     31. 上訴人必須指出,關於被上訴判決相應部分的第1.點的交易,公司根本不具備任何正當性收取該等款項,因此將有關款項「物歸原主」屬再正常不過的事情,因此並不構成不當情事。
     32. 而關於另外3項交易紀錄,所有交易均由已去世的D先生作出,與第二上訴人無關。
     33. 因此,被上訴判決內所提及到關於公司的「不當情事」的認定有誤而沾有因事實前提錯誤而違反法律的瑕疵,錯誤地適用《商法典》第211條第五款之規定,因第一上訴人被檢查後並無不當情事。
     34. 因此,被上訴判決內所提及到關於公司存有上述其他方面的「不當情事」的認定有誤,公司並不存在《商法典》第211條第五款所指的不當情事。因此應裁定原審法院以此為由認定公司存有嚴重不當情事沾有因事實前提錯誤而違反法律的瑕疵,錯誤地適用《商法典》第211條第五款之規定,並撤銷被上訴判決,同樣改為裁定被上訴人經檢查後並未存有任何不當情事,並判處被上訴人(原聲請人)需支付鑑定人報酬。
     35. 即使第一上訴人被認定存在上指不當情事,亦應裁定因被上訴判決中有關對第一上訴人存在上指不當情事之嚴重性之認定有誤而沾有因事實前提錯誤而違反法律的瑕疵,錯誤地適用《商法典》第211條第五款b)項之規定,並撤銷被上訴判決,改為裁定第一上訴人雖存有上指不當情事,但其嚴重性並不符合《商法典》第211條第五款b)之規定而足以解任第二上訴人行政管理機關成員的職務。
     36. 承上述第31.條,上訴人澄清有關倘有的不當情事(雖然上訴人認為該等情事不屬不當情事)根本與第二上訴人無關,而作出有關行為之人為已去世的D先生。
     37. 上訴人認為被上訴判決內所提及其所適用的《商法典》第211條第五款b)項,關於公司的「不當情事」應負責的機關據位人為D先生,而非第二上訴人。
     38. 因此,即使第一上訴人被認定存有上指之嚴重不當情事,亦應裁定被上訴判決基於認定應對公司不當情事負責的機關據位人為第二上訴人有誤而沾有因事實前提錯誤而違反法律的瑕疵,針對第二上訴人錯誤地適用《商法典》第211條第五款之規定,因為第二上訴人並非《商法典》第211條第五款b)項所指應負責的行政管理機關據位人。

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    C (C), Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 2605 a 2627, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Vem o Recurso a que ora se responde interposto da decisão proferida pelo douto Tribunal a quo que determinou a destituição da Recorrente B do cargo de gerente da Recorrente A, Lda.
     II. O primeiro vício apontado pelas Recorrentes à decisão em crise é a violação do disposto nos artigos 51.º e 52.º do Código Comercial, conjugado com os artigos 372.º e 461.º do Código de Processo Civil, e do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil, porem a decisão em crise não padece de tal vício.
     III. O artigo 1263.º, n.º 3 do CPC está assim numa relação de especialidade com as normas citadas pelas Recorridas, como sejam os artigos 51.º e 52.º do Código Comercial, conjugados com os artigos 372.º e 461.º do Código de Processo Civil, e dessa norma resulta que o perito nomeado para proceder ao exame, pode solicitar directamente à sociedade em causa os elementos de que careça para proceder ao exame, sem necessidade, seque, de passar pelo crivo do douto tribunal.
     IV. E o alcance desta norma, ficou desde logo patente nos doutos despachos de fls. 348 e 2004, em que o Meritíssimo Juiz determina que se preste a necessária cooperação ao senhor perito.
     V. No caso dos presentes autos, o Senhor Perito sempre solicitou às Recorrentes os documentos de que necessitava através do Tribunal, primeiro remetendo o pedido para o Senhor Juiz e depois requerendo que o seu pedido fosse notificado à examinada, por isso é óbvio que o douto Tribunal a quo ao notificar os pedidos do Senhor perito às Recorrentes, sem mais, lhe estava a determinar que lhes dessem o devido cumprimento, e sempre a hipótese de se pronunciarem a cerca dos mesmos.
     VI. Depois de notificadas do relatório final e das afirmações nele contidas quanto à falta de entrega dos documentos solicitados, as ora Recorrentes alegaram que iriam juntar mais documentos e informações, porém, desde a data em que se pronunciaram, ou seja 14 de Maio 2019, até à data da notificação da sentença 01 de Agosto de 2019, decorreram mais de dois meses as Recorrentes, uma vez mais, não juntaram os documentos que referiram nos pontos 12 e 14 do requerimento supra transcrito.
     VII. Para demonstrar a improcedência do vício assim invocado, chama-se especial atenção de V. Exa. para os requerimentos e despachos constantes de fls. 348-350, 1955-1956, 1957, 1981-1990, 1996-1997, 1998, 2004, 2005-2007, 2008, dos quais resulta que ao longo de todo o processo as Recorrente foram notificadas da necessidade junção de documentos para possibilitar a realização cabal do exame, tendo, na maior parte das vezes tentado justificar a inexistência dos mesmos, noutras juntado elementos incompletos e noutras ignorando os pedidos.
     VIII. Em diversos requerimentos apresentados pelo Senhor perito em juízo e devidamente notificados às Recorrentes, aquele solicitava o contacto direito com as Recorrentes e estas nunca se dignaram, em resposta às suas solicitações, fornecer tais contactos (fls. 348, 1957 e 1996), resultando manifestamente abusivo que venham agora acusar o douto Tribunal a quo de não ter ordenado expressamente a junção de tais documentos ou de lhes não ter conferido, em pleno, o exercício do direito ao contraditório.
     IX. O pagamento injustificado de salários cujo valor, em Maio de 2019, ascendia a MOP$5,737,804.00, é uma irregularidade grave e certamente afecta negativamente as contas da Sociedade, ora 1.º Recorrente.
     X. As Recorrentes não se podem escudar em resultados positivos para não justificarem o pagamento de salários a uma sócia, filha da aqui Recorrente B, que não tem contrato de trabalho com a sociedade e que, até à presente data não se sabe que funções desempenha, e nem a uma administradora, a própria Recorrente B, quando, nos termos da lei é necessária uma deliberação social que legitime tal pagamento.
     XI. A falta de comprovativo de despesas no valor de quase MOP$2,000,000.00 denota não só uma manifesta falta de profissionalismo na organização dos documentos e contas da sociedade, mas também criam uma total impossibilidade de controlo por parte dos sócios e uma violação aos seus direitos de informação e fiscalização, e é assim, como muito bem entendeu o Meritíssimo Juiz a quo, uma irregularidade grave e em relação à qual as Recorrentes não fizeram o mínimo esforço para justificar, invocando apenas que é uma situação comum no seio das sociedade de Macau ...
     XII. O mesmo argumento é utilizado para justificar a distribuição de dividendos entre os anos 2013 a 2016, sem qualquer escrituração e mediante o levantamento directo do montante da conta n.º 591, e em clara desvantagem na parte que cabia ao sócio falecido D foi paga com uma deficiência de MOP$147,524.76.
     XIII. As transferências no montante global de HKD$11.271.032,31 realizadas da conta de D no dia seguinte à sua morte para as contas da Sociedade ora 1.ª Recorrente, foram ordenadas pela ora 2.ª Recorrente, a Senhora B, quem também determinou, subsequentemente, a transferência de igual montante da conta da Sociedade ora 1.ª Recorrente, para a sua conta pessoal...
     XIV. A 2.ª Recorrente fez um uso ilegítimo, e quiçá criminoso, das contas da ora 1.ª Recorrente, o que consubstancia uma irregularidade não grave mas gravíssima ...
     XV. É também absurdo que a Recorrente continue a afirmar que as transferências de HKD$2.000.000,00, para as contas de F (F- F1), B/ G (G - G1) e H (H - H1), sócios da 1.ª Recorrente e filhos da 2.ª Recorrente, no total de HK$6,000,000.00, digam respeito a cheques emitidos pelo Sr. D ainda em vida ...
     XVI. Difícil não seria à 2.ª Recorrente vir aos presentes autos juntar cópia desses alegados cheques e nem de justificar a que título foram emitidos e porque razão só foram descontados tanto tempo depois da sua morte ... mais uma irregularidade gravíssima que fica por explicar e que lesa a 1.ª Recorrente em HK$6,000,000.00.
     XVII. Quanto ao levantamento da conta da 1.ª Recorrente, do valor de MOP$8.400.000,00 e seu subsequente depósito na conta da COMPANHIA DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA I, LIMITADA, as Recorrentes também o atribuem ao Sr. D, porém tais movimentos foi realizados pela 2.ª Recorrente em data em que o Sr. D já estava morto.
     XVIII. É de muito mau tom as Recorrentes querem atribuir ao falecido sócio e administrador D a prática das irregularidades em causa nos presentes autos quando, em primeiro lugar o fazem sem um único elemento de prova e depois quando todas as irregularidades que deram origem à prolação da sentença foram cometidas após a morte do referido sócio ...
     XIX. Resulta assim mais do que demonstrado que a 2.ª Recorrente desde que assumiu sozinha a administração da 1.ª Recorrente, cometeu uma série de graves irregularidades que diminuíram o património social da sociedade em MOP$15,337,804.00 (quinze milhões, trezentos e trinta e sete mil, oitocentas e quatro patacas) e HK$6,000,000.00 (seis milhões de dólares de Hong Kong),
     XX. Resulta também que a 2.º Recorrente determinou o tratamento desigual dos vários sócios, e nomeadamente em detrimento da herança do sócio D, no que respeita à diferença verificada nos dividendos distribuídos à herança do sócio D,
     XXI. Resulta também dos elementos dos autos que a Recorrente B utilizou as contas da Sociedade Requerida para fins ilícitos, ao movimentar valores (HK$11,271,032.31), que ilegitimamente e criminosamente retirou das contas bancárias pessoais do falecido sócio D no dia seguinte à sua morte e
     XXII. Resulta também que a Recorrente B adoptou ao longo de todo este processo, e mesmo antes do mesmo se iniciar, uma atitude de falta de cooperação e de ocultação de elementos,
     XXIII. Tudo isto foi devidamente valorado pelo douto Tribunal a quo e levou-o a proferir a decisão sob recurso e a qual não padece de nenhum dos vícios que lhe são apontados pelas Recorrentes, designadamente dos artigos 51.º e 52.º do Código Comercial, conjugado com os artigos 372.º e 461.º do Código de Processo Civil, e do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil ou do artigo no n.º 5 do artigo 211.º do Código Comercial.

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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     - 除載於卷宗第236頁至244頁的判決書內獲得證實的事實外,基於沒有當事人就鑑定報告內針對第一被聲人的公司狀況有關的事實提出質疑,法庭視報告內的相關內容為已確定的事實(見卷宗第2428頁至第2462頁,其內容在此視為獲完全轉錄),尤其是報告內就第一被聲請人於2013年至2016年年度期間內的收入、支出、資產、負債及資本方面有關的事實,以及於2012年期間關於第一被聲請人持有的銀行帳戶交易明細等資料視為獲得證實。

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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:

I. 概況
在本案中,經命令對第一被聲請人進行司法檢查後,法庭委任了鑑定人以對第一被聲請人在經營活動上可能出現的不當情事進行調查,鑑定人隨後提交了載於卷宗第2428頁至第2532頁的鑑定報告。
雙方當事人在收到有關鑑定報告後,亦發表了彼等的意見。(見卷宗第2541頁至2542頁和第2558頁至2568頁)。
被聲請人在其回覆中沒有就報告內指出的事實提出爭執,其僅就鑑定人提出的疑問部份作出補充說明。此外,兩名被聲請人在答覆的第12點及18點內提到會附入更多鑑定人要求提供的文件,但時至今天未見被聲請人提交更多的文件。有必要指出的一點是,根據《民事訴訟法典》第1263條第3款的規定,鑑定人有權檢查公司之財產、簿冊及文件,以及收集公司據位人提供之書面資料,所以鑑定人是有權要求兩名被聲請人提供鑑定報告附件三內列出的全部文件,而事前毋須獲得法庭的批准,因此,被聲請人不能以欠缺法庭的命令而拒絕配合,而法庭亦不會再額外給予期限予被聲請人補交文件,因為在案件進行期間如被聲請人有意配合鑑定人的要求,其絕對有充份時間作出準備。
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II. 事實
除載於卷宗第236頁至244頁的判決書內獲得證實的事實外,基於沒有當事人就鑑定報告內針對第一被聲人的公司狀況有關的事實提出質疑,法庭視報告內的相關內容為已確定的事實(見卷宗第2428頁至第2462頁,其內容在此視為獲完全轉錄),尤其是報告內就第一被聲請人於2013年至2016年年度期間內的收入、支出、資產、負債及資本方面有關的事實,以及於2012年期間關於第一被聲請人持有的銀行帳戶交易明細等資料視為獲得證實。
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III. 理由說明
接下來,須分析由鑑定人提交的鑑定報告,雖然鑑定人在報告內曾多次指出由於被聲請人無法提交文件,因而無法就相應部份發表意見,然而,相關部份應無礙法院對司法檢查的結果下結論。
鑑定報告內列出了多項大大小小的疑問,但法庭認為當中較為嚴重且被聲請人是無合理解釋的有以下事項﹕
A. 第一被聲請人的人員聘用和薪酬
在報告第3.3.1的列表內,第一被聲請人須向B(第二被聲請人)、G、J、K、L、M及N支付薪酬,其中只有K及M是有簽訂勞動合同,被聲請人未能提交其餘人士的勞動合同,亦不清楚其餘人士的職務和工種,在他們當中,B自2014年5月起收取澳門幣50,000的報酬,而G則收取澳門幣35,000.00圓的報酬。
關於這一方面,被聲請人的解釋是隨著公司業務的發展需要聘請更多人員,亦有賴B及G出色的表現,公司在數年間的收入獲得顯著增長。
先不論公司的增長是否與二人有關,但在公司管理上明顯有不當的地方。首先,B與G本身便具有股東身份,而B根據公司的商業登記所示,其更是公司的行政管理機關成員之一,根據《商法典》第387條第1款的規定,行政管理機關成員有權收取報酬,但須交由股東議決訂定,因此,無任何文件支持下,根本無法得悉二人是以什麼名義收取有關報酬,如果B是以行政管理機關的報酬的名義收取有關款項,那麼,就必須有股東會的決議作為依據。而就其他人員方面,雖然勞動合同的訂立不一定以書面方式為之,但在本案中,被聲請人無解釋為何部份人員有以書面方式訂立合同,相反,職位和報酬較高的人員反而無法提交他們的聘用合約。
有關人員的工資,根據鑑定人的意見,實構成第一被聲請人的開支最重要的一部份,因此,為保障股東的利益,不應出現此等情況,尤其涉及B在沒有股東決議許可下收取報酬的部份,有關行為將可能損害公司的資產。
B. 欠缺支持性文件的開支
在鑑定報告第3.3.8項內,鑑定人發現在2013年至2016年期間,第一被聲請人的支出中,有若干項目是有欠支持性文件,包括房屋稅、消遣性開支、管理及保安開支、律師費用以及其他未明的雜項開支等,有關支出項目都沒有任何會計文件予以支持,涉及澳門幣1,908,849.00圓。
這明顯也構成一項嚴重的不當情事,至少反映出公司在帳目上的管理失當和混亂,倘若漠視這種情況,將無法有效監管公司所支付的金額是否用於適當的開支項目上,亦無法預防公司的資產遭濫用或挪用的情況,而有關情況是發生在第二被聲請人接管公司後的期間內,第二被聲請人責無旁貸。
C. 盈餘的分派
另外,鑑定人在報告第3.6.9.項內,亦指出有關公司於2013年至2016年年度的分派盈餘方面,並沒有作出任何分派盈餘的記帳,而只是從編號591的帳戶內直接提取,這明顯亦是一項在帳目編製上的不當情事,對此,被聲請人沒有給予回應或解釋。
D. 公司銀行帳戶內的不明交易紀錄
根據鑑定人報告內的第4項的內容,鑑定人嘗試重整有關被聲請人於2012年的財務狀況,在過程中發現涉及第一被聲請人的工商銀行帳戶內有多項性質未明的交易,包括﹕
1. 在工商銀行的帳戶01191001000********內,於2012年8月22日,同一時間有三筆合共港幣11,271,032.31圓的不知明存款由D的個人銀行帳戶轉出並轉入至上述帳戶內,但問題是,D早於上述轉帳操作的前一天(即2012年8月21日)經已去世。及後,於2012年12月11日,在相同的帳戶內,轉出了一筆金額為港幣11,271,032.31圓至第二被聲請人B的個人帳戶內,轉帳原因未明。對此,被聲請人的解釋是因錯誤轉帳而導致上述操作,然而,對所發生的事件作推演,的確會發現許多可疑的地方,既然D已於轉帳的前一天死亡,那麼,是誰人“錯誤地”作出上述轉帳?此外,由公司的帳戶內轉出相同金額予B的行為涉及公司章程第6條第6款d項的權限(見卷宗第2148頁),且根據公司章程第6條第4款a項,有關涉及銀行存款的提取只能由公司的董事長D作出,但正如前,D早於2012年8月21日逝世,其不可能作出有關操作,而B是於2013年4月19日才被委任為待分割財產管理人(在D的遺產案內),因此,作為公司當時的董事的B不應有權作出有關行為,此處明顯存有嚴重的不當情事。
2. 此外,分別於2012年9月7日、2012年9月10日及2012年10月16日,由公司於工商銀行編號01191001000********的帳戶內,先後有三筆每筆港幣2,000,000.00圓的款項轉帳至F、B/G和H的銀行帳戶內,原因不明。就此,被聲請人的解釋是三筆轉帳是基於D生前所開立的支票而作出,可是,被聲請人沒有提供任何文件支持,此外,即使是因D開立了相關支票,需要提出的問題仍然是,公司為何需要作出有關支付?直至目前為止,無人給予相關解釋。
3. 同樣地,於2012年5月23日,亦有一筆為數港幣5,846,499.03圓的金額被提取,原因不明。
4. 另外,於2012年8月22日,有一筆為數澳門幣8,400,000.00圓的款項由第一被聲請人於工商銀行編號01191001000********的澳門幣帳戶內被提取,並存入至I保安有限公司內(見卷宗第2390頁所載的銀行帳戶交易明細紀錄光碟),原因不明。對此,被聲請人沒有作出任何解說。
*
以上是法庭從鑑定人報告內總結出較為嚴重和值得關注的不當情事,不難發現,在第一被聲請人身上發生的問題大多涉及資金去向不明、記帳混亂或不妥善,以及公司行政管理機關權力不當被行使的問題,這些問題都會影響公司的運作、監管和資產管理,直接影響公司股東的利益。法庭留意到第一被聲請人的各名股東的身份,他們之間都是具有親屬關係,所以第一被聲請人實際上是一間家族公司,然而,這絕非等同第一被聲請人的資產得任意地成為家族成員的私人錢包,因為第一被聲請人在法律上是一間按照澳門法律成立的公司,具有法律人格,且需要遵守《商法典》及其他法例的規管,不能夠將公司的資產與股東的資產相混淆,經進行司法檢查後,法庭認為第一被聲請人內部有著嚴重的資產和帳目管理問題,有關問題有的是自公司股東及行政管理機關成員之一的B接管公司後發生的(2013年至2016年期間),也有的是在接管前和D死亡後發生的,然而,不難發現大部份的不當情事都是與第二被聲請人B有直接關的,因此,第二被聲請人B在成為公司唯一一位行政管理機成員後須對公司出現的不當情事負責。
考慮到不當情事的嚴重性(包括卷宗第236頁至244頁的判決書指出的不當情事),以及在司法檢查過程中第二被聲請人面對鑑定人的配合程度,法庭認為不宜由B繼續擔任公司的行政管理機關成員,否則將無助糾正公司的不規則狀態,相反甚至會妨礙消除該等不當情事的工作,因此,應根據《商法典》第211條第5款b項的規定,解除B在A商行有限公司的行政管理機關成員(董事)的職務。
至於聲請人於卷宗第2568頁提出要求判處B返還澳門幣15,337,804.00圓及港幣6,000,000.00圓的請求,須指出的是,本案的目的旨在對公司的不當情事進行調查,而非追究行政管理機關成員的責任,而且,在本案中,法庭並沒有對B有否挪用及濫用公司資產的事實作出審理,因此,聲請人提出的請求明顯無法在本案得到處理,現決定不受理有關聲請。
由於經檢查後,發現公司的確存有嚴重不當情事,案件的訴訟費用及鑑定人的報酬(見卷宗第2425頁至2427頁)須由第一被聲請人承擔,如第一被聲請人有意針對第二被聲請人行使求償權應另提案件,以作出適當審理。
*
IV 決定
綜上所述,現根據《民事訴訟法典》第1267條第1款結合《商法典》第211條第5款b項及第6款的規定,現決定解除第二被聲請人B在A商行有限公司內的行政管理機關成員(董事)的職務。
案件的訴訟費用及鑑定人的報酬由第一被聲請人承擔,現訂定鑑定人的報酬為澳門幣200,000.00圓。
作出通知及適當措施。
    Quid Juris?
    As Recorrentes entendem que as irregularidades detectadas não são graves, e como tal não se verificam os pressupostos do artigo 211º do CCOM (Código Comercial de Macau), e do mesmo modo, como a 2ª Recorrente, B, administradora, não é responsável por tais irregularidades, há erro nos pressupostos de facto e de direito, motivos pelos quais se deve proceder à anulação da sentença recorrida.
    Ora, está em causa a aplicação do artigo 211º (Exame judicial à sociedade) do CCOM que dispõe:
1. Se algum sócio tiver fundadas suspeitas de graves irregularidades na vida da sociedade pode, indicando os factos em que se fundamentam as suspeitas e quais as irregularidades, requerer ao tribunal a realização de exame à sociedade para apuramento destas.
2. O tribunal, ouvida a administração, pode ordenar a realização do exame, nomeando para o efeito um auditor de contas.
3. O auditor de contas deve ser indicado pela entidade com a devida competência.
4. O tribunal pode, se assim entender conveniente, condicionar a realização do exame à prestação de caução pelo requerente.
5. Apurada a existência de irregularidades, o tribunal pode, atenta a gravidade das mesmas, ordenar:
a) A regularização das situações ilegais apuradas, para tanto fixando prazo;
b) A destituição dos titulares de órgãos sociais responsáveis pelas irregularidades apuradas;
c) A dissolução da sociedade, se forem apurados factos que constituam causa de dissolução.
6. Apurada a exstência de irregularidades, as custas do processo, a remuneração do auditor referido no n.º 2 e as despesas que o requerente fundadamente tenha realizado, serão suportadas pela sociedade que terá direito de regresso contra os titulares de órgãos sociais responsáveis pelas irregularidades.
7. Idêntico exame judicial à sociedade pode ser requerido pelo conservador do registo comercial sempre que a omissão de actos de registo ou o teor de documentos levados a registo indiciem a existência de irregularidades que, após notificação à administração, não sejam sanadas.
    Ora, após realizadas as diligências pertinentes, foram apontadas as seguintes, mais importantes, 4 irregularidades ligadas ao funcionamento da 1ª Recorrente (Sociedade comercial em causa), em torno das quais o Tribunal recorrido argumentou:
    “(…)
Quanto a estas irregularidades, por nos parecer muito clara, esclarecedora e inatacável passamos a transcrever a sentença recorrida:
"A. Contratação e retribuição de trabalhadores da 1ª Requerida
Na tabela 3.3.1 do relatório, a 1ª Requerida é preciso pagar retribuição à B (2ª Requerida), G (G-G1), J (J), K (K), L (L), M (M) e N (N), dentro do qual, apenas a K (K) e a M (M) assinaram o contrato de trabalho. A Requerida não conseguiu apresentar o contrato de trabalho de outras pessoas nem soube as funções e o género de trabalho das outras pessoas, dentro do qual, a partir do Maio de 2014, a B recebia remuneração de MOP50.000 e a G (G- G1) recebia remuneração de MOP35.000,00.
Quanto a este aspecto, a explicação da Requerida foi, com o desenvolvimento da actividade da Companhia, precisava de contratar mais trabalhadores, ainda, graças aos excelentes desempenhos da B e da G (G - G1), as receitas da Companhia destes anos tiveram crescimentos significativos.
Não discutimos primeiramente se os crescimentos da Companhia foram relacionados com as duas pessoas, mas, tinha situação indevida óbvia na gestão da Companhia. Primeiramente, a B e a G (G - G1) contêm qualidade de sócio, ainda, conforme o registo comercial da Companhia demonstrou que a B é também uma das administradoras da Companhia. Por força do no 1 do artigo 387º do Código Comercial, os administradores têm direito de receber remuneração, mas tem de ser fixada por deliberação dos sócios. Deste modo, sem suporte pelos quaisquer documentos, não é possível saber qual foi o título que as duas pessoas receberam as relativas remunerações. Caso a B tivesse recebido a relativa verba com a título da remuneração da administradora, assim, sendo obrigado a ter deliberações da assembleia de sócios como fundamento. No que diz respeito a outras pessoas, embora a celebração de contrato de trabalho não seja necessariamente por escrito, na presente causa, a Requerida não explicou porque é que algumas pessoas celebraram o contrato por escrito, contrariamente, não conseguindo apresentar os contratos de contratação das pessoas de cargo e de remuneração mais alta.
No que concerne aos salários dos trabalhadores, de acordo com as opiniões do perito, constituíram, de certeza, uma das partes mais importantes das despesas da 1ª Requerida, assim, para assegurar os interesses dos sócios, não deve acontecer estas situações, particularmente, a parte da B que recebeu remuneração sem deliberações dos sócios e o concernente comportamento terá a possibilidade de prejudicar o bem social.
B. Despesas que faltam documentos de suporte
Na alínea 3.3.8 do relatório pericial, o perito descobriu que nas despesas da 1ª Requerida durante os anos de 2013 a 2016, alguns itens faltam documentos de suporte, incluindo, contribuição predial, despesas recreativas, despesas de gestão e de segurança, honorários de advogado, outras diversas despesas e entre outras despesas. As pertinentes despesas de itens não têm quaisquer documentos contabilísticos para suportá-las, tendo envolvido MOP1.908.849,00.
É óbvio que constituem também uma irregularidade grave, pelo menos, reflectiu que houve situações inadequadas e confusão na gestão da conta da Companhia. Caso ignore a situação deste tipo, não conseguirá supervisionar e gerir eficazmente se os montantes pagos pela Companhia tivessem aplicados nos itens de despesas adequadas nem conseguirá prevenir as situações de abusos ou de desvios de bem social, porém, a situação em apreço aconteceu após a 2a Requerida assumir a Companhia e a 2ª Requerida tem de assumir a responsabilidade em vez de se descartar dela.
C. Distribuição de dividendos
Por outro lado, o perito apontou, na ali. 3.6.9. do relatório que, em relação à distribuição de dividendos entre os anos 2013 a 2016, a companhia não fez qualquer escrituração da distribuição de dividendos, apenas levantou directamente o montante da conta n.º 591, isto demonstra a irregularidade para elaboração da conta. Contudo, a Requerida não respondeu ou explicou o assunto referido.
D. Registo da transferência desconhecida na conta bancária da companhia
De acordo com teor da ali. 4 do relatório do perito, o perito tentou organizar novamente a finança das requeridas em 2012, descobrindo várias transferências desconhecidas na conta bancária da ICBC da 1ª requerida, incluindo o seguinte:
1. Em 22 de Agosto de 2012, a conta bancária própria do Sr. D transferiu o montante total de HKD$11.271.032,31 por 3 vezes, ao mesmo tempo, para a conta da ICBC n.º 01191001000********; porém, antes do 1.º dia da transferência (21/8/2012), o Sr. D já falecera. A seguir, em 11 de Dezembro de 2012, o montante de HKD$11.271.032,31 na conta bancária referida foi transferido para a conta própria da 2ª Requerida B, sendo a razão da transferência desconhecida. Deste modo, a 2ª Requerida B explicou que o montante foi transferido erradamente, mas com o acontecimento do caso (transferência do montante) pôde-se descobrir várias coisas suspeitas, porque o Sr. D já falecera 1 dia antes de dia de transferência, então, quem transferiu erradamente o montante referido? Para além disso, a transferência do mesmo montante para 2ª Requerida B envolve o poder da ali. d) do n.º 6 do art.º 6º dos Estatutos da Sociedade Comercial (vide fl. 2148 dos autos). No termos do ali. a) do n.º 4 do art.º 6º dos Estatutos do Sociedade Comercial, o levantamento do depósito apenas podia ser executado pelo presidente do conselho de administração Sr. D, ora, Sr. D já falecera em 21 de Agosto de 2012, portanto, ele não conseguia transferir o montante. Por outro lado, a 2ª Requerida B foi incumbida com o cargo de cabeça-de-casal em 19 de Abril de 2013 (no caso do património hereditário do Sr. D), por isso, a 2ª Requerida B (desempenhava o cargo da administradora naquela tempo) não tinha o direito da transferência do montante, existindo claramente irregularidades graves no caso.
2. Além disso, em 7 de Setembro de 2012, 10 de Setembro de 2012 e 16 de Outubro de 2012, foram levantados HKD$ 2.000.000,00 com razão desconhecida, por 3 vezes (com valor total de HKD$ 6.000.000,00) da conta bancária da ICBC n.º 01191001000********, para as contas de F (F- F1), B/ G (G - G1) e H (H - H1). A Requerida explicou que essas 3 transferências basearam-se em cheques abertos do Sr. D enquanto ainda não falecera. Contudo, a Requerida não apresentou qualquer documento para suportar a explicação dela, além disso, apesar de Sr. D abrir o cheque relacionado, mas a questão que permanece é porque é que a companhia precisava de realizar esse pagamento? Até hoje, ninguém explicou os assuntos do pagamento.
3. Ao mesmo tempo, em 23 de Maio de 2012, o montante de HKD$ 5.846.499,03 também foi levantado por razão desconhecida.
4. Por outro lado, em 22 de Agosto de 2012, MOP$ 8.400.000,00 da verba foi levantado pela 1ª Requerida na conta bancária do ICBC (MOP) n.º 01191001000********, a seguir, depositou-a, com razão desconhecida, na COMPANHIA DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA I, LIMITADA (I保安有限公司) (vide registo da transferência da conta bancária no CD da fl. 2390 dos autos). Porém, a Requerida não fez a explicação sobre os assuntos da transferência.
*
O teor supramencionado constitui um caso com gravidade e notabilidade, concluído pelo Tribunal por meio do relatório de perícia; a maioria das questões da 1ª Requerida envolvem o destino desconhecido dos bens da companhia, a conta confusa ou desadequada, bem como o poder do órgão de administração ser executado indevidamente. Estas questões também prejudicaram o funcionamento, supervisão e administração dos bens da empresa, no fim, o benefício dos accionistas da companhia foi directamente prejudicado. Por outro lado, o Tribunal atendeu que todos accionistas eram familiares, por isso, a 1ª Requerida é uma companhia familiar porém, os bens da 1ª Requerida não podiam ser arbitrariamente a carteira própria da família, por causa da 1ª Requerida ser uma companhia que foi fundada de acordo com Direito de Macau e tem personalidade jurídica, também precisando de respeitar a regulação do Código Comercial e das demais disposições, sendo assim, os bens da companhia não podiam ser confundidos com os bens dos accionistas. Após a inspecção judicial, o Tribunal considera que existem questões graves nos bens e a administração da conta da 1ª Requerida, a questão aconteceu depois da 2ª Requerida B (um dos membros da órgão da administração (durante 2013 a 2016) começar a gerir a empresa, e também aconteceu antes da empresa aquisitiva pela 2ª Requerida B e após o falecimento do Sr. D. Contudo, a maior parte das acções impróprias tinham relação directa com a 2ª Requerida, portanto, a 2ª Requerida B precisa de assumir a responsabilidade pela irregularidade da companhia depois de se tornar no único membro do órgão da administração.
Tendo em conta a gravidade das irregularidades (incluindo a parte das acções impróprias nas fls. 236 a 244 da sentença dos autos), bem como o nível de colaboração da 2ª requerida B perante o perito durante exame judicial, o Tribunal considera que a 2ª Requerida B não está adequada a continuar a desempenhar o cargo de membro da administração da companhia, senão, as irregularidades da companhia não serão corrigidas, pelo contrário o cargo da 2ª Requerida B impedirá a resolução das irregularidades. Sendo assim, nos termos da ali. b) do n.º 5 do art.º 211º do Código Comercial, remove-se o cargo (administrador) de membro administrativo da 2ª Requerida (B) da COMPANHIA COMERCIAL A LIMITADA."
(…)”.

    Ora, em matéria de gestão societária, o legislador manda que os comportamentos dos administradores devam pautar-se pelo critério de bom pai da família, tal como se prescreve no artigo 235º (Competência da administração) do CCOM, que estipula:
1. À administração das sociedades compete gerir e representar a sociedade, nos termos fixados para cada tipo de sociedade.
2. Os administradores da sociedade devem agir sempre no interesse da mesma e empregar nessa actuação a diligência de um gestor criterioso e ordenado.
3. Independentemente de autorização expressa nos estatutos, a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral ou do conselho de administração, caso exista, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio que se integre no seu objecto ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos ou contratos ou, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos.
4. A sociedade responde civilmente pelos actos e omissões das pessoas referidas nos n.os 2 e 3 nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos e omissões dos comissários.
    O padrão de “gestor criterioso” foi adoptado pelo legislador mercantil de Portugal ao elaborar a norma do artigo 64º do CCOM, que veio a ser alterada posteriormente. Mas aquando da vigência daquele critério, escreveu o Prof. António Menezes Cordeiro:
     “22. Normas de conduta; a) Deveres de cuidado
     I. O primeiro ponto a esclarecer será o seguinte: o artigo 64.°/1 compreende regras de responsabilidade civil ou normas de conduta? Directamente, pretende reger a actuação dos administradores ou fixar consequências no caso de violação de (outras) normas?
     Esquecendo o negligence law, estamos perante normas de conduta. Sistematicamente, o artigo 64.° está desligado dos preceitos relativos à responsabilidade dos administradores. A própria epígrafe, conquanto que exagerada, aponta, também, no mesmo sentido. Finalmente: tal como estão articulados, os deveres de cuidado — melhor seria: de procedimento — e de lealdade são mesmo normas de conduta. Quando violadas, teremos de fazer apelo a outras regras — culpa, ilicitude, dano e causalidade, entre outras — para determinar uma eventual responsabilidade civil.
     II. Esclarecido esse ponto, passemos aos deveres de cuidado. Tais deveres parecem reportar à disponibilidade, à competência técnica e ao conhecimento da sociedade. Na realidade, estes três elementos constituem outros tantos deveres, que explicitam, em moldes não taxativos, o teor do tal “cuidado”. Se procurarmos generalizar encontramos o conteúdo positivo da gestão. Ou seja: os administradores devem gerir com cuidado, o que implica, designadamente, a disponibilidade, a competência e o conhecimento.
     Trata se de matéria a clarificar caso a caso. Donde a referência: “adequados às suas funções”. A partir daqui jogaram os códigos de governo das sociedades.
     23. Segue; b) Deveres de lealdade e interesses a atender
     I. Seguem se os deveres de lealdade. Abreviando, podemos considerar que se trata de deveres fiduciários, que recordam estar em causa a gestão de bens alheios. Os administradores são leais na medida em que honrarem a confiança neles depositada. Ficam envolvidas as clássicas proibições já examinadas: de concorrência, de aproveitamento dos negócios, de utilização de informações, de parcialidade e outros. Ainda a mesma lealdade exige condutas materialmente conformes com o pretendido: não meras conformações formais.
     II. A lealdade que se impõe é o, naturalmente: à sociedade o que é dizer, aos sócios, mas em modo colectivo. As referências aos interesses de longo prazo dos sócios e aos dos stakeholders — especialmente, trabalhadores, clientes e credores — só podem ser tomadas como uma necessidade de observar as competentes regras. Para além delas, os administradores estão ao serviço da sociedade: ou a pretendida competitividade das sociedades portuguesas será uma completa miragem. Quanto aos sócios e aos interesses a curto, a médio e a longo prazo: teremos de fazer apelo às regras (diversificadas) do governo das sociedades para dispor de um quadro inteligível e, eventualmente: de critérios de decisão. O artigo 64.°/1, b), embora rico, nunca poderia resolver tal nó górdio. A referência legal vale, pois, como uma prevenção e como um novo apelo aos códigos de corporate governance.
     24. A bitola de diligência
     I. A bitola de diligência, apesar de desgraduada para o final do artigo 64.°/1, a), conserva todo o seu relevo. Desde logo, em termos literais: “nesse âmbito” — portanto: o âmbito em que os administradores devem empregar a diligência de um gestor criterioso e ordenado — reporta se às “suas funções”: não apenas aos deveres de cuidado. Obviamente: o administrador deve ser diligente na execução de todos os seus deveres e não, apenas, nos de cuidado.
     II. A diligência, enquanto medida objectiva e normativa do esforço exigível, mantém se, tudo visto, como uma regra de conduta incompleta: mas regra que dobra toda as outras, de modo a permitir apurar a efectiva actuação exigida aos administradores. (…)”.
    (Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades, em ROA, 66º, Set. 2006, pas. 443 a 488).
    E, ao nível jurisprudencial, já se tem vindo a defender as seguintes ideias:
“I - Haverá fundamento para a destituição de um gerente, quando na sequência da violação grave dos seus deveres, não seja justo exigir que a sociedade a mantenha nesse cargo.
II – Os gerentes que, por sistema, cumprem tardiamente (3 ou 2 anos depois) o seu dever de relatar a sua gestão e de apresentar as contas da mesma, não actuam segundo os critérios de um gestor criterioso e ordenado, havendo por isso justa causa para a sua destituição.
III – (…)”
(Ac. RP, de 9/4/2001, Col. Jur. 2002, 2º -88).

“I – O administrador de sociedade tem um dever de gestão.
II – O conteúdo deste dever é concretizado pelo interesse social, pelas leges artis da gestão da empresa e pelo critério de diligência de um gestor criterioso e ordenado.
III – O dever de gestão compreende (nomeadamente) o dever de obtenção de informação no iter decisional e o dever de não tomar decisões irracionais.
IV – (…)”
     (Ac de 27/10/2003, CJ/STJ, 2003, 3º-17).


    No caso em apreciação, importa destacar os seguintes pontos mais importantes:
    - A 2ª Recorrente (titular de uma quota no valor de MOP$20,000.00, sendo o capital social MOP$100000.00, outra quota inicialmente pertencia ao sócio falecido, que depois veio a ser dividido em 4 quotas, 3, cedidas para 3 pessoas diferentes, detendo cada uma delas uma quota no valor de MOP$10,000.00 (supõe-se que são filhos do sócio falecido, por ter o mesmo apelido), ele mantinha, à data do falecimento, uma quota no valor de MOP$50,000.00) é administradora, gerente da 1ª Recorrente, enquanto o sócio falecido era gerente-geral, que detinha toda a competência da gestão da sociedade em causa, conforme o registo comercial junto aos autos;
    - Ficou provado que, desde Maio de 2014, esta administradora B, conjuntamente com outros 7 indivíduos recebia “remuneração mensal” no valor de MOP$50,000.00, dos quais apenas 2 pessoas que chegaram a assinar contratos de trabalho com a respectiva sociedade (K e M);
    - Ficou provado também que, em 22/08/2012, dia seguinte ao dia (21/08/2012) em que faleceu o ex-gerente-geral, Sr. D, houve 3 transferências bancárias feitas da conta da 1ª Recorrente(sociedade), sendo uma das verbas transferida mediante terceiro para a conta da administradora (B) no valor de 11,271,032.31 de dólares de HK;
    - Provou-se ainda que, em Setembro de 2012, houve mais transferência de verbas da conta da sociedade (1ª Recorrente) para a conta bancária da administradora B. Por um lado, esta era gestora da sociedade comercial em causa, por outro, ela era também destinatária (beneficiária) das transferências bancárias e da “remuneração mensal estranha” acima citada. Nestes termos, tal como se afirmou a doutra decisão recorrida, a permanência desta gestora na administração societária não contribui em nada para o saneamento das irregularidades detectadas.
    Tudo isto constitui irregularidades ao nível de funcionamento de uma sociedade comercial! E elas são graves?
    Para nós, a resposta é, sem sombra de dúvidas, positiva, tendo em conta o valor elevado de quantias envolvidas, o número de vezes das ocorrências e a natureza dos factos concretos detectados, que constituem violação de normas estatutárias e normas de carácter imperativa do CCOM, com o que se ferem os interesses da própria sociedade, e também os interesses de demais sócios (ou até eventualmente os interesses de credores da própria sociedade), e tal violação atinge um grau de insuportabilidade. O que denota a gravidade da situação.
    É certo que a 2ª Ré não geriu efectivamente a sociedade, mas ela aproveitava as circunstâncias, mormente depois de falecimento do sócio maioritário, praticando actos desconforme aos interesses da própria sociedade, a que se acrescenta ainda uma outra circunstância agravante que é a de ter sido nomeada para o cargo da administradora da herança indivisa no processo de inventário do falecido D.
    Pelo que, não resta dúvida que estão prenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 211º/5 do CCOM, o que impõe à manutenção da sentença recorrida, julgando-se improcedentes os argumentos produzidos pelas Recorrentes neste recurso.
*
    Síntese conclusiva:
    I – O artigo 235º/2 do Código Comercial (CCOM) manda que ss administradores da sociedade comercial devam agir sempre no interesse da mesma e empregar nessa actuação a diligência de um gestor criterioso e ordenado, impondo-se, assim, aos administradores os chamados deveres de cuidado, referentes à disponibilidade, à competência técnica e conhecimento da sociedade, a quem se compete salvaguardar e prosseguir os interesses colectivos do ente societário, dos sócios e dos credores e também dos trabalhadores da própria sociedade.
    II – São irregularidades sociais os factos ou comportamentos ou eventos, susceptíveis de lesar os interesses do ente societário, imputados aos administradores, que sejam incompatíveis com as normas estatutárias, ou as normas jurídico-mercantis de carácter imperativo, ou regras de funcionamento deliberadas por órgãos sociais competentes.
    III - Constituem irregularidades graves receber remunerações periódicas por parte de uma administradora sem deliberações sociais que assim autorizem, receber fundos transferidos da conta bancária da sociedade após o falecimento do sócio maioritário que era gerente-geral da mesma, para além de não haverem registos devidamente organizados sobre a distribuição de dividendos durante vários anos, e como tal existe fundamento legal suficiente para destituir, ao abrigo do disposto no artigo 211º/5-b) do CCOM, do cargo de administrador a respectiva sócia que acabou por ser benificiária de tais transferências bancárias, por aproveitar as circunstâncias para tirar proveitos que lessem os interesses da própria sociedade.
    IV – A destituição de administradora prevista no artigo 211º/5-b) do CCOM não visa indemnizar os prejuízos eventualmente verificados e causados, mas sim acabar com as irregularidades detectadas ao nível do funcionamento da sociedade em causa, cessando a participação na gestão da sociedade comercial por parte da administradora responsável por tais irregularidades (ou por acção ou por omissão).
*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra.
*
    Custas pelas Recorrentes.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 29 de Abril de 2020.

(Relator)
Fong Man Chong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho




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